Por que hoje é Natal, um pouco de história sobre o Jesus e sobre o Cristo. Ou seja, o homem e o Deus. A matéria abaixa se encontra no blog do Pedro Dória.
Quem foi Jesus? Ele realmente existiu? Sobre o que estava falando realmente? Em que mundo viveu? As perguntas não são simples. Esta minha reportagem a seguir foi publicada originalmente em NoMínimo, no Natal de 2005. Como o Natal se aproxima, como a discussão sobre o Jesus Histórico ainda rende alguns comentários abaixo, achei que valia trazê-la de volta à tona.
No ano de 1968, trabalhando em Givat ha-Mivtar, cidadezinha próxima a Jerusalém no caminho para Nablus, Cisjordânia, um grupo de operários descobriu um cemitério. A Guerra dos Seis Dias havia terminado meses antes e a região que pertencera à Jordânia tinha sido recentemente conquistada. Os arqueólogos chefiados por Vassilios Tzaferis, diretor de escavações da Autoridade de Antiguidades de Israel, encontraram um total de 15 ossários de pedra calcária. As caixas, algumas com inscrições, outras sem, continham as ossadas de 35 pessoas, todas mortas entre os últimos anos do século 1dC e as décadas seguintes.
Um deles era um homem jovem, com algo entre vinte e tantos e trinta e poucos anos. Morreu crucificado.
As atenções de cristãos de todo o mundo se voltaram para as pesquisas dos cientistas. Embora na literatura do tempo exista um número incrível de descrições de gente condenada à cruz – só na rebelião do escravo Spartacus, 6.000 morreram assim –, nunca o corpo de uma destas vítimas fora encontrado. A explicação tradicional indicava que seus corpos não tinham enterro digno, eram jogados fora. Mas, incrivelmente, o homem de Givat ha-Mivtar teve sepultara própria.
O corpo estava fraturado nas pernas – como se elas tivessem sido quebradas para retirá-lo da cruz. A análise do professor Joseph Zias, curador da Autoridade de Antiguidades, revelou que o calcânio direito fora atravessado lateralmente por um prego de ferro comprido 11,5cm. Os restos de oliveira entre a ponta do prego e o pé indicavam a madeira da cruz. Uma placa entre a cabeça do prego e o calcanhar mostraram que não fora martelado direto sobre a carne. Seus pés foram pregados aos lados do poste, não à frente. E seus braços, aparentemente, amarrados. Segundo a inscrição em aramaico no ossário, o homem de vinte e tantos, trinta e poucos anos, chamou-se Yeohanan bar Ha’Galgol – João, filho de Ha’Galgol.
Tudo indicava que os crucificados não tinham direito a sepultura, contradizendo o Novo Testamento. O filho de Ha’Galgol provou o contrário.
Jesus como fantasma
Jesus é como um fantasma – não há registro de sua existência fora da Bíblia cristã. É um personagem tão concreto, que teve tanto impacto em todo o desenvolvimento humano dos últimos dois mil anos – e, no entanto, é só buscar um Jesus histórico e ele se esvai, escapa. Não há. É um personagem tão tênue que a simples comprovação de que um crucificado poderia ter direito a túmulo é recebida com alívio. Cada pequeno passo parece indicar que ele está mais próximo.
Mas alguma coisa aconteceu nas terras que os romanos, no primeiro século, chamaram de Palestina. A civilização ocidental toda – toda ela – se origina num tripé de culturas, a grega, a romana – e a judaica. É um acidente histórico, é o improvável. Houve grandes civilizações. Houve os fenícios e seu ímpeto viajante. Houve o Império Egípcio. O Império Persa. Todos peças de museu. Roma conquistou tanto. A Grécia de Alexandre também, e criou a filosofia, avançou com a matemática, a astronomia.
A gente do Livro, a gente de Abraão e de Moisés, escrava tantas vezes, que passou de um domínio a outro – babilônicos, persas, gregos, romanos – a gente que nem em Jerusalém, sua cidade sagrada, mandou de todo, esta gente persistiu. O que a fez sobreviver foi uma religião. Não apenas sua religião se sobrepôs à de Roma e Grécia, através do Cristianismo, como se manteve viva no Judaísmo Rabínico enquanto tantas outras se extinguiram. Ainda teve fôlego, uns séculos adiante, e pariu um terceiro filho, o Islã. Monoteísta, crente em Abraão, crente na santidade de Jerusalém. E Jerusalém permanece disputada – como se uma das três religiões fosse mais verdadeira que as outras duas.
