sábado, 31 de maio de 2008

O Pantera Negra, John Carlos

“A América branca diz que somos
americanos quando vencemos
e que somos negros
quando fazemos algo que
julga errado.”
John Carlos


O pantera negra John Carlos faria tudo outra vez,
mas França diz não.

Redação Sport Marketing
Postado por New Gap Productions -
Soluções em Mídia às 11:50 AM

O mundo fervia, com manifestações por toda parte.
Na Tchecoslováquia o governo tentou se afastar de
Moscou veio a “Primavera de Praga”. A União Soviética
invadiu Praga. O líder negro Martin Luther King foi
assassinado. O mundo queria mudanças e esse desejo
não era diferente noesporte. México, 1968! Na própria
cidade sede dos Jogos Olímpicos, cerca de dez mil
estudantes ocuparam a Plaza las Tres Culturas em protesto
contra a ocupação de militares em duas universidades
públicas. A prova dos 200 metros foi vencida pelo
afro-americano Tommy Smith, dono de 11 títulos mundiais
em corridas de curta distância, assombrando o mundo. Era
a primeira vez, que se alcançava esse recorde em menos de
20 segundos. O bronze ficou com John Carlos, afroamericano
e aluno do San Jose State College, da Califórnia, mesmo
college de Smith, que liderava a prova, mas desconcertou-se
com a performance de Smith e acabou abrindo espaço para o
australiano Peter Norman conseguir o segundo lugar. Na hora
de subir ao pódio para receber as medalhas, o que aconteceu
ali ficou na história do esporte e marcou as imagens dos anos
60. Dois negros americanos de punho erguido, cabisbaixos e
descalços, em protesto contra o racismo.“O protesto foi
planejado pelos americanos ainda no campus da faculdade, na
Califórnia. Caso um deles conquistasse medalha, usaria o pódio
como palco para denunciar a desigualdade racial nos Estados
Unidos. O público que lotava o Estádio Nacional não percebeu de
imediato o que se passava. Foi com o semblante carregado que os
atletas acompanharam o içamento das bandeiras. Aos
primeiros acordes do hino nacional, Smith ainda pareceu
entoar a
letra. Depois se calou e abaixou a cabeça. Começou,então,
a erguer o
braço direito enluvado, em sincronia com o braço esquerdo
de Carlos.
A saudação "black power" tinha invadido os Jogos Olímpicos.
Norman foi crucificado pela imprensa de seu país e recebeu
reprimenda do Comitê
Olímpico Australiano. Para Smith e Carlos as conseqüências
foram
implacáveis e duradouras. De imediato, o Comitê Olímpico
Internacional
– COI –, proibiu que os dois velocistas tivessem outras
participações
(ambos estavam escalados para integrar a equipe americana de
revezamento) e exigiu a expulsão da dupla da Vila Olímpica.
Smith e
Carlos retornaram aos Estados Unidos como párias, acusados de
introduzir
política no olimpismo e de querer destruir o tecido social
de seu país.
“Mas qual país?”, perguntavam em uníssono. “A América branca
diz que
somos americanos quando vencemos e que somos negros quando
fazemos algo
que julga errado.” Apesar dos ataques e do ostracismo, nem
Carlos nem
Smith mudaram de posição. Quem mudou foi o curso da história.
Às vésperas
da Olimpíada de 1984, John Carlos foi ressuscitado pelo Comitê
Organizador
dos Jogos de Los Angeles para promover o esporte junto à
juventude negra. Smith foi chamado a treinar uma equipe de
atletismo. Em 1999, a faculdade San Jose State, de onde
ambos tinham saído três décadas antes,inaugurou uma estátua
comemorativa ao gesto dos ex-alunos. Quarenta anos
depois, quando questionado se os atletas devem ou não usar
os Jogos Olímpicos para protestar contra a repressão chinesa
a manifestações de monges no Tibet, John Carlos disse ao
jornal francês Le Monde que se ele fosse competir, encontraria
uma forma de expressar oposição à China.
"Se eu fosse um atleta hoje, eu saberia como ser criativo e eu
faria uma declaração para mostrar que discordo do que está
acontecendo", disse ele ao jornal. "Quando você faz esse tipo
de declaração pública, você manda uma mensagem de coragem ao
mundo." Carlos carregou uma "tocha pelos direitos humanos"
durante protesto em San Francisco no dia 5 de abril,
poucos dias antes de manifestações pró-Tibet terem causado
transtorno à passagem da tocha olímpica de Beijing pela cidade.
Ele disse ao Le Monde que o Comitê Olímpico Internacional estava
errado por escolher Beijing como sede dos Jogos. "Um dos
pontos-chave no caráter olímpico é a não violência. Como podemos
falar sobre não violência em um clima tão violento quanto o da
China?" Pois bem, mas o Comitê Olímpico Francês não
pesna da mesma forma. O presidente Henri Serandour, frustrou as
expectativas dos atletas franceses que pretendiam utilizar um
broche(pin) com a inscrição “Por um Mundo Melhor” durante os
Jogos de Beijing como uma forma de expressar uma visão de
respeito aos direitos humanos e a repressão chinesa ao Tibet.
Segundo Serandour, os broches, pins ou insígnias foram desde já
vetadas porque o estatuto olímpico deve ser respeitado,
com nenhuma demonstração de propaganda política, religiosa ou
racional podendo ser registrada. “Há mais de 200 países nos Jogos,
alguns deles com atletas que têm causas próprias. Não podemos
tomar partido por esta ou aquela causa” - afirmou o dirigente
ao L’Equipe. As declarações do presidente do Comitê tiveram
grande repercussão entre os atletas. “Nós estamos provavelmente
em um momento crucial. Se estivermos nos inclinando para o lado
de
todo o marketing, nós perderemos um pouco dos fundamentos dos
Jogos” - afirmou Romain Mesnil, atual vice-campeão mundial do
salto com vara. Um coisa é certa, se em 1968, os "Panteras
Negras" tivessem avisado que iriam protestar, talvez também
tivessem sido impedidos. O segredo, continua sendo sempre o
segredo do sucesso.

Estudo do IPEA retoma debate da desigualdade no país


Estudo do IPEA retoma debate da desigualdade no país

Por Daniela Lot
26/05/2008


No dia 13 de maio de 2008, 120 anos após a abolição da escravatura, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou os resultados parciais da pesquisa “Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição”. A perspectiva, de acordo com Mário Lisboa Theodoro, diretor de cooperação e desenvolvimento do IPEA, é que daqui 3 meses seja divulgada a pesquisa completa que trará um conjunto maior de informações, incluindo análises regionais.

A partir dos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), o IPEA fez uma projeção de que em 2008 os negros serão maioria no país, mas só conseguirão igualdade de renda em 2040. “Nós fizemos uma projeção a partir do crescimento da renda dos mais pobres nos últimos anos, que foi acelerado principalmente pelo aumento do Bolsa Família, estendido a quase 12 milhões de famílias”, explica Theodoro. “Se nós tivéssemos um crescimento dessa magnitude, poderíamos chegar a uma equalização em 2040”.

Theodoro ressalta que a pesquisa trata da igualdade de renda familiar, incluindo tanto rendimento do trabalho como outros rendimentos, entre eles o Bolsa Família. “Hoje a renda média da população negra é 53% da renda média da população branca, praticamente metade. Pela projeção isso iria diminuindo até igualar”. No entanto, Theodoro afirma que essa é uma visão otimista: “dificilmente o crescimento que nós tivemos nos últimos meses vai continuar, porque o Bolsa Família já está chegando ao seu limite”.

“O resultado dessa pesquisa não é surpreendente para ninguém que trabalha com essa temática de relações raciais no Brasil. Nós sabemos que isso é resultado do nosso processo histórico, que remonta ao período da escravidão, como também do que deixou de ser feito após a escravidão”, lamenta Rosana Heringer, Coordenadora do Programa de Direitos das Mulheres e Afro-Descendentes da Actionaid Brasil. Rosana explica que ao longo dos 120 anos após o fim da escravidão muito pouco foi feito para efetivamente integrar os negros na sociedade brasileira. “Por um lado, nós temos uma integração cultural e artística. Sabemos que o Brasil é um país culturalmente misturado, mas quando falamos de igualdade de oportunidades, de renda, de acesso a educação, etc, isso é bastante diferente”, argumenta ela.

Mário Augusto Medeiros da Silva, doutorando em sociologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) e membro do Núcleo de Estudos Negros (NEN), ressalta que o próprio estudo do IPEA aponta que a melhoria da condição da população negra no Brasil aconteceu sem que políticas de Estado tenham sido direcionadas a esse grupo. “A análise feita pelo IPEA mostra que foram as políticas públicas universais, como educação e saúde pública e o Programa Bolsa Família que atingiram e afetaram positivamente a população mais precarizada, onde se encontra grande parte do grupo negro”.

A desigualdade de renda entre brancos e negros, apontada pela pesquisa do IPEA, não é novidade. A diferença é que o IPEA faz uma projeção de que a igualdade poderia ser atingida. De acordo com Theodoro, o IPEA está, nesta pesquisa, trabalhando não apenas na produção, como também na interpretação dos dados. “Não que nós já não tenhamos feito interpretações anteriormente, mas agora, como é uma pesquisa de mais longo prazo, vamos tentar vasculhar algumas interpretações históricas para essa questão, não só explicações momentâneas”.

Silva questiona a projeção feita pelo instituto. Tendo em vista o cenário histórico e as ressalvas feitas pelo órgão governamental, pode ser que a desigualdade, ao invés de diminuir, possa aumentar. “Daqui 32 anos - diz ele - sem a perenidade de políticas de Estado direcionadas e voltadas para a eliminação das desigualdades raciais ou o aprimoramento das precarizadas políticas universais, qual será a distância entre trabalhadores (as) negros (as) e brancos(as) novamente, em termos salariais e de renda?”.

Para Rosana, duas atitudes precisam ser tomadas para que a população negra tenha uma igualdade de renda e de oportunidades em relação aos brancos. A primeira delas seria um investimento muito maior em uma política de redução da desigualdade no Brasil de uma forma geral, isto é, em educação pública, em saúde, em qualificação para o mercado de trabalho. Em segundo lugar, de acordo com a coordenadora da Actionaid, é preciso investir mais nas políticas de ação afirmativa. “Devemos perceber que existem grupos na sociedade que precisam ter uma forma de acesso a determinados serviços e setores como educação e mercado de trabalho, para que daqui a 20 ou 30 anos possamos identificar um número mais equilibrado entre brancos e negros, principalmente nos cursos de mais prestígio e nos setores que identificamos como elite política, intelectual e cultural, que ainda é predominantemente branca”.

O trabalho do IPEA, explica Silva, mostra que a diferença de renda entre brancos e negros, assim como a concentração de negros em ocupações menos especializadas e mais desvalorizadas socialmente é resultado da aliança do racismo institucional com a péssima qualidade dos serviços públicos prestados, historicamente. O sociólogo lembra que os negros, por estarem majoritariamente concentrados nos estratos mais pobres da sociedade, têm como possibilidade de instrução os serviços educacionais públicos, que são precários e insuficientes. Por outro lado, lamenta, Silva, “apesar do número de vagas nas instituições superiores públicas federais e estaduais, que são as de maior prestígio, ter aumentado nos últimos anos, ainda é insuficiente o acesso de negros e pobres”.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Gagged in Brazil - Censura na Imprensa

A verdade sobre o Aécio que você não verá por aqui em Minas Gerais e no Brasil, mas que várias pessoas no mundo verão. belo documentário em inglês denunciando as práticas ditatoriais do governador de Minas Gerais.

