quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Feliz 2009 e para aliviar futebol

Meninas e meninos FELIZ 2009. Que o Ano que se iniciará dentro de algumas horas seja melhor do que este que passou e que sejamos cada um de nós repletos de conquistas e blá, blá, blá. Tudo que disse acima é sincero, no entanto sempre penso o mesmo quando faço votos de um Feliz Ano Novo: como na verdade o ANO é único para cada um de nós. Do tipo pode ser um ano perfeito do ponto de vista macro, no entanto Você tem uma perda no plano micro que lhe é mais caro do que qualquer vitória nos planos Macros. Enfim... FELIZ ANO NOVO, sem pseudos-filosofias.
E como estamos as vésperas de mais uma comilança e bebelança reproduzo aqui um post que achei ao mesmo tempo muito divertido e demonstrativo do tanto que gostamos e entendemos de futebol.
A brincadeira foi a seguinte, o Lédio Carmona da SPORTV e sua equipe propuseram no blog Jogo Aberto: http://colunas.sportv.com.br/jogoaberto/ a seguinte brincadeira:
Seja um cartola através do Jogo Aberto.
Aqui no JA, você é presidente interino do seu clube e tem o seguinte orçamento: R$ 5 milhões para contratações (muita generosidade para os tempos de “crise”) e mais R$ 1,5 milhões para salários. O resto da folha já está comprometida por negócios antes realizados. Quem você contrataria? Como administraria essa verba? Lembro que negócios enlouquecidos serão embargados por mim, o auditor do JA, ou pelos meus colaboradores. Para cada proposta, um comentário em negrito: Confirmado ou Impugnado.
A bola está com vocês. E lembre-se da frase: a loucura de hoje pode ser a falência de amanhã. Boa sorte.

Pois bem quando li esse post 244 leitores já haviam aceitado a tarefa de ser cartola. Obviamente que pela quantidade tive que escolher um critério metodológico pois não tenho tempo e nem estava afim se ler 244 diferentes maneiras de montar um time. Escolhi então o critério mais obvio: ler as 20 primeiras respostas. Para minha surpresa a grande maioria dos leitores montaram excelentes times com o orçamento disponível (com algumas excessões é claro que viajaram na maionese). Assim sendo aproveitei e fiz uma lista de bons jogadores (em minha modesta opinião) que só custariam a seus clubes o pagamento dos salários (veja bem fu mais radical do que o pessoal do Jogo Aberto). Digo isso pois permitirá perceber a inoperancia dos cartolas de Cruzeiro e do Cocota. Será mesmo só inoperancia (ou por exemplo, no caso estrelado só se contrata jogadores de empresários amigos). Enfim com a grana que se paga a 3 jogadores medianos (por exemplo 20 mil para cada) poderia se contratar na realidade atual do futebol brasileiro um jogador muito bom por 60 mil.

Bom fica ai a dica de bons jogadores com passe na mão (ps: aqui não importa se o jogador já foi contratado, a idéia é mostrar os que estavam livres):

Leandro ( ex-Palmeiras e ex-cruzeiro ) lateral esquerdo

Paulo Sérgio (ex-Grêmio) lateral direito

Léo Lima (ex Palmeiras) meia

Leandro Guerreiro, Tulio Souza, (ex-botafogo) volantes

Juninho (ex botafogo e SPFC) Zagueiro

Pereira (ex Grêmio e Santos) Zagueiro

Jancarlos (ex Atl Paranaemse e SPFC) Lateral direito

Lucio Flavio (ex Botafogo) meia

Jorge Henrique (ex Botafogo) meia e atacante

Nádson (ex Vitória e fut coreano) atacante

Alex Mineiro(ex Palmeiras) atacante

Vandinho(ex Avai e Fla) atacante

Junior (ex SPFC) lateral esquerdo
Arouca (ex Flu) volante
Geraldo (ex Nautico) meia e atacante
Carlinhos Bala (ex Sport e Cruzeiro) atacante
Veja essa lista é uma amostra a partir de 20 comentários, olha a enormidade de atletas que ainda poderia ser acrescida.

SOMOS TODOS GAZA II

Mais um bravo Israelense que ousa ir contra o establishment político, econômico e cultural das elites israelitas. Veja abaixo a Carta Aberta de Uri Avnery(héroi de guerra israelense, ex-parlamentar e jornalista israelense- um dos hérois do momento de fundação do Estado de Israel). VIVA mais esse apelo por PAZ de um israelense(os grifos são meus). Depois desta carta é praticamwente impossível justificar Israel (daqui a pouco vou passear no também ótimo blof do Pedro Dória e ver se ele reagiu a esse texto e qual sua justificativa pró-sionista).
A dica foi do ótimo blog O Biscoito Fino, do professor Idelbar Avelar que só tem comodefeito ser cocoto em termos futebolísticos: http://www.idelberavelar.com/
Carta aberta de Uri Avnery a Barack Obama
As humildes sugestões que se seguem são baseadas nos meus 70 anos de experiência como combatente de trincheiras, soldado das forças especiais na guerra de 1948, editor-em-chefe de uma revista de notícias, membro do parlamento israelense e um dos fundadores do movimento pela paz:
1)No que se refere à paz israelense-árabe, o Sr. deve agir a partir do primeiro dia.
2)As eleições em Israel acontecerão em fevereiro de 2009. O Sr. pode ter um impacto indireto, mas importante e construtivo já no começo, anunciando sua determinação inequívoca de conseguir paz israelo-palestina, israelo-síria e israelo-pan-árabe em 2009.
3)Infelizmente, todos os seus predecessores desde 1967 jogaram duplamente. Apesar de que falaram sobre paz da boca para fora, e às vezes realizaram gestos de algum esforço pela paz, na prática eles apoiavam nosso governo em seu movimento contrário a esse esforço.
Particularmente, deram aprovação tácita à construção e ao crescimento dos assentamentos colonizadores de Israel nos territórios ocupados da Palestina e da Síria, cada um dos quais é uma mina subterrânea na estrada da paz.
4)Todos os assentamentos colonizadores são ilegais segundo a lei internacional. A distinção, às vezes feita, entre postos “ilegais” e os outros assentamentos colonizadores é pura propaganda feita para mascarar essa simples verdade.
5)Todos os assentamentos colonizadores desde 1967 foram construídos com o objetivo expresso de tornar um estado palestino – e portanto a paz – impossível, ao picotar em faixas o possível projetado Estado Palestino. Praticamente todos os departamentos de governo e o exército têm ajudado, aberta ou secretamente, a construir, consolidar e aumentar os assentamentos, como confirma o relatório preparado para o governo pela advogada Talia Sasson.
6)A estas alturas, o número de colonos na Cisjordânia já chegou a uns 250.000 (além dos 200.000 colonos da Grande Jerusalém, cujo estatuto é um pouco diferente). Eles estão politicamente isolados e são às vezes detestados pela maioria do público israelense, mas desfrutam de apoio significativo nos ministérios de governo e no exército.
7)Nenhum governo israelense ousaria confrontar a força material e política concentrada dos colonos. Esse confronto exigiria uma liderança muito forte e o apoio generoso do Presidente dos Estados Unidos para que tivesse qualquer chance de sucesso.
8)Na ausência de tudo isso, todas as “negociações de paz” são uma farsa. O governo israelense e seus apoiadores nos Estados Unidos já fizeram tudo o que é possível para impedir que as negociações com os palestinos ou com os sírios cheguem a qualquer conclusão, por causa do medo de enfrentar os colonos e seus apoiadores. As atuais negociações de “Annapolis” são tão vazias como as precedentes, com cada lado mantendo o fingimento por interesses politicos próprios.
9)A administração Clinton, e ainda mais a administração Bush, permitiram que o governo israelense mantivesse o fingimento. É, portanto, imperativo que se impeça que os membros dessas administrações desviem a política que terá o Sr. para o Oriente Médio na direção dos velhos canais.
10)É importante que o Sr. comece de novo e diga-o publicamente. Idéias desacreditadas e iniciativas falidas – como a “visão” de Bush, o “mapa do caminho”, Anápolis e coisas do tipo – devem ser lançadas à lata de lixo da história.
11)Para começar de novo, o alvo da política americana deve ser dito clara e sucintamente: atingir uma paz baseada numa solução biestatal dentro de um prazo de tempo (digamos, o fim de 2009).
12)Deve-se assinalar que este objetivo se baseia numa reavaliação do interesse nacional americano, de remover o veneno das relações muçulmano-americanas e árabe-americanas, fortalecer os regimes dedicados à paz, derrotar o terrorismo da Al-Qaeda, terminar as guerras do Iraque e do Afeganistão e atingir uma acomodação viável com o Irã.
13)Os termos da paz israelo-palestina são claros. Já foram cristalizados em milhares de horas de negociações, colóquios, encontros e conversas. São eles:
a) estabelecer-se-á um Estado da Palestina soberano e viável lado a lado com o Estado de Israel. b) A fronteira entre os dois estados se baseará na linha de armistício de 1967 (a “Linha verde”). Alterações não substanciais poderão ser feitas por concordância mútua numa troca de territórios em base 1: 1. c) Jerusalém Oriental, incluindo-se o Haram-al-Sharif (o “Monte do Templo”) e todos os bairros árabes servirão como Capital da Palestina. Jerusalém Ocidental, incluindo-se o Muro Ocidental e todos os bairros judeus, servirão como Capital de Israel. Uma autoridade municipal conjunta, baseada na igualdade, poderia se estabelecer por aceitação mútua, para administrar a cidade como uma unidade territorial. d) Todos os assentamentos colonizadores de Israel – exceto aqueles que possam ser anexados no marco de uma troca consensual – serão esvaziados (veja-se o 15 abaixo) e) Israel reconhecerá o princípio do direito de retorno dos refugiados. Uma Comissão Conjunta de Verdade e Reconciliação, composta por palestinos, israelesnses e historiadores internacionais estudará os fatos de 1948 e 1967 e determinará quem foi responsável por cada coisa. O refugiado, individualmente, terá a escolha de 1) repatriação para o Estado da Palestina; 2) permanência onde estiver agora, com compensação generosa; 3) retorno e reassentamento em Israel; 4) migração a outro país, com compensação generosa. O número de refugiados que retornarão ao território de Israel será fixado por acordo mútuo, entendendo-se que não se fará nada para materialmente alterar a composição demográfica da população de Israel. As polpuldas verbas necessárias para a implementação desta solução devem ser fornecidas pela comunidade internacional, no interesse da paz planetária. Isto economizaria muito do dinheiro gasto hoje militarmente e a partir de presentes dos EUA. f) A Cisjordânia, Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza constituirão uma unidade nacional. Um vínculo extra-territorial (estrada, trilho, túnel ou ponte) ligará a Cisjordânia e a Faixa de Gaza. g) Israel e Síria assinarão um acordo de paz. Israel recuará até a linha de 1967 e todos os assentamentos colonizadores das Colinas de Golã serão desmantelados. A Síria interromperá todas as atividades anti-Israel, conduzidas direta ou vicariamente. Os dois lados estabelecerão relações normais. h) De acordo com a Iniciativa Saudita de Paz, todos os membros da Liga Árabe reconhecerão Israel, e terão com Israel relações normais. Poder-se-á considerar conversações sobre uma futura União do Oriente Médio, no modelo da União Européia, possivelmente incluindo a Turquia e o Irã.
14)A unidade palestina é essencial. A paz feita só com um naco da população de nada vale. Os Estados Unidos facilitarão a reconciliação palestina e a unificação das estruturas palestinas. Para isso, os EUA terminarão com o seu boicote ao Hamas (que ganhou as últimas eleições), começarão um diálogo político com o movimento e sugerirão que Israel faça o mesmo. Os EUA respeitarão quaisquer resultados de eleições palestinas.
15)O governo dos EUA ajudará o governo de Israel a enfrentar-se com o problema dos assentamentos colonizadores. A partir de agora, os colonos terão um ano para deixar os territórios ocupados e voluntariamente voltar em troca de compensação que lhes permitirá construir seus lares dentro de Israel. Depois disso, todos os assentamentos serão esvaziados, exceto aqueles em quaisquer áreas anexadas a Israel sob o acordo de paz.
16)Eu sugiro ao Sr., como Presidente dos Estados Unidos, que venha a Israel e se dirija ao povo israelense pessoalmente, não só no pódio do parlamento, mas também num comício de massas na Praça Rabin em Tel-Aviv. O Presidente Anwar Sadat, do Egito, veio a Israel em 1977 e, ao se dirigir ao povo de Israel diretamente, mudou em tudo a atitude deles em relação à paz com o Egito. No momento, a maioria dos israelenses se sente insegura, incerta e temerosa de qualquer iniciativa ousada de paz, em parte graças a uma desconfiança de qualquer coisa que venha do lado árabe. A intervenção do Sr., neste momento crítico, poderia, literalmente, fazer milagres, ao criar a base psicológica para a paz.
(esta é uma carta aberta escrita por Uri Avnery, 85 anos, ex-deputado do Knesset, soldado que ajudou a fundar Israel em 1948 e que há décadas milita pela paz. A tradução ao português é de Idelber Avelar.)