Jesus como homem
Entre os seus, ele foi conhecido como o rev Yehoshua bar Youssef, o rabino Jesus, filho de José. Houve o tempo em que, pareceu, havia uma segunda fonte a confirmar sua existência além dos textos cristãos primitivos, no século primeiro: um parágrafo perdido nas obras do historiador judeu Flávio Josefo. “Nessa época, apareceu Jesus”, escreveu ele, “um homem sábio, se, de fato, podemos chamá-lo de homem. Porque ele fazia coisas maravilhosas, era um mestre do povo que percebe com prazer a verdade.”
Foram descobertas versões do mesmo trecho bem menos adjetivadas – os monges copistas, na Idade Média, às vezes incluíam o que lhes interessava. E o parágrafo de Josefo tornou-se escorregadio. São raras as cópias de suas obras com a citação. A dúvida de se foi de todo falsificado permanecerá para sempre. O ossário de Tiago, irmão de Jesus, que veio à tona faz alguns anos – e cuja falsificação foi comprovada em poucos meses – pareceu que enfim traria esta segunda fonte. Mas não há segunda fonte. Uma frase apenas, basta uma frase em algum lugar, basta-lhe o nome escrito – mas não. O rev Yehoshua escapa. Quem existe é o Iesous Christos, nascido em grego, preso entre as capas duras de Bíblias cristãs. Todo Jesus nasce da Bíblia, não há Jesus fora dela.
O costurar da Bíblia
Um dia, o judeu fariseu Saulo, nascido em Tarso, cidadão romano, viu uma luz na estrada que seguia de Jerusalém a Damasco, a luz era Jesus e Jesus ordenou-lhe que pregasse seus ensinamentos aos gentios. A missão proselitista de São Paulo, nos cálculos da Enciclopédia Católica, não começou antes do ano 45. Sua primeira carta é de uns quinze anos após a morte do rev Yehoshua. Além de sua visão fugaz na estrada, o que aprendeu foi com escritos que se perderam e a memória de primeira ou segunda mão de quem o conheceu.
O “Evangelho de Marcos” é de algo entre 65 e 80 – seu autor não o conheceu. Como Paulo, escreveu sobre o que leu ou o que ouviu. Ponham-se Mateus e Lucas ao lado de Marcos, e os dois evangelistas seguem a narrativa de Marcos encaixando umas frases diferentes, aqui e ali. No século 19, teólogos alemães sugeriram que ambos teriam as mesmas duas fontes, Marcos e um segundo Evangelho perdido. Apelidaram-no de “Q”.
Em 1945, dois fazendeiros egípcios encontraram, nas terras que aravam, um grande jarro de cerâmica; nele estavam os rolos completos de uma obra da qual se conheciam apenas fragmentos de pergaminho. Esta versão era em copta, um dialeto grego egípcio. É o “Evangelho de Tomás” – que pode ser “Q”. Não é uma narrativa da vida do rev Yehoshua, são frases, 114 fragmentos de diálogos entre Jesus e seus discípulos.
Às vezes, o “Evangelho de Tomás” é intransponível: “E Jesus disse tem sorte o leão que o homem come, porque o leão torna-se humano; e tolo é o homem que o leão come, pois o leão também torna-se humano.” Mas, às vezes, é incrivelmente familiar: “E Jesus disse, o Reino de Deus é como o grão de mostarda, a menor das sementes, que quando cai em solo fértil produz uma grande planta que serve de ninho aos pássaros no céu.” Não é improvável que com esta lista de frases e Marcos, tenham nascido Mateus e Lucas. O quarto Evangelho, atribuído a João, é provavelmente um século posterior a Cristo.
Diferentemente dos evangelistas, Paulo falava em suas cartas de alguém que existiu em seu período de vida; ele teve contato (e disputas) com gente que conviveu com Jesus. Ou ao menos é o que diz. A armadilha do Novo Testamento surge: uma espiral desorientadora onde ele próprio é fonte de si mesmo, ele se sustenta, ele é tudo o que há.