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Poesia para toda parte

Ebulição da Escravatura - Luís Carlos de Oliveira


A área de serviço é senzala moderna,

Tem preta eclética, que sabe ler “start”;

“Playground” era o terreiro a varrer.


Navio negreiro assemelha-se ao ônibus cheio,

Pelo cheiro vai assim até o fim-de-linha;

Não entra no novo quilombo da favela.

Capitão-do-mato virou cabo de polícia,

Seu cavalo tem giroflex (radiopatrulha).

“Os ferros”, inoxidáveis algemas.

Ração poder ser o salário-mímino,

Alforria só com a aposenadoria

(Lei dos sexagenários).

“Sinhô” hoje é empresário,

A casa-grande verticalizou-se.

O pilão está computadorizado.

Na última página são “flagrados” (foto digital)

Em cuecas, segurando a bolsa e a automática:

Matinal pelourinho.


A princesa Áurea canta,

Pastoreia suas flores.

O rei faz viaduto com seu codinome.


— Quantos negros? Quanto furor?

Tantos tambores... tantas cores...

O que comparar com cada batida no tambor?

“A escravatura não foi abolida; foi distribuída entre os pobres”.


Luís Carlos de Oliveira nasceu em Minas Gerais, em 1965, e reside em Salvador desde 1984. Obra poética: Calo ou Falo, Editora Writers, São Paulo, 2000. Leia mais sobre Luís Carlos de Oliveira.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Quando a defesa de privilégios raciais une direita, centro e esquerda e ...

Quando a defesa de privilégios raciais une direita, centro e esquerda e sai na Globo
Por Dennis de Oliveira [Segunda-Feira, 5 de Maio de 2008 às 11:34hs]

Você imaginaria uma manifestação pública que unisse intelectuais tucanos, jornalistas de extrema-esquerda, um articulista de extrema-direita, um músico que protagonizou um movimento de rebeldia estética, uma liderança política que se afirma marxista, lideranças empresariais? Uma manifestação que vai contra uma política que proporciona a inclusão de um segmento social historicamente excluído? Uma manifestação que elogia medidas recentemente tomadas na emergência do neoconservadorismo nos Estados Unidos? E tudo com ampla cobertura do Jornal Nacional?
Pode acreditar que isto aconteceu. Foi o manifesto entregue no Supremo Tribunal Federal assinado por lideranças (?) e intelectuais (?) solicitando que a corte declare inconstitucional a adoção das cotas nas universidades com a alegação de que isto fere o tratamento igual, independente de raça, credo, etc. previsto na Constituição.
O que une esta aliança tão ideologicamente heterogênea? Os seus membros não são vítimas do racismo que impera sobre a população negra. São pessoas que não sofreram e não sofrem com os mecanismos de exclusão racial e querem ditar como esta população negra deve lutar pelos seus direitos. Será que este mesmo grupo aceitaria que os povos de matriz africana também decidissem como os judeus deveriam ser reparados após o Holocausto nazista? Será que também é contra as políticas de ação afirmativa implantadas no final do século XIX e início do século XX que beneficiaram os imigrantes europeus (provavelmente muitos destes são descendentes destes imigrantes e beneficiários diretos destas políticas de ação afirmativa)? .
A argumentação do manifesto é absurda. Parte do pressuposto de que políticas de ação afirmativa "racializam" a questão social, como se esta já não fosse racializada historicamente no país. A questão de que o problema da população negra é social e não racial não responde a seguinte pergunta: por que os negros são pobres? Porque o critério de ascensão social no país é racializado. Assim, não são as políticas de ação afirmativa que irão "racializar" as relações sociais, elas já são racializadas e ignorar isto é manter as assimetrias e desigualdade de oportunidades com marcas raciais no país.
Outro argumento no manifesto é que as políticas racializadas são excludentes. Cita o apartheid e as classificações étnicas feitas na época da colonização. O argumento é matreiro: compara uma reivindicação voltada para superação das desigualdades raciais com medidas tomadas por poderes racistas para a manutenção e ampliação das hierarquias raciais. Tem um fundo cristão neste argumento. Pedem para que a população negra, diante da violência que sofre do sistema, aja como Jesus Cristo: diante do tapa recebido, ofereça outra face.
Mas a lógica reacionária se mostra quando o texto do manifesto considera "um avanço" as declarações de inconstitucionalida de feitas pela Suprema Corte dos EUA das ações afirmativas naquele país. Não informam, os manifestantes, que esta ação da Suprema Corte ocorre dentro de um retrocesso conservador nos últimos anos nos EUA que tem como conseqüência o aprofundamento das desigualdades sociais naquele país, a concentração de renda e a emergência de uma extrema-direita cujas políticas são danosas para todos os povos. Não me surpreende que Reinaldo Azevedo defenda isto. Mas será que José Arbex, Ferreira Gullar, César Benjamin e outros endossam isto ou a paixão anti-cotas os faz aliar-se a idéias e pessoas conservadoras deste tipo?
E, finalmente, qual é a alternativa apresentada pelos signatários? Esperar uma melhora no ensino público para que as condições sejam iguais? Talvez ignorem os estudos feitos pelo economista Ricardo Henriques, do Ipea(Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) de que a manutenção do atual grau de evolução dos indicadores sociais da população negra fará o conjunto deste segmento social atingir o atual estágio em que se encontra a população branca em 32 ANOS!!! Traduzindo: se a população branca ficasse parada nos atuais indicadores sociais e a população negra continuasse o ritmo atual de melhoria das suas condições sociais, em 32 ANOS TERÍAMOS A PRETENSA EQÜIDADE SOCIAL!!! Seria interessante estes intelectuais irem pedir à população negra para que aguardem uns 30 anos para conseguir a sua cidadania (só 30 anos, isto não é nada!).
O debate anti-racista no Brasil incomoda pelo seguinte motivo: combater o racismo implica, necessariamente, em redistribuir riquezas e isto significa perda de privilégios para alguns. Enquanto o combate ao racismo fica no aspecto etéreo, sem foco, como mera denúncia, a solidariedade é enorme. Não é politicamente correto assumir-se como racista, principalmente para quem se diz "intelectual" e "de esquerda". Mas incomoda - e muito - quando o movimento negro supera a fase da denúncia e passa a exigir a eqüidade num país em que o bem estar é um privilégio e a socialização dele implica em perder privilégios. Em casos como este, fronteiras ideológicas se esvaem e esta aliança - que parece impossível de acontecer - não soa tanto estranha. E muitas figuras que, pelas suas posições político-ideoló gicas jamais teriam visibilidade na Globo, tiveram seus minutos de fama no Jornal Nacional.

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Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, presidente do Celacc e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro (Neinb/USP).

terça-feira, 27 de maio de 2008

Artigo da Miriam leitão a favor das políticas de ações afirmativas

Artigo da Miriam leitão a favor das políticas de ações afirmativas.

Domingo, Maio 25, 2008

Miriam Leitão

Ora, direis!

A luta contra a escravidão foi um movimento cívico de envergadura. Misturou povo e intelectuais, negros e brancos, republicanos e monarquistas.

Foi uma resistência que durou anos.

Houve passeatas de estudantes e lutas nos quilombos.

Houve batalhas parlamentares memoráveis e disputas judiciais inesperadas. Os contra a abolição reagiram nos clubes da lavoura, na chantagem econômica e nos sofismas.


O país se dividiu e lutou.

Venceu a melhor tese. Pena o país ter feito o reducionismo que fixou na memória coletiva apenas o instante da assinatura da lei pela Princesa. Tudo foi varrido. Do povo em frente ao Paço à persistência para se aprovar a lei que tornou extinta a escravidão no Brasil.

Foram seis anos de lutas parlamentares para libertar os não-nascidos, após quedas de gabinetes, avanços e retrocessos. Mais luta de vários anos para libertar os idosos. Por fim, a maior das batalhas: a libertação de todos.

Lutou-se com a poesia e o jornalismo. Com a política e o Direito. Lutou-se na Justiça com as Ações de Liberdade, incríveis processos que escravos moviam contra seus donos.

Os negros lutaram de forma variada: com a greve negra em Salvador, com rebeliões e quilombos. Os escravocratas adiaram o inevitável, ameaçaram com a derrota econômica, assombraram com todos os fantasmas nacionais. Pareciam vencer, até que perderam.

Fica em quem revisita a história a constatação de um erro: os abolicionistas se dispersaram cedo demais.

Era a hora de reduzir a imensa distância que a centenária ordem escravagista havia criado no país.

Venceu a idéia de que, deixado ao seu ritmo, o país faria naturalmente a transição da escravidão negra para um outro país, sem divisões raciais. Idéia poderosa esta da inércia salvacionista.



Ela construiu o imaginário de um país sem racismo por natureza, que teria eliminado o preconceito naturalmente, como se as marcas deixadas por 350 anos de escravidão fossem varridas por um ato, uma lei de duas linhas.

Ainda há quem negue, hoje, que haja algo estranho numa sociedade de tantas diferenças.

O manifesto contra as cotas tem alguns intelectuais respeitáveis. Mais os respeitaria se estivessem pedindo avaliações e estudos sobre o desempenho de política tão recente; primeira e única tentativa em 120 anos de fazer algo mais vigoroso que deixar tudo como está para ver como é que fica. O status quo nos trouxe até aqui: a uma sociedade de desigualdades raciais tão vergonhosas de ruborizar qualquer um que não tenha se deixado anestesiar pela cena e pelas estatísticas brasileiras.



Ora, direis: o que tem o glorioso abolicionismo com uma política tópica — para tantos, equivocada — de se reservar vagas a pretos e pardos nas universidades públicas? Ora, a cota não é a questão.

Ela é apenas o momento revelador, em que reaparece com força o maior dos erros nacionais: negar o problema para fugir dele. Os "negacionistas" — expressão da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP — sustentam que o país não é racista, mas que se tornará caso alguns estudantes pretos e pardos tenham desobstruído seu ingresso na universidade.

Erros surgiram na aplicação das cotas. Os gêmeos de Brasília, por exemplo.

Episódios isolados foram tratados como o todo.

Tiveram mais destaque do que a análise dos resultados da política. Os cotistas subver teram mesmo o princípio do mérito acadêmico? Reduziram a qualidade do ensino universitário? Produziram o ódio racial? Não vi até agora nenhum estudo robusto que comprovasse a tese manifesta de que uma única política pública, uma breve experiência, pudesse produzir tão devastadoras conseqüências. Os órgãos de comunicação têm feito uma enviesada cobertura do debate. Melhor faria o jornalismo se deixasse fluir a discussão, sem tanta ansiedade para, em cada reportagem, firmar a posição que já está explícita nos editoriais. A mensagem implícita em certas coberturas só engana os que não têm olhos treinados.



Ora, direis, que vantagens podem ter políticas que atuam apenas no topo da escala educacional? Ter mais pretos e pardos junto aos brancos, nas universidades públicas, permite a saudável convivência no mesmo nível social. Na minha UnB, não havia negros; na atual, há mais de dois mil. Isso é um começo num país com o histórico do Brasil.



Melhorar a educação pública sempre será fundamental para construir o país futuro, mas isso não conflita com outras políticas desenhadas diretamente para derrubar as barreiras artificiais e dissimuladas que impedem a ascensão de pretos e pardos.

O vestibular não mede a real capacidade do aluno de estar numa universidade, mas, sim, quem aprendeu melhor os truques dos cursinhos. Há muito a fazer pelo muito não feito neste longo tempo em que se esperou que, deixando tudo como está, tudo se resolveria. Ajudaria se intelectuais, ou não, quisessem avaliar as políticas de ação afirmativa, em vez de ter medo delas.

