sábado, 1 de dezembro de 2007

Quilombolas reivindicam lei estadual para regularização de suas terras

Quilombolas reivindicam lei estadual para regularização de suas terras

O presidente da Federação das Comunidades Quilombolas do Estado, Francisco Cordeiro Barbosa, reivindicou, nesta sexta-feira (30/11/07), a criação de uma lei estadual que trate da regularização fundiária das terras dessa população remanescente dos quilombos. Ele foi um dos convidados do Debate Público "Regularização de territórios quilombolas em Minas Gerais", promovido durante todo o dia pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, que lotou o Plenário. "O Estado precisa fazer parcerias com o governo federal para resolver essa questão", defendeu. Barbosa foi debatedor da fase em que foram apresentadas as experiências de Pará e Piauí e de São Paulo - que, desde 1996, titulou seis de 21 áreas quilombolas reconhecidas, todas elas localizadas em terras devolutas, ou seja, terras públicas estaduais.

"Brigamos pelo território que nos tiraram. Vivemos encurralados nas nossas terras e não é possível permanecermos assim", cobrou Barbosa, que relatou a difícil situação dos remanescentes dos quilombos em Minas, que sofrem as conseqüências das ações de setores como agropecuária, madeireiras, geração de energia elétrica e, agora, do fomento ao biodiesel, por meio do incentivo ao plantio da cana.

O deputado Almir Paraca (PT) citou o caso do Quilombo Gorutuba, onde 300 comunidades de oito municípios vivem, segundo ele, ilhadas por grandes fazendas. Tanto Paraca quanto o deputado João Leite (PSDB) e a deputada Elisa Costa (PT), que coordena a Frente Parlamentar de Promoção da Igualdade Racial, apoiaram a instituição de um marco legal em Minas sobre a situação das terras dos quilombolas. Essa idéia está no Projeto de Lei (PL) 1.839/07, da Comissão de Direitos Humanos, em tramitação. A deputada também cobrou a criação de uma coordenadoria estadual para conduzir as políticas públicas para os quilombolas de forma integrada.

Radiografia de Minas - De acordo com o Grupo de Trabalho de Regularização de Territórios Quilombolas em Minas Gerais, o Estado é o terceiro da federação em número de comunidades quilombolas já reconhecidas e com os respectivos certificados emitidos pela Fundação Cultural Palmares, órgão federal. Oitenta e oito comunidades quilombolas demandam ações de regularização territorial. De acordo com o Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva (Cedefes), o número de comunidades com potencial para se auto-reconhecer é, no entanto, muito maior, tendo ultrapassado 430. Elas estão localizadas sobretudo no Norte de Minas e no Vale do Jequtinhonha. Comunidades quilombolas de várias regiões do Estado, como do Norte, dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri e do Rio Doce, estiveram representadas no Debate Público.

Projeto estabelece prazos para ações de governo e também trata de terras devolutas

Sobre a necessidade de um marco legal em Minas, a deputada Elisa Costa (PT) elogiou a tramitação do Projeto de Lei (PL) 1.839/07, da Comissão de Direitos Humanos, que regulamenta o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal. Esse artigo determina que aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. O PL 1.839/07 foi anexado ao PL 67/07, do deputado Paulo Guedes (PT), que institui o Projeto Quilombos, de resgate histórico e valorização das comunidades quilombolas e que aguarda parecer de 1º turno da Comissão de Constituição e Justiça.

O PL 1.839/07 determina que o procedimento administrativo para regularização territorial das comunidades será iniciado por requerimento dos próprios interessados, pelos órgãos estaduais competentes ou a requerimento do Ministério Público. Sem prejuízo da competência concorrente da União e dos municípios, o reconhecimento e a delimitação do território quilombola pelo órgão estadual deverá ocorrer em 120 dias e será constituído de Relatório Técnico de Identificação e Delimitação Territorial. Esse relatório deverá ter levantamento fundiário, planta e memorial descritivo do território e cadastramento das famílias, entre outros dados. Finalizada a etapa de reconhecer e delimitar o território quilombola, será demarcada e titulada a terra.

