sábado, 27 de junho de 2009

Michael Jackson

Como registro da passagem desse genial artista. Relato um pouco de como recebi essa notícia.


- Era uma quinta-feira, por voltas das 18h:10mins estava no hall de entrada da Fafich (no mesmo lugar, onde em 11 de setembro de 2001, vi a queda da segunda torre do World Trade Center) quando um colega de núcleo de pesquisa chega a com a notícia Michael Jackson morreu. Não sei, não consegui captar bem a mensagem. O fato era que nesse momento já estávamos em uma rodinha de amigos dividindo as pessoas por carros para irmos a comemoração da defesa de monografia de uma colega.

- Logo após mais uma comemoração (e essa semana foi farta delas, quase todas as noites; o que me ajuda a estar alheado dos jornais e notícias) já praticamente na madrugada de sexta-feira ao chegar em casa vejo e ouço a notícia. Baque. A ficha caiu. Era verdade Michal Jackson morrera. A sensação muito parecida com a que tive quando anunciaram a morte de Cassia Eller. Deve ser mentira. Como assim. Não faz sentido.

- Corto a cena e faço um fedback: na ida para a festa desta colega, o celular de um amigo toca. Era uma colega sua, lhe dando a notícia da morte de Jackson. Minutos depois seu telefone toca de novo, era sua mãe falando lhe da morte de Jackson. Ontem, minha mãe me confidenciou que chegou a pegar o telefone para me ligar e dar a notícia. Com isso, quero demonstrar independente das opiniões diversas, o lugar deste importante ícone: ele era alguém por quem as pessoas ligam para falar de seu falecimento.


- Volto a cena da incredulidade: talvez o que me chamou mais a atenção é que nunca fui, ou pelo menos, me considerei realmente um fã de Michael (ao contrário da Cassia Eller de quem era grande fã). Mas que estranho, como disse meu amigo Daniel no Peramblogando, inegável deu uma tristeza e um espanto. Incrível fiquei baqueado. Como não poderia deixar de ser, vício de profissão e no caso da madrugada de sexta, reforçado pelas cervejas me pôs a questionar o porquê deste sentimento. Afinal nem era tão fã assim do Michael? E ai a resposta veio rápida: os ícones são aqueles que fazem parte de nossa vida mesmo quando não percebemos. Era assim com Michael, ele fazia parte da paisagem. Para quem nasceu em inícios dos anos 80( meu caso fins de 81, em Dezembro) e conviveu em comunidades mais periféricas, como foi o meu caso Michael fazia parte das festinhas, dos aniversários, dos domingos e incrível falar isso, mas durante boa parte dos 80 Michael era sim, e as vezes sem sabermos, um grande modelo para nós não brancos. O negro que chegou lá. É isso. Minha tristeza vem de pensar que essa paisagem desapareceu. Uma paisagem, um tanto quanto feia e bizarra, a partir dos anos 90. Com o perdão do trocadilho infame, um tanto quanto pálida. Mas ainda uma paisagem com história na vida de alguns.

-Corto a cena novamente: é interessante, tenho 27 anos, e tenho pela função da docência superior e pela minha função no núcleo de pesquisa que ajudei a fundar convivido com pessoas mais jovens (graduandos) na faixa entre os 19 e 23, a diferença parece pouca e o é em termos de anos (aproximadamente 4 a 8 anos) mas em termos de vivência não. Assim alguém que tenha 20 anos nasceu ou em 88 ou 89, estes efetivamente devem ter conhecido Michael já por volta dos anos de 1993 já entrando no seu ocaso, uma pena, pois para esses trata-se apenas de uma figura louca, excêntrica, estranha, no fundo pedófila. Digo isso, pois a reação que recebi destes foi nesse sentido. Um estranhamento diante de tanto "oba-oba" pela morte de Michael. Pena eles não têm a noção do que se passa.

-Provavelmente eles não sabem que Michael vendeu 750 milhões de discos. Que Thriller é uma obra prima. Que Michael (re) inventou essa coisa chamada clipe. Que lançou um disco chamdo Bad. Que foi do wonderful Jacksons Five. Que foi primordial na economia norte-americana. E agora o principal, do ponto de vista sociológico: Michael arrebentou com a fronteira Black/Whitte. Ele foi o primeiro negro a modificar a programação de algumas rádios e Tvs, como por exemplo a MTV, foi o primeiro a gravar para fora do nicho dos Blacks. Foi negro e garoto propaganda da Pepsi, entre outros feitos. Mas acima de tudo foi humano e desta maneira foi um errante. Fica pelo menos a sensação que foi demasiado humano. Pena que teve uma infância que atrás da genialidade dos Jacksons Fives (que grande banda de soul/black/vocal) existia na verdade uma criança abusada e violentada em todos os sentidos. Fica pelo menos o depoimento de um amigo de Michael, a quem ele teria confessado: toda sua mudança brusca era uma tentativa de apagar a imagem de seu pai nele próprio.
Fiquem em Paz Michael e Obrigado!!!!

domingo, 21 de junho de 2009

Curso: " OTrabalho do Antropólogo em Situações de Perícia"

O Núcleo de Estudos sobre Populações Quilombolas e Tradicionais (NuQ/UFMG) e o Centro de Documentação Eloy Ferreira Silva

Apresentam:

Curso: "O Trabalho do Antropólogo em Situações de Perícia"

Expositor:
José Augusto Laranjeiras Sampaio
Antropólogo; Professor de Antropologia da Uneb (Universidade do Estado da Bahia); Ex-Coordenador do Grupo de Trabalho sobre Quilombos da ABA; Coordenador Executivo da Anaí e Pesquisador associado do Pineb.


Objetivos e características do Curso:

O curso visa introduzir e familiarizar, panoramicamente, o antropólogo em fase final de formação ou recém-formado - ou ainda os profissionais interessados em expandir seu campo de atuação - com os debates e conhecimentos próprios ao âmbito de produção de perícias antropológicas no Brasil. Tal acervo de conhecimentos deve incluir:

- o mapeamento das reflexões resultantes da produção de perícias antropológicas no Brasil, com suas repercussões técnicas, políticas, éticas, teóricas e metodológicas;
- a discussão dos marcos teóricos de referência para a fundamentação epistemológica e metodológica da perícia em Antropologia;
- o exame preliminar de algumas peças periciais antropológicas (laudos, pareceres, informações técnicas...).
- o contexto legal, político e técnico das situações que, tipicamente, têm demandado perícia antropológica, tais como:
- regularização de territórios de grupos étnicos e outras "comunidades tradicionais", com especial atenção ao campo teórico da compreensão de suas distintas "territorialidades" e "processos de territorialização";
- a caracterização pericial dos sujeitos sociais de direitos específicos; a Convenção 169 da OIT e outros marcos teóricos e legais;
- as perícias antropológicas em estudos de impacto socioambiental, em processos penais, processos patrimoniais (tombamento e conservação) etc.;

Metodologia:
O curso será ministrado em seminários temáticos, apoiado em bibliografia de indispensável leitura prévia pelos cursistas, com exposição e debate, e, eventualmente, apoiado também em material audiovisual (filmes).

Carga Horária:
20 horas, em cinco sessões de quatro horas-aula cada, de segunda a sexta feira.

Período:
22 a 26 de junho de 2009.

Coordenação Executiva:
Alexandre Lima Sampaio – Economista e Mestre em Sociologia pela UFMG, pesquisador do NuQ-UFMG, sócio do Cedefes.
Carlos Eduardo Marques – Cientista Social e Mestre em Antropologia pela UFMG, pesquisador do NuQ-UFMG, sócio do Cedefes. Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas da FEVALE/UEMG.
Pablo Camargos – Historiador, assessor técnico e sócio do Cedefes.
Coordenação Geral:
Profa. Dra. Deborah Magalhães – Profa. do Departamento de Sociologia e Antropologia da FAFICH-UFMG, Coordenadora do NuQ-UFMG.

sexta-feira, 19 de junho de 2009

65 anos

Para não deixar batido. Hoje faz 65 primaveras do nascimento de Chico Buarque de Holanda. Ou seja, entre fins de maio e fins de junho de 1944, dois fatos marcantes o nascimento de minha progenitora e de Chico.
Bom para marcar a data um artigo acadêmico escrito por uma fã cinco anos atrás, quando o blue-eye completou 60 anos.