O racismo brasileiro é ardiloso e dissimulado. A luta contra ele será longa e difícil. Será mais eficiente se unir brancos e negros.

Será mais rápida se o país não acreditar nas falsas ameaças de que tocar no assunto nos trará o inferno da divisão por raças. Ora, a divisão já existe; sempre existiu. O que precisa ser construído são os caminhos do reencontro.

domingo, 25 de maio de 2008

Uma resposta a um post no Blog do Nassif

Abaixo minha resposta a um post no Blog do Nassif contra as cotas raciais:

Nassif, uma das coisas que mais me admira em sua crítica aos grandes meios de comunicação, ou melhor nas empresas jornalísticas é o fato de a mesmas serem maniqueistas e só darem espaço para um dos lados da questão, ou mesmo quando dão espaço para o outro lado é somente para desmoralizá-lo ou para se ter um verniz de democracia. Verdadeiramente espero que o senhor não aja dessa forma em relação as políticas de ações afirmativas. Já começa por ai para se discutir esse assunto de forma séria e sem pré-concepções, devemos falar em ações afirmativas das quais a cota é uma modalidade específica dentre outras. É necessário fazer um debate mais aprofundado sobre as idéias de equidade ao invés de igualdade, pois que a primeira respeita a diferença enquanto a segunda busca a unificação, sob o prisma da cultura dominante; sobre a idéia de reparação histórica (só para exemplificar essas reparações ocorreram com os judeus); sobre os conceitos étnico-racial ao invés do conceito de raça, mais correto do ponto de vista antropológico pois introduz na conversa outros parâmetros para além da cor da pele (ainda que essa não seja desprezível como bem sabe os negros brasileiros); sobre a idéia de uma dívida secular da classe dominante (e nesse caso sem nenhum racismo, todos sabemos que nesse país, a classe dominante é em sua maioria de origem européia ou se comporta como tal).
Bom o assunto é bem mais complexo do que o dito acima. Somente peço que não seja tratado de forma simplista,como se como se fosse uma simples disputa entre racistas e não-racistas. Definitivamente não se trata disso. Repetir esses chavões seriam incorrer no risco, de por um lado não discutirmos com a seriedade que o assunto merece e por outro, o que é bem pior tentar internalizar no outro uma culpa que não é sua, ou seja seriam então agora os afro-descendentes (aqueles trazidos a força para o trabalho escravo) os responsáveis por tornar o Brasil um país racista. Sinceramente seria engraçado se não fosse uma mentira deslavada. Veja bem esse são os riscos de uma discussão em termos maniqueistas, a alguns anos todos nós concordávamos que o Brasil era um país racista (ora isso não nos torna melhor e nem pior do que outros países, ainda que essa chaga deva ser combatida em toda parte). Agora diante do maniqueismo regredimos ao ponto de tentarmos negar centenas de estudos técnicos-científicos que apontam a discriminação por cor em nosso país.
Grato por sua atenção.
Carlos Eduardo
Graduado em Ciências Sociais e mestre em Antropologia.

Mudando um pouco de assunto

Mudando um pouco o assunto dos posts abaixo. Reproduzo um artigo escrito pelo jornalista Gustavo Krieger do Correio Brasiliense. É bom ver que alguns jornalistas ainda conseguem escrever textos reflexivos e que tentam pelo menos trazer luzes alguns temas e não somente proselitismo com cobertura midiatica, como ele mesmo lembra.

Acredite quem quiser

A política costuma ser um terreno fértil para a cara- de-pau, mas toda a enrolação em torno da CPMF beirou o surrealismo. Poucas vezes se mentiu tanto e com tanta desfaçatez

Por Gustavo Krieger
gustavo.krieger@correioweb.com.br

Ano passado, perdi alguns meses da minha vida cobrindo as negociações sobre a emenda constitucional que prorrogava até 2011 a cobrança da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF). Foi uma das poucas vezes em que pensei em pedir o pagamento de algum tipo de adicional de insalubridade sobre o meu salário. A política costuma ser um terreno fértil para a cara-de-pau, mas toda a enrolação em torno da CPMF beirou o surrealismo. Poucas vezes se mentiu tanto e com tanta desfaçatez nos dois lados da cena política.

Só para lembrar. O governo dizia que o fim da CPMF significaria o caos na saúde. Na tribuna, parlamentares alinhados ao Palácio do Planalto ameaçavam com um quadro dantesco, de macas empilhadas na frente de hospitais públicos e doentes morrendo por falta de dinheiro para comprar remédios. A oposição, ao contrário, previa um novo país. Os preços cairiam, os brasileiros teriam mais dinheiro no bolso, a economia reagiria com impressionante vitalidade.

Quem estava certo? Ninguém. A saúde pública continua a funcionar nos mesmos moldes dos tempos da CPMF. E os preços não caíram. Ao contrário, a inflação até subiu nos últimos meses. A parcela que era recolhida como CPMF foi incorporada aos lucros. O país seguiu seu caminho, apesar dos meses perdidos em proselitismo de governo e oposição. Agora, ameaçam encenar de novo a mesma novela. Por favor, vamos mudar o filme…

E o pior é que a coisa já começa no mesmo tom de farsa. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva jura que não quer o novo imposto. Se fosse verdade, seria a primeira vez que um governante rejeita a idéia de encher os cofres de sua administração. Mas não é verdade. Lula quer a CPMF. Só não quer o desgaste de patrocinar sua recriação. Prefere transferir a conta política para o Congresso. Surge então a situação surreal. Todos os líderes governistas se reúnem para um almoço e fecham questão em torno de uma proposta que o governo jura não patrocinar. Tá bom, então.

Isso sem falar que os governistas descobriram num passe de mágica que dá para criar a CPMF por lei complementar e não por emenda constitucional, como foi tentado no ano passado. Há pareceres jurídicos nesse sentido e juristas concordam com a tese. Mas que tem um desconfortável jeito de manobra para mudar as regras, tem. Ano passado, o governo não conseguiu os 60% dos votos do Congresso necessários para manter o tributo. Agora, seus líderes dizem ser possível recriá-lo com uma lei aprovada pela maioria absoluta.

Do outro lado, estão os partidos de oposição, com o DEM e PSDB à frente, subitamente transformados em patronos da causa da saúde no Brasil. Ano passado, negaram a aprovação do tributo que financiava o setor, cortando cerca de R$ 20 bilhões de arrecadação por ano. Agora, uniram-se aos parlamentares petistas para finalmente fazer andar o projeto que regulamenta a emenda constitucional 29 e garante mais recursos para a saúde, numa conta que pode chegar a R$ 27 bilhões em 2012.

Os oposicionistas dirão que sua atitude é coerente. Que o governo tem um excesso de arrecadação previsto para este ano de R$ 18 bilhões, mesmo com o fim da CPMF e que esse dinheiro é mais que suficiente para bancar as contas da saúde. Muito bonito, mas, uma vez mais, não é verdade. Tudo não passa de cálculo político, feito tendo em mente as eleições de 2010 e a popularidade de Lula. Quando derrubaram a CPMF, no final do ano passado, os oposicionistas planejavam retirar do presidente dinheiro que poderia ser investido em obras e programas sociais. Esperavam que, com menos dinheiro, Lula fosse obrigado a recuar. Hoje apóiam a regulamentação da emenda 29 porque querem colocar Lula numa posição delicada. Se a proposta for aprovada, o presidente terá uma escolha difícil. Ou veta o projeto, que sempre foi uma bandeira do seu partido, ou terá de retirar o dinheiro de outro lugar para pagar a conta. Não há como o governo sair vencedor dessa encrenca.

É bom perder as esperanças de que essa discussão seja feita com um mínimo de sensatez. Os governistas já hastearam suas bandeiras e partiram em defesa da volta do imposto. Os oposicionistas vestiram mais uma vez o uniforme de defensores do consumidor e prometem combater a fúria tributária oficial. A temporada de proselitismo está aberta. Com ampla cobertura da mídia, é claro. Como pano de fundo, esquecida a não ser como munição na guerra de discursos, a saúde pública. E os milhões de brasileiros que dependem dela para sobreviver.

sábado, 24 de maio de 2008

Conversa Afiada sobre cotas raciais

Abaixo entrevista de Paulo Henrique Amorim (um dos jornalistas da resistência) a respeito das Cotas raciais. Uma bela entrevista com o senhor José Carlos Miranda, contra as cotas (o boneco preto da Dra. Yvonne Maggie, aquela antropóloga que disse que o sistema escravista brasileiro não era racista, ah bom...) e o ministro da Igualdade Racial Edson Santos, a favor das cotas.
Leia abaixo as entrevistas e no fim um link para caso Você queira ver as entrevistas para o canal Record News. Interessante perceber como Paulo Henrique Amorim mostra as contradições da fala de José Carlos Miranda, sejamos francos ele destrói o tal José Carlos Miranda.

Só um Pitaco: é interessante a existência de um movimento negro socialista. Ser socialista em princípio independe de sua cor, etnia, gênero, opção sexual e etc. Ser socialista, como Eu sou independeria dessas identidades, trata-se de uma visão de mundo, o que obviamente nõ deixa de abarcar todas as identidades acima. Digo tudo isso para perguntar para que um movimento negro socialista? Ou seja, para que o adjetivo negro a identidade socialista se eu defendo uma posição baseada apenas no economicismo (como é o caso desse movimento), ou seja em um marxismo vulgar? Traduzindo esse movimento negro socialista é esquizofrênico. O seu presidente diz que raça não existe e que a idéia de raça é apenas um discurso dos racistas. Muito bem, se assim o é e se todos somos humanos independente de sua tonalidade de pele, porque esse movimento se adjetiva de negro para além de ser socialista?

21/05 - 14h50

COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS: O A FAVOR E O CONTRA

O programa Entrevista Record, da Record News, desta terça-feira, dia 20, discutiu a criação de cotas para negros nas universidades públicas. Paulo Henrique Amorim entrevistou o coordenador nacional do Movimento Negro Socialista, José Carlos Miranda, que é contra o regime de cotas e o Ministro da Igualdade Racial Edson Santos, que é a favor das cotas.

Clique aqui para ver o vídeo da entrevista com José Carlos Miranda.

Clique aqui para ver o vídeo da entrevista com o Ministro Edson Santos.


Leia a íntegra da entrevista com José Carlos Miranda:

Paulo Henrique Amorim – Senhor Miranda, o pobre no Brasil é pobre porque é negro ou é pobre independente de ser negro?

José Carlos Miranda – Eu recordaria um belo poema do Ministro Gilberto Gil com o Caetano Veloso, que assina a nossa carta “113 cidadãos”...

Paulo Henrique Amorim – O Caetano é contra as cotas?

José Carlos Miranda – Sim.

Paulo Henrique Amorim – E o Gilberto Gil?

José Carlos Miranda – Ainda não falou sobre o assunto. Eu ainda não sei a posição dele. Mas é um belo poema, que é a música Haiti.

Paulo Henrique Amorim – Haiti. “O Haiti é aqui”.

José Carlos Miranda – “O Haiti é aqui”, que numa estrofe ela fala que o branco de tão pobre é negro. Ou seja, a pobreza e a cor do Brasil estão misturadas, como está misturado o povo Brasileiro. E para isso nós temos que levar em conta a herança da escravidão e a própria herança de como se formou o país Brasil. Os estados mais pobres do Brasil são os estados do Norte e Nordeste. E a coincidência ou a constatação é que esses mesmos estados são os estados que têm mais pessoas que se declaram pretas ou pardas, ou seja, negras. Então, você tem uma coincidência, que é verdade, dessa herança...