Jesus enquanto Hamlet
O descrente ou o crente eventual que pega e lê o “Evangelho de Marcos” depois de muito tempo toma um susto. Jesus não é plácido. Jesus tem pressa, vai para um lugar, para o outro, nunca pára. Jesus é impaciente, explica, mas nunca parecem entendê-lo. Jesus nunca deixa claro quem é, seus discípulos ou o leitor têm que decifrá-lo. Jesus tem raiva, entra no Templo, chuta as balanças. É um personagem de todo humano.
Harold Bloom é também, a seu modo, um velho judeu impaciente, irônico por vezes, está em busca da beleza – um dos principais críticos literários atuais. Em 2005, saiu nos EUA “Jesus and Yahweh” (já publicado no Brasil), sua tentativa de explorar Cristo, o personagem. Marcos, para Bloom, “é talvez um morador de Roma, ele espera ansioso até que recebe a terrível notícia da destruição do Templo.” Aí senta e escreve; seu resultado é um Jesus como Hamlet, um homem enigma.
Se este leitor pouco habituado ao Novo Testamento pega na seqüência o “Evangelho de João”, o contraste não pode ser mais evidente: antes havia um homem ansioso, em João há Deus feito pessoa. “No princípio era o verbo”, diz na introdução o evangelista, “e o verbo era Deus, e o verbo se fez carne e habitou entre nós.” Não bastasse, João faz seus discípulos perguntarem surpresos ao mestre: “Ainda não tens 50 anos e vistes Abraão?” E João põe na boca de Jesus a resposta: “Antes que Abraão existisse, eu sou”. Desaparece o enigma, há uma segurança quase autoritária.
À espera de salvação
Na virada dos tempos aC para os dC, os israelitas eram 7,5 milhões de pessoas. A maioria vivia na dispersão – a diáspora – entre Babilônia, ou Egito, até mesmo em Roma. E 2,5 milhões viviam nos arredores de Jerusalém, mais ou menos onde ficam hoje Israel e Palestina.
Eram quase todos pobres e trabalhavam muito, de sol a sol. Viviam em casas construídas com uma base de pedra e tijolos de barro, buscavam água no poço da vila todas as manhãs. A classe média tinha pequenas terras para o cultivo ou trabalhava em profissões como carpintaria. A maioria, no entanto, trabalhava para os outros, pela subsistência. A Galiléia do rev Yehoshua era onde ficavam as terras mais férteis.
Num mundo muito mais agressivo do que o atual, as doenças se espalhavam com freqüência, a dor da morte era uma constante em toda rua, fazenda, casa, família. Qualquer indício de doença trazia pânico para toda a vizinhança. Pagavam impostos altos ao dominante, ao rei posto pelo dominante, aos sacerdotes do Templo. Havia anseio por justiça social.
Quem fosse rico morava em Jerusalém. Na cidade alta, havia um bairro comprido com casas de mármore à moda grega, luxuosas, onde viviam lado a lado romanos da administração e os israelitas donos de grandes terras ou grandes negócios. Na cidade baixa, a vida era mais difícil – embora melhor do que em qualquer outra parte. É onde ficavam pequenos comerciantes, estalajadeiros e quem mais servisse aos peregrinos.
O Santo dos Santos
Jerusalém era uma cidade turística, que recebia gente de toda a parte, todo o ano, principalmente nas três grandes festas - no Dia do Perdão, Pentecostes e Páscoa. Todo judeu, ao menos uma vez na vida, visitava o Templo de Jerusalém – porque o Templo era o centro de toda a identidade judaica. No tempo de Jesus, havia um movimento razoavelmente recente de erguer sinagogas na diáspora, mas as sinagogas eram lugares de estudo e reunião. O Templo era, literalmente, a morada do Deus cujo nome não se diz.
Aquele Templo era o segundo. O primeiro, o Templo de Salomão, foi erguido por volta de 950aC e posto abaixo por Nabucodonosor, rei da Babilônia, em 586aC. Após um mítico exílio de 70 anos, o Templo foi reconstruído por ordens do rei persa Ciro, o Grande. O pátio no qual o rev Yehoshua pisou era do mesmo Templo de Ciro, que sofrera fazia poucos anos uma reforma, impetrada pelo rei Herodes. O povo judeu tinha tanto medo de perder seu Templo que, para pôr abaixo e reerguer o núcleo, Herodes teve de acumular ao lado todo o material que utilizaria para provar que tinha condições de fazê-lo o mais rápido possível.