Terras devolutas - O projeto determina que os imóveis inseridos em áreas devolutas serão identificados, demarcados e registrados por procedimento de arrecadação sumária previsto na Lei de Terras Estadual ou mediante discriminação de terras devolutas e, ainda, por processo de aquisição ou desapropriação.

São Paulo, Pará e Piauí relatam experiências de regularização fundiária

O assistente especial de quilombolas e outras comunidades tradicionais do Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp), Carlos Henrique Gomes, apresentou a experiência daquele estado. Das 21 áreas reconhecidas desde 1996, quando teve início esse processo, seis foram tituladas - e todas elas são devolutas. Outras 10 estão em fase de conclusão de relatório técnico, por isso a expectativa é que esse número seja elevado para 31. Além disso, 13 territórios quilombolas foram apontados para reconhecimento. De acordo com Gomes, o instituto faz o reconhecimento da comunidade, titula as terras localizadas em áreas públicas estaduais (as chamadas devolutas) e apóia os quilombolas por meio de um programa específico de assistência, que já atendeu 1,1 mil famílias. A grande maioria das terras está localizada no Vale do Ribeira, no sul do Estado.

Carlos Henrique Gomes apontou como problema a situação das áreas de ocupantes não quilombolas - a maioria pequenos posseiros que, caso não recebessem indenização para saírem das terras, poderiam gerar novo problema social. Por esse motivo, muitos casos foram resolvidos por meio de acordo entre posseiros e Estado. Aqueles que não aceitaram sair das áreas quilombolas localizadas em terras devolutas são grandes fazendeiros, segundo Gomes. A avaliação do Itesp é que os relatórios referentes às terras particulares devem ser encaminhados ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), a quem caberia cuidar do assunto e das desapropriações. Os grandes gargalos, lamentou Gomes, são as desapropriações dessas áreas e a necessidade de incrementar a parceria com o governo federal.

Coube ao coordenador estadual do Movimento Quilombola do Piauí, Antônio Bispo dos Santos, reforçar a denúncia quanto à demora para regularização territorial dos territórios quilombolas. Ele também defendeu a instituição de uma lei estadual sobre o assunto em Minas, ao mesmo tempo em que avaliou o Debate Público como um momento histórico, de encontro do poder quilombola com o poder legislativo. Ele condenou o poder da sociedade "euro-cristã monoteísta colonizadora" que faz o certo transformar-se em errado e vice-versa. No Piauí, explicou Bispo dos Santos, o Estado aprovou uma lei genérica que só tem funcionado devido à pressão social para acionar "a capacidade operacional do poder".

Pressão social - O coordenador estadual das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombolas do Pará, José Carlos Galiza, conclamou os remanescentes de quilombos a se integrarem a outros movimentos sociais. "Nossa organização é que pressionou o governo a se sensibilizar pela nossa causa. São essenciais as parcerias com outras instituições, como as que representam os trabalhadores rurais e as de defesa dos direitos humanos", ensinou. Ele mostrou a experiência do Pará, onde o governo implantou o Projeto Raízes, que articula todas as políticas públicas para a comunidade quilombola do Estado. O Pará foi a primeira unidade da federação a titular terras para quilombolas e a primeira também a efetuar desapropriação nesse sentido. São 36 os títulos entregues até agora, que beneficiaram mais de 70 comunidades (26 emitidos pelo instituto de terras do Estado; e 10, pela União).

O deputado Ruy Muniz (DEM), que coordenou o painel sobre as experiências de outros estados na regularização fundiária dos quilombolas, destacou a importância dos debates. Agradeceu à Mesa da Assembléia por apoiar o evento e também às comunidades dos remanescentes dos quilombos e à comunidade universitária, em especial a UFMG.

Responsável pela informação: Assessoria de Comunicação - 31 - 2108 7715

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