Paulo Henrique Amorim – Mas, senhor Miranda, é só uma coincidência?

José Carlos Miranda – Não. É uma constatação. É uma coincidência, mas é uma constatação. Ou seja, o problema principal, e se a gente observar, por exemplo, no último período, nos últimos anos, segundo o Pnad, do 1% mais rico do Brasil, os negros, ou seja, os pretos e pardos, aumentaram de 9,58% para 17,56%, se não me engano, eu só erraria nos decimais. Ou seja, quase se dobrou. O que mostra isso? E ao mesmo tempo, se nós observarmos nos setores de concentração de renda, de concentração operária, como São Bernardo, a Grande São Paulo, a periferia de São Paulo, a distância de salários entre os pretos e pardos, ou seja, os negros e os brancos é muito menor do que o constatado em outros lugares.

Paulo Henrique Amorim – O que significa isso?

José Carlos Miranda – Isso significa que nós temos um problema principal, que é o verdadeiro abismo que existe entre as classes sociais no Brasil, ou seja, a distância entre os mais ricos, a concentração de renda e a distribuição de renda no Brasil é uma das mais desiguais e piores do mundo.

Paulo Henrique Amorim – Então a sua explicação é aquela que está na posição dos que são contra as cotas, nesse manifesto enviado ao Supremo Tribunal Federal, que diz que o problema é um problema social, não é um problema racial e que as cotas vão beneficiar os estudantes negros de classe média. É isso?

José Carlos Miranda – Tem uma outra observação importante: as universidades no Brasil – e a discussão principal que o nosso documento faz...

Paulo Henrique Amorim – Você é um dos signatários desse documento?

José Carlos Miranda – Eu sou um dos redatores. A discussão principal que o nosso documento faz é que cotas é a ponta do iceberg do problema da racialização. Porque, finalmente, 2% do povo brasileiro que tem acesso e está na universidade. Portanto, é uma parcela ínfima da população. Mas o Estatuto da Igualdade Racial, e começando-se pelas cotas, você determinar leis que privilegiam grupos sociais de acordo com a raça podem levar em um breve período de tempo a uma visão, a uma racialização, da sociedade muito parecido com o que aconteceu nos Estados Unidos. Aliás, é o modelo por excelência, onde se copia o modelo de cotas das chamadas Ações Afirmativas...

Paulo Henrique Amorim – As Ações Afirmativas nos Estados Unidos são muito fortes. Aliás, se deve observar, senhor Miranda, que, beneficiados por Ações Afirmativas, tivemos agora um secretário de Estado Colin Powell e na Suprema Corte Americana um negro, que é também beneficiado por Ações Afirmativas...

José Carlos Miranda – Sim, Condolezza Rice. E ao mesmo tempo nós pudemos observar as vítimas do furação Katrina...

Paulo Henrique Amorim – Que são, na maioria, negros.

José Carlos Miranda – São negros.

Paulo Henrique Amorim – Deixa eu só ler um trecho do manifesto a favor das cotas.

José Carlos Miranda – Sim, pois não.

Paulo Henrique Amorim – É um manifesto que diz o seguinte, eu já até falei disso: quando você observa a questão do rendimento, a questão da moradia, a questão do acesso à saúde, a questão do acesso à educação, tudo isso indica que os negros, ou seja, pretos e pardos, são mais prejudicados do que os brancos, mesmo entre pobres. Quer dizer, mesmo entre pobres, ser negro e pardo é pior ainda. O senhor concorda com essa afirmação? Essa afirmação é do manifesto do estatuto a favor da lei de cotas.

José Carlos Miranda – Sim, eu concordo.

Paulo Henrique Amorim – Concorda? Então, por que não as cotas?

José Carlos Miranda – Nós constituímos o Movimento Negro Socialista inclusive porque tinha que combater o racismo... Nós lutamos por uma sociedade que seja mais justa e igualitária, portanto tem a ver com as relações de renda e classe social. E existe o racismo. Mas o racismo é fruto da própria sociedade, Paulo, da própria sociedade desigual e extremamente desigual quando se trata de renda e de concentração de renda e de distribuição de renda. Onde nós chegamos, então? Nós chegamos que o grande problema do acesso da universidade está nas escolas arruinadas e devastadas das periferias do ensino básico e fundamental. Porque a gente visita uma escola de ensino básico e fundamental do Brasil e nós vemos que todas as cores estão ali. Mesmo que exista o racismo, e nós temos que combate-lo, mas todas as cores estão ali. Se você começar a ensinar para essa criança ou para esse adolescente que o inimigo dele está ali do lado dele, de pele mais clara... porque as cotas mantêm o vestibular e o vestibular mantém as desigualdades prévias, anteriores.

Paulo Henrique Amorim – Por isso que os defensores das cotas defendem as cotas.

José Carlos Miranda – Pois é. O que sobra dessa discussão, se nós formos ver, é que nós, no caso, vamos muito a fundo e muito à radicalidade. Tem que se investir nas escolas de ensino básico e fundamental, porque as escolas públicas boas existem. No último Enem, uma de cada dez escolas de graduação alta era pública, uma em cada dez. O problema é: onde elas estão? Nos bairros de classes com renda mais alta, onde a periferia acaba não tendo acesso. E o dado mais importante é que os pobres não entram na universidade. Somente 3%...

Paulo Henrique Amorim – Sim, senhor Miranda, mas aí o senhor está levando água para o moinho das cotas.

José Carlos Miranda – Não. É que somente 3% dos pobres entram na universidade, ou seja, aqueles que ganham abaixo de 3 salários mínimos. Ou seja, nós não nos opomos às cotas sociais, que levem em conta ser oriundo da escola pública e com baixa renda.

Paulo Henrique Amorim – O senhor, então, não está interessado em ter acesso na universidade quanto está interessado em melhorar a qualidade da escola de base pública, lá em baixo, para dar acesso a todos?

José Carlos Miranda – Claro, porque se isso acontece, com certeza as escolas públicas vão ter todas as cores e os negros vão ter acesso, porque são inclusive, segundo o Pnad, a maioria do país e a maioria dos pobres. Portanto, o recorde nesse caso não deve ser a pertinência a uma raça humana, que é a crença de fé do racismo. A criação de raça, a gente conhece pela história, foi criação pseudo-científica dos racistas, daqueles que achavam que existiam seres humanos que, por causa da cor da sua pele, eram inferiores a outros.

Paulo Henrique Amorim – Uma última pergunta, senhor Miranda, o senhor acha que se for aprovado esse regime de cotas, e ele já existe em algumas universidades brasileiras. Se não me engano, nos últimos quatro anos, diz o manifesto a favor das cotas, nos últimos quatro anos mais de 30 universidades e instituições de ensino superior públicas, entre federais e estaduais, já implementaram cotas para estudantes negros, indígenas e alunos da rede pública no vestibulares, sem falar no ProUni, esse programa que dá bolsas a estudantes negros, pobres em universidades privadas. O senhor acredita que se esse programa se universalizar nas universidades públicas, isso vai provocar mais racismo numa sociedade que já é racista?

José Carlos Miranda – Veja, eu não diria... eu seria preciso, Paulo. Eu não diria que o Brasil ou a sociedade é racista, porque não existe segregação, mas existe o racismo. É diferente. No Brasil não existe uma lei, não existe um bairro negro ou não existe uma lei onde o negro tem que entrar por um lugar ou entrar por outro, diferente das outras pessoas, como aconteceu no Apartheid na África do Sul ou as leis de Jim Crown nos Estados Unidos, mas existe o racismo.

Paulo Henrique Amorim – Existe o racismo?

José Carlos Miranda – Existe o racismo.

Paulo Henrique Amorim – A PL 73/99 quer estabelecer cotas nas universidades federais para estudantes negros provenientes de escolas públicas. Isso vai provocar mais racismo na sociedade brasileira?

José Carlos Miranda – Isso vai aprofundar o racismo.

Paulo Henrique Amorim – Por que?

José Carlos Miranda – Porque, como eu tinha dito, ali na escola da periferia, na escola pública de ensino básico e fundamental, você vai alimentar para um jovem, um adolescente que tem a pele mais clara que aquele que tem as mesmas condições sócio-econômicas que ele e que tem a pele mais escura, que ele vai ter um privilégio em detrimento a ele. E os dois na mesma condição sócio-econômica. Então isso, com o tempo, e se repetindo e sendo retro-alimentado, vai levar esses grupos sociais a se opor. Mesmo grupos sociais que têm as mesmas condições sócio-econômicas, que moram na mesma comunidade.

Paulo Henrique Amorim – Mas e se eu introduzir o argumento também usado nesse manifesto em favor das cotas de que onde já há aplicação de cotas e no ProUni os alunos de origem negra têm ótimas notas?

José Carlos Miranda – Não, mas uma coisa não se opõe a outra. Não significa, porque...

Paulo Henrique Amorim – Não, não. Por que eu usei esse argumento? Porque o aluno branco vai ficar com raiva do negro. Se o branco for um bom aluno e não entrar e o negro for um mal aluno e entrar. Não é isso?

José Carlos Miranda – Sim.

Paulo Henrique Amorim – Acontece que as estatísticas mostram que os negros beneficiados pelo ProUni ou por esses programas de integração através de cotas são bons alunos. Daí o que o branco vai dizer, mas ele é bom aluno.

José Carlos Miranda – Tem uma armadilha, na verdade. Porque, na verdade, é o seguinte: os pobres, que é a quem se propõe a atender... primeiro, eles não entram na universidade. Por que?

Paulo Henrique Amorim – Mas estão entrando cada vez mais.

José Carlos Miranda – Então entrando, mas mesmo esses programas, por exemplo, o ProUni, que a pessoa tem que... porque fora você entrar na universidade você tem que pegar ônibus, tem que comprar os livros...

Paulo Henrique Amorim – Mas no ProUni você só entra com o vestibular, você tem que se submeter às regras do jogo a que todos se submetem. A única diferença é que o estudante negro não paga ou tem bolsa.

José Carlos Miranda – Mas o ProUni, ele não foi preenchido todas as vagas. Não foi preenchido, isso é um dado. Ou seja, ele ainda... e muitos dos que entraram pelo ProUni... mas nós não somos contra o ProUni, em sim. O que nós destacamos é a racialização do ProUni. Quer dizer, dar bolsa nós não somos contra. Qual é a armadilha que tem no manifesto em defesa das cotas raciais? O sofismo é o seguinte: se a maioria que entra na universidade pública, a esmagadora maioria não é pobre, quem entra então? Entram, dentre os negros os mais ricos, dentre os ricos os que mais estudaram, porque o funil continuou, porque a luta pelo vestibular continua.

Paulo Henrique Amorim – É o argumento dos que são contra as cotas. Eu vou lhe pedir um último comentário sobre essa reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo, agora no último domingo, dia 18 de maio, “Após cotas, números de negros na Universidade de Brasília é cinco vezes maior. A Universidade de Brasília é a primeira entre as universidades federais a adotar o sistema e forma sua primeira turma de cotistas. Alunos relatam a existência de preconceito e negam ter entrado com menor preparo. Estudos mostram desempenho na média”. Na média, igual aos outros.

José Carlos Miranda – Claro, tranqüilo. Ou seja, os cotistas não são mal preparados, eles não são os excluídos, foi isso que eu disse.

Paulo Henrique Amorim – Ah, entendi.

José Carlos Miranda – Eles entram mas eles não são os mais...

Paulo Henrique Amorim – Ou seja, essa lei vai criar uma nova elite, a elite dos negros prósperos?

