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quarta-feira, 21 de abril de 2010

Variados

-Depois de um longo e tenebroso inverno, estou de volta. O acumulo de serviço anda me assoberbando, por isso esta longa ausência. Vamos a umas rápidas palavrinhas:

-Faleceu nos EUA, a Sra. Dorothy Height, aos 98 anos, ativista dos direitos civis americanos. A Americana foi fundadora do movimento da luta pela igualdade racial e de gêneros em 1960, uma das fundadoras do movimento pelos direitos civis americanos, cuja cruzada por justiça racial e igualdade de gêneros durou mais de seis décadas, morreu na madrugada desta terça-feira, 20, de causas naturais, disse um porta-voz do Conselho Nacional das Mulheres Negras. Height estava entre os líderes da coalizão de afro-americanos que lutaram pelos direitos civis. Sua militancia começou ainda nos de 1950 e foi  uma figura-chave na luta pelo fim da segregação escolar, dos direitos de voto, oportunidades de emprego e acomodações públicas nos anos de 1950 e 1960. Height foi presidente do Conselho Nacional das Mulheres Negras por 40 anos, abandonando o título em 1997. O grupo de defesa que conta com 4 milhões de membros é composto de 34 organizações nacionais e 250 organizações de base comunitária.


- A Argentina continua acertando suas neuroses do passado para construir o futuro. Lá diferente de cá, continua-se a punir os criminosos que cometerma crime contra humanidade. Visto que os Crimes contra os Direitos Humanos é crime contra a humanidade, em sua totalidade, é crime inanfiançavel, imprescritível e por isso mesmo não atingido por qualquer tipo de anistia. Esperemos que o STF no Brasil aja de acordo com nossas leis e não de acordo com as conveniências políticas e começe a fechar de vez essa ferida putrida da tortura. Não é com anistia que resolveremos essa página ruim de nossa história e sim como Comissões de Verdade. O Tribunal Oral Federal 1 determinou, nesta terça-feira (20), no julgamento por crimes no centro clandestino de detenção e tortura do Campo de Maio, dentro das instalações do Exército Argentino, a 25 anos em prisão comum do último presidente militar, Reinaldo Bignone, de 82 anos de idade.Junto com ele, outros responsáveis pela repressão ilegal foram condenados e negados a cumprir em prisão domiciliar.
Os acusados foram julgados por ilegalidades nas detenções e invasões de domicílios, privações da liberdade e aplicação de tormentos e torturas em 56 vítimas.

-Foi licitado ontem a aberração chamada Belo Monte. Uma obra no minimo, no minimo Belo Monte é um exemplo de projeto sem precedentes, em seus tamanhos físicos, em suas consequências sociais e ambientais. Uma obra que, é criticada, também do ponto de vista de engenharia e tecnologia. Portanto, tudo cheira muito estranho nesta obra faraonica. Lamentável sob todos os aspectos.

-Para filosofar um pouco, já que estou de ressaca de uma ótima saida com alguns colegas de serviço. Repito aqui a pergunta feita por uma colega: o que o homem admira em uma mulher. Depois desta fui.

-não fui não. Pois como sempre mesmo descansando temos que carregar pedras. O Idiota fóbico chamado Demetrio Magnoli o héroi da direita carcomida e eimbecilizada brasileira, esta com nova fraude na praça, já que seus escritos não pdoem ser chamado de obras. Portanto, não perda tempo e dinheiro. Não leia a procaria chamada Fora da Lei. Já adianto o roteiro previsivel e imbecilizante do sociologo, geografo, comunicadoes e sabe se lá o que mais. Em Fora da Lei, o autor repete as táticas já conhecidas nos seus textos anteriores. Trata-se do recurso lingüístico de imputar a outrem afirmações que ninguém fez. Quem no movimento negro teria se oposto à defesa da qualidade do sistema público de ensino? Quem teria afirmado a existência biológica de raça? Haveria uma incompatibilidade na luta pela democratização do acesso à universidade pública e a defesa da escola pública? Ora os leitores deste blog, bem o sabe, que jamais nós os defensores de ações afirmativas fomos ou somos contra a defesa de um sistema público, muito pelo contrário. Quem é contra nós sabemos bem, são os amigos e finaciadores do Demetrio. O que defendemos é política universalista e diferencialista, uma não se opõe a outra, na verdade se complementam. Uma visa o futuro (melhoria escolar), a outra visa o passado, o presente  e o futuro. Quanto a raça, me recuso a discutir mais este tema. Para IDIOTAS como o Magnoli só gritando: RAÇA É SIGNO. E se ele não entende isso mostra o quão bom sociólogo ele é. Para este e outros da sua estirpe, algo sui generis ocorre no Brasil, o racismo existe mas não a raça. Ou melhor o negro é sim vitima de um processo racializado, no entanto, caso dele se organizar para lutar contra este fenômeno com seus parceiros brancos não racistas ai estes de vitimas passam a ser os algozes, os semeadores da discórdia e do ódio racial.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