O samba da minha terra
Ciência Hoje - Dez/2004
Música e Literatura
Eneida Maria de Souza (*)
Durante a ditadura militar brasileira, compositores e artistas desempenharam um papel relevante na defesa dos ideais de liberdade e de cidadania.A análise da obra e da trajetória profissional de Chico Buarque de Holanda, um dos mais importantes nomes da música popular, recupera esses momentos de crise política, e presta homenagem ao compositor pelos seus 60 anos.
A música popular brasileira, na sua complexidade conceitual, atingiu o prestígio que tem hoje graças à atuação dos compositores representativos dos anos 60, de nível universitário, e com forte engajamento social e político. Em consonância com a revolução musical instaurada pela bossa nova, no final dos anos 50, inserida no contexto das mudanças realizadas pelo governo - 1956 a 1961 - do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), delineia-se no país um desenho cultural e político de dimensão significativa para a compreensão do imaginário da época.
Embora o samba tenha exercido, em períodos anteriores, papel relevante para a legitimação dos conceitos modernos de nacionalidade e de identidade popular, articulando-se em torno de compositores de classes sociais distintas, somente mais tarde é que esse papel foi devidamente estudado.A retomada da linha evolutiva da música popular brasileira resultou do diálogo iniciado entre a classe intelectual e a classe artística, que ocorreu de modo incipiente nos anos 20-30 e teve sua efetiva realização nos anos 60-70.Chico Buarque de Holanda conversa com o samba urbano de Noel Rosa, assim como Caetano Veloso, Gilberto Gil e outros mesclam as inovações da música internacional aos ritmos nacionais. Motivados pela lição revolucionária da 'batida' de João Gilberto, das variações jazzísticas de Antônio Carlos Jobim (1927-1994) e da poética de Vinícius de Moraes (1913-1980), aquela nova geração de artistas-intelectuais exerceu um papel de destaque na consolidação da música popular contemporânea.Como representante dessa classe de compositores, a escolha recaiu em Chico Buarque, não só pelo valor de sua obra, mas por estar o Brasil comemorando os seus 60 anos de idade.
Com ele estariam contemplados outros artistas dessa época, igualmente defensores de princípios de cidadania e liberdade assumidos na luta contra o governo ditatorial instaurado em 1964. A função que a canção popular exerce hoje como formadora de opinião pública decorre, em grande escala, da posição mantida por Chico Buarque ao longo de sua trajetória profissional, na condição de pensador - e de inventor - da cultura nacional. Como motivo condutor desta proposta de análise, será enfocada a apropriação da música como antídoto e saída para os males da nação, tendo como núcleo a canção Paratodos, homenagem feita por Chico Buarque aos compositores brasileiros.
O meu pai era paulista / meu avô, pernambucano / o meu bisavô, mineiro / meu tataravô, baiano / meu maestro soberano / foi ant0nio brasileiro / foi antonio brasileiro / quem soprou esta toada / que cobri de redondilhas / pra seguir minha jornada / e com a vista enevoada / ver o inferno e maravilhas / nessas tortuosas trilhas / a viola me redime / creia, ilustre cavalheiro / contra fel, moléstia, crime / use dorival caymmi / vá de jackson do pandeiro / vi cidades, vi dinheiro / bandoleiros, vi hospícios / moças feito passarinho / avoando de edifícios / fume ari, cheire vinicius / beba nelson cavaquinho / para um coração mesquinho / contra a solidão agreste / luiz gonzaga é tiro certo / pixinguinha é inconteste / tome noel, cartola, orestes / caetano e joão gilberto / viva erasmo, ben, roberto / gil e hermeto / palmas para todos / os instrumentistas / salve edu, bituca, nara / gal, bethania, rita, clara / evoé, jovens a vista / o meu pai era paulista / meu avô, pernambucano / o meu bisavô, mineiro / meu tataravô, baiano / vou na estrada há muitos anos / sou um artista brasileiroUm artista brasileiro
Em 1993, a canção Paratodos vem selar a linha genealógica instaurada por Chico diante dos pais legítimos e pais musicais: trata-se de uma toada homenagem aos personagens que integram a tradição da música popular. A letra contém uma bem-humorada saudação à música produzida em todo o território nacional, justificada pela origem múltipla do compositor, que se nomeia filho de paulista, neto de pernambucano, bisneto de mineiro e tetraneto de baiano. Partidário do conceito de música popular que privilegia o aspecto nacional em sua heterogeneidade - uma proposta distinta da modernista -, o compositor considera as manifestações locais como diferenças que se suplementam ao conceito de nação.A herança musical completa a genética, por reunir, na figura do "maestro soberano", Antonio Brasileiro (Tom Jobim), o nome e a função próprios à gestação musical do compositor brasileiro, inserido na tradição do samba, do chorinho e da bossa nova. O artista nasce do duplo poder de Antonio Brasileiro, a quem são atribuídas as funções de iniciador, maestro e legítimo representante da música popular brasileira: "O meu pai era paulista/Meu avô, pernambucano/O meu bisavô, mineiro/Meu tataravô, baiano/Meu maestro soberano/Foi Antonio Brasileiro."
A leitura da música popular sob esse ângulo esclarece não só a reflexão sobre a sua tradição como a discussão sobre questões de identidade. O músico e crítico José Miguel Wisnik, em A gaia ciência: literatura e música popular no Brasil, aborda a presença, em Paratodos, de vários pais, entre eles o pai paulista, o sociólogo e historiador Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), "autor de Raízes do Brasil, remetendo a toda uma linhagem de fundações colhida nessa toada serenada". À herança genética se acrescentam a livresca e a intelectual, responsáveis por um pensamento moderno e canônico sobre a identidade brasileira.
Nos anos 30, o samba carioca "começou a colonizar o carnaval brasileiro, transformando-se em símbolo de nacionalidade", como afirma o antropólogo Hermano Vianna, em O mistério do samba, ao relegar os demais gêneros regionais. Tal atitude respondia pelo projeto de modernização e de nacionalização da sociedade. O mesmo não se verifica na posição de Chico Buarque em Paratodos, ao deslocar o samba de seu lugar anterior, de origem negra e carioca, e alçá-lo a símbolo de nacionalidade. Ao optar por compor uma toada, cantiga popular, de melodia simples e não circunscrita a uma região específica, o compositor dirige a saudação aos intérpretes de vários ritmos nacionais, do samba ao rock, e confirma a natureza heterogênea, híbrida e mestiça da música popular, avessa a critérios de pureza criativa ou de essência étnica.O mesmo não se dá com o Samba da bênção, de Baden Powell (1937-2000) e Vinicius de Moraes, modelo musical de Paratodos, composto nos anos 60. Nesse samba, é saudada a comunidade de compositores negros, homenagem que a bossa nova presta aos seus precursores e à tradição musical. Nas palavras da socióloga política Maria Alice Resende de Carvalho, citada pela psicanalista Maria Rita Kehl, em Da lama ao caos: a invasão da privacidade na música do grupo Nação Zumbi, essa comunidade não era brasileira, mas carioca, tendo alcançado o status brasileiro a partir das palavras de Vinicius, que se posiciona como "o branco mais preto do Brasil".
Eleger Tom Jobim o "maestro soberano" é ainda legitimar a filiação à bossa nova, representada por um de seus maiores símbolos, além de colocá-la como marco revolucionário da música brasileira em todos os seus aspectos. Por ocasião dos 90 anos do arquiteto Oscar Niemeyer, em 1997, Chico Buarque, em texto de homenagem, reitera as afinidades eletivas com Tom Jobim e as estende ao arquiteto. Ao sentimento de decepção do compositor por não ter morado em casa projetada para o pai por Niemeyer se mescla sua dívida diante da profissão de arquiteto, por não ter concluído o curso. Nesse texto, Niemeyer e Tom Jobim são evocados como símbolos do desejo de perfeição buscado pelo artista, aliando o sonho do arquiteto à música.
O livro do jornalista Fernando de Barros e Silva, Chico Buarque, recupera esse texto e o elege como abertura do ensaio. A passagem citada é retirada daí: "Quando minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é casa do Oscar."A escolha do precursor, assim como a linha evolutiva seguida por ele, insere Chico na mesma tradição de Caetano Veloso, representada pela bossa nova, embora tenham preferido eleger pais e caminhos diferentes. As distinções entre eles tornam-se mais visíveis por ter o compositor nomeado João Gilberto como seu precursor, afinidade que permite desenhar poéticas próprias e justificar posições. Em ambos persistem a intenção de legitimar influências e o propósito de assumir o pertencimento (o sentimento de fazer parte de) a um país inventado pelas suas canções.