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Somos todos GAZA

SOMOS TODOS GAZA

Acima o selo símbolo da campanha SOMOS TODOS GAZA em apoio aos PALESTINOS e sua FREEDOM PALESTINE
Esse blog tem mantido nos últimos dias um silêncio proposital em relação aos ataques Israelitas a os Palestinos. A razão é muito simples, meu sentimento em relação aos israelitas é impublicável e em momentos como esse devemos recolher, racionalizar e expulsar nossos demônios interiores chamados preconceito e discriminação.




O HOLOCAUSTO PALESTINO




Já disse aqui e algures que nessa história toda o que mais me causa mais espécime e o campo de concentração em que foi transformada Gaza, com direito a racionamento de alimento e muro separatório. Isso sim me espanta, como pode em menos de 40 anos (já que a atual política iniciou-se em 2000) um povo fazer com o outro aquilo mesmo de que fora vítima. Como é odiosa a politica Israelita de bloqueio à entrega internacional de alimentos e remédios aos habitantes de Gaza. Quatro de cada cinco habitantes de Gaza dependem dessas entregas para sobreviver. Como é odioso o apoio incondicional do governo norte-americano a essa política. Como é odioso o silêncio obsequioso das demais potencias mundiais. Como é odioso pensar que aceitamos todos calados a essa guetizização da Palestina. Esse aprisionamento compulsório de homens, mulheres, velhos e crianças. Como é odiosa a cobertura midiática que se limita a noticiar (isso quando por opção política prefere omitir-se) tamanho massacre como se fosse algo natural. Que tenta transformar em algo criminoso a legítima e necessária resistência Palestina a esse estado de coisas. Que chancela a transformação de uma ato de resistência em ato terrorista e pior utiliza essa resistência como pretexto para um maior massacre. Como é odioso esse genocídio. Aliás tão odioso como as dezenas ou centenas de genocídios diários em Africa.




Como comecei o texto querendo controlar meus demônios internos, segue abaixo uma demonstração de que um povo é múltiplo e diverso e que seus governantes não falam por todos.




Amira Haas, a jornalista israelense filha de dois sobreviventes do Holocausto que vive entre Cisjordânia e Gaza. Veja sua opinião corajosa sobre os ataques:
O departamento de defesa israelense, na segunda-feira, foi rápido em afirmar o sucesso da escalada de boicote contra Gaza: vejam, o número de foguetes qassam disparados contra Israel diminuiu. No momento em que estas linhas forem publicadas, eles já terão trazido outro axioma lógico: desde que renovamos o fornecimento de diesel, os palestinos voltaram a disparar qassams. A conclusão: continuemos com a escalada. A lógica da escalada é a essência da política do ministro da Defesa, Ehud Barak, e muitos israelenses a compram.
Barak era o primeiro ministro em setembro de 2000, quando as Forças de Defesa de Israel responderam com outra escalada a demonstrações contra o ocupante israelense jogando pedras: abriram fogo contra civis, incluindo crianças. Não surpreende que os palestinos não tenham aprendido a lição e tenham adotado eles próprios uma escalada tática. É como chegamos ao ponto em que estamos agora: foguetes caseiros de todo tipo. A resposta de Israel é mais uma escalada punitiva.
Piorar a vida de quem vive em Gaza é de uma estupidez sem tamanho.


Ps: Um pouco sobre Amira Haas


Amira Hass foi a primeira e única jornalista judia israelense a se instalar no território palestino ocupado pelas forças israelenses. Seu trabalho como correspondente do Haaretz, o principal jornal liberal do país, começou em 1993 na Faixa de Gaza. De lá foi para Ramalá. “Me chamam de correspondente para assuntos palestinos; na verdade, deviam dizer que sou especialista em ocupação israelense”, diz ela.
Uma série de reportagens e colunas escritas por Amira entre 1997 e 2002 para o Haaretz foram recolhidas no livro Crónicas de Ramala, inédito em português e publicado em espanhol pela editora Gutenberg Galaxy Madrid (2004). Os textos são um grito contra o sofrimento da guerra; expressam a opinião de uma jornalista independente e muitas vezes indignada com a dominação imposta aos palestinos por seu país. “A existência de Gaza explica toda a saga do conflito palestino-israelense”, afirma. “É a contradição do Estado de Israel: democracia para uns e exclusão para outros“.
Impedidos por lei de circular livremente, os palestinos são forçados a um regime de confinamento e toque de recolher. Tornaram-se habituados a viver em perigo constante, porque, onde quer que estejam, estão na mira de armas israelenses. Em certa ocasião, um menino, intrigado com o onipresença militar, perguntou à jornalista: “Os judeus já foram bebês como nós, ou já nascem crescidos, de uniforme e metralhadora?”
Amira nasceu em Jerusalém no ano de 1956. Estudou história na Universidade Hebraica e em Tel Aviv, recebeu prêmios do Instituto Internacional de Imprensa e da UNESCO por seu jornalismo independente e de denúncia.


Sobre o post abaixo: Polêmicas e das boas

No post abaixo em meu introtio iria citar nominalmente meu amigo e entendido de sociologia da cultura e principalmente da relação música e sociedade Daniel Martins, depois por uma questão de redação preferi reescrever o introito e retiorei a parte em que o citava como alguém que poderia dar um belo pitaco sobre o texto do Hetrz. Nem precisou citar, pois como esperado o cara fez isso mesmo. Reproduzo abaixo, o longo comentário dele a respeito do texto e depois um comentário meu e a réplica dele. Que bom que rolou uma conversa legal a partir do texto do Hertz. A resposta do Daniel
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É, realmente é um assunto polêmico... não sei até onde essa "parceria" nike/racionais pode ir... aliás, não sei quais são os termos disso... mas me lembrei imediatamente do Run DMC e da Adidas, que em meados dos anos 80 fizeram algo parecido. Os caras já usavam produtos da marca. Aí a Adidas viu a brecha e começou meio que a patrociná-los... quando se ouve os discos deles pré e pós Adidas não se percebe mudança na temática ou forma como esta é abordada.O Racionais teve, tem e terá um papel muito importante junto a periferia porque fala a língua deles, e de forma genuína. Eles são periferia. E não é periferia da Regina Casé que passa no Fantástico. Não sei se vc viu o Roda Viva com o Mano Brown. É só ouvir as palavras do cara. Pode ser que a Nike tenham mil e um motivos obscuros sob essa parceria, e não me espantaria se isso ocorresse, só não acredito que o Racionais se deixaria levar, sabe? Parece que os caras ou são ingênuos ou vendidos. Se quisessem isso teriam feito antes, na época do Diário de um Detento, com a música estourada. Os caras nunca pisaram na Globo. Quando foram na MTV receber prêmio chutaram o pau da barraca.Agora, encontros com setores do governo, ongs e afins só mostra que o Hip Hop não só abriu uma porta como passou por ela. Hoje ele é reconhecido. Se a Globo faz parceria com a CUFA, só mostra que a CUFA se fez notar. Se programas como o Fica Vivo fazem uso do Hip Hop, só mostra que o mesmo se tornou legítimo representante da periferia. Quando você ouve um MV Bill falando, vê que o cara aproveita o espaço que tem na mídia pra falar tudo o que antes ninguém queria escutar. E isso é importante. Já ouviu alguns dos grupos surgidos nesse Vozes do Morro? Tem coisas ótimas lá. Projeto do governo do Estado e Globo... O programa do Rappin Hood na Cultura é outro. Programas assim tinha apenas o Yo! MTV Raps, que passava meia-noite, na tv a cabo...Você me conhece e sabe que não defendo nem governos, globo, nike nem ninguém. Só acho que os grupos aprenderam a usar a mídia, as parcerias e afins a seu favor. Quando vejo o Hertz falar que o Hip Hop militante do Nordeste virou pó, acho exagerado. Não acredito que tenha desaparecido, justamente do Nordeste. Se olharmos para Pernambuco temos alguns dos artistas que se mostraram mais engajados nos últimos anos. Mesmo na Bahia, dominada pelo axé, encontramos coisas interessantíssimas nesse sentido. Claro que não tocam nas rádios FM mercadológicas, mas tocam onde mais é preciso que toquem: nas periferias.Concordo com muita coisa que ele fala. Aliás, fala com muita clareza. Só não consigo concordar muito com essa face Adorniana que ele apresenta. Mostrando o morador de periferia como alguém facilmente manipulável. Como ele mesmo citou, as inúmeras revoltas ocorridas a partir de periferias mostra que a coisa não é bem assim. E se ele espera que a periferia brasileira comece uma revolução a partir da periferia, via Hip Hop, acho que ele tá perdendo o bonde da história, porque acredito que essa revolução já começou.Ah, só mais uma coisa. Querendo ou não, quando um artista grava um disco, seja o Run DMC, Racionais ou o próprio Hertz, o mesmo já passa a ser inserido na lógica do capitalismo, pois colocará seu disco à venda. Estando à venda pode ser consumido por qualquer um. Sua arte se transforma em mercadoria. Querendo ou não, gostando ou não, ele é mais uma das engrenagens desse mecanismo que ele tanto critica.Nem sei mais o que escrever. Gostei muito de várias coisas que ele fala sobre a periferia, opressão, racismo e afins. Só achei que pisou na bola ao falar dos Racionais e demais grupos de Hip Hop da forma como falou. Se existe um gênero no Brasil onde a imensa maioria dos artistas se mantem fiéis a suas origens, comprometidos com a realidade de onde surgiram, esse gênero é o Hip Hop.Acho que é isso...
Daniel Martins
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Minha réplica
Só discordo de sua leitura na parte em que Voce lê a opinião dele sobre a revolução. Na minha leitura não entendo que o Hertz ache que a revolução futura se dará na periferia, para ele essa revolução já esta acontecendo, no entanto é um processo dialético, que em momentos de crise como o atual acaba por ser disputado, nesse momento é que o capital utilizará de todas as suas manhas para se manter no poder. Enfim o marxismo-leninismo em sua leitura mais clara, mas até isso achei legal pois ultimamente nem isso se faz(mesmo que discordemos da leitura especificamente leninista da obrade Marx). é nisso que vejo força no texto, qto ao fato da Nike patrocinar ou seja lá o que for os Racionais tbém não significa cooptação dos mesmos, para mim podemos fazer duas leituras: uma simbólica que o próprio Hertz fez e uma segunda (que até me interessaria mais como antropólogo) diz respeito nem sei como nominar bem isso (algo que Vc estudou) um conflito entre uma idéia de purismo (o que antropologicamente é condenável, que estudei e demonstrei em relação ao patrimônio imaterial afro-brasileiro) e uma outra não purista. Veja bem aqui o purismo não é estético, pois o próprio Hertz reconhece a importância dos Racionais e da legitimidade dos mesmos e sim eminentemente ideológica. No fundo é isso um conflito ideológico, pois se voltarmos a entrevista do Brown que Vc cita vamos perceber que Brown (por opção obviamente) é alguém que poderíamos dizer partidariamente confuso, coisa que Hertz não o é, definitivamente não o é. Hertz me lembrou os melhores momentos do pessoal do Partidão e sua visão sempre interessante e coerente da realidade.
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A tréplica do Daniel
Sobre a idéia do purismo, é extremamente complicado falar em purismo no Hip Hop pois este é um gênero que já nasce híbrido (como tantos outros). Tem raízes na Jamaica, nas ruas de Nova Iorque, chega ao Brasil onde é interpretado e adquire as cores locais. Um gênero que tem por natureza a característica de fundir elementos. No caso da música em si, basta ver a mistura que D2 faz com o samba. Se D2 já não contar muito na opinião de alguns, citemos Afrika Bambaataa em seu seminal Planet Rock onde aparece um sampler do Kraftwerk. Mistura. O Hip Hop traz isso em seu âmago. Por isso é adaptável. Por isso se adequa tão bem à diferentes realidades. Querer engessar o gênero em uma forma única só fará com que o mesmo perca o vigor. Não é atoa que o Hip Hop não se resume à música tão somente. Amplia os horizontes da expressão artística do indivíduo, permitindo que o mesmo coloque em prática suas idéias da maneira que achar melhor. Grafismos, rimas, passos... Guardadas as devidas proporções e resguardados os contextos históricos, o Hip Hop abriga hoje o "faça você mesmo" que o Punk trouxe à tona. Permite que qualquer um, em qualquer parte, expresse suas opiniões da maneira que puder e quiser.
Daniel Martins

