domingo, 28 de dezembro de 2008

Polêmica e das boas

Veja abaixo, um texto do rapper Hertz. O que acham? Já adianto que adorei o texto pela polêmica que ele enseja, pelo fato de ser um dos retratos mais interessantes da nossa realidade social e sociológica (aliás como estamos, nós os cientistas sociais em geral alienados e atrasados, felizmente a periferia e parte de seus intelectuais ao contrário dos intelectuais acadêmicos não se encontram silenciados, anestesiados, perdidos ou coptados - jamais vi uma análise da realidade com tamanha profundidade nas aulas que pode assistir na graduação e na pós-graduação) e pelo fato de ter a coragem de colocar o dedo na ferida, algo que já estamos fazendo por aqui, qual seja denunciar este tal movimento social que esta mais preocupado com suas benesses e com as boquinhas nos cargos políticos-partidários do que com suas atividades fins. Têm-se assim uma inversão a atividade fim passa ser as benesses materiais pessoais e a atividade meio a manipulação dos ditos oprimidos. Isso me lembra o grande, maravilhoso filme chamado: Quanto vale ou é por quilo (grande filme de 2005). Grande texto, logicamente descordo aqui e acolá de algumas opiniões. Abaixo o texto (os grifos são nossos).
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Parceria dos Racionais com a Nike: o que a periferia tem haver com isso?P/ Hertz Dias
Acho interessante a polêmica que se construiu em torno da possível parceria Racionais/Nike e quero aproveitar o momento para lançar algumas reflexões. É indiscutível a importância que este grupo de rap teve e ainda tem para a juventude negra de todo o Brasil. Eu mesmo devo muito aos racionais pelo que eu sou hoje, inclusive em uma das músicas do cd do meu grupo rap eu falo /meus heróis eu conheci no Hip Hop não na escola/ professor desinformado deturpou minha história/ ora bolas minha senhora ver se pode? / meus primeiros professores foram racionais e GOG? (Herói de Preto é Preto).Há alguns anos atrás li um artigo, não lembro de quem, falando que o que o Hip Hop fez em menos de dez anos o que o movimento negro não conseguiu fazer em mais de vinte anos. O Hip Hop conseguiu dialogar com o setor mais oprimido, explorado e excluído da classe trabalhadora do Brasil, alias o Hip Hop é formado fundamentalmente por esse setor.E é essa resistência e capacidade de despertar a indignação da juventude negra e formar intelectuais orgânicos na periferia que a racista burguesia brasileira quer dilacerar.
Em um documento escrito há cinco anos atrás eu dizia que o Hip Hop brasileiro cresceu e se fortaleceu a margem dessa tríade capitalista e que, infelizmente, o seu enfraquecimento político é resultado da inversão desta postura. Nos últimos cincos anos acompanhamos a aparição de diversos grupos de Hip Hop na Globo, encontros com o governo Lula, inúmeros projetos com prefeituras neoliberais e parcerias com empresas multinacionais, sem contar a avalanche de ONG?s especializadas em Hip Hop que se espalharam feitos pragas por todo o Brasil. O Hip Hop militante do nordeste virou pó institucionalizado, restando poucas organizações como o Quilombo Urbano que tenta reconstruir o Hip Hop militante e revolucionário desta região.
Quem tanto denunciou a opressão contra os pretos, se calou perante a vergonhosa ocupação do Haiti liderada pelo governo Lula a mando de Bush, silenciaram também sobre as ocupações da Força de Segurança Nacional em favelas, morros e bairros majoritariamente negros em todo o país. Falo isso em termos majoritário, pois as exceções só confirmam a regra.No Maranhão chegou-se a dois absurdos emblemáticos a esse respeito: a completa ausência das ONG?s de Hip Hop e do Movimento Negro nos atos de denúncia do linchamento do artista Gero por policias militares e civis do governo de Jackson Lago e o mais recente e ridículo papel destas mesmas organizações na tentativa esvaziar e enfraquecer a 3ª marcha da periferia organizada pelo Quilombo Urbano para pressionar o Estado a estender seu braço social na periferia (quanto a isso ver matéria:Governo e CUFA Versus 3ª Marcha da Periferia).Em suma, em nosso entendimento, não é apenas financeiro o objetivo da Nike junto ao grupo Racionais, mas é acima de tudo político. Ao contrário da maioria do nosso povo, a burguesia tem consciência histórica, sabe se antecipar aos fatos, sabe se precaver. Eles sabem que as periferias de todo planeta viraram verdadeiros barris de pólvoras preste a explodir.
A França mostrou o caminho. A juventude negra e imigrante daquele país encabeçou um das maiores insurreições populares da sua recente história. Em maio de 2005 mais de quinze cidades foram paradas, inclusive Paris, e isso obrigou o governo a criar, sob o calor da insurreição, um programa de geração de emprego para aquela juventude, quando o seu objetivo era justamente inverso. Sabe qual foi à música acusada de ter insuflado aquela revolta? Isso mesmo, o rap!!! Logo em seguida o parlamento francês se viu obrigado a votar uma lei de censura a determinadas canções de rap. Veja que interessante: o Hip Hop embalando uma revolta vitoriosa da juventude das periferias francesas contra o neoliberalismo! !!. Na Grécia a também juventude de periferia está protagonizando novas e importantes revoltas populares. Esse fenômeno tende a se mundializar com a crise do capital.
