sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Quando a idéia de Mulato ainda é usada como forma elogiosa, eis que - Parte I

Olha ai, como curiosidade, ou como informação, ou como constatação do racismo e do preconceito...sei lá, mas Vc sabia dos filhos mulato de Jefferson(aqueles fruto do casamento de dois animais de espécies diferentes que origina um terceiro estereo, a mula...pensei em escrever isso para o imbecil do senador eleito por Góias ...mas para que total perda de tempo). Dica do blog: http://pedrodoria.com.br/

26/December/2008 · 5:04 ·

Em muitos pontos, as histórias de Brasil e Estados Unidos se cruzam. Nações escravagistas, homogêneas, que não se fragmentaram como aconteceu com a América Espanhola. Há diferenças, também: brancos e negros não se misturaram nos EUA enquanto, no Brasil, somos todos mestiços.
O mito é bom – mas não corresponde à realidade.
Aqueles senhores de escravos da Virgínia, donos de grandes fazendas quase falidas nos mil e setecentos, não eram assim tão diferentes dos senhores de escravos em Pernambuco, também donos de grandes fazendas quase falidas no mesmo período. Os irmãos escravos John e Sally Hemings, por exemplo, eram filhos de uma escrava negra e seu senhor, John Wayles.
Mesmo filhos, não deixaram de ser escravos.
Quando John morreu, sua filha Martha herdou seus meios-irmãos. Martha era casada com Thomas Jefferson. E, quando Martha morreu ainda jovem, Sally, sua meia-irmã mulata, transformou-se em companheira de Jefferson – uma companheira jamais assumida de todo, mas também nunca negada, com quem o terceiro presidente dos EUA, autor de sua Declaração de Independência, teve cinco filhos – quatro homens, uma mulher.
A história é conhecida mas jamais foi contada por completo até agora, que saiu o livro
Thomas Jefferson e Sally Hemings, da historiadora Annette Gordon-Reed. É ela nesta entrevista à Amazon:
Como era a relação de Jefferson com os filhos que teve com Sally Hemings? E que tipo de vida tiveram os filhos após a morte dele?
Este foi um dos aspectos mais interessantes da pesquisa. Há uma série de cartas escritas por Jefferson para o gerente de sua propriedade em Bedford County, onde ele passou muito tempo em seus anos de aposentadoria. Nas cartas, ele anuncia que está para chegar. Escreve coisas como ‘Johnny Hemings e seus dois assistentes vêm comigo’ e, dependendo do ano, seus assistentes eram seus filhos Beverley e Madison Hemings ou Madison e Eston Hemings. Lá, John, Beverley, Madison e Eston trabalhavam na casa onde tanto Jefferson quanto eles dormiam. Eles ficavam lá, juntos, isolados, às vezes por semanas a fio. Jefferson, que se considerava bom carpinteiro, passava muito tempo trabalhando com John Hemings e, neste processo, passava tempo com seus filhos, que eram aprendizes de John. Madison Hemings escreveu que Jefferson era cordial com ele e seus irmãos, como era com todos a sua volta, mas que jamais teve a relação carinhosa que dedicava a seus netos legítimos. Ainda assim, todos seus filhos com Sally aprenderam o violino, que o próprio Jefferson tocava, e pelo menos um – Eston – se transformou em músico profissional. Sempre que se apresentava, ele tocava uma música em particular, que era a favorita de Jefferson. Temos menos informação a respeito de sua relação com Harriet, a filha. Ele a enviou para longe quando ela tinha 21 anos com o que seria, atualmente, 900 dólares, para viver com seu irmão Beverley.
É importante destacar que nenhum deles era identificado como servente. Seus filhos foram treinados para serem os profissionais que Jefferson mais admirava: construtores, carpinteiros, e a filha aprendeu costura. Naquela época, era algo que mulheres de todas as raças e classes aprendiam. Harriet Hemings jamais se tornou ama das netas legítimas de Jefferson, que teria sido o caminho natural para uma escrava. Os Hemings foram treinados para deixarem de ser escravos. Beverley e Harriet deixaram a residência de Jefferson na condição de brancos, se casaram com brancos, e sumiram do mapa, embora mantivessem algum contato com a família. Quando Jefferson morreu, Madison e Eston, que foram libertados em seu testamento, levaram sua mãe para a cidade de Carlottesville. Foram listados como brancos livres no censo de 1830 e mulatos livres no censo de 1833. Após a morte de sua mãe, Madison deixou a Virgínia para Ohio, e Eston se juntou a ele depois. Em algum ponto, Eston decidiu que dava muito trabalho viver como negro, se mudou para Wisconsin, e adotou o nome E. H. Jefferson. Ele teve filhos e a todos deu o nome Jefferson. Jamais afirmou que era descendente do presidente porque, caso o fizesse, teria que admitir ancestralidade negra, o que teria tirado de seus filhos as oportunidades que teriam na condição de brancos.
Jefferson é o mais fascinante dentre os criadores do sonho americano. Com Benjamin Franklin e Alexander Hamilton, está entre os mais intelectualizados. Mas Franklin era um cínico sarcástico e Hamilton, um elitista, desconfiava de poder demais nas mãos do povo. Ninguém, dentre aquele grupo, acreditava mais nos ideais iluministas do que Jefferson. Ninguém argumentou pela igualdade dos homens como Jefferson. Jefferson acreditava tanto na sabedoria do povo, diga-se, que recomendava ao país que ajudou a fundar um estado de revolução permanente, para que nenhum grupo jamais se firmasse no poder.
Ainda assim, Jefferson foi senhor de escravos. George Washington, que não tinha brilho ou mesmo ideais, um personagem pragmático e desinteressante, senhor de terras em Virgínia como Jefferson, ao menos libertou todos os seus em testamento. Jefferson, o homem de idéias tão puras a respeito da igualdade e da democracia, o anti-elitista por excelência, passou a vida evitando encarar a incoerência da escravidão. Deixou escravos para seus filhos legítimos como herança. Quando pressionado, sugeria que este seria um problema para ser resolvido no futuro. Jamais o enfrentou, mesmo quando teve muito poder nas mãos. Considerava-se um senhor generoso, incapaz de ser ríspido com os servos; mas punha nota no jornal com anúncio de prêmio, como todos seus pares, se um acaso fugisse. E a recuperação dos fugidos era sempre cruel, caçada a bicho. Não era racista para os padrões do tempo; mas deixou escrito que considerava o homem negro menos inteligente do que o branco. Assim como escreveu que brancos e negros não deviam ter filhos juntos para não degradar a raça.
Em que, afinal, acreditava? Escrevia hipocritamente para a aprovação de seus vizinhos? Acreditava mas era incapaz de cumprir?
Logo após sua viuvez, quando viveu na França na condição de embaixador dos EUA, década e meia antes de tornar-se presidente, teve uma relação intensa, talvez nunca consumada, mas profundamente apaixonada, com uma aristocrata italiana. Sua relação com Sally durou tantas décadas e deixou tantos filhos. Martha Wayles, a italiana platônica e Sally foram as principais mulheres de sua vida. Sally a que por mais anos esteve ao seu lado.
Em menos de um mês, um homem negro chega à presidência dos EUA. O presidente que deixa, George W. Bush, dá mostras de que o país tem sua elite, exatamente como Benjamin Franklin previa que aconteceria, e motivo pelo qual Jefferson receitava a revolução permanente.

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