domingo, 28 de dezembro de 2008

Polêmica e das boas

Veja abaixo, um texto do rapper Hertz. O que acham? Já adianto que adorei o texto pela polêmica que ele enseja, pelo fato de ser um dos retratos mais interessantes da nossa realidade social e sociológica (aliás como estamos, nós os cientistas sociais em geral alienados e atrasados, felizmente a periferia e parte de seus intelectuais ao contrário dos intelectuais acadêmicos não se encontram silenciados, anestesiados, perdidos ou coptados - jamais vi uma análise da realidade com tamanha profundidade nas aulas que pode assistir na graduação e na pós-graduação) e pelo fato de ter a coragem de colocar o dedo na ferida, algo que já estamos fazendo por aqui, qual seja denunciar este tal movimento social que esta mais preocupado com suas benesses e com as boquinhas nos cargos políticos-partidários do que com suas atividades fins. Têm-se assim uma inversão a atividade fim passa ser as benesses materiais pessoais e a atividade meio a manipulação dos ditos oprimidos. Isso me lembra o grande, maravilhoso filme chamado: Quanto vale ou é por quilo (grande filme de 2005). Grande texto, logicamente descordo aqui e acolá de algumas opiniões. Abaixo o texto (os grifos são nossos).
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Parceria dos Racionais com a Nike: o que a periferia tem haver com isso?P/ Hertz Dias
Acho interessante a polêmica que se construiu em torno da possível parceria Racionais/Nike e quero aproveitar o momento para lançar algumas reflexões. É indiscutível a importância que este grupo de rap teve e ainda tem para a juventude negra de todo o Brasil. Eu mesmo devo muito aos racionais pelo que eu sou hoje, inclusive em uma das músicas do cd do meu grupo rap eu falo /meus heróis eu conheci no Hip Hop não na escola/ professor desinformado deturpou minha história/ ora bolas minha senhora ver se pode? / meus primeiros professores foram racionais e GOG? (Herói de Preto é Preto).Há alguns anos atrás li um artigo, não lembro de quem, falando que o que o Hip Hop fez em menos de dez anos o que o movimento negro não conseguiu fazer em mais de vinte anos. O Hip Hop conseguiu dialogar com o setor mais oprimido, explorado e excluído da classe trabalhadora do Brasil, alias o Hip Hop é formado fundamentalmente por esse setor.E é essa resistência e capacidade de despertar a indignação da juventude negra e formar intelectuais orgânicos na periferia que a racista burguesia brasileira quer dilacerar.
Em um documento escrito há cinco anos atrás eu dizia que o Hip Hop brasileiro cresceu e se fortaleceu a margem dessa tríade capitalista e que, infelizmente, o seu enfraquecimento político é resultado da inversão desta postura. Nos últimos cincos anos acompanhamos a aparição de diversos grupos de Hip Hop na Globo, encontros com o governo Lula, inúmeros projetos com prefeituras neoliberais e parcerias com empresas multinacionais, sem contar a avalanche de ONG?s especializadas em Hip Hop que se espalharam feitos pragas por todo o Brasil. O Hip Hop militante do nordeste virou pó institucionalizado, restando poucas organizações como o Quilombo Urbano que tenta reconstruir o Hip Hop militante e revolucionário desta região.
Quem tanto denunciou a opressão contra os pretos, se calou perante a vergonhosa ocupação do Haiti liderada pelo governo Lula a mando de Bush, silenciaram também sobre as ocupações da Força de Segurança Nacional em favelas, morros e bairros majoritariamente negros em todo o país. Falo isso em termos majoritário, pois as exceções só confirmam a regra.No Maranhão chegou-se a dois absurdos emblemáticos a esse respeito: a completa ausência das ONG?s de Hip Hop e do Movimento Negro nos atos de denúncia do linchamento do artista Gero por policias militares e civis do governo de Jackson Lago e o mais recente e ridículo papel destas mesmas organizações na tentativa esvaziar e enfraquecer a 3ª marcha da periferia organizada pelo Quilombo Urbano para pressionar o Estado a estender seu braço social na periferia (quanto a isso ver matéria:Governo e CUFA Versus 3ª Marcha da Periferia).Em suma, em nosso entendimento, não é apenas financeiro o objetivo da Nike junto ao grupo Racionais, mas é acima de tudo político. Ao contrário da maioria do nosso povo, a burguesia tem consciência histórica, sabe se antecipar aos fatos, sabe se precaver. Eles sabem que as periferias de todo planeta viraram verdadeiros barris de pólvoras preste a explodir.
A França mostrou o caminho. A juventude negra e imigrante daquele país encabeçou um das maiores insurreições populares da sua recente história. Em maio de 2005 mais de quinze cidades foram paradas, inclusive Paris, e isso obrigou o governo a criar, sob o calor da insurreição, um programa de geração de emprego para aquela juventude, quando o seu objetivo era justamente inverso. Sabe qual foi à música acusada de ter insuflado aquela revolta? Isso mesmo, o rap!!! Logo em seguida o parlamento francês se viu obrigado a votar uma lei de censura a determinadas canções de rap. Veja que interessante: o Hip Hop embalando uma revolta vitoriosa da juventude das periferias francesas contra o neoliberalismo! !!. Na Grécia a também juventude de periferia está protagonizando novas e importantes revoltas populares. Esse fenômeno tende a se mundializar com a crise do capital.
Já imaginaram um Racionais, um GOG, um Facção Central, um MV Bill a frente de um processo como este. Um detalhe importante, salvo engano, acho que são poucos os países do mundo que tem uma periferia tão instável como a nossa. E a burguesia brasileira sabe que a nossas periferias respiram Hip Hop, só que eles também sabem transformar oxigênio em gás carbônico.O momento que estamos vivendo é impa. Nossa geração nunca viveu uma crise econômica do capitalismo tão profunda e grave com a atual, talvez em proporções bem maiores que a de 1929. Segundo Gramsci, é nesses momentos que a burguesia utiliza a política do ?transformismo? , isto é, na impossibilidade de atender minimamente as necessidades básicas do povo pobre, ela opta por cooptar suas principais lideranças que tentarão legitimá-la junto aos pobres. A parceria CUFA/Globo/UNICEF não é atoa, assim como será atoa a parceria Racionais/ Nike, caso se consolide. Em fim, quanto maior a crise maior será a tentativa de cooptação.Os Estados Unidos, durante o governo de Clinton, enfrentou uma crise de grandes proporções que afetou principalmente a população negra, latina e feminina daquele país e o que fez o governo? Simplesmente criou diversas ?secretarias simbólicas? com representantes desses setores, não para elaborar políticas para reverter a penalização de suas demandas sociais, mas para legitimar os ataques do governo. Entretanto, a questão, a saber, é até onde eles podem ir? Pois, as crises pressupõem também escassez de recursos e de fato muitas ONG?s estão quebrando em decorrência dela. Essa é a sinuca de bico que a periferia e seus organismos políticos se encontram afinal.
Assim que Lula assumiu, o intelectual e militante de esquerda, James Petras, anunciava que havia dois setores fundamentais que FHC não conseguiu controlar definitivamente durante o seu governo: um era os sem-terras e o outro era os favelados. Palmas para Lula!!!. A questão da reforma agrária simplesmente saiu da pauta, o MST recuou como nunca. No Maranhão estão mobilizando suas bases sociais em favor do corrupto e pró- agronegócio governo de Jackson Lago , mas não estiveram juntos aos professores na época que estes estiveram em uma heróica greve contra esse mesmo governo. Por outro lado, a política de assentamento do governo Lula é tão ridícula quanto à de FHC, mais de 90% do crédito agrário deste governo vai para o agronegócio, enquanto os pequenos agricultores endividam-se.Em relação aos favelados, ao mesmo tempo em que o governo bate (com o fortalecimento do Estado policial) ele assopra (com o financiamento de ONG?s de Hip Hop). Infelizmente, a mais importante força política da periferia, ou seja, o Hip Hop é uma das principais vitimas do ?transformismo? da burguesia na atualidade.É preciso Recompor as ForçasO Racionais já cumpriu seu papel político; despertou a consciência crítica de milhões de jovens negros e pobres deste país, o que não os isentam de críticas. Que eles optem entre viver de cabeça erguida com a periferia ou morrer de joelhos dobrados perante a burguesia.Para a periferia o que está em jogo no momento é sua sobrevivência política. Tanto nós quanto o capital precisam recompor suas forças diante da crise e só um conseguirá ser exitoso. Para a burguesia, resta aumentar a exploração sobre os pobres, destruir direitos sociais, pressionar o governo a desviar verbas públicas para o setor privado e como remédio letal mais polícia para a periferia.Segundo dados da própria ONU, o dinheiro que já foi desviado dos cofres públicos para salvar capitalistas falidos só durante essa crise daria para resolver o problema da fome em todo mundo por 16 vezes. No Brasil Lula já injetou mais 360 bilhões de reais para salvar banqueiros, latifundiário e demais capitalistas falidos, enquanto que na educação já promoveu um corte de quase mais de 2 bilhões de reais.A saída da crise para a burguesia significará mais barbárie capitalista para a periferia.
Não é atoa que no congresso está tramitando um projeto que autoriza as forças policias a adentrarem em qualquer casa sem mandato de busca. É evidente que isso já acontece na velha perifa, mas caso o projeto seja aprovado isso ocorrerá com mais freqüência. Esse é só mais um projeto de criminalização da pobreza que se ampliará com a crise.Para a periferia e a classe trabalhadora em seu conjunto está colocada à possibilidade histórica de ruptura com o capital, não haverá saída por dentro das estruturas..E para isso não nos resta outra saída a não ser organização política e coletiva. Como diz o rapper P.R.C. do Quilombo Urbano o coletivo é o bem maior/ antes junto do que só?. Que as organizações de Hip Hop retornem as suas bases sociais com urgência, que transformem suas ONG?s em movimentos sócio-políticos independente dos governos e do capital, pois as ONG?s nada mais é do que o braço solidário do imperialismo para ganhar as bases sociais dos movimentos revolucionários para o Estado. Que os grupos de rap de ponta sejam mais solidários com a periferia de fato, na ação cotidiana e não só nas músicas. Que compreendam que são menores que as necessidades coletivas da periferia.Permitir que os negros desabafassem culturalmente suas angustias, era a tática defendida nos sermões do reacionário Padre Antônio Vieira durante a escravidão, pois ele, sabiamente, acreditava que assim a possibilidade de revolta escrava seria bem menor. Será mesmo que o Hip Hop vai ser esse remédio terapêutico que o capitalismo tanto precisa nesse momento de crise para evitar que a bomba ?H? (humana) da periferia exploda em suas mão, eu particularmente espero que não.É importante que entendamos que a periferia é bem maior que nossos amigos da ?Vida Loka? e que cada decisão tomada a partir de agora é como se estivéssemos aos 45 do segundo. Se seremos salvos e perdoados é outro assunto, porém não podemos deixar que nossos sonhos coletivos sejam crucificados por nomes estrangeiros que estão em nosso meio pra matar, M.E.R.D.A.?
São Luís-Maranhão- Brasil 20 de Dezembro de 2008.
Hertz é militante do Movimento Hip Hop ?Quilombo Urbano?, vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha.

A Dama da Viola

Mantendo a tradição das férias, iniciamos mais uma rodada de pseudo-crítica sobre os grandes da música brasileira. Nos anos passados nos dedicamos a chamada black music brasileira ou soul brasileira tão bem definida por Sandra de Sá como MPB- Música Preta Brasileira. Agora mudamos um pouco de foco e passamos a focar a Dama da Viola, a grande Helena Meirelles.


Helena Meirelles nasceu numa sexta-feira, dia 13 de agosto (que data cabalística hein) do ano de 1924 e faleceu aos 81 anos em 2005, de uma pneumonia aguda. Helena Meirelles nasceu no Pantanal e foi uma exímia artista da viola pantaneira. Analfabeta como as moças pantaneiras era autodidata e começou tocar a viola, instrumento que a consagraria internacionalmente, aos 9 anos de vida. Isso as escondidas, já que seu pai não aceitava uma mulher artista na família. Algo considerado desabonador e não recomendável para moças casaidoras.


Desobedecendo ao pai, Helena Meirelles acompanhava as reuniões de violeiros e tocava nas festas pantaneiras e bailes. Consta que um dia seu pai prometera cortar seus dedos se novamente a pegasse tocando. Meirelles conhecendo o pai que tinha preferiu não pagar para ver e resolveu sair de casa, foi parteira, benzedeira, empregada doméstica e paralelamente continuava compondo e tocando. Para sobreviver foi ser cantora e violeira de Bordel. Paralelamente a atividade artística era mãe, consta que pariu sozinha seus 11 filhos. No campo familiar todas essas agruras acabou por separar Helena Meirelles de sua família, a frente de seu tempo foi casada (juntada 3 vezes sem nunca aceitar submeter-se a seus maridos opressores) só os reencontrando já nos anos 90 do século passado.