Regras muito, muito estritas descreviam quem podia entrar no coração do Templo, o Santo dos Santos, o lugar onde Deus vivia. Por isto, eram sacerdotes os operários. Nenhum gentio poderia entrar em qualquer das áreas e, mesmo os judeus, apenas após rituais de purificação. O Templo punha em movimento a economia de Jerusalém. Era no Templo que ficavam os rolos das escrituras sagradas – que reordenadas foram dar no Velho Testamento.
Escuta, ó Israel, o Senhor seu Deus é o único Deus
Qualquer um dos vizinhos não teria como lidar com o Deus dos judeus senão com estranheza. Todos os deuses tinham suas histórias, sua genealogia, seus feitos. Embora, bem no passado, os judeus tivessem alguma memória de seu Deus interagindo com os homens, Ele era mais como uma idéia, não um deus com rosto ou carne. Quem lesse os escritos sagrados dos judeus encontraria não a história de Deus, mas a história do povo. Era muito diferente: um deus feito sob medida para eles, evoluído ao longo de mais que um milênio.
A maioria dos especialistas hoje, incluam-se na lista a ex-freira britânica Karen Armstrong ou o teólogo luterano norueguês Oskar Skarsaune, concordam que o monoteísmo não surgiu de imediato. Cá estava um povo que seja em sua mitologia, seja na história, quase nunca mandou, sempre teve mestres. Então, a primeira marca que procuraram num Deus foi a exclusividade. Não é que não acreditassem na existência dos deuses vizinhos – a Antigüidade era politeísta, toda ela. Mas o Deus YHWH ofereceu-lhes uma aliança na forma de duas placas com mandamentos. Eles adorariam apenas a Ele, e Ele olharia apenas por eles. Ao menos isso tinham: eram o povo daquele Deus.
Dominados, explorados, sempre foram – mas houve tempos difíceis, como o do mando babilônio, e tempos nos quais tiveram mais liberdade, como o período persa. E, ainda assim, o que lhes sobrava era a obediência. Foi dos persas, da misteriosa religião de Zoroastro, que pegaram a segunda das características marcantes de sua religião: a crença de que, no fim, o bem triunfaria; que haveria um Julgamento final. Que, fundamentalmente, o Senhor Deus enviaria um messias para salvá-los a todos.
Ao dominante persa, sucedeu o grego – não podiam haver duas culturas mais distintas que a grega e a israelita. Os gregos propunham uma sociedade cosmopolita, em nada mística. Foram 200 anos de domínio grego até o controle romano, em 63aC. Dois séculos de conflitos, disputas, rompimentos, traumas. A constante imposição de uma versão mais universal do Deus judaico criou anseios na população, fortaleceu a crença apocalíptica. Mas quando foi chegando a Era Cristã, o Deus judeu já era um Deus vago, um Deus único, helenizado, um Deus idéia. O resultado também foi um ideal apocalíptico, messiânico. Místico e complexo.
Quando o rev Yehoshua nasceu, a religião que conheceu era esta: uma amálgama por vezes incoerente da cultura de seus ancestrais com a persa, com a grega. O povo, muito pobre, ansiava por justiça e tinha certeza de que, se estava tão ruim, era porque o messias estava prestes a chegar. E, com ele, o fim dos tempos. Jamais se quis tanto um milagre. Mas, naquela religião tão estranha, havia outra coisa particularmente sofisticada, particularmente diferente, surgindo também.
Amai-vos uns aos outros
Um dia, um gentio que gostaria de se tornar judeu pediu ao rabino Hillel que explicasse as escrituras enquanto ele se punha suspenso num só pé. O homem levantou o pé e Hillel disse: “Não faça aos outros o que não quer que façam contigo. Esta é a Lei, o resto é comentário.” A tradição não deixou registrada a resposta do gentio.