José Carlos Miranda – Ou seja, qual é a questão? Que maravilha, que se crie a elite. Mas, e o resto. E por fim, uma coisa importante, Paulo, o que é a questão fundamental dessa discussão? É que você começa a concertar a casa pelo teto, pelos 2% e você não vai à base, ao alicerce, que inclusive prepara o cidadão para tudo na vida, o ensino básico fundamental. Por isso nos opomos às cotas raciais.

Leia a íntegra da entrevista com o Ministro Edson Santos:

Paulo Henrique Amorim – Ministro, eu fiz o primeiro bloco fazendo a seguinte pergunta ao senhor José Carlos Miranda, que é coordenador nacional do Movimento Negro Socialista: aqui no Brasil uma pessoa é pobre porque é negra ou é pobre porque é pobre, independente de ser negra? O problema é racial ou social, ministro?

Edson Santos – Olha, a herança do processo de abolição renegou aos escravos uma situação de não ter acesso a terra, o Brasil era um país eminentemente agrário, isso fez com que a população negra ficasse à margem do processo produtivo no país e também não propiciou o acesso à educação. Eu diria que existem os dois fenômenos. A questão social, da pobreza da população. E grande parte da população negra se encontra nessa situação. Nós estamos situados na base da pirâmide social em nosso país. Por isso, é fundamental termos políticas, inclusivas, que atinjam o conjunto da população e, ao mesmo tempo, termos uma política de discriminação positiva voltada para o atendimento da população negra em nosso país.

Paulo Henrique Amorim – Ou seja, na sua opinião, o negro é pobre também porque é negro. Além de ser pobre.

Edson Santos – Ele é pobre porque ele é descendente dos escravos no país, que não foram tratados de uma forma adequada pelo Estado brasileiro após o período da abolição da escravidão. Eu estive recentemente, Paulo Henrique, no Japão, participando dos festejos do centenário da imigração japonesa ao Brasil. E, evidentemente, essa imigração asiática e também européia veio para cá com incentivo de terra para se fixar, se sustentar a si e a sua família. Fato que não ocorreu com a população negra com o advento da abolição da escravidão. E isso explica o processo histórico de exclusão da população negra após o advento da abolição da escravidão. Eu acho que já passa do período do Estado brasileiro resgatar essa dívida que existe para com os negros do nosso país.

Paulo Henrique Amorim – Um dos argumentos daqueles que assinaram o manifesto contra as cotas é de que, na verdade, a cota criará uma elite negra no Brasil. Ela não vai resolver o problema dos pobres negros, mas sim o problema de alguns negros que são já de classe média e que poderão chegar à universidade. O senhor está criando uma elite negra no Brasil com as cotas?

Edson Santos – Olha, pode ter elite branca, não pode ter elite negra? Eu não entendo essa linha de raciocínio. Eu acho que o Estado tem que prover o cidadão para que ele possa desenvolver as suas aptidões em toda a sua potencialidade. Se nós tivermos um jovem negro, pobre, que através da política de cotas chegue à universidade e com isso possa ascender socialmente, qual o problema nisso? O problema, a questão hoje é que a pirâmide social, se fomos tirar um retrato na nossa pirâmide social, a gente vai verificar que a base dessa pirâmide é escura. E na medida em que nós vamos subindo a pirâmide ela vai se tornando branca até o seu topo. O que nós estamos propondo é a possibilidade de ascensão social para o segmento negro que, segundo previsões até do Ipea, a população negra e parda desse país vai ultrapassar no próximo censo a população branca.

Paulo Henrique Amorim – Ministro, eu vou citar agora o trecho de uma entrevista da antropóloga Yvonne Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Estado onde o senhor nasceu e eu também, com muita honra, em que ela diz assim: Estamos diante de dois projetos de nação. Um diz que não podemos correr o risco de fazer da política de cotas um bumerangue conta esses mesmos cidadãos que nós queremos proteger. Há uma disputa muito clara – são esses dois projeto a que ela se refere – entre aqueles que pretendem uma sociedade multirracial, dividida, segregada, ou seja, os que querem as cotas, e aqueles que não querem as cotas, que lutam por princípios universais que beneficiam todos. As ações afirmativas, como as cotas, só dividem. O senhor concorda em que as ações afirmativas como essa das cotas para alunos negros, provenientes de escolas públicas, possam dividir a sociedade brasileira e ela se tornar ainda mais racista?

Edson Santos – Olha, eu discordo dessa afirmação. Eu acho que existem, sim, dois projetos no país. Um que visa incluir um contingente expressivo da população brasileira no processo produtivo e que há de haver um tratamento especial para os descendentes dos escravos em nosso país. E esse projeto é exatamente aquele que entende o caráter positivo da adoção de cotas. E o outro projeto que pretende conservar o país do modo como se coloca. Porque, na verdade, a questão da multiracialidade, de o Brasil ser um país pluriétnico, ninguém nega isso. Agora, a questão está na possibilidade de ascensão daqueles que foram excluídos dos benefícios provenientes do Estado para a sua progressão.

Paulo Henrique Amorim – Gostaria de mencionar também que tanto a professora Ivone Maggie quanto o professor Miranda, que nós acabamos de ouvir, eles acham que é fundamental em vez de investir no acesso do negro à universidade, melhorar a qualidade da escola primária, da escola básica. O que o senhor acha disso?

Edson Santos – Acho as duas coisas. Nós temos que melhorar a qualidade do ensino no Brasil. Eu acho que um dos grandes desafios do país nesse início do século é resolver o problema da educação. Então, investimento em educação básica é fundamental. Agora, há que se reconhecer que o Estado tem como um dos seus princípios básicos ser um instrumento de redução de desigualdade. E para reduzir desigualdade você tem que tratar os desiguais de forma desigual: tem que dar mais para quem tem menos. E tendo em vista esse princípio é que eu considero adequado sim haver uma política de discriminação positiva visando favorecer a população negra.

Paulo Henrique Amorim – O Miranda levantou um problema que talvez o senhor pudesse esclarecer. Ele disse que o Caetano Veloso é contra as cotas e não sabia se o Ministro Gil –que é , como o Caetano Veloso autor daquela famosíssima, magnífica canção “O Haiti é aqui” – a favor ou contra as cotas. O Ministro Gilberto Gil assinou o manifesto a favor?

Edson Santos – O Ministro Gilberto Gil assinou o manifesto. Eu não queria consolidar esse tipo de disputa e nem quero aqui qualificar, adjetivar aqueles que assinaram o documento do chamado “113”. O que eu acho é que deve haver um diálogo com essas pessoas mostrando o caráter positivo, resultado que nós tivemos até esse momento com a adoção da política de cotas e eu acredito que aqueles de bom senso, os democratas assinaram esse documento a partir dos esclarecimentos oferecidos irão rever sua opinião.

Paulo Henrique Amorim – No seu caso pessoal, eu faço uma pergunta pessoal, mas acho importante do ponto de vista jornalístico, a sua formação, qual é? O senhor estudou em escolas públicas, universidades públicas ou o senhor estudou em escolas pagas?

Edson Santos – Olha, eu estudei em escola pública...

Paulo Henrique Amorim – Onde?

Edson Santos – Primeiro eu fiz o ginásio em escola pública, Camilo Castello Branco, ali na Zona Sul do Rio de Janeiro, na (rua) Pacheco Leão. E depois eu estudei na Uerj, Ciências Sociais, um curso não concluído, mas eu tive a oportunidade de estudar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E ali eu pude identificar o seguinte: em curós como Ciências Sociais, Serviço Social, era grande o número de estudantes negros. Ao contrário dos cursos como direito, engenharia, medicina, que exigiam, inclusive, uma dedicação maior e até em tempo integral dos estudantes, a presença do negro era insignificante. Então, o que demonstra que não só devemos adotar a política de cotas, mas nós temos que verificar, nós estamos providenciando um estudo, junto à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, do impacto da política de cotas, afim de criar mecanismos que possibilitem efetivamente não só o ingresso, mas a presença do jovem estudante negro e carente dentro da universidade para que possa concluir seu curso, mesmo que sejam cursos que exijam uma dedicação integral desse estudante.

Paulo Henrique Amorim – Ministro, uma última pergunta. Como o senhor explica o fato de que o número de vagas para o ProUni não foi preenchido? Esse foi um argumento usado aqui pelo senhor Miranda para demonstrar exatamente que só uma pequena parcela de estudantes negros, de classe média, terão essa possibilidade de se beneficiar das cotas. Por que não se preencheu o número de vagas do ProUni?

Edson Santos – Eu acho que isso é positivo. Há uma oferta de vagas que não foi plenamente alcançada, é sinal que nós estamos alcançando o nosso objetivo que é de exatamente oferecer oportunidade para o jovem cotista freqüentar a universidade. Eu considero isso bastante positivo e quero dizer que a gente tem que parar um pouco de tratar o Brasil de uma forma conservadora. Precisamos ser ousados no nosso país e acreditar no nosso povo, no sentido de criar condição para que ele possa efetivamente contribuir em toda a sua potencialidade para o desenvolvimento do nosso país. Daí ser fundamental a gente abrir as portas das universidades, democratizar a universidade brasileira, tento em vista o acesso do jovem negro e carente ao seu ambiente.

Desabafos

Abaixo um desabafo dos bons. Dos camaradas Diogo e Arapiraca, estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais, a universidade do bônus. E lembre-se sempre como faz questão de ressaltar o reitor; é bônus não é cota. Afinal para que cotas em uma universidade tão democrática racial e socialmente.

a gente lê, estuda, ouve, se entristece,  reflete..

mas , vez ou outra, vez ou sempre, acontece do racismo dá um tapão na
nossa face de cidadão, querendo mostrar qual é o "lugar do negro" na
sociedade.

estava eu ontem indo da faculdade para meu curso de música, passando
pela av. sebastião de brito, no dona clara, como faço sempre. nada de
"estranho" (perigoso) nas minhas roupas ou comportamento, exceto no meu
cabelo (que resolvi colocar algo entre o "black" e o "sarará criolo") e
na minha cor de pele. minhas características parecem que me lançam
para o time dos pré-suspeitos sociais de antemão. e foi dito e feito.

bastou uma viatura passar na minha frente, e o soldado não gostar da
minha cara (ow, eu nada fiz), que ele mandou parar a viatura, saiu com
uma arma de fogo e deu ordem para que eu colocar as famosas "mãos
negras na parede". putz.. como os caras discriminam tão refinadamente.. e
depois não se sabe quem é negro e quem é branco no brasil na questão das
cotas raciais..

depois q falei q eu era da ufmg, o discurso deles ficou um pouco mais
brando, com um tal de "estamos realizando um procedimento básico". fez
várias perguntas e depois se foram...

bom, todas aquelas charges do pequeno mas denso livro "manuais de
sobrevivência do negro no brasil" ganharam um 'renovo' de sentido..

me senti profundamente ferido, enquanto cidadão e enquanto pessoa
humana. mas isso não justifica qualquer tipo de lamento pequeno-burguês. o
que aconteceu comigo, é o que rola via de regra com milhares, milhoes
de negros nas cidades brasileiras. isso o que aconteceu comigo é
brando, comparado ao que acontece com vários jovens por essas ruas. o
sentimento que senti logo após do ocorrido foi de indignação e.. estratégia. o
que faço com essa experiÊncia? ela me fez ver que devemos elaborar
estratégias de resistência e combate ao racismo. como? é o que saberemos,
após reunimos e agirmos em conjunto...

fica o convite para reflexão e ação;.;.

sei lá
Diogo


Me desculpem o email longo...mas, já que começamos...vou desabafar tb.

