quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Sobre Zumbi

Ah muito tempo, não postava por aqui um texto de minha própria autoria e com um pouco mais de reflexões. Espero que gostem dessa pequena reflexão. Buscamos a partir da palavra Zumbi, descrever toda a carga polifônica e simbólica da idéia sobre Zumbi.

Sobre Zumbi

Zumbi é uma palavra interessante em sua polifonia: Zumbi para alguns é um Herói Nacional, inclusive com assento no Panteão dos Heróis Nacionais (sim existe um panteão de heróis brasileiros). Para muitos outros ele é o próprio símbolo da luta do Negro Brasileiro, para outros praticantes da adoração das almas (uma das vertentes das religiões afro-brasileiras) trata-se de um espírito elevado, para outra tradição a Angola é uma das corruptelas gramaticais a representar o próprio Criador, ZAMBI. Para alguns estudiosos tratar-se-ia de um cargo político de nobreza. Assim Zumbi seria uma espécie de Rei Guerreiro.

Para Gilberto Gil, Zumbi é um guerreiro, um santo protetor da liberdade negra. Em sua literatura Zumbi, tal qual sua função de senhor das guerras, se confunde com Ogum, o Deus do Metal e da Guerra.

Zumbi (A felicidade guerreira)

Zumbi, comandante guerreiro
Ogunhê, ferreiro-mor capitão
Da capitania da minha cabeça
Mandai a alforria pro meu coração

Minha espada espalha o sol da guerra
Rompe mato, varre céus e terra
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira
Do maracatu, do maculelê e do moleque bamba

Minha espada espalha o sol da guerra
Meu quilombo incandescendo a serra
Tal e qual o leque, o sapateado do mestre-escola de samba
Tombo-de-ladeira, rabo-de-arraia, fogo-de-liamba

Em cada estalo, em todo estopim, no pó do motim
Em cada intervalo da guerra sem fim
Eu canto, eu canto, eu canto, eu canto, eu canto, eu canto assim:

A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!
A felicidade do negro é uma felicidade guerreira!

Brasil, meu Brasil brasileiro
Meu grande terreiro, meu berço e nação
Zumbi protetor, guardião padroeiro
Mandai a alforria pro meu coração

(Gilberto Gil)

O fato é que a palavra Zumbi é carregada de significação entre as vitimas da diáspora africana, assim a mesma expressão surge também no Haiti (ah o Haiti primeiro estado independente das Américas, primeira Republica, ah o Haiti o primeiro grande Quilombo, o primeiro governo negro das Américas e todas as guerras posteriores e seus ditadores títeres do grande Brother Tio Sam). No Haiti, Zumbi é o Capitaine Zombi: um dos membros da Falange dos Cemitérios. Sua função é punir o crime dos mortos.

Voltando ao Brasil, o dicionário nos informa que Zumbi é: 1- líder do Quilombo dos Palmares; 2- fantasma que vaga pela noite; 3- individuo da noite.

Eis ai que interessante a polifonia do termo. Zumbi popularmente acaba por significar um espírito ruim, a luz das trevas, os mortos-vivos. É desta forma negativa que o cinema norte-americano acabou por popularizar a expressão. É necessário que a expressão seja entendida em toda a sua vivacidade simbólica e sem pré-conceituações simplórias. Zumbi de fato significa em algumas tradições africanas um espírito, ocorre também que Zumbi pode significar o Deus das Armas, o guerreiro libertador de que nos fala Gilberto Gil. Por outro lado é necessário percebermos que as religiões africanas cultuam os espíritos de seus antepassados e alguns devido sua importância na passagem sobre a Terra são capazes de se tornarem divindades após a morte. Eis ai, o que é impossível à lógica cristã ocidental entender: o livre arbítrio aqui é de fato exercido e a idéia do bem e do mal, o dualismo maniqueísta ocidental não tem vez. Não existe o mal absoluto e nem o bem absoluto. Daí a incompreensão de Exu. Exu é o dono do corpo, da passagem, da estrada. Tal como os humanos ele é instável, e dúbio. Não traz uma maldade e nem uma bondade intrínseca. O mesmo vale para as varias outras divindades africanas. Portanto, Zumbi é o Deus da Guerra, o Senhor das Demandas e um espírito escravizado, visto que sempre preso entre o mundo dos vivos e dos mortos. A associação entre escravidão e Zumbi é metafórica e literal. Mas se formos na própria fonte poderemos percebe que o Zumbi não é necessariamente negativo como as idéias pré-conceituadas fazem crer, uma leitura menos carregada da tal magia negra (e a adjetivação da magia de negra, não é mera coincidência) perceberia que ate mesmo a bondade e a maldade depende nesse caso do contexto. Isso fica claro em um canto presente entre os afro-haitianos no Rito Petro do Vodu:

La Rousée tombée

Ya fouillé trou nou

Dieu ya fouillé trou

Capitaine Zombi ya fouillé trou

Capitaine Zombi si yo capable

Ou seja, todo o cântico esta em torno da abertura de uma cova. No entanto, a ambigüidade nos permite perguntar que cova esta sendo aberta? A dos escravos mortos que agora poderão enfim alcançar a sua venerável liberdade? A cova dos escravos já mortos e que agora terão seus espíritos liberados para se vingar dos opressores (os Zumbis na forma que o cinema apresenta essa figura)? Se for assim de fato poderíamos considerar sua maldade pior do que a maldade dos senhores escravistas? Eis ai o contexto que não é dito. A cova aonde será enterrado o opressor? Não sei, meu conhecimento é pouco para afirmar algo, mas acredito que todas essas opções estão corretas. E é nisso que reside à fertilidade da palavra Zumbi e de sua importância militante e política.

Zumbi é o senhor das Guerras? Das demandas? Da libertação? Dos mortos-vivos? Ou seria dos ressuscitados (aqueles convidados a uma vida nova. Por que será que alguns ressuscitam para a nova aliança e os outros que ressuscitam são fantasmagóricos)? É um cargo de nobreza real? Um cargo de nobreza guerreira? Uma corruptela do nome dado a Divindade Máxima dos Angolas Zambi?

Não importa, pois na verdade ZUMBI é tudo isso e muito mais.

VIVA ZUMBI!!!

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