A admiração de Chico Buarque por Antonio Brasileiro reside na defesa de uma estética pautada pelo lirismo, pelos temas amorosos e pela harmonia musical que se apropria das imagens e dos sons da natureza sob a forma de metáforas nacionalistas. É brasileiro o tom, revolucionária a urgência em preservar o desgastado sentimento de nação, através de resíduos da voz inaugural dos pássaros. O primeiro encontro entre eles talvez tenha sido com Sabiá, de 1968, nova canção do exílio que, durante o Festival da Canção, foi considerada distante dos ideais políticos do momento.Concorrendo com a politizada Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, Sabiá foi a escolhida e recebeu homérica vaia.O canto melancólico do exílio não correspondia ao tempo marcado por gritos e mordaças causados pela repressão.
O recado era sofisticado, tanto no nível melódico quanto textual, tornando-se incompreensível para os ouvidos da opinião pública, voltada para o estilo eloqüente das canções próprias ao ambiente espetacular dos festivais. A letra denuncia, em tom lírico, o silêncio imposto pela censura, pela evocação da paisagem emudecida do país das palmeiras. A emergência do canto e da voz "da sabiá" é uma metáfora da expressão artística reprimida: "Vou voltar/Sei que ainda vou voltar/Para o meu lugar/Foi lá e é ainda lá/Que eu hei de ouvir cantar/Uma sabiá."O meu samba é uma correnteO poder atribuído à música em Paratodos refere-se ao seu valor de antídoto, capaz de curar a humanidade de todos os males, motivo recorrente na obra de Chico Buarque. A função libertária da música se anuncia desde sua primeira canção, Tem mais samba, de 1965, em que ele afirma que, "se todo mundo sambasse, seria tão fácil viver". Mas a trajetória do artista, no empenho de ler a realidade pela mediação do discurso musical, passa por transformações e acarreta mudanças no tratamento desse discurso. O período vivido sob repressão política abala o impulso revolucionário do samba, como em Essa moça tá diferente, Corrente e Agora falando sério, notando-se que a ênfase no recurso auto-reflexivo e metalingüístico de sua obra contém uma leitura alegórica e denunciante do momento histórico:
"Agora falando sério/ Eu queria não cantar/A cantiga bonita/ Que se acredita/Que o mal espanta/Dou um chute no lirismo/Um pega no cachorro/E um tiro no sabiá/ Dou um fora no violino/Faço a mala e corro/Pra não ver banda passar."
Em Paratodos, a mensagem musical retirada dos intérpretes nacionais atua em todos os sentidos, ultrapassando o auditivo, uma vez que o seu consumo antropofágico se reverte em força positiva e em experiência de vida. A formação do artista se vale do exemplo da música, a ponto de se redimir dos males pelo exercício salutar da profissão. Na sua ação catártica, propicia ao outro a vivência da tristeza e da alegria, como prova do valor a ela atribuído. Seguindo o modelo das cantigas populares que se revestem de lição exemplar, o narrador-artista dirige-se ao público para aconselhá-lo, cumprindo missão instrutiva, comum aos repentistas de feiras nordestinas:
"Nessas tortuosas trilhas/A viola me redime/Creia, ilustre cavalheiro/Contra fel, moléstia, crime/Use Dorival Caymmi/Vá de Jackson do Pandeiro/Vi cidades, vi dinheiro/Bandoleiros, vi hospícios/Moças feito passarinho/Avoando de edifícios/Fume Ari, cheire Vinicius/Beba Nelson Cavaquinho."
Se a experiência da ditadura provocou sentimentos de mal-estar no artista e descrença na denúncia política pela música, em Paratodos o clima é de bem-estar e de purgação da dor pela alegria, em que se exercita o conceito de "gaia ciência", o "saber alegre" do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). A positividade existencial se nutre da experiência da dor, sem haver a superação de um pólo pelo outro. Os discursos do ressentimento, do luto e da melancolia são substituídos pela alegria restauradora. A abertura política no país havia sugerido o extravasamento de emoções, por meio do desfile alegórico e metafórico pela avenida do bloco da ditadura, em Vai passar (1984), em que se reforça o desejo de restauração da democracia e da vitória do samba popular.Semelhante posição se encontra na mais famosa canção do autor, A banda (1966), momento de exaltação do poder mágico e revolucionário da música. Durante a passagem da banda, vivencia-se, por instantes, a participação do homem comum, motivado a sair da alienação e a despertar para a ação. O tom lírico dessa composição, aliado à sua melodia contagiante, marcou o lançamento oficial de Chico Buarque no cenário nacional, embora tenha se convertido em argumento negativo no balanço de sua obra feito pela crítica.
O efeito catártico de Vai passar se realiza pelo desfile do "bloco do sanatório geral", anunciando o fim da ditadura militar.A década de 1990 registra o convívio dos países periféricos com o processo político e econômico da globalização, o que resultou não só no poder de igualar as qualidades locais com as estrangeiras, mas de ampliar as desigualdades, integrando globalmente as minorias. A imagem de nação moderna vai perdendo o seu traçado original, como na canção de 1998, Iracema voou, revisão do modelo romantizado da personagem Iracema, do livro de José de Alencar (1829-1877). O vôo de Iracema em direção à América, em busca de emprego, serve como emblema do destino de milhares de habitantes das nações periféricas, embalados pelo ritmo desconcertante do neoliberalismo. América refere-se ao nome do continente que se incrusta e se alegoriza no nome de mulher, Iracema, efetuando-se a inversão do sul pelo norte e a perda da identidade, causada pela falta de pertencimento ao lugar de origem.
Rompe-se o sentido positivo de Iracema representar o continente e se impor como mito fundador da colônia, como no romance romântico, ao ser relida na condição de desterrada na própria terra:
"Iracema voou/Para a América/Leva roupa de lã/E anda lépida/(...) Não dá mole pra polícia/Se puder, vai ficando por lá/Tem saudades do Ceará/Mas não muita/Uns dias, afoita/Me liga a cobrar:/É Iracema da América."
Um sambista que escreve livros
Se a força revolucionária do samba pode se realizar no espaço público da rua, da avenida, do carnaval ou das manifestações populares como as passeatas, os comícios das diretas, a literatura de Chico Buarque tem menor poder de "levantar poeira". Estorvo (1991), Benjamim (1995) e Budapeste (2003), além de Fazenda modelo (1974), compõem o seu acervo literário, mas se desvinculam - com exceção dessa primeira novela - de força alegórica e política, do apelo emotivo e sedutor das canções. O efeito truncado e labiríntico da narrativa atende ao descompasso das personagens com o mundo, à falta de saída dos problemas que atingem a sociedade pós-urbana e pós-moderna. A praça pública perde a função de ser o local de convivência humana e de palco de discussões, ao ceder lugar para a dispersão dos grandes centros urbanos, povoados pela fantasmagoria dos falsos encontros e de troca de experiências.
Com a ruína dos discursos utópicos, pelo esvaziamento do ideal de mudança alimentado pelo espírito revolucionário das décadas anteriores, Chico Buarque se reduplica em artista e escritor e abandona o palco da rua. O narrador de Budapeste é retratado na sua função invisível de ghost writer, o escritor fantasma que perde a identidade e se torna autor de livros que nunca escreveu. Por meio de um processo irônico, instaura-se o clima de estranhamento do escritor com a própria imagem.Chico Buarque é hoje um escritor pop, o duplo do artista consagrado, que, em virtude de seu temperamento e de estratégias mercadológicas, cultiva o sonho de se transformar em artista invisível, não cedendo à solicitação esquizofrênica da mídia. O compositor se esconde na pele do escritor, o artista detesta o palco e o espetáculo, alcança a popularidade por se mostrar avesso a ela e se consagra muito mais pela negação da celebridade. Ao contestar a participação mais efetiva na vida pública, furtando-se a emitir opiniões políticas ou se recusando a comparecer a sessões de homenagens, defende a vida privada como refúgio e se fecha para o populacho.
Comparece ao festival do livro em Parati, declarando: "Às vezes é bom que o escritor se exiba um pouquinho, que saia da toca e se reúna com outros escritores. Senão viram bichos esquisitos." Bicho esquisito ou não, Chico Buarque responde por uma participação efetiva na história da música popular brasileira e na defesa de uma imagem de país que ajudou a inventar com seus acordes dissonantes. Se os sonhos ficaram no meio do caminho, a intenção em realizá-los pela mediação da música permanece e se desdobra na revitalização de sua obra pelos futuros leitores.
SUGESTÕES PARA LEITURA
BARROS E SILVA, F.Chico Buarque. São Paulo, Publifolha, 2004.
CAVALCANTE, B.; STARLING, H. & EISENBERG, J.Decantando a república. Inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira.Rio de Janeiro e São Paulo, Nova Fronteira/Faperj e Editora Fundação Perseu Abramo, 2004.
MATOS, C. N.; TRAVASSOS, E. & MEDEIROS, F.T.(orgs.) Ao encontro da palavra cantada. Poesia, música e voz. Rio de Janeiro, Sete Letras/CNPq, 2001.
VIANNA, H.,O mistério do samba. Rio de Janeiro, Editora da UFRJ/Jorge Zahar, 1999.(*)
Professora de Literatura da Universidade Federal de Minas Gerais