Foi descoberta pelo grande público somente após os 60 anos de idade (quando foi apresentada ao grande público por outra grande artista do cancioneiro brasileiro, Inezita Barroso), se tornando posteriormente referência no cancioneiro popular e é a única brasileira entre os 100 nomes da guitarra de todos os tempos, eleitos pela revista norte-americana Guitar Player. Para entender melhor essa história devemos voltar ao inicio dos anos 90, quando um sobrinho de Meirelles encaminhou para lendária Revista Guitar Player uma fita demo da tia. O destino de Meirelles estava ali selado, devido a sua qualidade de instrumentista ganhou matéria nessa revista e o prêmio Spot Light Artist. Já no fim dos anos 90 naquela onda dos melhores de todos os tempos, a Guitar Player elegeu sua lista de 100 nomes da guitarra de todos os tempos, e o único brasileira da lista foi ela Helena Meirelles e sua Viola Pantaneira.


Meirelles gravaria seu primeiro disco somente aos 69 anos, tal qual Cartola gravou seu primeiro e maravilhoso disco de forma bastante tardia. Lançou ao todo 4 álbuns: Helena Meirelles (1994), Flor de Guavira (1996), Raiz Pantaneira (1997) e De Volta ao Pantanal (2003). Existem dois filmes a respeito da grande Helena Meirelles: A Dama da Viola (2004), e o documentário Dona Helena. Um viva a Helena Meirelles comparada pela Player a Keith Richards e ele, Eric Clapton entre outros grandes.

Confira aqui a genialidade de Helena Meirelles http://www.youtube.com/watch?v=RiU4Fg4Vbg0 e aqui http://www.youtube.com/watch?v=VUm4CXoMlr4

Ps: iria colocar o próprio vídeo, mas não sei o que ocorre, só sei que não consigo mais compartilhar os vídeos do Youtube aqui com o blog, apesar de ser inscrito em ambos e seguir todas as instruções do site...modernidades.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Quando a idéia de Mulato ainda é usada como forma elogiosa, eis que - Parte III

Que bom que a experiência prática tem levado a reflexões tão seguras e maduras, quantas as relatadas abaixo pelo Meritissimo Juiz de Direito Willian Douglas. Me lembro, quando Eu já favorável as cotas fui convidado por uma querida colega e amiga para conhecer o Educafro, Ong na qual ela atuava. Fo paixão de primeira e como foi bom na medida do meu tempo escasso ter podido junto com ela e outros tantos participar dessa experiência em Minas. De poder sentir atuando em uma experiência já vitoriosa no Rio de Janeiro e em S. Paulo. Lembro-me que naqueles anos, entre fins de 2001 e 2002 o Educafro em Minas era apenas uma semente, já frutífera (bem me lembro), mas apenas uma semente no bairro São José e que graças ao trabalho sério de pessoas como a minha amiga Dani, do Sérgio, dos freis franciscanos e posteriormente da ajuda vinda do Colégio Santo Antônio, o Educafro foi crescendo, crescendo. Me lembro que por motivos profissionais e acadêmicos (motivos de tempo que fiquem claro) acabei tendo que me afastar mas ainda assim acompanhando por e-mails e em datas festivas as vitórias do Educarfro e de seus alunos. Anos mais tarde já sob a batuta de outra colega, a Paulinha (que aliás havia indicado ao Educafro devido sua sede de justiça e vontade de trabalhar com a nossa questão da afro-descedência) e a Danielle pode pessoalmente ver o tanto que o EDUCAFRO havia fortificado e produzido frutos. Lembro-me da grata surpresa ao chegar ao Encontro anual do Educafro em Betim (encontro este que frequentei durante pelo menos uns 4 anos) desta vez na condição de um convidado palestrante (e aqui digo cheio de orgulho, já que nesse caso representava tanto a fortificação do Educafro, quanto minha fortificação pessoal, pois que nessa época já era um pós-graduando e interessado em estudar as questões afro-descendentes) e perceber que o Educafro Minas era uma realidade em todas as regiões do Estado. Me lembro o quão bom foi conversar com pessoas do centro-oeste mineiro, do triangulo, do sul, do campo das vertentes, da zona da mata e saber os resultados auspiciosos destes cursinhos. Enfim ler esse texto foi muito feliz e oportuno e me permitiu relembrar momentos tão bons como esse e de público agradecer aos que permitiram esse momento rico: Dani e Sérgio e render homenagem nas pessoas da Paulinha e da Danielle que continuam tão bonita trajetória. Carlos Eduardo, mestre em Antropologia, negro, professor e militante das Açoes Afirmativas e Cidadãs para as minorias sejam elas raciais, econômicas, religiosas, de origem de opção sexual e ideológicas.
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Juiz Federal muda opinião sobre cotas para negros (as)

William Douglas, juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF),
especialista em Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ),
professor e escritor, caucasiano e de olhos azuis.

Roberto Lyra, Promotor de Justiça, um dos autores do Código Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos colegas de Ministério Público que "antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia". Gênio, visionário e à frente de seu tempo, Lyra informava que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação.

Quem procurar meus artigos, verá que no início era contra as cotas para negros, defendendo – com boas razões, eu creio – que seria mais razoável e menos complicado reservá-las apenas para os oriundos de escolas públicas. Escrevo hoje para dizer que não penso mais assim. As cotas para negros também devem existir. E digo mais: a urgência de sua consolidação e aperfeiçoamento é extraordinária. Embora juiz federal, não me valerei de argumentos jurídicos. A Constituição da República é pródiga em planos de igualdade, de correção de injustiças, de construção de uma sociedade mais justa. Quem quiser, nela encontrará todos os fundamentos que precisa. A Constituição de 1988 pode ser usada como se queira, mas me parece evidente que a sua intenção é, de fato, tornar esse país melhor e mais decente. Desde sempre as leis reservaram privilégios para os abastados, não sendo de se exasperarem as classes dominantes se, umas poucas vezes ao menos, sesmarias, capitanias hereditárias, cartórios e financiamentos se dirigirem aos mais necessitados. Não me valerei de argumentos técnicos nem jurídicos dado que ambos os lados os têm em boa monta, e o valor pessoal e a competência dos contendores desse assunto comprovam que há gente de bem, capaz, bem intencionada, honesta e com bons fundamentos dos dois lados da cerca: os que querem as cotas para negros, e os que a rejeitam, todos com bons argumentos.

Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, "guru dos concursos" e qualquer outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas. E meu melhor argumento para isso é aquele que me convenceu a trocar de lado: "passar um dia na cadeia". Professor de técnicas de estudo, há nove anos venho fazendo palestras gratuitas sobre como passar no vestibular para a EDUCAFRO, pré-vestibular para negros e carentes. Mesmo sendo, por ideologia, contra um pré-vestibular "para negros", aceitei convite para aulas como voluntário naquela ONG por entender que isso seria uma contribuição que poderia ajudar, ou seja, aulas, doação de livros, incentivo. Sempre foi complicado chegar lá e dizer minha antiga opinião contra cotas para negros, mas fazia minha parte com as aulas e livros. E nessa convivência fui descobrindo que se ser pobre é um problema, ser pobre e negro é um problema maior ainda. Meu pai foi lavrador até seus 19 anos, minha mãe operária de "chão de fábrica", fui pobre quando menino, remediado quando adolescente. Nada foi fácil, e não cheguei a juiz federal, a 350.000 livros vendidos e a fazer palestras para mais de 750.000 pessoas por um caminho curto, nem fácil. Sei o que é não ter dinheiro, nem portas, nem espaço. Mas tive heróis que me abriram a picada nesse matagal onde passei. E conheço outros heróis, negros, que chegaram longe, como Benedito Gonçalves, Ministro do STJ, Angelina Siqueira, juíza federal. Conheço vários heróis, negros, do Supremo à portaria de meu prédio.

Apenas não acho que temos que exigir heroísmo de cada menino pobre e negro desse país. Minha filha, loura e de olhos claros, estuda há três anos num colégio onde não há um aluno negro sequer, onde há brinquedos, professores bem remunerados, aulas de tudo; sua similar negra, filha de minha empregada, e com a mesma idade, entrou na escola esse ano, escola sem professores, sem carteiras, com banheiro quebrado. Minha filha tem psicóloga para ajudar a lidar com a separação dos pais, foi à Disney, tem aulas de Ballet. A outra, nada, tem um quintal de barro, viagens mais curtas. A filha da empregada, que ajudo quanto posso, visitou minha casa e saiu com o sonho de ter seu próprio quarto, coisa que lhe passou na cabeça quando viu o quarto de minha filha, lindo, decorado, com armário inundado de roupas de princesa. Toda menina é uma princesa, mas há poucas das princesas negras com vestidos compatíveis, e armários, e escolas compatíveis, nesse país imenso. A princesa negra disse para sua mãe que iria orar para Deus pedindo um quarto só para ela, e eu me incomodei por lembrar que Deus ainda insiste em que usemos nossas mãos humanas para fazer Sua Justiça. Sei que Deus espera que eu, seu filho, ajude nesse assunto. E se não cresse em Deus como creio, saberia que com ou sem um ser divino nessa história, esse assunto não está bem resolvido. O assunto demanda de todos nós uma posição consistente, uma que não se prenda apenas à teorias e comece a resolver logo os fatos do cotidiano: faltam quartos e escolas boas para as princesas negras, e também para os príncipes dessa cor de pele. Não que tenha nada contra o bem estar da minha menina: os avós e os pais dela deram (e dão) muito duro para ela ter isso. Apenas não acho justo nem honesto que lá na frente, daqui a uma década de desigualdade, ambas sejam exigidas da mesma forma. Eu direi para minha filha que a sua similar mais pobre deve ter alguma contrapartida para entrar na faculdade. Não seria igualdade nem honesto tratar as duas da mesma forma só ao completarem quinze anos, mas sim uma desmesurada e cruel maldade, para não escolher palavras mais adequadas. Não se diga que possamos deixar isso para ser resolvido só no ensino fundamental e médio. É quase como não fazer nada e dizer que tudo se resolverá um dia, aos poucos. Já estamos com duzentos anos de espera por dias mais igualitários. Os pobres sempre foram tratados à margem. O caso é urgente: vamos enfrentar o problema no ensino fundamental, médio, cotas, universidade, distribuição de renda, tributação mais justa e assim por diante. Não podemos adiar nada, nem aguardar nem um pouco. Foi vendo meninos e meninas negros, e negros e pobres, tentando uma chance, sofrendo, brilhando nos olhos uma esperança incômoda diante de tantas agruras, que fui mudando minha opinião. Não foram argumentos jurídicos, embora eu os conheça, foi passar não um, mas vários "dias na cadeia". Na cadeia deles, os pobres, lugar de onde vieram meus pais, de um lugar que experimentei um pouco só quando mais moço. De onde eles vêm, as cotas fazem todo sentido. Se alguém discorda das cotas, me perdoe, mas não devem fazê-lo olhando os livros e teses, ou seus temores. Livros, teses, doutrinas e leis servem a qualquer coisa, até ao nazismo. Temores apenas toldam a visão serena. Para quem é contra, com respeito, recomendo um dia "na cadeia". Um dia de palestra para quatro mil pobres, brancos e negros, onde se vê a esperança tomar forma e precisar de ajuda. Convido todos que são contra as cotas a passar conosco, brancos e negros, uma tarde num cursinho pré-vestibular para quem não tem pão, passagem, escola, psicólogo, cursinho de inglês, ballet, nem coisa parecida, inclusive professores de todas as matérias no ensino médio.

Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que freqüenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa "passar um dia na cadeia" antes de firmar uma posição coerente não com as teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país. Com nossa realidade urgente. Nada me convenceu, amigos, senão a realidade, senão os meninos e meninas querendo estudar ao invés de qualquer outra coisa, querendo vencer, querendo uma chance. Ah, sim, "os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível", conheço esse argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua média de notas é maior, e menor a média de faltas do que a de quem nunca precisou das cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas precisamos dar chance para todos. Precisamos confirmar as cotas para negros e para os oriundos da escola pública. Temos que podermos considerar não apenas os deficientes físicos (o que todo mundo aceita), mas também os econômicos, e dar a eles uma oportunidade de igualdade, uma contrapartida para caminharem com seus co-irmãos de raça (humana) e seus concidadãos, de um país que se quer solidário, igualitário, plural e democrático. Não podemos ter tanta paciência para resolver a discriminação racial que existe na prática: vamos dar saltos ao invés de rastejar em direção a políticas afirmativas de uma nova realidade. Se você não concorda, respeito, mas só se você passar um dia conosco "na cadeia". Vendo e sentindo o que você verá e sentirá naquele meio, ou você sairá concordando conosco, ou ao menos sem tanta convicção contra o que estamos querendo: igualdade de oportunidades, ou ao menos uma chance. Não para minha filha, ou a sua, elas não precisarão ser heroínas e nós já conseguimos para elas uma estrada. Queremos um caminho para passar quem não está tendo chance alguma, ao menos chance honesta. Daqui a alguns poucos anos, se vierem as cotas, a realidade será outra. Uma melhor. E queremos você conosco nessa história. Não creio que esse mundo seja seguro para minha filha, que tem tudo, se ele não for ao menos um pouco mais justo para com os filhos dos outros, que talvez não tenham tido minha sorte. Talvez seus filhos tenham tudo, mas tudo não basta se os filhos dos outros não tiverem alguma coisa. Seja como for, por ideal, egoísmo (de proteger o mundo onde vão morar nossos filhos), ou por passar alguns dias por ano "na cadeia" com meninos pobres, negros, amarelos, pardos, brancos, é que aposto meus olhos azuis dizendo que precisamos das cotas, agora. E, claro, financiar os meninos pobres, negros, pardos, amarelos e brancos, para que estudem e pelo conhecimento mudem sua história, e a do nosso país comum, pois, afinal de contas, moraremos todos naquilo que estamos construindo.

Então, como diria Roberto Lyra, em uma de suas falas, "O sol nascerá para todos. Todos dirão – nós – e não – eu. E amarão ao próximo por amor próprio. Cada um repetirá: possuo o que dei. Curvemo-nos ante a aurora da verdade dita pela beleza, da justiça expressa pelo amor."
Justiça expressa pelo amor e pela experiência, não pelas teses. As cotas são justas, honestas, solidárias, necessárias. E, mais que tudo, urgentes. Ou fique a favor, ou pelo menos visite a cadeia.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Níver

Comemoramos hoje, 26 dedezembro os 14 messes do nosso Ilê Axé. E com esse post comemorativo atingimos o post de número 405. Por tudo isso e em comemoração, o Abanjá esta de roupa nova, cores novas e elementos novos e espero de enérgias renovadas para os próximos 14,28,56 meses e ... provavelmente nos próximos dias teremos aqui alguma respectiva de textos que mais me agradaram. Enfim mais uma comemoração nessa semana festiva.

Quando a idéia de Mulato ainda é usada como forma elogiosa, eis que - Parte II

Abaixo um dos postes mais interessante, por que claro, direto e em uma linguagem simples para os não estudiosos do tema; mas principalemente por ser elucidativo sobre o racismo a brasileira e suas características principais. Algo aliás que a psicologia social em sua vertente sobre estudos raciais vem tratando com grande perspicácia. Bom fiquem abaixo com o ótimo post (os grifos são meus). Do blog Liberal, Libertário e Libertino: http://www.interney.net/blogs/lll/?cat=2280
A Invisibilidade do Racismo
Recentemente, falei dos brancos que acham que não tem raça e dos que gritam racismo reverso sempre que os negros tentam levantar o queixo. Agora, alguns exemplos. Na verdade, são tantos que é até fastidioso listar. O Marcus chamou minha atenção para esse tópico do Orkut, onde um aluno questiona porque o comercial de sua escola não mostra nenhum aluno negro:
Por que não aparecem alunos negros nos comerciais do energia??? os comerciais não tem que ser direcionados a todas classes e raças???
De 18 pessoas que responderam, só 3 manifestaram apoio ao autor do questionamento inicial, sendo que um deles ainda aponta:
Levando em consideração que um dos professores do colégio é o Wander, que cita em sua página livro que duvida do Holocausto judeu, o seu tópico faz todo o sentido!
O racismo brasileiro é pior que o americano justamente por ser hegemônico e, portanto, invisível. Nos EUA, o discurso do racismo era escancarado e o seu contra-discurso também. No Brasil, o racismo é tão hegemônico e naturalizado que ele nem precisa de um discurso racista para se manter. Na verdade, ele se mantém melhor por não ter esse discurso. A falta do discurso racista torna as práticas racistas invisíveis (mas não menos opressivas) e tiram a legitimidade de qualquer contra-discurso: "Do que você está reclamando, meu filho? Pare de criar caso... O Brasil não é racista, nunca tivemos leis segregacionais, VOCÊ é que está sendo racista de falar nisso..."
Abaixo, exemplos tirados do tópico do Orkut:
Só mostrar brancos não quer dizer que a escola só é pra eles... assim o preconceituoso está sendo vc. Ngm nem repara mais nessas coisas, só quem tem preconceito e fica querendo "igualdade" até nisso,
sendo que se pensar bem, a igualdade vai pela lógica de que o comercial representou a maioria que é branca.
Que absurdo ficar reparando na etnia das pessoas em um comercial. É esse tipo de atitude que leva o preconceito racial adiante! [nota do Alex: pela foto, essa pessoa é negra ou, pelo menos, seria considerada negra em Santa Catarina, onde fica a escola. Sua última frase foi "apoiada" pela maioria dos participantes.]Concordo com vc Ricardo,nem reparei nisso!Pra que ficar reparando"Lá não tem negro,xii o neguinho tah sendo reprovado..."PLESE
criem cotas para negros em comerciais! Ja tem até em universidade...
Como falaram, mostraram alguns alunos (na real a maioria das pessoas nem reparou nisso só vc)
Gente é só um comercial, e os negros agora antes de ir estudar em uma escola, vão ter ver as propagandas que foram feitas pra escolher o colégio em que vão estudar se tiver uma propaganda com negros tudo bem, se não tiver não vai estudar lá, me poupe, e outra coisa o racismo estão vindo de vcs que ficam achando defeito nos comerciais, não tem mais o que fazer do que fica achando defeito. Não importa a cor da pessoa que ta fazendo a propaganda pois tudos que querem podem estudar no energia, mas são pessoas como vcs que levam o preconceito a diante se vcs pensassem um pouco antes de falar uma coisa dessas.pensem bem antes de falar só um conselho!!!! ME POUPE
Nem reparei nisso..até por que o simples fato de criar um topico só para alertar sobre isso é um tipo de rascismo e preconceito.
Podemos dizer que se o Energia colocasse somente UM negro tambem iriam complicar e dizer que estava sendo um fato de simples "obrigaçao".Pessoas como o criador do tópico não tem o que fazer mesmo.Acho que o preconceito esta dentro de você qeriiiido.Tome cuiiidado com isso
Eu sou negão e não me incomodo de nenhum aparecer
Eu também não vi índios e orientais nos comerciais.
Nem mongóis! Já no orkut..

Para quem faz parte da maioria dominante, a desigualdade é natural. Para eles, um anúncio de escola só com alunos brancos é a coisa mais normal do mundo, algo que eles nem reparam. Anormal, anti-natural, incômodo é quando alguém aponta que essa situação não é nem normal, nem natural e que é muito incômoda para quem foi suprimido. Aí, a reação é imediata:
"nós nem estávamos pensando em termos de raça, estávamos muito felizes no nosso mundo sem raça, onde todos são indivíduos iguais, e você é que veio falar de raça pela primeira vez, você é que levantou o assunto, você é que é o racista!"
De acordo com suas declarações, os jovens acima vivem em uma sociedade justa e meritocrática. Não pensam em raça porque isso não é necessário. No anúncio da escola, não aparecem nem brancos nem negros, só pessoas, só alunos. Sua raça é irrelevante. Quem faz o racismo existir (ou seja, antes ele não existia) são as pessoas que apontam e verbalizam a desigualdade racial - não as pessoas que a criaram ou que se beneficiam dela. O racismo não é a ação de fazer um anúncio sem negros ou a percepção disso como normal, mas sim a articulação desse fato como um problema. Se os racistas somente parassem de falar de raça, poderíamos todos viver no paraíso racial meritocrático de novo, como sempre foi.
Eu gostaria de fazer um teste com esses adolescentes: refilmar o mesmo anúncio da escola, mas só com alunos negros. Ou asiáticos. Será que eles também não iriam perceber? Ou será que dessa vez o "conteúdo racial" do anúncio lhes saltaria aos olhos?
* * *
Opinou o leitor Homero, sobre a polêmica das camisas "100% Negro" e "100% Branco":
Eu já tinha ouvido essa argumentação de que uma camisa 100% Negro é diferente de uma camisa 100% Branco. Talvez nunca de forma tão elegante e articulada como você escreveu, mas já conhecia o argumento. Infelizmente o argumento ainda não me convenceu.... No momento em que as estatísticas começam a classificar as pessoas por raça (essa abstração mal definida) a sociedade está abrindo as portas do racismo? No momento em que a cor da pele é o fator definidor do bem-estar, a mentalidade racista se instalou?
Alguém acha mesmo que as portas do racismo já não estão abertas? Que a mentalidade racista já não está instalada? Que o racismo não se instala no Brasil até que uns negros (agressivos ou se fazendo de vítima) começam a usar camisas "100% Negro" e falar em cotas universitárias? Que foi NESSE MOMENTO que a mentalidade racista se instalou? Sério mesmo?
A mentalidade racista está instalada (e muito confortável, obrigado) desde que se escravizou o primeiro índio. As portas do racismo nunca estiveram nem entreabertas: estão escancaradas há 500 anos.
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Naturalmente, só não repara no racismo quem se beneficia dele. Quem sofre seu peso todos os dias sabe bem do que se trata. O racismo é como se fosse um Contrato Social (na verdade, um Contrato Racial) no qual os membros da raça dominante formam um acordo tácito de, ao mesmo tempo em que garantem para si a maior parte das riquezas/oportunidades/etc da sociedade, também consentem em não ver o próprio sistema, criando assim a "alucinação consensual" de um mundo sem raças, meritocrático e igualitário, que passa a mediar sua interpretação da realidade. Nem todos os brancos são signatários do Contrato Racial, mas todos são beneficiários. (Mills, 11)
Numa sociedade racialmente estruturada e profundamente desigual, as únicas pessoas que são psicologicamente capazes de negar a centralidade do racismo são justamente aquelas que pertencem à raça privilegiada: a raça, para eles, torna-se invisível porque o mundo é estruturado em função deles; eles são a norma em oposição a qual são medidas as pessoas de outras raças ("esses outros tem raça, não eu!"). Assim como o peixe não vê a água, os membros da raça dominante não vêem o racismo. (Mills, 76) Desse modo, como citei ontem, é possível que os membros do sindicato dos ferroviários, sinceramente e de boa fé, neguem acesso aos negros ao comitê de práticas raciais porque eles eram "representantes de uma raça", sem nunca se dar conta de que eles também tinham raça e que também representavam os interesses dela. Pra eles, quem tem raça é sempre o outro.
Em uma sociedade racista e desigual como o Brasil, afirmar não ver raça, não ligar pra raça, que raças não existem, que isso não tem importância, "que besteira você se importar com isso", etc, significa na prática tomar partido racialmente ao se aliar com a hegemonia invisível que *precisa* desse tipo de negação para sobreviver e prosperar.
Não existe neutralidade possível: negar raça já é uma afirmação política que te coloca em um dos lados bem definidos de uma briga antiga. Negar raça já é intrinsecamente racista.