Me solidarizo com o Diogo, não apenas por engajamento nas questões
relacionadas a cotas e discussões de etnia, de raça. Me solidarizo
sobretudo pq primeiro era no meu bairro, sempre parado à noite com os amigos,
bem ao estilo O Rappa...mão na cabeça e os documentos. Aí veio a
universidade, e somente professores brancos na licenciatura em física de
maioria de alunos negros, mas os que entravam na pós eram majoritariamente
brancos. A esta época o baculejo acontecia no centro da cidade voltando
daquela cervejinha ou no buzú voltando pra casa. Medidas preventivas de
segurança. Comecei com aulas em colégios públicos na periferia, para
segurar a onda dos estudos, juventude negra e pobre entregue à sorte, eu
à essa altura já militante tentava conscientizar, apresentar alguma
ferramenta de emancipação, as vezes apenas um alento, uma voz de apoio,
pq as vezes é o máximo que podemos fazer. enquanto isso na universidade
iámos às ruas, brigavamos pelas cotas, tomavamos mais baculejo, mas as
cotas vieram e auniversidade se coloriu...juventude linda, com os
blacks demarcando sua identidade....comecei a criar o meu tb. Aí entrei na
pós....mestrado....huumm, bom aluno, tapinha nas costas, agora sim vou
ter voz de verdade...nossa....passei pela peneira, serei enfim
respeitado, lêdo engano. Fui aos congressos dos físicos brancos,
aristocráticos.....e o sudeste olhava com asco para os pretinhos do nordeste, mas os
pretinhos estavam lá, jogando com as 11 camisas, levando trabalho,
apresentando seminário, tirando boas notas e militando, incomodando, falando
de coisas q são sem sentido para os acadêmicos...mesa redonda com a
anta da física nacional e o pretinho levanta pra falar de cotas...dessa
vez tive sorte, tinha um homem branco, daqueles com doutorado, do sul,
olhos azuis....pasmem, ele me defendeu e defendeu as cotas....nem tudo
está perdido afinal.

Enquanto isso eu me sofisticava, afinal fazendo mestrado tem q arrumar
um emprego melhor....professor substituto na federal...vamos lá, agora
sim...professor de faculdade particular....um, salário melhorando,
comprei carro...fiz tranças....uhuuuu....é isso aí...lets spend the night
together....Mas, aí vc pensa agora não tem mais essa de mão na cabeça e
o documento não, coisa do passado.....mas, a coisa se sofistica por um
lado e pelo outro, agora era a sirene atras do seu carro e a clássica
BLITZ....NUHHHH....eu já tava craque em encostar o carro qdo via uma
sirene, preto dentro de carro é suspeito, e aí vinham os baculejos
novamente, lembranças do passado, me reacostumando à realidade.....na
faculdade que dava aulas todo dia tinha q dizer ao porteiro (negro!!!!) que eue
ra professor, aos poucos percebi q a esse negro incomodava mais era o
black power, os colares e coisas do tipo....afinal o pretinho bom
carater tem q andar de cabelo raspadinho e alinhado.....ok hey ho lets
go...sala de aula, primeiro dia de aula, alunos com cara de estranhamento
até as equações brotarem de suas mãos e se darem conta de que ou
acompanham ou dançam...e eis q entra uma aluna atrasada, daquelas sem papas na
língua...vê um criolo metido no quadro negro da faculdade que ela paga
tão caro e solta a clássica...PROFESSOR QUAL É MESMO A SUA
FORMAÇÃO????? confesso q nessa hora tombei por alguns segundos, me recompus e de
forma educada expliquei que qdos e chega atrasado não se dirige assim ao
professor...como anelise colocou...deixei pra lá...na universidade
federal não ouvia dessas, pq lá a coisa é mais dura, se o aluno vacila toma
bomba. Lá a coisa era meio de canto, mais velada. Aí já viu, a essa
altura eu já tinha virado moreninho pros alunos....que é isso professor,
c né preto não!!!!!paciência com a juventude de classe média incluída,
vai lá, conversa conscientiza...exercício de pedagogia, afinal a
faculdade de educação me deu elementos...mas, confesso eu segurava a onda dos
q chegavam atrasado pq estavam no trabalho, muitos que com lágrimas
nos olhos viam conversar sobre trabalhar e estudar, eu me mantinha duro
com eles, mas sempre rolava uma segunda chamada estratégica....afinal
irmão é irmão.

Acabou mestrado, acabou contrato de substituto, demitido da faculdade
particular....dessa vez foi por movimento sindical....os caras não
pagavam o salário em dias....e aí?...vamos lá UFMG, sudeste.....larga tudo
na bahia, vende carro, bjo na mamãe, nas irmãs e FUIIII...mochilinha nas
costas de novo....contando o dinheirinho do almoço novamente....nossa
qdo vi um bandejão pela primeira vez na vida quase choro....um buzú
circulando na universidade, muito bom. Agora sim, doutorando!!!!! mas, a
chegada foi tensa, pq ser pretinho na física da ufmg até rola, c fica no
seu canto, segue a cartilha e não se mete em encrencas....mas ser
pretinho q tem opinião, pretinho q fala de política, pretinho que vai pro
debate....aí já viu, vira o antipático......e nem que fosse caladinho,
tem que conviver o tempo todo com baiano isso, baiano
aquilo....preguiçoso é o mais comum(ok, temos um tempo diferente, um sentido cronológico
diferenciado!!!!mas produzimos). Se fulano não assiste aula e só faz
prova, caraleo fulano é foda, mente brilhante....se o pretinho baiano faz
isso é FOLGADO, e por aí vai, má se o pretinho folgado mesmo assim
tira nota melhor...o professor foi injusto....e vc vai ouvindo, vai vendo
pelos cantos, fingindo, deixando pra lá....mas, até qdo teremos que
deixar pra lá? Não espero resposta para essa pergunta.....estamos aí,
militando, ocupando espaços, terminando graduações, virando mestres,
doutores, acumulando teóricamente, dando show....implementando cotas,
reparações...mas, esse tal desse novo ser social??? qdo será q ele
aparecerá???

Enquanto isso vamos vendo os diogos, os antonios, as analises, as
marias, as carines, as fernandas...enfim...esse povo preto lindo!!!! ainda
tendo q passar por essas coisas....MÃO NA CABEÇA E O DOCUMENTO,
PROCEDIMENTO DE SEGURANÇA, segurança no shopping te olhando sempre, simulando
alguma descrição...grupo de estermínio na favela, juventude negra
desempregada, sem estudo....sim.....mas,

Isabela Nardoni é a notícia!!!!!João Hélio chocou o Brasil!!!!

Que Zumbi e dandara nos protejam!!!!um xero baiano em todos e todas

PS: desculpem a acidez, passionalidade e alguma pretensão....mas,
desabafo é assim mesmo
Antônio Arapiraca

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Menininha 21º

O filme acima é uma bela homenagem a Mãe Menininha do Gantois.
A matéria fala das últimas cerimonias fúnebres de morte de Mãe Menininha, agora após 21 anos de sua morte o período de passagem esta encerrada e Menininha se encontra com OLORUM o criador dos Ceus, das Terras, das Aguas e de todos os fenômenos da bnatureza.
Atenção para a fala do Monsenhor que celebrou a missa de 21 anos de morte, a respeito da importãncia de se fazer o bem não importando qual a opção religiosa.Bem como a fala de Mariene de Castro a respeito da resistência pelo caminho do sincretismo, que permitiu o Candomblé se fazer umas das religiões mais queridas do povo baiano.
Salve a OXUM mais bonita.

CANTO DE OXUM

Para louvar Oxum, na voz maravilhosa de Bethania.

domingo, 18 de maio de 2008

À beira da indicação democrata, Obama prepara o grande salto

À beira da indicação democrata, Obama prepara o grande salto

Senador, que deve assegurar nomeação na terça-feira, terá de vencer preconceito para chegar à Casa Branca

Patrícia Campos Mello

Um azarão que teve a audácia de desafiar uma das famílias políticas mais poderosas dos EUA, munido de pouco mais de dois anos de experiência no Senado, sobrenome muçulmano e, ainda por cima, pele negra, deve se tornar nesta terça-feira o candidato do Partido Democrata à eleição presidencial. Se vencer a primária de Oregon, como está previsto, Barack Obama deve acumular mais de 1.627 delegados eleitos. Embora não seja o mínimo de 2.025 (que inclui superdelegados), terá nas mãos a maioria dos delegados considerados fundamentais para bater Hillary Clinton e confirmar a indicação.

Obama é dono de uma história que, por muitas razões, dificilmente poderia ter ocorrido na América de décadas atrás. Ele é filho de uma mulher branca do Kansas que se apaixonou por um muçulmano negro do Quênia nos anos 60, em plena era de segregação, quando a maioria dos Estados ainda proibia o casamento inter-racial.

O advogado de 46 anos usa sua biografia multiétnica e multicultural como trunfo para ganhar votos. O primeiro candidato negro à presidência dos EUA tem, porém, muitos obstáculos à frente. Embora não tenha nenhum escândalo ou fato desabonador no currículo, os republicanos o acusam de ser liberal (termo que, nos EUA, significa estar à esquerda do espectro político).

Sua inexperiência em cargos públicos - trabalhou só no Senado de Illinois e pouco mais de dois anos no Congresso - e a possível ingenuidade em política externa são os principais alvos dos republicanos. Ele insiste no discurso da mudança, dizendo não ver problemas em dialogar com governos com os quais a administração Bush não negocia, como Irã, Cuba e Síria. “Obama não tem experiência em política externa - ela se resume a um curso de Relações Internacionais na faculdade e a ter morado fora quando criança”, disse ao Estado Luke Bernstein, diretor do Partido Republicano na Pensilvânia.

Obama tenta mostrar a vantagem de não ter sido corrompido pelos vícios da politicagem. Admitiu, por exemplo, que não teve tempo de aprender todas as regras de Washington, “só o suficiente para saber que precisam mudar”. Também procura diferenciar experiência de bom julgamento - citando o discernimento que teve ao se opor à guerra do Iraque desde o início.

A raça é outro grande obstáculo. Em um país que bancou a segregação oficial durante anos, muitos brancos se recusam a votar em negros, embora ainda seja difícil quantificar esse racismo nas urnas. Os vídeos do pastor de Obama, Jeremiah Wright, dizendo “Deus amaldiçoe a América” estão no ar em anúncios e certamente serão usados à exaustão no segundo semestre. Eles remetem ao ativismo negro que assusta muitos eleitores brancos conservadores.

E o fato de Obama ser considerado um dos senadores mais liberais do Congresso pode tirar-lhe votos. “Muitos eleitores não vão votar em Obama porque ele vai aumentar os impostos, deixar os sindicatos aparelharem Washington e bater papo com tiranos como Mahmud Ahmadinejad, do Irã”, disse o consultor republicano Todd Harris, com o tom exagerado que deve marcar a campanha daqui para frente.

Para outros observadores, os EUA passam por um momento em que tal revolução é possível. “O fato de que 82% dos americanos acreditam que o país está no caminho errado é uma ótima oportunidade de trazer para as urnas pessoas que não votam normalmente para eleger um candidato mais liberal que a média ”, afirma Michael Dawson, especialista em raça e política da Universidade de Chicago.

Para Paul Green, cientista político especializado na política de Chicago, Obama é um mestre do consenso: “Ele avança com a aliança entre negros e brancos ricos ou com educação superior, a mesma que o elegeu para o Senado.” Mas terá de se livrar do estereótipo de elitista - uma ironia, considerando seu passado humilde, filho de mãe solteira que sobreviveu à base de cupons de alimentação - para conquistar o eleitorado branco operário. “Ele precisa ganhar pelo menos parte desse nicho para vencer a eleição”, adverte Dawson.