terça-feira, 16 de junho de 2009

The clash, punks not dead

Dediquei dois posts abaixo, a análise dos dois últimos discos da banda punk Green Day, onde afirmo serem eles uma excessão a correta afirmação de outro punk notório Iggy Pop de que o rock atualmente é o pior tipo de música.
E não é que por coincidência me deparo com um quiz no Facebook, denominado the Which punk rock star are you? E eis que a reposta foi:
quiz and the result is Joe Strummer (The Clash)
You seem really involved in politics or social problems and you want to do a lot about. Charity concerts or other actions - that's your way to fix the world. You show, that punk rock exist beyond sex, drugs and alcohol. But you still know how to rock. Good for you.
Diante do resultado só pode exclamar:
yes, alive the good and old punk rock !!!! E lógico tem tudo haver mesmo. Rock and social politcs
1979: London Calling
1980: Sandinista!
1982: Combat Rock.
Realmente o Clash é uma super banda, daquele tipo seminal, radical, autêntica, verdadeira. Assim sendo, ao som do disco, ótimo principalmente para os iniciantes The Clash: The Singles.
Vamos recordar um pouo a história dessa banda londrina comprometida com as lutas de seu tempo. Viva Sandino!!!Viva o Clash!!!! Fucker the Queen !!!! Rock against racism!!!
The Clash existiu entre 1976-1985. Foi uma banda aclamada pela crítica, o Clash se tornou conhecido por seu alcance musical (incorporando outros estilos musicais em seu repertório, como o funk, dub, ska, reggae o que demonstrava, por um lado a sensibilidade do grupo para a Londres Caribenha e negra e, por outra uma inovação no som cru do punk londrino da primeira geração) e por demonstrar uma sofisticação lírica e política que os distinguia da maioria de seus companheiros no movimento punk, lendária também foram as apresentações ao vivo da banda.
O Clash foi formado, como dito durante a primeira leva do punk britânico e ficou conhecido por sua visão extremamente esquerdista e pelas roupas que eles usavam com slogans revolucionários. A estreia em disco se deu com The Clash um álbum de punk rock seminal. A maioria das canções eram porradas de 2-3 minutos, mas as composições e melodias superiores destacaram Strummer e Jones entre a maioria de seus contemporâneos. Se com esse e o disco seguinte o Clash era sucesso de público e critica no Reino Unido, nos EUA a coisa era diferente e o grupo só estouraria em seu terceirto disco, o clássico Lodon Calling. Lodon era um álbum duplo. Além do punk, apresentava uma gama variada de estilos, incluindo o rockabilly e reggae, este é considerado o melhor álbum do Clash, e foi eleito um dos 10 melhores álbuns de sempre pela revista Rolling Stone.
Se Lodon era um álbum duplo vendido a preço de disco simples, Sandinista era um álbum triplo, além da postura política expressa no próprio nome do álbum, neste disco de 1980 o Clash também radicaliza musicalmente e além de experimentos com o reggae e o dub, se expande em direção a outros estilos musicais, que incluíam jazz e o hip-hop, no que torna a banda uma das pioneiras na fusão Rock- hip-hop.
Em 1982 sugrgeria Combact Rock, o mais vendido da história do grupo. O Clash, apesar de sua postura política engajada torna-se pop e faz turnês mundiais. O clima começa a ficar insustentável (quem sabe fruto desta contradição, mas não seria elas uma necessidade histórica, no processo dialético da produção inclusive musical em um ambiente de monopolio produtivo na mãos dos grandes media, brincadeirinha...) essa é uma época de muitas brigas internas e de mudanças no grupo com a saída do baterista Topper Headon envolvido com problemas decorrente do uso de drogas. Em 1983 foi a vez da expulsão do guitarrista Jones e assim temos o crepúsculo do Clash. O último e lamentável disco do grupo já foi lançado praticamente no ocaso do grupo, que pelo menos se despidiu de uma forma bem punk com shows gratuitos nas esquinas e bares da Inglaterra e Escocia.
O bandleader Joe Strummer após o Clash atuou em vários projetos paralelos, inclusive artuando como ator. Seu principal projeto The Mescaleros fundia suas duas maiores paixões musicais: o punk e o reggae. Em dezembro de 2002, Strummer morreu subitamente, vítima de um ataque cardíaco. Ele tinha 50 anos. O álbum do Mescaleros em que ele estava trabalhando, Streetcore, foi lançado postumamente em 2003, sendo aclamado pela crítica.
Algumas palavras sobre política, afinal são The Clash
Assim como a maioria das primeiras bandas de punk, o Clash protestava contra a monarquia e as elites no Reino Unido e ao redor do mundo. Mas, ao contrário de outras bandas da época, o Clash rejeitou o sentimento dominante de nilismo e de anarquismo. Eles se solidarizaram com diversos movimentos de libertação da época. Sua visão política era expressada explicitamente em seus versos, como em "White Riot", que encorajava jovens brancos a entrarem para organizações libertárias de negros, e em "Career Opportunities", que tratava da alienação das classes subalternas. Não custa lembrar que o auge do Clash coincide com a praga chamada Thatcherismo e com seu ultra-neo-liberalismo.
Em abril de 1978, durante um show do Rock against racism Joe Strummer vestiu uma polêmica camiseta com as palavras Brigadas Vermelhas e o emblema da facção Baader-Meinhof (dois grupos revoluionários europeus que pregavam a luta armada e meios violentos para a superação do capitalismo, o primeiro na Itália e o segundo na Alemanha) estampadas no centro. Ele declarou posteriormente que usou a camiseta não para apoiar os terroristas, mas para chamar atenção à sua existência. Ainda assim, ele se arrependeu depois do show, o que o levou a compor a canção "Tommy Gun", renunciando à violência como um meio de protesto.
O Clash apoiava o IRA e, posteriormente, o Sandinismo entre outros movimentos marxistas da América Latina e o já citado Rock Against Racism.
Para conhecer a genialidade deste grupo seriam várias as sugestões, mas de forma didática recomendo aqui o rap, isso mesmo, o rap-funkeado The Magneficiente Seven.

SITUAÇÃO ATUAL SOBRE OS DIREITOS QUILOMBOLAS

Nota da Coordenação Nacional de Articulaçõ das Comunidades Negras Rurais Quilombolas.

SITUAÇÃO ATUAL SOBRE OS DIREITOS QUILOMBOLAS
Na história do Brasil, as Comunidades Quilombolas são e sempre foram exemplo de organização social, assim como as comunidades negras em toda diáspora africana. Como evidência dessa importante forma de organização, estimamos existir atualmente cerca de 5.000 comunidades quilombolas em todo território nacional, com histórias que vão desde pouco menos de 100 anos de formação a séculos de existência.

Hoje, essas milhares de comunidades vêm formando grande rede de articulação em vários níveis: organizações locais, municipais, regionais, estaduais e nacional, essa última representada pela CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), hoje com presença em quase todas as Unidades da Federação.

Essa crescente mobilização das Comunidades Quilombolas tem trazido importantes resultados na construção de uma política de Estado que reconheça os direitos desse grupo, que vai desde a criação do Artigo 68 do ADCT (Atos das Disposições Constitucionais Transitórias) e outras citações contidas na Constituição Federal de 1988, passando por decretos, portarias, instruções normativas, tratados internacionais e legislações editadas pelos governos estaduais.
Dessas conquistas, vale destacar o decreto 4.887, assinado pelo Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, em 20 de novembro de 2003, regulamentando os procedimentos técnicos e administrativos para o reconhecimento, demarcação, delimitação e titulação dos territórios quilombolas, que traz o critério de auto-reconhecimento, como elemento básico para o início do processo de regularização. Ele traz outros avanços no que diz respeito à regularização fundiária e ainda cria o Programa Brasil Quilombola, que destina recurso de vários órgãos do Governo Federal para o desenvolvimento social e econômico das comunidades.

A partir da criação do decreto, o número oficial de comunidades identificadas no país passou de 743 para mais de 3.000, o que gerou grande preocupação no setor fundiário, seguida de forte estratégia na tentativa de anulação dos direitos quilombolas, puxada pela bancada ruralista, empresas do agronegócio e grupos de comunicação.

Além da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3239/04), de autoria dos Democratas, ex-PFL (Partido da Frente Liberal), em tramitação no STF (Supremo Tribunal Federal), que contesta a constitucionalidade do decreto 4887/03, existem atualmente os seguintes projetos no Congresso Nacional:

PDC 44/07 de autoria do Deputado Federal Valdir Colatto (PMDB-SC) que pede a anulação do decreto 4887;
PL 3654/08 de autoria do mesmo deputado, que ‘regulamenta’ o artigo 68 do ADCT, segundo os interesses da bancada ruralista;
PEC 190/00 de autoria do Senador Lúcio Alcântara (PSDB/CE), que exclui o Artigo 68 e insere novo item (no Capítulo VIII, Título VIII, seria o artigo 232-A), que apresenta outra redação para o texto do Artigo 68, com o problema de sugerir tratar-se de indivíduos e não coletividades e de indicar que a titulação deverá ser feita ”na forma da lei”, sem dizer qual seria essa lei.
PL 6264/05, aprova o Estatuto da Igualdade Racial, havendo uma forte pressão para a retirada do texto que trata dos territórios quilombolas de dentro do Estatuto.

A situação acima apresentada demonstra o quanto as comunidades quilombolas têm incomodado os grileiros e latifundiários em todo país. Para piorar, além desses procedimentos jurídicos e legislativos, acontece atualmente, em todo país, uma série de ações de violência contra famílias quilombolas, negação da identidade étnica do grupo, pedido de reintegração de posse por parte de fazendeiros e criminalização do movimento social quilombola.