* * *
The Racial Contract, de Charles W. Mills, é com certeza o meu livro do ano de 2008. Existem alguns resumos na internet que dão uma boa idéia do conteúdo. Recomendo enfaticamente.
The Racial Contract - página oficial
Should the Racial Contract replace the Social Contract? - uma resenha
Guia de leitura dos capítulos I, II e III

Quando a idéia de Mulato ainda é usada como forma elogiosa, eis que - Parte I

Olha ai, como curiosidade, ou como informação, ou como constatação do racismo e do preconceito...sei lá, mas Vc sabia dos filhos mulato de Jefferson(aqueles fruto do casamento de dois animais de espécies diferentes que origina um terceiro estereo, a mula...pensei em escrever isso para o imbecil do senador eleito por Góias ...mas para que total perda de tempo). Dica do blog: http://pedrodoria.com.br/

26/December/2008 · 5:04 ·

Em muitos pontos, as histórias de Brasil e Estados Unidos se cruzam. Nações escravagistas, homogêneas, que não se fragmentaram como aconteceu com a América Espanhola. Há diferenças, também: brancos e negros não se misturaram nos EUA enquanto, no Brasil, somos todos mestiços.
O mito é bom – mas não corresponde à realidade.
Aqueles senhores de escravos da Virgínia, donos de grandes fazendas quase falidas nos mil e setecentos, não eram assim tão diferentes dos senhores de escravos em Pernambuco, também donos de grandes fazendas quase falidas no mesmo período. Os irmãos escravos John e Sally Hemings, por exemplo, eram filhos de uma escrava negra e seu senhor, John Wayles.
Mesmo filhos, não deixaram de ser escravos.
Quando John morreu, sua filha Martha herdou seus meios-irmãos. Martha era casada com Thomas Jefferson. E, quando Martha morreu ainda jovem, Sally, sua meia-irmã mulata, transformou-se em companheira de Jefferson – uma companheira jamais assumida de todo, mas também nunca negada, com quem o terceiro presidente dos EUA, autor de sua Declaração de Independência, teve cinco filhos – quatro homens, uma mulher.
A história é conhecida mas jamais foi contada por completo até agora, que saiu o livro
Thomas Jefferson e Sally Hemings, da historiadora Annette Gordon-Reed. É ela nesta entrevista à Amazon:
Como era a relação de Jefferson com os filhos que teve com Sally Hemings? E que tipo de vida tiveram os filhos após a morte dele?
Este foi um dos aspectos mais interessantes da pesquisa. Há uma série de cartas escritas por Jefferson para o gerente de sua propriedade em Bedford County, onde ele passou muito tempo em seus anos de aposentadoria. Nas cartas, ele anuncia que está para chegar. Escreve coisas como ‘Johnny Hemings e seus dois assistentes vêm comigo’ e, dependendo do ano, seus assistentes eram seus filhos Beverley e Madison Hemings ou Madison e Eston Hemings. Lá, John, Beverley, Madison e Eston trabalhavam na casa onde tanto Jefferson quanto eles dormiam. Eles ficavam lá, juntos, isolados, às vezes por semanas a fio. Jefferson, que se considerava bom carpinteiro, passava muito tempo trabalhando com John Hemings e, neste processo, passava tempo com seus filhos, que eram aprendizes de John. Madison Hemings escreveu que Jefferson era cordial com ele e seus irmãos, como era com todos a sua volta, mas que jamais teve a relação carinhosa que dedicava a seus netos legítimos. Ainda assim, todos seus filhos com Sally aprenderam o violino, que o próprio Jefferson tocava, e pelo menos um – Eston – se transformou em músico profissional. Sempre que se apresentava, ele tocava uma música em particular, que era a favorita de Jefferson. Temos menos informação a respeito de sua relação com Harriet, a filha. Ele a enviou para longe quando ela tinha 21 anos com o que seria, atualmente, 900 dólares, para viver com seu irmão Beverley.
É importante destacar que nenhum deles era identificado como servente. Seus filhos foram treinados para serem os profissionais que Jefferson mais admirava: construtores, carpinteiros, e a filha aprendeu costura. Naquela época, era algo que mulheres de todas as raças e classes aprendiam. Harriet Hemings jamais se tornou ama das netas legítimas de Jefferson, que teria sido o caminho natural para uma escrava. Os Hemings foram treinados para deixarem de ser escravos. Beverley e Harriet deixaram a residência de Jefferson na condição de brancos, se casaram com brancos, e sumiram do mapa, embora mantivessem algum contato com a família. Quando Jefferson morreu, Madison e Eston, que foram libertados em seu testamento, levaram sua mãe para a cidade de Carlottesville. Foram listados como brancos livres no censo de 1830 e mulatos livres no censo de 1833. Após a morte de sua mãe, Madison deixou a Virgínia para Ohio, e Eston se juntou a ele depois. Em algum ponto, Eston decidiu que dava muito trabalho viver como negro, se mudou para Wisconsin, e adotou o nome E. H. Jefferson. Ele teve filhos e a todos deu o nome Jefferson. Jamais afirmou que era descendente do presidente porque, caso o fizesse, teria que admitir ancestralidade negra, o que teria tirado de seus filhos as oportunidades que teriam na condição de brancos.
Jefferson é o mais fascinante dentre os criadores do sonho americano. Com Benjamin Franklin e Alexander Hamilton, está entre os mais intelectualizados. Mas Franklin era um cínico sarcástico e Hamilton, um elitista, desconfiava de poder demais nas mãos do povo. Ninguém, dentre aquele grupo, acreditava mais nos ideais iluministas do que Jefferson. Ninguém argumentou pela igualdade dos homens como Jefferson. Jefferson acreditava tanto na sabedoria do povo, diga-se, que recomendava ao país que ajudou a fundar um estado de revolução permanente, para que nenhum grupo jamais se firmasse no poder.
Ainda assim, Jefferson foi senhor de escravos. George Washington, que não tinha brilho ou mesmo ideais, um personagem pragmático e desinteressante, senhor de terras em Virgínia como Jefferson, ao menos libertou todos os seus em testamento. Jefferson, o homem de idéias tão puras a respeito da igualdade e da democracia, o anti-elitista por excelência, passou a vida evitando encarar a incoerência da escravidão. Deixou escravos para seus filhos legítimos como herança. Quando pressionado, sugeria que este seria um problema para ser resolvido no futuro. Jamais o enfrentou, mesmo quando teve muito poder nas mãos. Considerava-se um senhor generoso, incapaz de ser ríspido com os servos; mas punha nota no jornal com anúncio de prêmio, como todos seus pares, se um acaso fugisse. E a recuperação dos fugidos era sempre cruel, caçada a bicho. Não era racista para os padrões do tempo; mas deixou escrito que considerava o homem negro menos inteligente do que o branco. Assim como escreveu que brancos e negros não deviam ter filhos juntos para não degradar a raça.
Em que, afinal, acreditava? Escrevia hipocritamente para a aprovação de seus vizinhos? Acreditava mas era incapaz de cumprir?
Logo após sua viuvez, quando viveu na França na condição de embaixador dos EUA, década e meia antes de tornar-se presidente, teve uma relação intensa, talvez nunca consumada, mas profundamente apaixonada, com uma aristocrata italiana. Sua relação com Sally durou tantas décadas e deixou tantos filhos. Martha Wayles, a italiana platônica e Sally foram as principais mulheres de sua vida. Sally a que por mais anos esteve ao seu lado.
Em menos de um mês, um homem negro chega à presidência dos EUA. O presidente que deixa, George W. Bush, dá mostras de que o país tem sua elite, exatamente como Benjamin Franklin previa que aconteceria, e motivo pelo qual Jefferson receitava a revolução permanente.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Natividad

Veríssimo e o Natal
Crônica do Natal (de novo) - Luís Fernando Veríssimo

Tenho inveja dos cronistas novos. Não porque eles não sabem que todas as crônicas de Natal já foram escritas e podem escrevê-las de novo. Mas porque podem fazer isto sem remorso.Tem a crônica de Natal tipo “o que eu gostaria que Papai Noel me trouxesse”. A Luana Piovani ou um fac-símile razoável, a paz entre os povos, um centroavante para o Internacional (ou um fac-símile razoável) etc.
Tem as infinitas variações sobre problemas encontrados por Papai Noel no mundo moderno (seu trenó levado num assalto, sua dificuldade em se identificar em portarias eletrônicas, protestos de ambientalistas contra o seu tratamento das renas, suspeita de exploração de trabalho escravo, suspeita de pedofilia etc.).
Tem as muitas maneiras de atualizar a história da Natividade (Maria e José em fila do SUS, os Reis Magos chegando atrasados porque foram detidos por patrulhas israelenses ou militantes palestinos, Jesus vítima de uma bala perdida).
Tem as versões diferentes da cena na manjedoura, inclusive — juro que já li esta, se não a escrevi — narrada do ponto de vista do boi.Todas já foram feitas.Há tantas crônicas de Natal possíveis quanto há meios de se desejar felicidade ao próximo. Os cartões de fim de ano são outro desafio à criatividade humana. Pois todas as suas variações também já foram inventadas. Quando eu trabalhava em publicidade, todos os anos recebia encomendas de saudações de Natal e Ano Novo “diferentes”, porque os clientes não se contentavam em apenas desejar que o Natal fosse feliz e o Ano Novo fosse próspero. Uma vez sugeri um cartão de Natal completamente branco com a frase “Aquelas coisas de sempre...” num canto, mas acho que este foi considerado diferente demais. E dê-lhe poesia, pensamentos inspiradores, má literatura e a busca desesperada do diferente. Um cartão em forma de sapato, de dentro do qual saía uma meia: a meia para o Papai Noel encher de presentes e o sapato para entrar no Ano Novo de pé direito.
Coisas assim.Enfim, tudo isto é apenas para desejar a você... Aquelas coisas de sempre.
Dica do Peramblogando: http://peramblogando.blogspot.com/

Frases, frases

“O real não está na saída nem na entrada; êle se dispõe para a gente é no meioda travessia.”“A vida inventa!”Grande Sertão: Veredas. Guimarães Rosa.
"Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é possível fazer sentido. Eu não, quero é uma verdade inventada".Clarice Lispector.
"Meça o valor de um homem a medida em que ele se liberta de seu próprio eu".Albert Einstein.
"Arte de Fumar: Desconfia dos que que não fumam: esses não têm vida interior, não têm sentimentos. O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar".Mario Quintana.
"Sapo quando pula não é somente faceirice, também é precisão".Popular.
"Solo nos queda mantener una lucidez implacable".Grippo, 1998.
"Revelar a si mesmo através da linguagem - a linguagem é constituinte e não só comunicativa" .Eu-Outro.
"A seriedade é o único refúgio da leviandade".Oscar Wilde - Idiota.
"O objetivo de uma anedota não é degradar o ser humano, mas lembrá-lo de que ele foi sempre degradado".George Orwel.
"A população mais afastada dos gregos, tem a melhor visão e mais justa dos gregos".Autor desconhecido.
"Le bonheur n'est pas chose aisée; il est trés difficile de le trouver en nous, et impossible de le trouver ailleurs"Chamfort.
"Porque nada tem valor para um ser humano, como ser humano, se não poder fazê-lo com dedicação apaixonada"Max Weber. A ciência como Vocação (1989).
"O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes, a vida presente".Carlos Drummond de Andrade. Sentimento do Mundo.
"Onde há uma misão a ser realizada e ninguém se apresenta, assuma-a você".Autor Desconhecido.
"A verdade não está em apenas um sonho, mas em muitos sonhos".Mil e Uma Noites. Sheerazade.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Conversa para lugar nenhum