Parte do fascínio em torno de Obama se deve à sua trajetória multicultural. A mãe de Obama, Stanley Ann Soetoro (Stanley porque o pai dela queria um filho homem), foi uma revolucionária a seu modo. Aos 18 anos, conheceu Barack Hussein Obama na Universidade do Havaí, casou, e teve Barack Hussein Obama. Barack pai era um pastor de cabras no Quênia, que havia ganho uma bolsa de estudos e se tornara o primeiro aluno africano da universidade. Mas o pai de Obama tinha grandes ambições. Deixou a família no Havaí e foi para Harvard fazer doutorado. O casamento não durou. Após o divórcio, em 1964, a mãe de Obama voltou à faculdade para se formar e casou de novo, mais uma vez com um estudante estrangeiro, o indonésio Lolo Soetoro. Do casamento nasceu Maya, irmã de Obama. A família mudou-se para a Indonésia, maior país muçulmano do mundo, quando Obama tinha 6 anos. Ele viveu lá, numa rua de terra e bairro sem luz, até os 10. Voltou ao Havaí para viver com os avós e estudar. Viu seu pai só uma vez, aos 10 anos. O pai teve oito filhos com quatro mulheres. Morreu num acidente de carro em 1982, aos 53 anos.

Para muitos, essa vivência diferenciada rende a Obama uma perspectiva privilegiada para analisar o mundo. “A experiência no exterior lhe dá uma noção de como é a vida real nos outros países, o que é importante para determinar por que alguém vira terrorista”, disse à Newsweek Tony Lake, que foi conselheiro de segurança nacional de Bill Clinton e hoje assessora Obama.

Obama afirma que, como conseqüência de ter vivido na Indonésia e viajado para o Paquistão na juventude, além de ter amigos muçulmanos na faculdade, tinha muito clara na cabeça a rivalidade entre xiitas e sunitas, o que o levou a se opor à guerra do Iraque desde o início.

LÍDER COMUNITÁRIO

Depois da infância e adolescência no Havaí, Obama fez faculdade em Nova York, na prestigiosa Universidade Colúmbia. Daí foi para Chicago, que adotou como lar. Lá conheceu sua mulher, Michelle, encontrou a fé na igreja do reverendo Wright e desenvolveu seu trabalho como líder comunitário em regiões pobres. Saiu de Chicago para cursar Direito em Harvard. Foi o primeiro negro eleito para a presidência da Harvard Law Review, a revista de direito da universidade. Logo depois voltou para Chicago, onde nasceram suas duas filhas, Mahlia (hoje com 9 anos) e Sasha, de 6. Em 1995, escreveu o best seller Dreams of My Father (“Sonhos do meu Pai”). Em 1996, foi eleito para o Senado estadual.

A mãe de Obama foi sua referência por toda a vida. Ela fez doutorado em antropologia, separou-se do marido e viveu anos na Indonésia. Ann morreu de câncer em 1995, aos 52 anos.

Talvez o grande problema de Obama seja satisfazer as expectativas de seus eleitores. Sean Penn, o ator e diretor que é um dos maiores críticos do governo Bush, resumiu esse desafio: “Estou animado pela esperança que Obama inspira. Mas espero que, se eleito, ele esteja ciente do grau de desilusão que causará se não corresponder à expectativa.”

Marina Silva

Abaixo uma entrevista da ex-ministra e dois ótimos textos a respeitod e seu ato. Salve Marina, que se podemos fazer um senão foi ter demorado tanto a desembarcar dessa canoa furada.

'Atuação foi pífia neste mandato'

USINAS: “O licenciamento levou 2 anos, mas foi dado. E aprendemos demais. Não era uma discussão de filigranas”

AMAZÔNIA: “O sociólogo FHC encontrou dificuldades para tratar do tema, assim como o operário Lula tem dificuldades”

LEI: “O Brasil tem excelente legislação ambiental. Vários países ainda estão na pré-história do licenciamento”

De João Domingos:

A ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva diz que deixa o governo motivada para fazer o que não pôde fazer. Ela repete que decidiu sair para dar uma sacudida na política ambiental. E faz uma autocrítica com relação ao segundo mandato do presidente Lula. Acha que, se fosse considerada a média do que se produziu nestes um ano e cinco meses, o resultado ao fim de 2010 “seria pífio”.

“Nosso desempenho nos primeiros quatro anos de governo foi fantástico. É algo que tem de ser recuperado e eu não podia mais fazer. É preciso continuar no ritmo em que começamos.” Ela, que reassumirá o mandato de senadora depois do feriado, avisa que, se a política ambiental piorar, não hesitará em usar a tribuna, “o diálogo e a capacidade de interagir que um senador tem com os ministros e o presidente”.

Marina admite que a entrada das hidrelétricas na Amazônia é um processo irreversível, já que é a maior bacia hidrográfica do País. Para ela, a demora nas licenças das usinas de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira, serviu de aprendizado. Nesse sentido, prevê que não haverá problemas com a de Belo Monte, no Rio Xingu.

Ela planeja dizer a seu substituto, Carlos Minc, que não é necessário mudar as regras para a concessão de licença ambiental. Considera que elas são suficientes e que hoje é possível fazer uma concessão em até seis meses, como no caso da Usina de São Salvador, no Tocantins.

Se a entrada das hidrelétricas na Amazônia é irreversível, por que não fazer logo as exigências necessárias, em vez de protelar a concessão de licenças, como aconteceu com Jirau e Santo Antônio?

O licenciamento levou dois anos, mas foi dado. Aprendemos demais com o processo. No governo a discussão envolvia Casa Civil, Integração Nacional, Minas e Energia, Meio Ambiente e Transportes. Não era discussão sobre filigranas. Por exemplo, a turbina prevista era uma tradicional, que faria com que o lago tivesse extensão oito vezes maior. Nas discussões foi sugerido, e decidido, o uso de turbinas de bulbo. Com a tradicional, haveria um septo na frente, de mais de 16 metros de altura, para protegê-la dos sedimentos, porque o Rio Madeira é o terceiro que mais carrega sedimentos no mundo. Com isso, as larvas dos peixes, os tais grandes bagres que me deram a alcunha de ministra dos bagres, ficariam retidas com os sedimentos. Teríamos também o problema de deposição de mercúrio. Segundo estudos, em 10 anos o lago estaria assoreado. Era ou não relevante diminuir o lago, resolver o problema dos peixes, do mercúrio, da malária? Estas questões levaram aos debates. E o bom foi que percebemos que havia resposta técnica para tudo. E o determinante do ponto de vista político e ético foi que faríamos o empreendimento, mas resolvendo o problema do mercúrio, dos sedimentos, dos bagres e da malária. E o licenciamento não foi contestado na Justiça ao ser concedido porque foi feito com capacidade técnica, com cláusulas condicionantes.

Que empreendimento terá dificuldade para ter a licença ambiental?

Angra 3 terá muita dificuldade.

Quem fez a crítica à proteção aos bagres foi Lula. E a sra. só ficou sabendo que o ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) comandaria o Plano Amazônia Sustentável no lançamento. Quando discursou, a sra. falou na história dos bagres. Foi uma vingança?

Não tenho a informação de que foi o presidente Lula quem falou nos bagres. Os jornais noticiaram que um deputado disse que foi ele. Quando falei dos bagres, não estava me vingando. Procurei fazer uma brincadeira, uma metáfora. O político tem de ter certa leveza. Quem levou a fama dos bagres fui eu. Onde chegava, alguém perguntava: “E os bagres?” Eu é que era folclorizada nessa história.

A sra. se irritava muito com essa questão dos bagres?

Não. Tem gente com preconceito contra índio. Se alguém me chamar de índio, vou ficar orgulhosa. Se disserem que sou defensora dos bagres, vou sentir orgulho, porque defendo a vida deles e também a geração de energia para o País. Sou defensora do menor sapinho que tiver na margem de um rio, mas sou também defensora dos biocombustíveis. A resposta boa é que é possível ter energia protegendo os bagres, foi o que a gente fez. É possível produzir os biocombustíveis mantendo as áreas de preservação permanente, as unidades de conservação, os corredores ecológicos.

Carlos Minc defende uma legislação que dê mais rapidez à concessão das licenças ambientais.

Recebi um recado de que Minc quer conversar comigo. Se tiver oportunidade, vou dizer que o Brasil tem uma excelente legislação ambiental. O que temos é déficit de implementação. Os ministros anteriores deram uma grande contribuição na questão do marco regulatório. Quando cheguei ao ministério, já com o marco regulatório, pudemos trabalhar o desenvolvimento sustentável e a lei de gestão de florestas públicas. O licenciamento é um processo difícil, complexo, que se firmou bem no Brasil. É um dos poucos países da América Latina que conseguiram consolidar uma política de licenciamento ambiental. Não é fácil. Vários países ainda estão na pré-história do licenciamento.

Então, por que a demora na concessão das licenças?

Quando cheguei ao ministério, havia cerca de 80 servidores e 90% contratados temporariamente. A média de licenças era de 145 por ano e 45 estavam na Justiça. Fortalecemos o Ibama, fizemos concursos. Hoje são mais de 180 servidores concursados, com mestrado, doutorado, técnicos respeitados. Apenas 20% são temporários. Com isso, os empreendedores passaram a ter maior responsabilidade, que é apresentar projetos com maior qualidade. Saímos de uma média de 145 para 230 licenças por ano. Com a diferença de que neste momento não há nenhuma judicializada.

A sra. disse que saiu do governo porque estava sem condição de tocar a política ambiental e seu gesto daria uma sacudida no setor, o que ocorreu. A sra. ficou decepcionada com os resultados obtidos?

Se falar em termos de decepção vou deixar de falar sobre a coisa mais importante, a motivação. Quero manter a motivação para ajudar a fazer as coisas que não foram feitas. Saio motivada para fazer aquilo que não pude fazer. Espero que a agenda não sofra nenhum rebaixamento, que siga só para cima, e não para baixo.

Se a política ambiental mudar, afrouxar, o que a senhora fará?

Se estivesse no governo, usaria o espaço institucional. No Senado, terei a tribuna, comissões, o diálogo e a capacidade de interagir que um senador tem com os ministros e o presidente. Temos toda condição de implementar a resolução do Conselho Monetário Nacional, de vetar a concessão de crédito a partir de julho para quem tem investimentos em áreas ilegais.

Que análise faz do seu desempenho e do governo na área?

Nosso desempenho nos primeiros quatro anos foi fantástico; nos primeiros um ano e cinco meses deste mandato, se pegarmos a média, ao chegar em 2010 seria pífio. Isso é algo que tem de ser recuperado e eu não podia mais fazer. No dia do lançamento do PAS havia expectativa de criação de uma unidade de conservação no Xingu. Mas não foi criada. Há violência, a comunidade quer a criação porque os jagunços estão lá, atirando. Qundo criarmos as pessoas serão protegidas. É preciso continuar no ritmo em que começamos.

A origem urbana do presidente Lula e de boa parte de seus ministros fez com que a sra. ficasse isolada?

No caso do presidente Lula, não dá para dizer isso. Durante a vida toda ele foi para as bibocas mais profundas, visitou a Amazônia. Não é questão do presidente ou da ministra. É mais profundo. O sociólogo Fernando Henrique Cardoso encontrou dificuldades para tratar do tema, assim como o operário Lula tem dificuldades. Há coisas emblemáticas: FHC, corajosamente, criou a reserva indígena Raposa Serra do Sol, Lula, corajosamente, a homologou. Esse impasse não está apenas no governo, está na sociedade. Se ainda temos a dinâmica de desenvolvimento sustentável do século 19, é preciso pular para o século 21. Desenvolver com preservação os ativos ambientais e proteger os ativos que prestam serviços à economia. Se não fizermos isso, vamos sempre correr atrás do prejuízo. A sociedade exige isso. E não pode surgir do esforço de um ministro isolado. É a ação de Agricultura, Ciência e Tecnologia, Educação, Transportes, Minas e Energia, que vai dar conta desse desafio.

