sábado, 31 de maio de 2008

Estudo do IPEA retoma debate da desigualdade no país


Estudo do IPEA retoma debate da desigualdade no país

Por Daniela Lot
26/05/2008


No dia 13 de maio de 2008, 120 anos após a abolição da escravatura, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) publicou os resultados parciais da pesquisa “Desigualdades raciais, racismo e políticas públicas: 120 anos após a abolição”. A perspectiva, de acordo com Mário Lisboa Theodoro, diretor de cooperação e desenvolvimento do IPEA, é que daqui 3 meses seja divulgada a pesquisa completa que trará um conjunto maior de informações, incluindo análises regionais.

A partir dos dados da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio (PNAD), o IPEA fez uma projeção de que em 2008 os negros serão maioria no país, mas só conseguirão igualdade de renda em 2040. “Nós fizemos uma projeção a partir do crescimento da renda dos mais pobres nos últimos anos, que foi acelerado principalmente pelo aumento do Bolsa Família, estendido a quase 12 milhões de famílias”, explica Theodoro. “Se nós tivéssemos um crescimento dessa magnitude, poderíamos chegar a uma equalização em 2040”.

Theodoro ressalta que a pesquisa trata da igualdade de renda familiar, incluindo tanto rendimento do trabalho como outros rendimentos, entre eles o Bolsa Família. “Hoje a renda média da população negra é 53% da renda média da população branca, praticamente metade. Pela projeção isso iria diminuindo até igualar”. No entanto, Theodoro afirma que essa é uma visão otimista: “dificilmente o crescimento que nós tivemos nos últimos meses vai continuar, porque o Bolsa Família já está chegando ao seu limite”.

“O resultado dessa pesquisa não é surpreendente para ninguém que trabalha com essa temática de relações raciais no Brasil. Nós sabemos que isso é resultado do nosso processo histórico, que remonta ao período da escravidão, como também do que deixou de ser feito após a escravidão”, lamenta Rosana Heringer, Coordenadora do Programa de Direitos das Mulheres e Afro-Descendentes da Actionaid Brasil. Rosana explica que ao longo dos 120 anos após o fim da escravidão muito pouco foi feito para efetivamente integrar os negros na sociedade brasileira. “Por um lado, nós temos uma integração cultural e artística. Sabemos que o Brasil é um país culturalmente misturado, mas quando falamos de igualdade de oportunidades, de renda, de acesso a educação, etc, isso é bastante diferente”, argumenta ela.

Mário Augusto Medeiros da Silva, doutorando em sociologia pela Universidade de Campinas (Unicamp) e membro do Núcleo de Estudos Negros (NEN), ressalta que o próprio estudo do IPEA aponta que a melhoria da condição da população negra no Brasil aconteceu sem que políticas de Estado tenham sido direcionadas a esse grupo. “A análise feita pelo IPEA mostra que foram as políticas públicas universais, como educação e saúde pública e o Programa Bolsa Família que atingiram e afetaram positivamente a população mais precarizada, onde se encontra grande parte do grupo negro”.

A desigualdade de renda entre brancos e negros, apontada pela pesquisa do IPEA, não é novidade. A diferença é que o IPEA faz uma projeção de que a igualdade poderia ser atingida. De acordo com Theodoro, o IPEA está, nesta pesquisa, trabalhando não apenas na produção, como também na interpretação dos dados. “Não que nós já não tenhamos feito interpretações anteriormente, mas agora, como é uma pesquisa de mais longo prazo, vamos tentar vasculhar algumas interpretações históricas para essa questão, não só explicações momentâneas”.

Silva questiona a projeção feita pelo instituto. Tendo em vista o cenário histórico e as ressalvas feitas pelo órgão governamental, pode ser que a desigualdade, ao invés de diminuir, possa aumentar. “Daqui 32 anos - diz ele - sem a perenidade de políticas de Estado direcionadas e voltadas para a eliminação das desigualdades raciais ou o aprimoramento das precarizadas políticas universais, qual será a distância entre trabalhadores (as) negros (as) e brancos(as) novamente, em termos salariais e de renda?”.

Para Rosana, duas atitudes precisam ser tomadas para que a população negra tenha uma igualdade de renda e de oportunidades em relação aos brancos. A primeira delas seria um investimento muito maior em uma política de redução da desigualdade no Brasil de uma forma geral, isto é, em educação pública, em saúde, em qualificação para o mercado de trabalho. Em segundo lugar, de acordo com a coordenadora da Actionaid, é preciso investir mais nas políticas de ação afirmativa. “Devemos perceber que existem grupos na sociedade que precisam ter uma forma de acesso a determinados serviços e setores como educação e mercado de trabalho, para que daqui a 20 ou 30 anos possamos identificar um número mais equilibrado entre brancos e negros, principalmente nos cursos de mais prestígio e nos setores que identificamos como elite política, intelectual e cultural, que ainda é predominantemente branca”.

O trabalho do IPEA, explica Silva, mostra que a diferença de renda entre brancos e negros, assim como a concentração de negros em ocupações menos especializadas e mais desvalorizadas socialmente é resultado da aliança do racismo institucional com a péssima qualidade dos serviços públicos prestados, historicamente. O sociólogo lembra que os negros, por estarem majoritariamente concentrados nos estratos mais pobres da sociedade, têm como possibilidade de instrução os serviços educacionais públicos, que são precários e insuficientes. Por outro lado, lamenta, Silva, “apesar do número de vagas nas instituições superiores públicas federais e estaduais, que são as de maior prestígio, ter aumentado nos últimos anos, ainda é insuficiente o acesso de negros e pobres”.

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