Ando tão irritado com a babaquice reinante. Alias até ai nenhuma novidade né. Mas é que cada vez mais me irrito com o tanto de besteira e baboseira que é dita na TV, no rádio, no jornal e na net essa lata que aceita tudo. Tudo vendido com a idéia de novidade e ar de superioridade. E para piorar as raras excessões dessas mesmas mídias só servem para confirmar a idiotice reinante. Por exemplo, a música, a uma decada atrás reclamava da música mas hoje percebo que aquilo é que era música, um dia desses me peguei a adimirar algumas canções do Só para Contrariar ... isso por que as músicas atuais são bem piores e, assim por diante nas demais mídias. Tá difícil. Um dia desse numa dessas poucas raridades no deserto (por equanto, a Record News) vi uma entrevista com o Jerry Adriani e em determinado momento a entevista virou uma grande homenagem ao Raulzito, os dois eram grandes amigos, Raul chegou a morar na casa da mãe do Jerry. Após esse programa, as coisas ditas por Jerry a respeito do Raulzito ficaram martelando e martelando em minha cabeça e; ai começei a pensar em rever alguns conceitos: o que é terrível não é a ignorância e a burrice (e sim o seu culto como verdade mais digna do que as outras verdades, dito de outro modo, como se fosse feio e vulgar ser um pouco mais afetado- uso propositalmente essa palavra- exatamente para afrontar os poucos afetados) mas sim a caretice. EIS o grande problema de nossa época a maldita CARETICE. É isso, a caretice é tão virulenta que nos vende a idéia de que somos livres, quando não somos; que somos independentes quando somos cada vez mais dependentes; de que somos avançado quando somos caretas; de que somos espertos quandos somos otários; de que somos liberados quando na verdade somos mais travados que os europeus dos anos 20 (digo europeus pois toda essa desgraça judaíco-cristã foi gestado lá, lá e seus Bentos XVI e sua ecologia humana ... a única ecologia que não aceita a natureza tal como ela é... aliás o bentinho é a imagem do scientist ou como dizem os seus compatriotas do espírito de nossa época). Essa caretice toda se transmuta em cretinice e ai temos que aguentar toda essa porcaria. A cretinice por sua vez se transmuta nas certezas. Sim elas, sempre elas, as certezas.
"Ah Ah Ah!Ah Ah Ah!Ah Ah Ah!...Prefiro serEssa metamorfose ambulanteEu prefiro serEssa metamorfose ambulanteDo que ter aquela velha opiniãoFormada sobre tudoDo que ter aquela velha opiniãoFormada sobre tudo...Eu quero dizerAgora o opostoDo que eu disse antesEu prefiro serEssa metamorfose ambulanteDo que ter aquela velha opiniãoFormada sobre tudoDo que ter aquela velha opiniãoFormada sobre tudo...Sobre o que é o amorSobre o que euNem sei quem souSe hoje eu sou estrelaAmanhã já se apagouSe hoje eu te odeioAmanhã lhe tenho amorLhe tenho amorLhe tenho horrorLhe faço amorEu sou um ator...É chato chegarA um objetivo num instanteEu quero viverNessa metamorfose ambulanteDo que ter aquela velha opiniãoFormada sobre tudoDo que ter aquela velha opiniãoFormada sobre tudo...Sobre o que é o amorSobre o que euNem sei quem souSe hoje eu sou estrelaAmanhã já se apagouSe hoje eu te odeioAmanhã lhe tenho amorLhe tenho amorLhe tenho horrorLhe faço amorEu sou um ator...Eu vou desdizerAquilo tudo que euLhe disse antesEu prefiro serEssa metamorfose ambulanteDo que ter aquela velha opiniãoFormada sobre tudoDo que ter aquela velha opiniãoFormada sobre tudoDo que ter aquela velha opiniãoFormada sobre tudo...Do que ter aquela velha, velhaVelha, velha, velhaOpinião formada sobre tudo..."
Cabe a pergunta: estamos vivendo efetivamente a miséria da filosofia, da crítica, da literatura, da música, da ciência? O chamado silêncio dos intelectuais? Ou melhor seria o medo dos intelectuais? Ou seria o fracasso dos intelectuais de 60, pois sim são eles que estão no poder. Será que a geração 60 não foi uma grande ilusão, melhor seria a geração pré-60. Só para lembrar Sartre, Simone, a Escola de Frankfurt, os neo-marxistas franceses, italianos, alemães e mais para trás Freud, Gramsci, etc,etc todos eles são pré-60. Aliás os hippies, a contracultura, os direitos civis, os beat são todos pré-60. Aliás os ismos todos são pré-60, os ismos que os 60 tantam tentaram que enfim conseguiram destruir. Não vivemos o fim da história, uma das cretinices - caretices -certezas imbecis e imbecilizantes que foi comprada pela inteligencia pós 60; mas sim vivemos o fim das ideologias, a era do que tudo é possível. e ai de novo o canto da sereia cretina-careta e cheia de certezas, ao contrário do que vende o canto da sereia, onde tudo é possível nada é permitido. Enfim ... texto confuso e angustiado, sem pé nem cabeça, que começou com um assunto e mudou para outro...um pouco retrato de seu autor ou retrato dessa época ... de vazios e mediocridades, inclusive daqueles que ousam nomear a mediocridade. Afinal dessa não escapo, eu também sou a mistura entre cretinice, caretice e burrice, com a pequena e única desvantagem da soberba transformada em dúvidas e de não gostar de certezas... mas que no final de nada valem, pois continuo aqui paralisado como diria Belchior"no medo Belo Horizonte, no medo Minas Gerais..." Ps1: falta, falta ao Brasil de hoje Raulzito, Cazuza, Renato Russo, Stanislaw Ponte Preta e tantos e tantos outros, Carolina de Jesus, Carlos Drumond de Andrade e tantos Sérgio Buarque, Celso Furtado, Florestan Fernandes, Nelson Werneck, Caio Prado e tantos outros que ousaram ...
Contra tudo isso, contra todo esse FEBEAPÁ recordemos Stanislaw Ponte Preta (e assim mato saudades das aulas no saudoso Estadual Central, já que o livro didático do primeiro grau era recheado de texto dele..aliás saudosa época em que li todos os grandes da literatura brasileira).
O fabuloso Stanislaw Ponte Preta
Mais carioca que ele, impossível
Lu Gomes
O cenário é um café. Um alemão "forte pra cachorro" está tomando umas e outras. De repente, ele provoca: "Aqui dentro não tem homem pra mim!" Um turco, igualmente forte, se apresenta, leva um murro e vai ao chão. Então um português, ainda mais forte, parte pra cima do alemão. A mesma coisa: um murro e o lusitano tomba sem sentidos.Depois foi a vez do inglês, do francês, do norueguês apanharem. E sempre depois de nocautear um desafiante, o alemão repetia que ali não tinha homem pra ele. Até que um brasileiro magrinho levantou-se lá no fundo, perguntou "é comigo?", o alemão disse "pode ser", e o brasileiro foi chegando cheio de ginga pro lado do teutônico, parou perto, balançou o corpo e... PIMBA! O alemão deu-lhe uma traulitada na cabeça que o deixou arrebentado.A história acaba aí "que é pros brasileiros perderem essa mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros".Este é um resumo da crônica "Vamos acabar com esta folga", do Stanislaw, a fina flor dos Ponte Preta, publicada em Tia Zulmira e Eu, seu primeiro livro. Ele não suportava esse defeito do brasileiro de ser assim tão folgado.
Tem coisa que contando ninguém acredita, e o carioca Stanislaw Ponte Preta é uma. Ele nasceu robusto de zombaria e irreverência em 1951, na redação do Diário Carioca. Jacinto de Thormes deixara vaga a coluna social do jornal e Sérgio Porto foi convidado a ocupá-la. Sérgio não aceitou, mas criou (com uma ajuda do Rubem Braga, dizem) o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta (inspirado no Serafim Ponte Grande, livro de Oswald de Andrade), para que "Stan não prejudicasse o Sérgio. Isto é, eu, Sérgio, queria escrever coisas sérias; o Stanislaw deveria abordar assuntos inconseqüentes".
Começou assimTremei, cronistas menores, moçoilas que volitais em nossas ribaltas, regozijai-vos! Eis que cá está o mais vivo dos Ponte Preta, o mais fero dos colunistas, o mais noticioso dos noticiadores. Nada puderam contra mim as manobras golpistas que tramavam a derrubada daquele que representa a vontade popular. Stanislaw, exilado em si mesmo, para evitar despesas de viagem, esperou o momento oportuno e aqui está, para gáudio de seus leitores, empunhando sempre em defesa do interesse comum, a sua intemerata e brilhante pena: uma intimorata Remington semiportátil! E após esse intróito tão impregnado de modéstia, no estilo dos colunistas modernos, Stanislaw passa, muito a contragosto, a falar dos outros!E como falou! Desancou todo mundo. O Lalau era fogo na jacutinga. Ele se dizia um "humorista a sério" e definia seu estilo como "lírico-espinafrativo". Falava tudo na bucha e não fazia prisioneiros. Gozava até dos "coleguinhas" de imprensa. O colunista social Ibrahim Sued era seu alvo favorito e Lalau não perdia a chance de espinafrar o "famoso escritor líbano-carioca":Imaginem vocês que Ibrahim - agora em viagem pela Europa, para desmentir definitivamente a máxima "quem viaja aprende" - vem de publicar uma notinha das mais importantes.Diz o mestre de Jeff Thomas, o inspirador de Pouchard, que andou conversando com o Duque de Windsor. Para castigar um pouco de modéstia no seu escrito, o famoso "dramaturco" explicou que não conversou em português, o que, aliás, deve ser verdade, pois o duque fala um pouquinho de português, mas Ibrahim não.Quanta besteira!O Festival de Besteira que Assola o País - FEBEAPÁ, para os íntimos - começou a ser anotado no livro Garoto Linha Dura, de 1964, o ano da "redentora", que era como Stanislaw chamava a revolução militar, que deu um grande impulso ao Festival. Dois anos depois, o febeapá ganhava um livro próprio. As notas foram recolhidas da sua coluna "Fofocalizando", na Última Hora, e editados "na base da bagunça, pra respeitar a atual conjuntura", como ele explicou no prefácio.
Eis alguns tópicos:Ibrahim Sued, que já era do Festival antes de sua oficialização, estreava um programa de televisão e avisava ao público: "Estarei aqui diariamente às terças e quintas".
Em Belo Horizonte, um delegado espalhou espiões pelas arquibancadas dos estádios porque "daqui pra frente quem disser mais de três palavrões, torcendo pelo seu clube, vai preso".
Quando se desenhou a perspectiva de uma seca no interior cearense, as autoridades dirigiram uma circular aos prefeitos, solicitando informações sobre a situação local depois da passagem do equinócio. Um prefeito enviou a seguinte resposta à circular: "Doutor Equinócio ainda não passou por aqui. Se chegar será recebido como amigo, com foguetes, passeata e festas".
Em sua luta contra a burrice reinante, Stanislaw combatia entrincheirado nas areias de Copacabana, que ainda era a "Princesinha do Mar". Era onde lia os jornais, pescando notícias para comentar em sua coluna. Enquanto teve fôlego, foi o goleiro do Lá Vai Bola, time da praia que na linha tinha João Saldanha e Heleno de Freitas. Adorava futebol, inclusive o de botão, e torcia pelo Fluminense.Na Copa do Mundo de 1962 a Fatos & Fotos queria matérias "diferentes" e mandou Stanislaw para o Chile. O embate é contra o México. Sente o drama:Começa o pega. (...) O Brasil está nervoso. Tá parecendo o misto do Campo Grande em dia de treino. (...) Só no segundo tempo Pelé se lembrou que era Pelé: apanhou a leonor no meio do campo, puxou todos os mexicanos para a direita (vieram todos, de Juarez ao Trio Los Panchos) e deu um passe a Zagalo lá na esquerda, que só teve o trabalho de testar para o véu da noiva. Depois Pelé dava outro passeio pela vereda tropical e da entrada da área venceu o goleiro Carbajal. E foi só.
Que delícia, heim? Vamos então relembrar, com narração do Lalau, os melhores momentos desta conquista, pois vale a pena:Brasil 2x1 EspanhaOs espanhóis (estão) encolhidos, e não é por causa do frio, é tática mesmo. Do lado da equipe brasileira a bola só vai no fim do mês, pra receber o ordenado. Mas o que a gente pensava que ia ser um carnaval carioca virou uma fiesta brava. (...) Bola no peito de Zagalo, que estica, o lotação Vavá-Largo da Abolição entra no seu itinerário e atropela um pedestre com a camisa da Espanha. O major Puskas dá uma cipoada em Mauro e é advertido. Mas estava escrito e o major apanha a bola, estica pelo meio, Mauro ainda estava pensando numa bobeada anterior e deixa o número 18 deles entrar livre e abrir a contagem. Foi chato. (...) Os nossos estão fazendo o possível, mas pra ganhar este jogo melhor seria fazer o impossível... e é gol! Zagalo foi genial. Depois eu explico, agora de jeito nenhum. Melhorou o Brasil, até Mauro faz uma jogada certa. (...) Garrincha vai devagarzinho, de repente vira foguete, é João pra tudo quanto é lado. Ele centra, Amarildo dá de testinha. É gol, meninada!
Brasil 3x1 InglaterraBate Zagalo, pula seu Mané, pequenino, no meio de diversas Torres de Londres. E é gol dele! (...) Didi come Norman por cima, à la Dominguin, e dá o melhor passe do campeonato para Amarildo. (...) Garrincha oferece um cocktail party no meio da área deles e por pouco não coloca a leonor lá dentro. (...) Greaves dá de balãozinho para dentro da janela de Gilmar, a bola bate na veneziana, volta para Hitchins e é gol. Deles. (...) No segundo tempo, Garrincha continuou garrinchando e deu um gol pra Vavá fazer e parar de gritar pedindo a bola. O jogo tá tão fácil que vovô Nilton Santos sai passeando com os netinhos pela alameda de Sausalito.