Já imaginaram um Racionais, um GOG, um Facção Central, um MV Bill a frente de um processo como este. Um detalhe importante, salvo engano, acho que são poucos os países do mundo que tem uma periferia tão instável como a nossa. E a burguesia brasileira sabe que a nossas periferias respiram Hip Hop, só que eles também sabem transformar oxigênio em gás carbônico.O momento que estamos vivendo é impa. Nossa geração nunca viveu uma crise econômica do capitalismo tão profunda e grave com a atual, talvez em proporções bem maiores que a de 1929. Segundo Gramsci, é nesses momentos que a burguesia utiliza a política do ?transformismo? , isto é, na impossibilidade de atender minimamente as necessidades básicas do povo pobre, ela opta por cooptar suas principais lideranças que tentarão legitimá-la junto aos pobres. A parceria CUFA/Globo/UNICEF não é atoa, assim como será atoa a parceria Racionais/ Nike, caso se consolide. Em fim, quanto maior a crise maior será a tentativa de cooptação.Os Estados Unidos, durante o governo de Clinton, enfrentou uma crise de grandes proporções que afetou principalmente a população negra, latina e feminina daquele país e o que fez o governo? Simplesmente criou diversas ?secretarias simbólicas? com representantes desses setores, não para elaborar políticas para reverter a penalização de suas demandas sociais, mas para legitimar os ataques do governo. Entretanto, a questão, a saber, é até onde eles podem ir? Pois, as crises pressupõem também escassez de recursos e de fato muitas ONG?s estão quebrando em decorrência dela. Essa é a sinuca de bico que a periferia e seus organismos políticos se encontram afinal.
Assim que Lula assumiu, o intelectual e militante de esquerda, James Petras, anunciava que havia dois setores fundamentais que FHC não conseguiu controlar definitivamente durante o seu governo: um era os sem-terras e o outro era os favelados. Palmas para Lula!!!. A questão da reforma agrária simplesmente saiu da pauta, o MST recuou como nunca. No Maranhão estão mobilizando suas bases sociais em favor do corrupto e pró- agronegócio governo de Jackson Lago , mas não estiveram juntos aos professores na época que estes estiveram em uma heróica greve contra esse mesmo governo. Por outro lado, a política de assentamento do governo Lula é tão ridícula quanto à de FHC, mais de 90% do crédito agrário deste governo vai para o agronegócio, enquanto os pequenos agricultores endividam-se.Em relação aos favelados, ao mesmo tempo em que o governo bate (com o fortalecimento do Estado policial) ele assopra (com o financiamento de ONG?s de Hip Hop). Infelizmente, a mais importante força política da periferia, ou seja, o Hip Hop é uma das principais vitimas do ?transformismo? da burguesia na atualidade.É preciso Recompor as ForçasO Racionais já cumpriu seu papel político; despertou a consciência crítica de milhões de jovens negros e pobres deste país, o que não os isentam de críticas. Que eles optem entre viver de cabeça erguida com a periferia ou morrer de joelhos dobrados perante a burguesia.Para a periferia o que está em jogo no momento é sua sobrevivência política. Tanto nós quanto o capital precisam recompor suas forças diante da crise e só um conseguirá ser exitoso. Para a burguesia, resta aumentar a exploração sobre os pobres, destruir direitos sociais, pressionar o governo a desviar verbas públicas para o setor privado e como remédio letal mais polícia para a periferia.Segundo dados da própria ONU, o dinheiro que já foi desviado dos cofres públicos para salvar capitalistas falidos só durante essa crise daria para resolver o problema da fome em todo mundo por 16 vezes. No Brasil Lula já injetou mais 360 bilhões de reais para salvar banqueiros, latifundiário e demais capitalistas falidos, enquanto que na educação já promoveu um corte de quase mais de 2 bilhões de reais.A saída da crise para a burguesia significará mais barbárie capitalista para a periferia.
Não é atoa que no congresso está tramitando um projeto que autoriza as forças policias a adentrarem em qualquer casa sem mandato de busca. É evidente que isso já acontece na velha perifa, mas caso o projeto seja aprovado isso ocorrerá com mais freqüência. Esse é só mais um projeto de criminalização da pobreza que se ampliará com a crise.Para a periferia e a classe trabalhadora em seu conjunto está colocada à possibilidade histórica de ruptura com o capital, não haverá saída por dentro das estruturas..E para isso não nos resta outra saída a não ser organização política e coletiva. Como diz o rapper P.R.C. do Quilombo Urbano o coletivo é o bem maior/ antes junto do que só?. Que as organizações de Hip Hop retornem as suas bases sociais com urgência, que transformem suas ONG?s em movimentos sócio-políticos independente dos governos e do capital, pois as ONG?s nada mais é do que o braço solidário do imperialismo para ganhar as bases sociais dos movimentos revolucionários para o Estado. Que os grupos de rap de ponta sejam mais solidários com a periferia de fato, na ação cotidiana e não só nas músicas. Que compreendam que são menores que as necessidades coletivas da periferia.Permitir que os negros desabafassem culturalmente suas angustias, era a tática defendida nos sermões do reacionário Padre Antônio Vieira durante a escravidão, pois ele, sabiamente, acreditava que assim a possibilidade de revolta escrava seria bem menor. Será mesmo que o Hip Hop vai ser esse remédio terapêutico que o capitalismo tanto precisa nesse momento de crise para evitar que a bomba ?H? (humana) da periferia exploda em suas mão, eu particularmente espero que não.É importante que entendamos que a periferia é bem maior que nossos amigos da ?Vida Loka? e que cada decisão tomada a partir de agora é como se estivéssemos aos 45 do segundo. Se seremos salvos e perdoados é outro assunto, porém não podemos deixar que nossos sonhos coletivos sejam crucificados por nomes estrangeiros que estão em nosso meio pra matar, M.E.R.D.A.?
São Luís-Maranhão- Brasil 20 de Dezembro de 2008.
Hertz é militante do Movimento Hip Hop ?Quilombo Urbano?, vocalista do grupo de rap Gíria Vermelha.

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