Importantes grupos de comunicação fazem uso da concessão pública para se colocarem a serviço dos ruralistas. Órgãos do Estado Brasileiro também tem atuado em favor desses grupos (Polícias Militar, Civil e Federal, órgãos ambientais, etc) e o próprio judiciário, em alguns casos.
ESTRATÉGIA DE DEFESA DOS DIREITOS QUILOMBOLAS
Do ponto de vista político, jurídico e administrativo
A CONAQ tem atuado em várias frentes a fim de reverter esse quadro crítico de direitos ameaçados. Um grupo de organizações sociais de defesa dos direitos humanos tem dialogado diariamente entre si e com o movimento quilombola. Das ações já desenvolvidas, destacam-se:

Diálogo com a 6ª Câmara do Ministério Público Federal (Índios e Minorias), para tratar das estratégias de defesa dos direitos quilombolas;
Diálogo com a assessoria da Senadora Marina Silva para a articulação de um grupo de parlamentares que apóiem a causa quilombola;
Diálogo com o Ministro Edson Santos da SEPPIR, Deputado Federal Carlos Santana – PT/RJ (Presidente da Comissão Especial para análise do Estatuto da Igualdade Racial) e Deputado Federal Antônio Roberto – PV/MG (Relator do Estatuto da Igualdade Racial), para tratar do Estatuto da Igualdade Racial;
Diálogo com Dr. Pedro Abramovay, secretário de assuntos legislativos do Ministério da Justiça, Ministro da Justiça Tarso Genro e Advogado Geral da União Ministro Toffoli, todos para tratar da ADI 3239;
Em curso, elaboração de memorial, com informações para subsidiar o STF na votação da ADI 3239;
Pedido de Audiência Pública ao STF;
Pedido de Audiência com os Ministros do STF para tratar da ADI, sendo que até agora fomos recebidos por Menezes Direito, Carlos Ayres Brito, Ricardo Lewandowsky e Carmem Lúcia Antunes Rocha;
Pressão sob o INCRA, para consolidação de alguns processos de regularização que estejam em estágios mais avançados, como forma de fortalecimento do decreto.
Do ponto de vista da sensibilização da opinião pública
Escrevemos o Manifesto pela Defesa dos Direitos Quilombolas, petição colocada na internet, para colher assinaturas das pessoas sensibilizadas com a questão. Já passamos de 2000 assinaturas. Está sendo utilizada o sitio www.conaq.org.br, página da CONAQ na Internet, pra dar visibilidade às ações que acontecem.

Foi aberto diálogo com um grupo de artistas negros para o desenvolvimento de uma campanha, envolvendo também artistas não negros sensíveis à causa quilombola. Essa campanha incluirá falas públicas dos artistas dizendo que apóiam a causa quilombola; ida dos artistas ao STF, Congresso Nacional e outros espaços estratégicos; e realização de shows desses artistas em apoio aos direitos quilombolas, em Brasília, no Rio de Janeiro e em São Paulo.

A CONAQ tem feito diálogo também com movimentos do campo e movimentos ambientalistas. Assim, participou do lançamento da Aliança Camponesa e Ambientalista em Defesa da Reforma Agrária e do Meio Ambiente, no Senado Federal, em 10 de março de 2009. Participou da I Semana pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, em debate sobre a Criminalização das Lutas Populares dos Povos do Campo. E participou da Vigília em Defesa da Amazônia, no Senado Federal, dia 13 de maio de 2009.

A participação da CONAQ na Conferência de Revisão de Durban, realizado em Genebra – Suiça, entre os dias 20 e 24 de abril do corrente, foi fruto de muita disputa entre atores interessados em compor a delegação brasileira. Ela foi importantíssima para a divulgação da questão quilombola em âmbito internacional, resultando na Carta de Genebra em Defesa dos Direitos Quilombolas (disponível no site da CONAQ). Também valeu para se abrir um diálogo na França, com vistas à construção de campanha internacional em defesa dos direitos quilombolas.

Em diálogo com a AMAR, organização não-governamental francesa, ficou estabelecido que: serão recolhidas assinaturas na França para apresentar ao Estado brasileiro; a CONAQ fica convidada à participar da Semana da Solidariedade no mês de novembro na França; e a Organização Povos Solidários promoverá uma Campanha na Europa em defesa dos direitos quilombolas no Brasil.

Estamos propondo às organizações representativas do movimento quilombola nas esferas estaduais e locais, que sejam realizados manifestos, audiências públicas nas Assembléias Legislativas, mobilização de atores políticos nos estados, etc, para que o movimento em defesa dos direitos quilombolas ganhe força nas também nas bases, não ficando restrito ao espaço de Brasília.

Estamos propondo a realização da Mobilização Nacional pela Defesa dos Direitos Quilombolas, em Brasília, durante a II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial – II CONAPIR, entre os dias 25 e 28 de junho, com os quilombolas delegados da CONAPIR mais outros que conseguirem mobilizar ônibus dos estados para o ato, além dos movimentos parceiros.

Foi aberto diálogo com a direção nacional do Movimento Sem-Terra – MST, no sentido de tentar aproximar as lutas quilombola e da reforma agrária. Sugestão de acompanhamento, pelas entidades quilombolas estaduais, da ação política que o MST está organizando, dias 08 e 09 de junho, pela defesa do PRONERA (Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária), com ocupação nos INCRAS dos Estados. Em negociação, apoio dos assentamentos do DF e entorno na mobilização nacional pela defesa dos direitos quilombolas.
Coordenação Executiva

domingo, 14 de junho de 2009

Iggy Pop, Green Day e esse tal de rock

Há algum tempo não escrevo por aqui sobre música. E que me lembre raramente escrevi sobre rock. Tal lacuna talvez se explique pelo fato de que há alguns anos não consigo gostar de nada que se define, ou é definido como rock. Sim, lógico, existem algumas raras exceções que, no geral, confirmam a regra. Mas a afirmação abaixo de Iggy Pop me instigou demais. Instigou porque em linhas gerais concordo com tudo que o Velho e Bom Iggy disse a uma revista freancesa:
“... fascina-me a eternidade dos clássicos. E, além disso, sempre gostei estar do lado dos outsiders. E nesse momento, que possibilidades tem um standard frente a um novo disco do U2 ou do Coldplay? O rock se tornou a pior forma musical da atualidade: a mais feia esteticamente, a mais corrompida, a mais cínica e a que acompanha os piores sentimentos!"

Chamo a atenção para a parte que grifei em negrito. Concordo com Iggy: o rock atual é a pior forma de corrupção musical, algo que esteticamente enjoa e cinicamente canalha para ser fruído com algum prazer...

Dito isso, vamos a uma das exceções. E uma bela exceção: Green Day. Sim a banda californiana, que nasceu pop-punk... aquela mesma que se orgulhava de nada representar, de não se posicionar politicamente...surpreendeu no ano de 2004, com uma punk-ópera: American Idiot. Pois bem, cinco anos após o lançamento e muitos elógios, o aclamado disco de 2004 agora foi adaptado e será um musical da Brodeway (engraçado, agora me dou conta que não sei escrever a palavra Broadway).

Assim se referiu ao disco o crítico Wladimyr Cruz, no longínquo ano de 2004:
"Ufa! Enfim, o disco realmente parece uma trilha sonora de algum filme/peça de teatro que nunca existiu, e se você for acompanhando as letras, verá como tudo é bem amarrado e forma realmente um disco conceitual. O Green Day passou dos limites, chegou ao ápice de sua criatividade, cara-de-pau e loucura musical, e o triste disso tudo é que provavelmente todo esse conteúdo não será assimilado pelos fãs da banda, que dirá pela massa. Tudo cabeça demais para a molecada engolir. É como se "American Idiot" fosse o "Load" do Metallica. Meu veredito? Porra, é Green Day, a maior banda punk dos anos 90, e talvez a maior promessa do rock no novo milênio."

Pois bem depois do American Idiot, no pós idiot-leader Bush o Green Day, volta à carga e cinco anos depois surge: “21st Century Breakdown”. “21st Century Breakdown” é, de certa forma, uma seqüência do bem-sucedido “American Idiot”. Uma ópera rock focada na história de dois personagens, Christian e Gloria, sendo o primeiro alguém extremamente auto-destrutivo, revoltado e o segundo, uma mulher cheia de ideais e esperanças.
Em entrevista a MTV norte-americana, que pode por um feliz acaso, acompanhar em uma destas madrugadas o grupo explicou que este trabalho é uma mistura de influências e por isso experimental: por exemplo, o trio montou no estúdio de gravação um quadro com uma grande gráfico em forma de pizza: cada fatia representava estilos musicais diferentes e de agrado do grupo. Indo desde o rockabilly passando pelo death metal, p.ex.. A idéia era combinar acordes dessas diferenças influências e com isso, acredito (já que não foi dito nesta entrevista) produzir um colapso digno do século XXI. A banda divide o álbum em 3 atos – Heroes and cons, Charlatans and Saints e Horseshoes and handgranades – num total de 18 faixas.