A sra. trabalhou com os ministros da Casa Civil José Dirceu e Dilma Rousseff. Com quem foi mais fácil?

Não diria mais fácil. Cada um enfrentou desafios diferentes. Na minha agenda não tinha como ser fácil. Fazer o arranjo do Madeira (na gestão Dilma) foi tão difícil quanto o da BR-163 (na de Dirceu). O do Rio São Francisco também foi difícil. O que é preciso é ter no governo prioridade para o meio ambiente igual à dos outros setores. Às vezes brincava com eles: por que ninguém cria uma sala de situação para mim, pelo menos um quartinho de situação? Falava disso para acelerar a criação de unidades de conservação. O Brasil criou nos últimos anos 24 milhões de hectares de unidade de conservação. Criamos 8 milhões de hectares na frente da expansão predatória da BR-163 e o desmatamento caiu 91%. Queriam plantar soja na área do Madeira. Não foi permitido. Foi uma ação de governo, meio ambiente pensado como projeto de governo. Não pode ser ação isolada do ministro. Só foi possível porque o presidente Lula bancava.

Minc disse que não tem planos para o ministro Mangabeira. O que a sra. acha de Mangabeira?

Tive um contato muito curto. O que tenho é um olhar para a Amazônia. Mudou muito nos últimos 20 anos. A idéia era o desenvolvimento na Amazônia e não para a Amazônia. Havia muito o olhar do Sul, Sudeste. Hoje há outra realidade. Governadores como Eduardo Braga (AM), Binho Marques (AC), Ana Júlia (PA), Valdez Góes (AP) e Marcelo Miranda (TO) têm grande abertura para discutir as coisas. A Amazônia é diversificada. O olhar não é só dos produtores de grão, dos pecuaristas, dos índios, das populações tradicionais, das urbanas. Cabe ao governante fazer a mediação entre eles e estabelecer o pacto para uma nova dinâmica de desenvolvimento, para manter a Amazônia e a sua diversidade cultural. Para isso é preciso que ela seja diversificada economicamente.

Teme a destruição da Amazônia?

A destruição da Amazônia prejudicaria o País. Boa parte das precipitações no Sul, no Sudeste ocorre em função da Amazônia. Imagine o que é isso virar um deserto. Não vai acontecer para os que pensam na sua vida agora. Mas vai acontecer para nossa vida no futuro.

O que a sra. fez pela Amazônia?

Todos fizemos, governos anteriores também. Não se está dizendo que não pode ter agricultura na Amazônia, pecuária, manejo florestal. O que se diz é que isso passa por um novo paradigma, que é fazer com que todo o conhecimento técnico seja colocado à disposição, com os instrumentos econômicos necessários para que a produção seja diversificada, em bases sustentáveis. Um exemplo: quando chegamos, havia 300 mil hectares de floresta certificada; hoje são 3 milhões. Chegamos a isso combatendo as práticas ilegais, aqueles que fazem exploração de rapina, roubando madeira em terra indígena, em terra pública, em unidade de conservação. Quando fomos expurgando estes, graças à aplicação de R$ 4 bilhões em multas, à prisão de 665 pessoas, ao desmantelamento de 1.500 empresas ilegais criminosas, os empresários legais foram se estabelecendo.

(*Entrevista transcrita do jornal O Estado de S.Paulo, dia 18 de maio)


Marina e a estética ambiental

Gaudêncio Torquato

A saída da ministra Marina Silva do governo Lula é plena de significados. A começar pela antinomia dos signos que se cruzam em torno de seu perfil. Mesmo com o título de “mãe do PAS”, o Plano Amazônia Sustentável, atribuído a ela pelo presidente da República, a ex-empregada doméstica do Acre, nossa maior propagandista no mapa mundial do meio ambiente, não conseguiu segurar a barra. Era precária a base para sua sustentação, conceito pelo qual tanto lutou. Não que lhe faltasse força para enfrentar os dissabores de uma guerra no seio da administração e que exibe, de um lado, os desenvolvimentistas e, de outro, o batalhão ambientalista. Afinal, quem resistiu à hepatite, a metais pesados dos rios do garimpo e a opositores que procuraram minar sua ação no Ministério do Meio Ambiente (MMA) reúne condições para continuar a luta. Marina deixa a cena por ter concluído que sua presença no governo perdera sentido. Restava-lhe um trato com a consciência, arrumar a mala da crença e enrolar a bandeira verde amazônica para estendê-la em outra freguesia, no Senado Federal, onde a sua expressão rica de referências a biomas poderá ser bem acolhida.

A saída da ministra sinaliza ainda a vitória da companheira que se esforça para associar o nome ao conceito de progresso: Dilma Rousseff, a “mãe do PAC”, o Programa de Aceleração do Crescimento. A ministra-chefe da Casa Civil encarna o pragmatismo de uma gestão que decidiu levar a cabo - a ferro e fogo - programas que batem de lado na cara da “mãe ecológica”: transgênicos, implantação de Angra 3, transposição das águas do São Francisco e usinas hidrelétricas do Rio Madeira, entre outras ações. A dose extra de óleo de rícino que o companheiro Lula quis empurrar garganta abaixo de Marina Silva pode até ter sido a designação do polêmico ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, para o papel de “pai” do PAS. Mas a decisão da ministra foi o ponto final de uma reflexão amadurecida sob irrefutável diagnóstico: o governo optou por colocar o mastro do crescimento na frente da bandeira ecológica.

O dilema de Lula, agora, é responder ao mundo como preservar a estética ambiental sem a estátua principal do jardim. Ele bem sabe que a mudança no comando do MMA terá mais impacto externo que interno. É fácil entender. O Brasil tem a maior biodiversidade do planeta. Por conta da região amazônica, que sempre esteve no centro das atenções mundiais, é um marco da sustentabilidade. Esse era o pano de fundo quando Luiz Inácio apareceu no Fórum Mundial de Davos, em 2003, proclamando-se patrono dos pobres. Na cabeça dos poderosos, a imagem do presidente tinha este contorno: ex-metalúrgico, origem humilde, história construída na luta sindical e lapidada na arena da esquerda e compromisso prioritário com a defesa do meio ambiente. O figurino caboclo de Marina Silva, uma dos sete ocupantes de Ministério que até a semana passada permaneciam na foto do primeiro ciclo do governo, era a fiança de que o País levaria a sério a política ambiental. Ademais, associava-se ainda a ação da ministra a Chico Mendes, com quem fundou a Central Única dos Trabalhadores no Acre. Tudo isso desaparece.

A política ambiental não mudará, garante Lula. Ora, Marina, com sua frágil figura, mais parece um logotipo ambulante. Nela a estética ecológica se imbrica à tenacidade de militante dos povos da floresta. A nova ordem exigirá mudança na forma de agir, adaptação ao vocabulário consagrado na cartilha lulo-rousseffiana: crescimento, obreirismo faraônico, P de plano e de palanque, A de ação e C de crescimento e também de comício. Carlos Minc, secretário fluminense do Meio Ambiente, chega ao MMA sob o manto do pragmatismo. É um ecologista midiático. Desembrulhou, ligeirinho, a burocracia para iniciar o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, o mais importante programa do PAC. É do jeito que Lula e Dilma gostam. Quanto à avaliação de que as oposições capitalizarão a saída da mãe do PAS, porque a sociedade é sensível ao discurso ambiental, trata-se de balela. O povo aplaude quem lhe proporciona bem-estar. O eleitor, este ano, cederá o voto olhando para o bolso e o estômago. A necessidade imediata, a micropolítica, suplantará o campo abstrato das altas idéias, a macropolítica. A temática ambiental, apesar de ganhar adeptos na gigantesca onda da defesa do planeta, no Brasil ainda não entrou nos buracos onde pisa o homem da rua. E, para arrematar o jogo eleitoral, Lula conseguiu forjar uma opinião popular sintonizada em seu discurso.

No painel das significações que se pinçam da saída de cena de Marina Silva, percebe-se, ainda, o movimento de massas em processo de fusão. A impressão é de que, a cada governo, o progresso material cresce e o progresso espiritual diminui. Os valores da existência assumem a forma de pesos jogados na balança das circunstâncias. O ideário de preservação ambiental há de se moldar às metas do crescimento do País. A dimensão econômica suplanta a dimensão socioambiental. E, assim, utopias fenecem e crenças não passam de registros de livros dos tempos em que ainda se sonhava. Esse é o preço do progresso. Um preço que a humanidade (e o Brasil) tem de pagar. Matreiro, Lula promete que nada vai mudar. Bulhufas. A não ser que recite o mesmo código do coronel Marcondes Alves de Souza, eleito em 1912 governador do Espírito Santo. Ao subir a bela escadaria do palácio, viu as helênicas esculturas de mármore, ligando a cidade baixa à cidade alta. Enfurecido, ordenou ao secretário de obras: “Mande tirar essas estátuas sem-vergonha de mulheres nuas.” Pasmo, o secretário retrucou: “Governador, vamos tirar a estética da escadaria.” Ainda mais bravo, o coronel fulminou: “E quem mandou tirar a estética, imbecil? Retire as estátuas e deixe a estética.”

A retirada da estátua da ministra Marina do jardim não deixa margem a dúvidas: vai embora também a estética ambiental do governo.

Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político

Marina exonerou o governo

De Elio Gaspari:

O drible pareceu fácil. Lula criou um plano de desenvolvimento da Amazônia e entregou-o ao ministro Roberto Mangabeira Unger, que transita do nada ao futuro. Fez isso porque supunha que bastava chamar a ministra Marina de "mãe do PAS" e o ego da senhora estaria amaciado. Nosso Guia se esqueceu da tenacidade das pessoas alfabetizadas aos 16 anos ou que, como Marinete, sua irmã, foram empregadas domésticas. A "metamorfose ambulante" enganou-se. Dando a impressão de que o colonialismo pernóstico do jornal inglês "The Independent" tem alguma razão: "[A Amazônia] é importante demais para ser deixada aos brasileiros".

Não tendo perdido o juízo, a ministra preferiu perder o pescoço. Feito o estrago, as patrulhas do Planalto espalharam que Marina Silva foi indelicada, pois foi-se embora sem pedir demissão. Faz tempo que Madame Natasha ensina: "Só em português que se pede demissão"

Nos outros idiomas, demissão se dá. Marina Silva exonerou o governo e nisso não houve indelicadeza.

Num sinal dos deuses, dona Marina fechou a conta no mesmo dia em que o ex-ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, foi denunciado pelo Ministério Público por gestão fraudulenta, corrupção passiva e formação de quadrilha. Seria exagero concordar com o professor Mangabeira quando ele disse que "o governo Lula é o mais corrupto da nossa história", mas Rondeau é o sétimo ministro de Lula levado à barra dos tribunais pelos procuradores da República. Seu gabinete ultrapassou a taxa de 10% de maganos acusados de malfeitorias. (O ministério de Lula já teve 65 titulares.)

Estão nos tribunais Antonio Palocci, José Dirceu, Luiz Gushiken, Humberto Costa, Benedita da Silva e o doutor Silas. Walfrido Mares Guia está denunciado por conta de práticas anteriores ao atual governo. Essa é a turma que saiu porque não podia ficar. Marina Silva é de outro plantel, o dos que foram embora porque não quiseram permanecer.