Hillel, que viveu poucos anos antes de Jesus, era fariseu. A população israelita se encontrava espatifada em partidos. Os fariseus, tão conhecidos dos leitores do Novo Testamento, são também os mais incompreendidos. Não se preocupavam tanto com a questão do domínio romano, inconformavam-se mais com o controle sacerdotal. Acreditavam que o conhecimento das escrituras deveria ser difundido a todos.
Os sacerdotes, ou saduceus, uns 20 mil homens, tinham o poder religioso. Os essênios, como que sacerdotes de oposição que se isolaram no deserto, eram místicos. Os zelotes, nacionalistas fervorosos, queriam a independência. E toda esta gente, inimiga entre si, compôs, a um tempo, a política e a religião dos judeus.
Quando um fariseu procurou Jesus – está em Marcos, em Mateus e em Lucas – e lhe perguntou qual a maior das leis, Jesus respondeu “Amarás o Senhor teu Deus de todo coração”, deu uma pausa, continuou: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” O fariseu assente: “Amar ao próximo vale mais que qualquer sacrifício no Templo.” O mais incrível em todo o Novo Testamento é o quão parecidos eram Jesus e os fariseus.
“Será que Jesus acreditava que sua mensagem era original?” – pergunta- se Harold Bloom. “Será que sua mensagem era assim tão diferente da de Hillel?” Sem respondê-lo de todo, o professor luterano Oskar Skarsaune, autor de À sombra do Templo, arrisca: “A política de Jesus não era muito diferente da dos fariseus; ele não estava tão preocupado com a ocupação romana e sim em convocar o povo de Israel ao arrependimento e à renovação. Ele era anticlerical.”
Na compreensão da política do tempo, então, é possível descobrir alguém mais próximo do rev Yehoshua, alguém além da Bíblia cristã. Skarsaune arrisca que, se fariseus aparecem mais no Novo Testamento do que outros grupos, é porque era com eles que o rev Yehoshua convivia. Mas há outras teorias. Após a descoberta dos pergaminhos essênios próximos a Qumran, à beira do Mar Morto, muitos põem Jesus entre eles. Há quem o veja mais belicista, um zelote libertário crucificado por Roma em sua luta por independência – um Jesus mais Guevara.
A queda e a salvação
A injustiça, a fome, a miséria – acumulam. Em tempos, implodem. O mundo parece que vai acabar. Há momentos, no Novo Testamento, em que as personagens todas parecem convictas de que o Apocalipse acontecerá em suas vidas, que está a segundos. O Apocalipse quase foi. No ano de 66, os judeus se levantaram sob comando zelote. Em 70, Roma caiu sobre a Província Iudaea e marchou contra Jerusalém. No total, morreram entre 600.000 e 1,3 milhão de judeus.
O Beit HaMikdash, o Templo, a morada de Deus, foi ao chão.
O São Marcos de Harold Bloom, numa espera angustiada, queria saber notícias da morada do seu Deus enquanto escrevia a história de Iesous Christos. Aí, num repente, sua religião não havia mais. Sem o Templo, ela não seria possível. O Templo lhe dava sentido. Sem o Templo não havia Deus – a não ser que Deus fosse transferido.
Dois rabinos, está no Talmude, se encontraram perante as ruínas do Templo. “O que será de nós” – perguntou o mais jovem – “agora que o lugar onde os pecados de Israel eram expurgados com sacrifícios não existe mais?” Ele está no limite do desespero; o outro, tranqüilo. “Não fique triste, há outra maneira de expurgá-los.” Seu companheiro encerra o pranto, mira estupefato – “é nos atos de bondade”, explica o sábio.
A cultura ocidental se baseia num tripé grego, romano e judeu. A transformação de Yehoshua bar Youssef em Iesous Christos se deu porque, naquele momento da história, havia uma busca desesperada pelo messias no que pareceu o fim dos tempos. Mas, junto com a mensagem apocalíptica, outra mensagem veio contrabandeada. Era uma idéia nova, de justiça social, de respeito. As duas, compactas, ideal messiânico e o amai-vos uns aos outros, transformaram-se num vírus cultural que se espalhou pelo Oriente Médio e Europa.
Flávio Josefo, o historiador judeu, era também um traidor. De general israelita, bandeou-se para o lado romano. Quando entrou na Jerusalém arrasada, descreveu, “Não havia espaço para tantas cruzes nem cruzes para tantos corpos”.
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