Em que a banda na faixa ‘Know your enemy’, do primeiro ato clama por uma revolução que combata o silêncio. Nada mais adequado nessa época de silêncios atordoantes e de barulhos desacossadores. O segundo ato se inicia com o petardo ‘East Jesus nowhere’ que toca em temas como o recrutamento para o genocídio, Deus e religião, sempre com peso. O disco segue com ‘Peacemaker’, citando a paz apenas com vingança. ‘Last of the american girls’ é pop e trata do desastre das garotas americanas. A faixa seguinte, ‘Murder city’, é gás puro e fala do desespero e falta de esperança. Na seqüência, falando de abandono e da vida nas ruas, é a vez de ‘¿Viva La Gloria? (Little Girl)’. Mais uma balada, agora com ‘Restless heart syndrome’, exclamando que você é seu maior inimigo, vítima do sistema, encerrando o segundo ato. Para finalizar como qualquer Manifesto o disco traz no terceiro ato e na última faixa ‘See the light’, um apelo a luta: saber de que vale a luta, pois no fim é possível ver a luz no fim do túnel.

Escute seis canções de "21st CB" no site oficial do grupo (greenday.com): BreakdownBefore, The Lobotomy, East Jesus Nowhere, Restless Heart Syndrome21, Guns, American Eulogy. Ou então http://www.21stcenturybreakdown.com.br/
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Para finalizar, a resenha da Rolling Stone do disco:

Como suceder ‘American Idiot’: Com um épico ainda maior e de três Atos.Green Day – 21st Century Breakdown ()Por Rob SheffieldDesde que o Green Day eram os moleques do punk dos anos 90 que ninguém esperava que fossem crescer, tudo o que eles fazem vira uma surpresa. E o que é mais bizarro: o fato de que eles soam tão ambiciosos e audaciosos em seu oitavo álbum ou o fato de eles terem é conseguido chegar no oitavo álbum? De qualquer maneira, os perdedores que detonaram nas rádios em 1994 gritando “I got no motivation,” com Billie Joe Armstrong largado no sofá da sua mãe – eles acabaram sendo os últimos a ficarem de pé, aqueles vivendo ainda pelos ideais de sua época e escrevendo as canções mais difíceis de sua carreira bem depois de terem passado o ponto de acabarem no programa de TV Sober House (programa da VH1 onde estrelas famosas entram para reabilitação). E eles o fizeram com uma maldita ópera-rock.American Idiot parecia ser o kamikaze da carreira da banda – um álbum conceitual sobre esperanças e sonhos americanos, com personagens chamados St. Jimmy e Jesus of Suburbia? Bela tentativa! Mas, o álbum não somente resgatou o Green Day do limbo onde se encontravam, mas recarregou as baterias musicais da banda. Com quase 6 milhões de cópias vendidas e ainda contando (*só nos EUA), American Idiot se tornou a espécie de blockbuster multi-platinado do rock que não deveria mais existir, pois o Green Day se transformou naquela banda que não tem mais como existir outra igual – lidando com paixões fulminantes, correndo o risco de darem com os burros n’água com tal argumento. Até mesmo as canções que não funcionaram ou as partes do roteiro que não faziam sentido apenas aumentavam a diversão, pois Armstrong, o baixista Mike Dirnt e o baterista Tre Cool se recusavam a diminuir o ritmo.21st Century Breakdown é ainda melhor, tão majestoso e confiante que faz com que American Idiot pareça apenas uma espécie de “aquecimento”. Estão de volta no modo ópera-rock, dividindo o álbum em três partes, “Heroes & Cons,” “Charlatans & Saints,” e “Horseshoes & Hand Grenades.” Mas, desta vez não existem viagens de cerca de nove minutos – apenas duas das 18 faixas do álbum chegam na marca de cinco minutos – e o Green Day focou suas idéias em suas canções mais difíceis e afiadas até hoje. Armstrong traz agora uma compaixão ainda maior em seu vocal, até mesmo quando cospe versos auto-dilacerantes como, “My generation is zero/I never made it as a working-class hero.”Assim como American Idiot, 21st Century Breakdown é um épico com um pé nos anos 70, contando a história de dois jovens amantes punks em meio à fuga no colapso da América pós-Bush. Os heróis aqui são Christian e Gloria, dois garotos alienados pela igreja (“East Jesus Nowhere”), pelo estado (“21 Guns”) e por todos os adultos nos quais um dia eles acreditaram (“We are the desperate in the decline/Raised by the bastards of 1969”). Christian é o auto-destrutivo impulsivo (“Christian’s Inferno”), enquanto Gloria é mais idealista e política (“Last of the American Girls”), mas são forçados a cuidarem um do outro, pois ninguém mais fará isso por eles.Ao longo do álbum, a banda combina a força do punk com seu mais novo amor pela grandiosidade do rock clássico – em um momento estão falando de Bikini Kill, no outro estão mandando brasa no que parece o minuto final de “Jungleland.” A faixa-título é uma canção com diferentes partes que paga um tributo descarado à hinos de rádios dos anos 70 como “Bohemian Rhapsody” do Queen, “Fox on the Run” do Sweet e “All the Young Dudes” do Mott the Hoople. Armstrong nos leva para um tour do país, desde sua infância difícil (“Born into Nixon, I was raised in hell / A welfare child where the teamsters dwelled”) à idade moderna (“Video games to the towers’ fall / Homeland Security could kill us all”). Ele acaba com nada mais para mostrar a não ser sua raiva e o coração para transformar esta raiva em canções.As baladas são as mais açucaradas até hoje; “Last Night on Earth” poderia ser da banda Air Supply e não pense por um minuto que eles não adoram a idéia de irritar as pessoas com isso. Mas, os destaques são os hinos punk cheios de raiva. Eles se levam por entre violões latinos (“Peacemaker”), coros à la Clash (“Know Your Enemy”) e ataques de quatro acordes como na época de garagem (“Horseshoes and Hand Grenades”). “Last of the American Girls” aparece como uma canção de amor descompromissada para uma garota rebelde – quando Armstrong canta, “She won’t cooperate,” ele a está elogiando da melhor maneira possível.O Green Day desta vez mira sua arma na religião, com “East Jesus Nowhere” enquanto atacam a hipocrisia Cristã. Mas, na maioria das vezes cantam sobre o fato da América agora acordar de um pesadelo que durou oito anos. Na balada “21 Guns,” eles ainda parecem ter uma palavra ou outra para os desiludidos apoiadores de Bush (“Your faith walks on broken glass / And the hangover doesn’t pass”).Parte da emoção de 21st Century Breakdown é que os caras do Green Day não precisam se esforçar tanto assim. Não é que não existe ninguém mais com quem eles possam competir. (O quê? Sponge vai gravar uma adaptação tripla de Moby Dick? Provavelmente não!) Ainda assim, o esforço extras é ouvido na música e cada canção adiciona algo à vibe total de homens maduros tentando dificilmente se comunicar, desafiando-os juntamente com sua audiência. Eles revitalizam a idéia de verdadeiros rock stars que têm algo a dizer para o mundo real. Estão mantendo promessas que eles mesmos nunca fizeram, promessas deixadas para trás por todas aquelas bandas medianas dos anos 90 que acabaram pelo meio do caminho. Se é uma surpresa contínua o fato da banda ser os únicos a sempre pegarem a tocha e seguirem em frente, isso é parte do que faz 21st Century Breakdown tão atual e vital – O Green Day soa como se estivesse chocado como qualquer outra pessoa.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

As Ações Afirmativas nas Universidades Públicas

DEBATE – AÇÕES AFIRMATIVAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

Recente debate entre Yvonne Maggie (contra as cotas raciais) x Elio Gaspari (a favor das cotas raciais) no contexto de suspensão das cotas raciais nas universidades estaduais do Rio de Janeiro. Acresço como pós-texto e algumas horas após postar esse texto, um e-mail que recebi e tem tudo haver com a discussão aqui travada. Trata-se do texto de um editor da Revista época, chamado: Nunca tive uma namorada negra.
A seguir, entrevista do Farol de Alexandria anti-cotas Yvonne Maggie, depois meu comentário e após este um texto do Gaspari. O interessante a respeito da profesora Yvonne é que apesar de usar com desenvolvtura os espaços da mídia-racista e anti-cotas, ela não apresenta o mesmo vigor quando o debate deve ocorrer nas esferas acadêmicas (por que será)? Por que será que a professora não aceita participar de mesas onde o contraditório estará presente como foi o caso da Mesa proposta para o último encontro da Associação Brasileira de Antropologia para debater esta questão? Neste caso, ela alegou outros compromissos; provavelmente mais uma reportagem "bombástica como essa" para usar a expressão do editor do Jornal Nacional, Willian Bonner.