Brasil 2x1 Tcheco-EslováquiaOs tchecos não chegaram à final por acaso, eles dominam a leonor com a mesma facilidade com que o Cartola da Mangueira domina o telecoteco. (...) E lá vai Manuel, o Venturoso. Tem quatro cercando ele, mas é pouco. (...) Mauro bobeou e Masoputz botou o camarada do placar pra trabalhar. E é gol, Amarildo, nem bem eu tinha acabado de escrever a frase acima e Amarildo... ah, menino bom! (...) Zito de vez em quando diz pro Didi güenta aí que vou ali mas já volto e seu Mané dá o primeiro grito de carnaval da tarde. Chutou raspando. (...) Seu Mané escorregou e caiu. Nervoso não é, porque Garrincha só fica nervoso nas peladas de Pau Grande. (...) Amarildo foi à linha de fundo e com calma impressionante esperou que um se colocasse. Quando Zito chegou foi só alçar a infiel por cima da muralha eslava. O sol atrapalhou e o lotação Vavá-Largo da Abolição botou a juriti pra cantar. (...) Os chilenos vinham vaiando o maior craque deste campeonato do mundo, mas agora seu Mané ficou com a bola no pé uns 30 segundos. Palmas do estádio inteiro. E acabou. O Brasil é bicampeão mundial de futebol!(Entra a musiquinha do Canal 100: "Que bonito é...")
Trabalha, trabalha, nêgo...Stanislaw atacava em todas: rádio, televisão, teatro, cinema. É dele o roteiro e os diálogos da chanchada E o Bicho Não Deu, de 1959. Mais tarde, histórias do livro As Cariocas (assinado por Sérgio Porto) também viraram filme. No rádio, escrevia humorísticos para a Mayrink Veiga, como Miss Campeonato, sobre futebol. Os livros com coletâneas de suas crônicas eram best-sellers instantâneos.
Acima de tudo, era um mulherólogo. Mulherengo, também. Mulher era sua principal motivação. Quando Jacinto de Thormes, "no tempo em que se dedicava a essa bobagem de escriba de soçaite, defeito que ele felizmente já corrigiu", publicou na Manchete sua lista das "Dez Mais Bem Vestidas do Ano", Stan, também colaborador da revista - cobrindo (modo de dizer) o teatro rebolado -, pra não ficar por baixo inventou as "Dez Mais Bem Despidas". Depois, quando seu pai Aurélio, com ele certo dia no ponto de ônibus, comentou "olha que moça mais certa", as "Mais Bem Despidas" viraram "As Certinhas do Lalau". E que certinhas, distinto leitor - beldades de qualidade superior, como Aizita Nascimento, Gina Le Feu, Rose Rondelli, Esmeralda Barros, Virgínia Lane, Zélia Martins, Carmem Verônica, só para citar algumas das eleitas. Que belas coxas! (Convém lembrar que este era um tempo em que as pernas femininas eram o grande fetiche e as vedetes mostrando as coxas naqueles maiôs cavados eram o máximo que podíamos admirar da anatomia feminina na imprensa daqueles anos dourados.)Em 1956 Sérgio Porto ficou famoso em São Paulo ao participar, por 16 semanas, do programa O Céu é o Limite, da TV Tupi, respondendo - absolutamente certo! - as complicadas perguntas de Aurélio Campos sobre música brasileira. O homem era uma enciclopédia musical. Faturou o maior prêmio dado pelo programa até então: 300 mil cruzeiros (quanto isso valeria hoje?). Tinha adoração por Pixinguinha. Sua discoteca era imensa, falava-se em 30 mil discos, entre LPs e 78 rotações. Foi ele quem inventou o termo bossa-nova. O jazz era sua outra grande paixão musical, até escreveu um livreto sobre sua história. Gostava de trabalhar ouvindo música e de vez em quando tocava um trombone imaginário.O filho da dona Dulce era um "boêmio que adorava ficar em casa" e trabalhava feito louco, o que, segundo os médicos, provocou seu primeiro infarto em 1959, aos 36 anos.
Dois anos mais tarde, em carta à mulher Dirce, temporariamente ausente do Rio, ele listava o que andava fazendo:Hoje fui gravar na televisão e antes foi aquela batalha contra as teclas. Estou trabalhando demais, outra vez. Só para esta semana: seis Stanislaws, um Fatos & Fotos, um final apoteótico para o novo programa do Chico Anísio, roteiro e script para aquela bosta chamada Espetáculos Tonelux, depois quadros humorísticos para a TV Rio, Miss Campeonato, Da Boca Pra Fora, o programa de rádio Atrações A-9, além da revisão do livro O Homem ao Lado que será reeditado no próximo mês e da gravação do programa Qual É o Assunto.Detalhe: Sérgio ainda era funcionário do Banco do Brasil (Jaguar, que ilustrava seus livros, era outro). Pegava às 7 da manhã, tinha um expediente especial, sem obrigação de horário integral - quanto mais rápido ele terminasse sua tarefa, mais cedo saía. Demitiu-se em 1965, depois de 23 anos de serviço, dizem que por perseguição da "redentora".Perto do fim da vida, afastou-se da televisão e foi escrever revistas para o teatro rebolado. Numa delas - Pussy Pussy Cats, produzida por Carlos Machado -, Lalau perpetrou um "Samba do Crioulo Doido", uma magistral paródia de samba-enredo. A gozação era em cima do Departamento de Turismo da Guanabara, que obrigava as escolas de samba a desfilarem apenas enredos baseados em fatos históricos.O samba extrapolou a ribalta e fez o maior sucesso na gravação do Quarteto em Cy. Sintetiza como a chamada "cultura carnavalesca" entende a nossa história:
Foi em Diamantina onde nasceu JKque a Princesa Leopoldina arresorveu se casáMas Chica da Silva tinha outros pretendentese obrigou a princesa a se casar com TiradentesLá iá lá iá lá iá... O bode que deu vou te contáJoaquim José, que também é da Silva XaviéQueria ser dono do mundo e se elegeu Pedro SegundoDas estradas de Minas seguiu pra São Pauloe falou com AnchietaO vigário dos índios aliou-se a Dom Pedroe acabou com a falsetaDa união deles dois ficou resolvida a questãoe foi proclamada a escravidão!Assim se conta essa históriaQue é dos dois a maior glóriaA Leopoldina virou treme Dom Pedro é uma estação tambémÔ-ô-ô-ô-ô-ôO trem tá atrasado ou já passou!
O samba originou o Show do Crioulo Doido, uma palestra musical que estreou no início de 1968 e teve mais de uma centena de apresentações pelo País, com um desinibido Stanislaw no palco, contando casos apoiado pelo Quarteto em Cy. Mas isso foi muito depois de ele dar um vexame daqueles na tevê. Foi quando o Brasil estava sendo atropelado pela modernidade e embora a televisão ainda fosse apenas um eletrodoméstico presente em poucas casas, já primava pelo mínimo denominador comum. Stanislaw a chamava de "máquina de fazer doido". E exemplifica: certa vez assistia ao ensaio de um programa cuja música-tema começava assim: "Times Square é uma esquina..." Ele alertou o diretor que Times Square era uma praça. Mas isso não tinha qualquer importância.Foi na máquina de fazer doido que Stanislaw teve seu único e retumbante fracasso. Isso em 1961. O programa que estreava na TV Rio chamava-se Noite de Gala, era ao vivo, e Stan era seu mestre-de-cerimônias. Acontece que ele morria de medo de encarar uma câmera de televisão e quando chegou a hora H ele simplesmente travou, emudeceu de tanto nervosismo. Dizem que foi um dos maiores desastres da história televisiva brasileira. Mas Noite de Gala foi em frente e fez tanto sucesso que acabou levando alguns cinemas do Rio a cancelarem as sessões nas noites de segunda-feira, quando o programa ia ao ar.
A FAMÍLIA PONTE PRETA
Tia Zulmira, a sábia ermitã do casarão da Boca do Mato.Nas crônicas, a veneranda tia Zuzu servia como porta-voz do Lalau, emitindo opiniões. Ex-vedete do Follies Bergère, ex-cozinheira da Coluna Prestes, deslumbrou a Europa com sua beleza. Com quase 90 anos, vivia modestamente com o lucro dos pastéis que ela mesma fazia e mandava vender na estação do Méier.
Primo Altamirando, o Mirinho. O nefando parente, um cretino pior que o Macunaíma. "Aos 15 anos era já um esplêndido entortado e ninguém mais tinha dúvidas que ele superaria o pai (Gumercindo Tenório) como inimigo figadal de todos os códigos, do civil ao penal, o de trânsito também". Pioneiro em plantar maconha em solo carioca. Nunca trabalhou.
Rosamundo das Mercês, o distraído.Veio ao mundo de dez meses, porque se esquecera de nascer aos nove. O rei da abstração, completamente desligado da tomada. Escreveu um livro intitulado O Crime Foi Suicídio, não publicado, pois esqueceu os originais num táxi.
Bonifácio, o patriota.Nasceu na Vila Militar, num 7 de setembro. Morava na rua Voluntários da Pátria. Não tinha cama, dormia em berço esplêndido.Lalau, claro, não era mais o apresentador.
Devido a este trauma de câmera surgiu a idéia de ele ser focalizado apenas por trás, eliminando assim a causa do problema - e então nasceu o segmento Stanislaw Ponte Preta de Costas para a Fama, com ele batucando uma "datilográfica" e tendo uma "Certinha" de maiô ao fundo, fazendo poses sensuais enquanto ele fazia seus comentários sarcásticos. Stanislaw escreveu alguns episódios para a série de tevê Alô Doçura, com John Herbert e Eva Wilma, e participou do Jornal de Vanguarda (que estreou na TV Excelsior, depois foi para a Tupi e em 1965 estava na Globo), comentando as notícias lidas por Cid Moreira ou Luiz Jatobá, comentários que invariavelmente levavam todos no estúdio a dar risada. Depois teve seu próprio programa, o Stanislaw Ponte Preta Show, na TV Tupi.
O pai d'O Pasquim - É provável que seu peculiar senso de humor tenha sido herdado de Aparício Torelly, o Barão de Itararé, cuja revista A Manha foi fechada pelo presidente-marechal Dutra em 1947 (fazer humor no Brasil sempre foi perigoso). Que frasista excepcional era o Barão: "o mundo é redondo mas está ficando chato", "o tambor faz barulho mas é vazio por dentro", "negociata é um bom negócio para o qual não fomos convidados". Torelly tentou recomeçar com o Jornal do Povo, e foi lá que Sérgio Porto deu início a sua carreira, fazendo crítica de cinema.Sua última peripécia foi o "semanário hepático-filosófico" A Carapuça, tablóide lançado em agosto de 1968. No título do editorial de primeira página, um cacófato proposital: "Fé de Ofício". No rodapé, o pensamento da semana: "Se Pilatos usasse luvas não teria lavado as mãos". Na seção "O bicho que está dando", ele comentava opiniões alheias. Seu amigo Paulo Francis havia dito que um tal político, que conseguiu seis milhões de votos, não se elegeria nem vereador, e isso só Freud explicaria. Lalau: "Não é só isso, Francis. Qualquer espiroqueta entendido em democracia explica isso com a mesma facilidade com que o Ibrahim gagueja nas proparoxítonas". O jornaleco morreu na quinta edição, em setembro, junto com Stanislaw, pouco antes do AI-5 dar o pontapé inicial nos anos de chumbo. Foi de infarto, o terceiro, aos 45 anos. Conta a lenda que morreu flertando com a enfermeira. "Tunica, eu tô apagando" foram suas últimas palavras.
O Pasquim, legítimo herdeiro de A Carapuça, foi para as bancas em junho de 1969. Seu primeiro número era dedicado à memória de Sérgio Porto, "o santo maior do nosso altar particular". O resto, como se diz, é história... Stanislaw Ponte Preta foi um inovador na imprensa brasileira. Sua prosa era cômica, concisa e popular, sem pedantismo ou empolação e sem concessões à mediocridade. Suas crônicas retratavam os hábitos e costumes de um Rio de Janeiro que não mais existe, de um tempo em que a favela ainda estava em processo de romantização, aquela demagogia do "barracão de zinco sem telhado, sem pintura, sinfonia de pardais anunciando o alvorecer". Era um Rio mais carioca, gozador, "cidade que me seduz, de dia falta água, de noite falta luz", como dizia a marchinha carnavalesca. Em sua breve vida, Lalau veio para nos divertir. Ah, como ele faz falta...
PÉROLAS INESQUECÍVEIS
As frases afiadas e imortalizadas de Stanislaw Ponte Preta
• Em mulher não se bate nem com uma flor, mesmo porque não adianta nada.• Mais por fora do que umbigo de vedete.• Estava tão mal que mais parecia reserva do Bonsucesso.• Era desses caras que cruzam cabra com periscópio para ver se conseguem um bode expiatório.• Basta ler meia página do livro de certos escritores para perceber que eles estão despontando para o anonimato. • A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento. • Ou restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos!• O primeiro nome de Freud era Segismundo. Aliás, não só seu primeiro nome como também seu primeiro complexo.• O sol nasce para todos, a sombra pra quem é mais esperto.
BIOGRAFIA
Stanislaw Ponte Preta
• Tia Zulmira e Eu – Editora do Autor, 1961• Primo Altamirando e Elas – Editora do Autor, 1962• Rosamundo e os Outros – Editora do Autor, 1963• Garoto Linha Dura – Editora do Autor, 1964• Febeapá 1 (Primeiro Festival de Besteira que Assola o País) – Editora do Autor, 1966• Febeapá 2 (Segundo Festival de Besteira que Assola o País) – Editora Sabiá, 1967• Na Terra do Crioulo Doido – Febeapá 3 – A Máquina de Fazer Doido – Editora Sabiá, 1968
Sérgio Porto
• Pequena História do Jazz – Serviço de Documentação do Ministério da Educação, 1953• O Homem ao Lado – Editora José Olympio, 1958 (Reeditado de forma ampliada em 1961, com o título de A Casa Demolida)• As Cariocas – Editora Civilização Brasileira, 1967