ENTREVISTA com Yvonne Maggie no jornal O Globo
Fervorosa ativista contra o sistema de cotas raciais para o ingresso nas universidades, a antropóloga Yvonne Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comemorou a recente suspensão, pelo Tribunal de Justiça, da lei estadual que estipulava a reserva de vagas em universidades estaduais, como um primeiro passo para a revogação de leis raciais. A seu ver, elas servem apenas para dividir os brasileiros que, no geral, diz, rejeitam o racismo. Segundo ela, o sistema de cotas é fruto de pressão internacional alimentada por milhões de dólares da Fundação Ford: — Essa pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história.
José Meirelles Passos
O GLOBO: O sistema de cotas é apresentado como forma de criar oportunidades iguais para todos. A senhora discorda. Por quê?
YVONNE MAGGIE: Porque ele faz parte de leis raciais que querem implantar no Brasil. E elas são inconstitucionais. A Constituição Federal proíbe criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. A do Estado do Rio também. Estou defendendo o estatuto jurídico da nação brasileira, com base no fato de que raça não pode ser critério de distribuição de justiça. Raça é uma invenção dos racistas para dominar mais e melhor.
O GLOBO: Que critério usaram para criar tal sistema?
YVONNE: Surgiu no governo de Fernando Henrique Cardoso, propondo cotas para negros ou pardos, hoje chamados de afrodescendentes, sob o critério estatístico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas isso não significa que as pessoas se identifiquem com aquilo. Nós, brasileiros, construímos uma cultura que se envergonha do racismo.
O GLOBO: Mas existe racismo no Brasil, não?
YVONNE: Eu nunca disse que não há racismo aqui. Mas não somos uma sociedade racista, pois não temos instituições baseadas em lei com critério racial. É interessante ver que o Brasil descrito nas estatísticas foi tomado como verdade absoluta. Há Uma coisa é dizer que o Brasil é um país desigual, com uma distância muito grande entre ricos e pobres. Outra coisa é atribuir isso à raça.
O GLOBO: Quais os motivos para a criação de leis raciais no país?
YVONNE: Outra alucinação: a de que a forma de combater a desigualdade no Brasil deve ser via leis raciais. Elas propõem dividir o povo brasileiro em brancos e negros. Há quem diga que o povo já está dividido assim. Digo que não. Afinal, 35% dos muito pobres no Brasil se definem como brancos.
O GLOBO: Qual é o melhor critério?
YVONNE: Em vez de lutar contra o racismo com ações afirmativas, colocando mais dinheiro nas periferias, o governo optou pelas cotas raciais reservando certo número de vagas na escola e, com o estatuto racial, no mercado de trabalho. Então, o país que não se pensava dividido está sendo dividido.
O GLOBO: Seja como for, a idéia das cotas está ganhando adeptos.
YVONNE: Nem tanto. Pesquisa recente feita no Rio pelo Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), mostrou que 63% das pessoas são contra as cotas raciais. A maioria do povo brasileiro acha que todos somos iguais. Aprendemos isso na escola. O objetivo era beneficiar negros e pardos. Agora no Rio já existem cotas para portadores de deficiência, para filhos de policiais, de bombeiros.
O GLOBO: A tendência é esse leque aumentar?
YVONNE: A lógica étnica ou racial não tem fim. Tudo surgiu porque houve pressão internacional com o sentido de combater o racismo. Mas quem domina os organismos internacionais são os países imperialistas, sobretudo Inglaterra e Estados Unidos, que têm uma visão imperialista de mundo dividido. Os EUA são um país dividido. Não pensam como nós. Lá a questão racial é a primeira identidade. Você pergunta quem é você?Eles dizem: eu sou afroamericano, etc. Como não vivemos ódio racial no Brasil não sabemos o que é isso. O problema é que ao dividir e criar uma identidade racial, fica impossível voltar atrás.
O GLOBO: O Brasil sucumbiu à pressão internacional?
YVONNE: A pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história. A Fundação Ford investiu milhares de dólares no Brasil, formando advogados, financiando debates, criando organizações não governamentais (ONGs). Não temos mais movimentos sociais. Quem luta em favor das cotas se transformou em ONG que recebe dinheiro do governo e da Fundação Ford. Juntou-se a fome com a vontade de comer. O governo inventa as ONGs, financia, e depois diz que as cotas são uma demanda do povo.
O GLOBO: Como combater a desigualdade no acesso à universidade?
YVONNE: O Brasil tem que enfrentar a questão da educação básica de forma madura e consciente, investindo. Precisamos de recursos financeiros e humanos. Melhorar o salário dos professores e sua formação. E mudar a concepção de educação. Sem investimento não construiremos uma sociedade mais igual. Estamos criando uma sociedade mais desigual, escolhendo um punhadinho entre os pobres. Na verdade, a competição pelos recursos não é entre o filho da elite e o filho do pobre: ocorre entre os pobres.
O GLOBO: Como a senhora vê a educação no Brasil?
YVONNE: A formação de professores e a concepção de educação são precárias. Não se obriga as escolas a ensinar. Obama acaba de fazer uma grande melhoria nos EUA: premia os bons professores. São os que ensinam melhor. E pune os maus. Quem não consegue fazer com que o seu aluno tire nota boa nas provas de avaliação externas, sai ou é reciclado.
O GLOBO: Há luz no fim do túnel?
YVONNE: Sou otimista. Acho que as leis raciais não vingarão no Brasil. Creio que os congressistas têm mais juízo. E que em vez de lutar pelas cotas, o ministro da Educação deve fazer com que prefeitos e governadores cumpram as metas. Elas são excelentes. A idéia dele é fazer com que os municípios mais pobres recebam mais dinheiro. A opção é investir nas escolas e nos bairros mais pobres.
O GLOBO: É possível conter o lobby das ONGs favoráveis às cotas?
YVONNE: É muito difícil ir contra grupos que se apresentam como o povo organizado. Temos que lutar pelo povo desorganizado, o povo que anda pela rua, que casa entre si, que joga futebol junto, que bebe cerveja, e não está o tempo todo pensando de que cor você é, de que cor eu sou. Povo é o que nos ensina que é melhor dar a mão do que negar um abraço.
OPINIÃO sobre a entrevista de Yvonne Maggie
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Agora sou eu, em mensagem enviada ao Gurpo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia:
Só não entendi bem:
a) o Brasil é um país não racista que se envergonha do racismo mas ela não se atreve a dizer que não existe racismo?
b) Ou será que o racismo não existe porque a legislação brasileira não adota critérios raciais? Isso significa que não existem assassinatos, afinal a legislação brasileira não permite a pena capital (salvo excessão dos períodos de guerra).
c) Ou será ainda que não devemos tomar as estatísticas como "verdade absoluta". Neste caso, então não devo acreditar que "35% dos muito pobres no Brasil se definem como brancos." ou que "Pesquisa recente feita no Rio pelo Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), mostrou que 63% das pessoas são contra as cotas raciais." Ou será que só valem as estatísticas que são favoráveis aos meus argumentos?
d) Que dizer então que toda a discussão sobre cotas faz parte de um plano imperialista dos yankees e dos ingleses?
e) Como assim: lutar favor das cotas é ser membro de Ongs e ser financiado. Sou a favor das cotas desde o ano de 2001 e nunca recebi nada em troca a não ser chateações como essa matéria.... Isso é ser leviano, tal qual eu afirmar que todos que são contra as cotas são os membros da elite econômica, social e racial deste país. Mas neste caso, mais do que leviano, eu na verdade só estou demonstrando o mal que representa essa política de ódio racial. Eis o paradoxo: estamos preso na camisa de força, nisto devemos reconhecer o brilhantismo da Profa. Ivonne Maggie, ou bem concordamos com ela, ou somos racistas e pregadores do ódio racial. Ah para falar a verdade como dizem os burgueses de S. Paulo Cansei...é necessário mais seriedade e profundidade para discutir um assunto tão sério. E pensar que essa senhora ocupa sucessivamente cargos importantes na ABA.... (aqui alguns colegas me alertaram e faz necesário esclarecer a professora Maggie efetivamente não ocupa cargos de tanta relvãncia na Assoiação e mesmo no mundo antropológico, obviamente que por seu curriculo e militância ela chama a atenção por coordenar Mesas de trabalhos e fóruns anti-cotas nos Congressos- mesas e fóruns onde todos tem visões semelhantes). Me impressiona a falta de argumentos desta ala contrária as cotas (existem vários argumentos factíveis, mas a pesquisadora não conseguiu apresentar nenhum). São sempre os mesmos discursos raivosos e vazios, repleto de contradições como as expressas acima ou a velha cantilena que é necessário melhorar o ensino publico, como se alguém fosse contra a melhoria das escolas públicas. A velha idéia da subtração do ou ao invés da soma. Ou será que ter políticas afirmativas é mutuamente excludente de políticas universalistas?
f) Um outro colega, não o citarei aqui pois não pedi sua autorização também me lembrou algo vital. Essa mesma Yvonne que acusa a Fundação Ford foi durante muito tempo bolsista ou recebeu verbas de pesquisa da mesma. Naquela época provavelmente a Fundação Ford não era uma organização terorista da ultra-direita yankee...ou como já percebemos a opinião da professora qualifica a tudo e a todos por sua visão estreita da realidade. Pesquisa e financiadores só são bons se aformam minha visão.
Carlos Eduardo Carlos Eduardo Marques - Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas da FEVALE/UEMG. Membro do Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais da UFMG (NUQ/UFMG). Membro do Grupo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia (GT Quilombos/ABA)
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Abaixo um artigo de Elio Gaspari (com dados a respeito do sistema de cotas) um contraponto a Yvonne Maggie.
As cotas desmentiram as urucubacas - Elio Gaspari
03-Jun-2009 - FOLHA DE S. PAULO
Os negros desorganizariam as universidades, como a Abolição destruiria a economia brasileira QUEM ACOMPANHASSE os debates na Câmara dos Deputados em 1884 poderia ouvir a leitura de uma moção de fazendeiros do Rio de Janeiro:
"Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos da desorganização do atual sistema de trabalho."
Livres os negros, as cidades seriam invadidas por "turbas ignaras", "gente refratária ao trabalho e ávida de ociosidade". A produção seria destruída e a segurança das famílias estaria ameaçada.
Veio a Abolição, o Apocalipse ficou para depois e o Brasil melhorou (ou será que alguém duvida?).
Passados dez anos do início do debate em torno das ações afirmativas e do recurso às cotas para facilitar o acesso dos negros às universidades públicas brasileiras, felizmente é possível conferir a consistência dos argumentos apresentados contra essa iniciativa.
De saída, veio a advertência de que as cotas exacerbariam a questão racial. Essa ameaça vai completar 18 anos e não se registraram casos significativos de exacerbação. Há cerca de 500 mandados de segurança no Judiciário, mas isso nada mais é que a livre disputa pelo direito.
Num curso paralelo veio a mandinga do não-vai-pegar. Hoje há em torno de 60 universidades públicas com sistemas de acesso orientados por cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de 10 mil jovens beneficiados pela iniciativa.
Havia outro argumento: sem preparo e sem recursos para se manter, os negros entrariam nas universidades, não conseguiriam acompanhar as aulas, desorganizariam os cursos e acabariam deixando as escolas.
Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotistas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi de 13%. No universo dos não cotistas, esse índice foi de 17%.
Quanto ao aproveitamento, na Uerj, os estudantes que entraram pelas cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos demais. Na Federal da Bahia, em 2005, os cotistas conseguiram rendimento igual ou melhor que os não cotistas em 32 dos 57 cursos. Em 11 dos 18 cursos de maior concorrência, os cotistas desempenharam- se melhor em 61 % das áreas.
De todas as mandingas lançadas contra as cotas, a mais cruel foi a que levantou o perigo da discriminação, pelos colegas, contra os cotistas.
Caso de pura transferência de preconceito. Não há notícia de tensões nos campus. Mesmo assim, seria ingenuidade acreditar que os negros não receberam olhares atravessados. Tudo bem, mas entraram para as universidades sustentadas pelo dinheiro público.
Tanto Michelle Obama quanto Sonia Sotomayor, uma filha de imigrantes portorriquenhos nomeada para a Suprema Corte, lembram até hoje dos olhares atravessados que receberam ao entrar na Universidade de Princeton. Michelle tratou do assunto em seu trabalho de conclusão do curso. Ela não conseguiu a matrícula por conta de cotas, mas pela prática de ações afirmativas, iniciada em 1964. Logo na universidade onde, em 1939, Radcliffe Heermance, seu poderoso diretor de admissões de 1922 a 1950, disse a um estudante negro admitido acidentalmente que aquela escola não era lugar para ele, pois "um estudante de cor será mais feliz num ambiente com outros de sua raça". Na carta em que escreveu isso, o doutor explicou que nem ele nem a universidade eram racistas.
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REVISTA ÉPOCA
27/05/2009 - 18:33 - Atualizado em 29/05/2009 - 19:25
Nunca Tive Namorada Negra
O Preconceito Molda a Nossa Capacidade de Amar
Ivan Martins

IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA
Eu nunca tive uma namorada negra. Saí uma ou duas vezes com moças negras na universidade, tive um caso intenso e demorado com uma mulher negra há pouco tempo, mas nenhuma delas foi namorada, relação firme, gente se que incorpora à vida e se leva à casa da mãe. Por que razão? Um dos motivos é geográfico: desde a adolescência quase não há pessoas negras ao meu redor. Elas não estavam no colégio, não estavam na faculdade e não estão no trabalho, com raras e queridas exceções. É nesses ambientes - escola e emprego -- que se constroem relações duradouras de amor e amizade.
O outro motivo é vergonhoso: racismo. Deve haver um pedaço de mim que acha mulher branca mais bacana que mulher negra, independente de beleza, inteligência ou caráter. Mesmo tendo ancestrais negros, cresci numa sociedade em que a cor, os traços e os cabelos africanos são tratados como defeito. É difícil livrar-se desse lixo. Ando pensando sob re essas coisas desde que tive uma discussão, dias atrás, com meu melhor amigo, sobre cotas raciais na universidade. Ele contra, eu a favor. Ele defende cotas econômicas, para jovens pobres oriundos das escolas públicas. Eu sinto que isso não é suficiente. Acredito que os negros têm sido sistematicamente prejudicados ao longo da história brasileira e fazem jus a políticas e tratamento preferenciais.
Penso nas namoradas negras que eu não tive. Elas não estavam na boa escola pública de primeiro grau onde eu entrei depois de um exame de admissão. Também não estavam na escola federal onde fiz o colégio. Ali só se entrava depois de um vestibular duríssimo. Na Universidade de São Paulo, onde estudei jornalismo, só havia um colega negro, nenhuma garota que eu me lembre. Será que isso é apenas econômico? Duvido.
Eu vim de uma família pobre e cheguei à universidade e à classe média. O mesmo fizeram minhas irmãs e meus amigos brancos. Os coleguinhas negros da infância - com poucas exceções -- não chegaram. Estavam em desvantagem. Tem algo aí no meio que é mais do que pobreza. É fácil para mim enxergar que a linha de corte na sociedade brasileira não é apenas de renda. Ela é de cor também. Essa linha está dentro de nós, dentro de mim. Somos racistas, embora mestiços. Por isso me espanta que as pessoas não se inclinem gen erosamente pela idéia de uma reparação aos sofrimentos infringidos aos negros - até como forma de purgar essa coisa ruim e preconceituosa que trazemos dentro de nós.
Eu, que nunca tive uma namorada negra, gostaria que meus filhos vivessem num país melhor. Um país em que houvesse garotas e garotos negros na universidade pública, ao lado deles. Um país em que eles tivessem colegas de trabalho negros. Engenheiros. Médicos. Advogados. Jornalistas. Um país onde as pessoas pudessem se conhecer, se admirar e se amar sem a barreira do preconceito que ainda nos divide.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Maria Bethânia

Há muito quero escrever aqui sobre Maria Bethania, mas sou tão, tão, tão fã desta cantora que tentei várias vezes, mas nunca consigo. Essa é mais uma tentativa fracassada. Afinal como verbalizar o quenão é verbalizável. Mas dessa vez ficará aqui registrado em homenagem, a Ela: MARIA BETHÂNIA.
Pelo menos registro a bibliografia:

(47 discos lançados, excluindo os compactos: 33 de estúdio e 14 ao vivo)

Sony BMG / RCA
1965 - Maria Bethânia
1966 - Maria Bethânia canta Noel Rosa
Universal Music / Elenco
1967 - Edu e Bethânia - com Edu Lobo

EMI
1968 - Recital na Boite Barroco - ao vivo
1969 - Maria Bethânia
1970 - Maria Bethânia Ao Vivo

RGE
1971 - Vinicius + Bethânia + Toquinho gravado en Buenos Aires

Universal Music / Philips / Polygram
197i - Maria Bethânia Viana Telles Veloso - A tua presença...
1971 - Rosa dos ventos - Show encantado - ao vivo
1972 - Quando o carnaval chegar (trilha sonora do filme, com Chico Buarque e Nara Leão)
1972 - Drama
1973 - Drama 3º ato - ao vivo
1974 - A cena muda - ao vivo
1975 -Chico Buarque e Maria Bethânia - ao vivo
1976 - Pássaro proibido
1976 - Doces Bárbaros - com Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil - ao vivo
1977 - Pássaro da manhã
1978 -Maria Bethânia e Caetano Veloso - ao vivo
1978 - Álibi
1979 - Mel
1980 - Talismã
1981 - Alteza
1982 - Nossos Momentos - ao vivo
1983 - Ciclo
1984 - A beira e o mar

Sony BMG / RCA
1986 - Dezembros
1988 - Maria

Universal Music / Polygram
1989 - Memória da pele
1990 - 25 anos
1992 - Olho d'água
1993 - As canções que você fez pra mim
1994 - Las canciones que hiciste para mí -
espanhol
1995 - Maria Bethânia ao vivo

EMI
1996 -Âmbar
1997 - Imitação da vida - ao vivo

Sony BMG
1998 - A força que nunca seca
1999 - Diamante verdadeiro - ao vivo
2000 - Cânticos, preces e súplicas à Senhora dos jardins do céu (tiragem limitada de duas mil cópias)
2001 - Maricotinha

Biscoito Fino e Quitanda
2002 - Maricotinha ao vivo
2003 - Cânticos, preces e súplicas à Senhora dos jardins do céu - edição comercial
2003 - Brasileirinho
2005 - Que falta você me faz - Músicas de Vinicius de Moraes
2006 - Mar de Sophia
2006 - Pirata
2007 - Dentro do mar tem rio - Maria Bethânia ao vivo
2008 - Omara Portuondo e Maria Bethânia