As Ações Afirmativas nas Universidades Públicas

DEBATE – AÇÕES AFIRMATIVAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

Recente debate entre Yvonne Maggie (contra as cotas raciais) x Elio Gaspari (a favor das cotas raciais) no contexto de suspensão das cotas raciais nas universidades estaduais do Rio de Janeiro. Acresço como pós-texto e algumas horas após postar esse texto, um e-mail que recebi e tem tudo haver com a discussão aqui travada. Trata-se do texto de um editor da Revista época, chamado: Nunca tive uma namorada negra.
A seguir, entrevista do Farol de Alexandria anti-cotas Yvonne Maggie, depois meu comentário e após este um texto do Gaspari. O interessante a respeito da profesora Yvonne é que apesar de usar com desenvolvtura os espaços da mídia-racista e anti-cotas, ela não apresenta o mesmo vigor quando o debate deve ocorrer nas esferas acadêmicas (por que será)? Por que será que a professora não aceita participar de mesas onde o contraditório estará presente como foi o caso da Mesa proposta para o último encontro da Associação Brasileira de Antropologia para debater esta questão? Neste caso, ela alegou outros compromissos; provavelmente mais uma reportagem "bombástica como essa" para usar a expressão do editor do Jornal Nacional, Willian Bonner.

ENTREVISTA com Yvonne Maggie no jornal O Globo
Fervorosa ativista contra o sistema de cotas raciais para o ingresso nas universidades, a antropóloga Yvonne Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comemorou a recente suspensão, pelo Tribunal de Justiça, da lei estadual que estipulava a reserva de vagas em universidades estaduais, como um primeiro passo para a revogação de leis raciais. A seu ver, elas servem apenas para dividir os brasileiros que, no geral, diz, rejeitam o racismo. Segundo ela, o sistema de cotas é fruto de pressão internacional alimentada por milhões de dólares da Fundação Ford: — Essa pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história.
José Meirelles Passos
O GLOBO: O sistema de cotas é apresentado como forma de criar oportunidades iguais para todos. A senhora discorda. Por quê?
YVONNE MAGGIE: Porque ele faz parte de leis raciais que querem implantar no Brasil. E elas são inconstitucionais. A Constituição Federal proíbe criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. A do Estado do Rio também. Estou defendendo o estatuto jurídico da nação brasileira, com base no fato de que raça não pode ser critério de distribuição de justiça. Raça é uma invenção dos racistas para dominar mais e melhor.
O GLOBO: Que critério usaram para criar tal sistema?
YVONNE: Surgiu no governo de Fernando Henrique Cardoso, propondo cotas para negros ou pardos, hoje chamados de afrodescendentes, sob o critério estatístico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas isso não significa que as pessoas se identifiquem com aquilo. Nós, brasileiros, construímos uma cultura que se envergonha do racismo.
O GLOBO: Mas existe racismo no Brasil, não?
YVONNE: Eu nunca disse que não há racismo aqui. Mas não somos uma sociedade racista, pois não temos instituições baseadas em lei com critério racial. É interessante ver que o Brasil descrito nas estatísticas foi tomado como verdade absoluta. Há Uma coisa é dizer que o Brasil é um país desigual, com uma distância muito grande entre ricos e pobres. Outra coisa é atribuir isso à raça.
O GLOBO: Quais os motivos para a criação de leis raciais no país?
YVONNE: Outra alucinação: a de que a forma de combater a desigualdade no Brasil deve ser via leis raciais. Elas propõem dividir o povo brasileiro em brancos e negros. Há quem diga que o povo já está dividido assim. Digo que não. Afinal, 35% dos muito pobres no Brasil se definem como brancos.
O GLOBO: Qual é o melhor critério?
YVONNE: Em vez de lutar contra o racismo com ações afirmativas, colocando mais dinheiro nas periferias, o governo optou pelas cotas raciais reservando certo número de vagas na escola e, com o estatuto racial, no mercado de trabalho. Então, o país que não se pensava dividido está sendo dividido.
O GLOBO: Seja como for, a idéia das cotas está ganhando adeptos.
YVONNE: Nem tanto. Pesquisa recente feita no Rio pelo Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), mostrou que 63% das pessoas são contra as cotas raciais. A maioria do povo brasileiro acha que todos somos iguais. Aprendemos isso na escola. O objetivo era beneficiar negros e pardos. Agora no Rio já existem cotas para portadores de deficiência, para filhos de policiais, de bombeiros.
O GLOBO: A tendência é esse leque aumentar?
YVONNE: A lógica étnica ou racial não tem fim. Tudo surgiu porque houve pressão internacional com o sentido de combater o racismo. Mas quem domina os organismos internacionais são os países imperialistas, sobretudo Inglaterra e Estados Unidos, que têm uma visão imperialista de mundo dividido. Os EUA são um país dividido. Não pensam como nós. Lá a questão racial é a primeira identidade. Você pergunta quem é você?Eles dizem: eu sou afroamericano, etc. Como não vivemos ódio racial no Brasil não sabemos o que é isso. O problema é que ao dividir e criar uma identidade racial, fica impossível voltar atrás.
O GLOBO: O Brasil sucumbiu à pressão internacional?
YVONNE: A pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história. A Fundação Ford investiu milhares de dólares no Brasil, formando advogados, financiando debates, criando organizações não governamentais (ONGs). Não temos mais movimentos sociais. Quem luta em favor das cotas se transformou em ONG que recebe dinheiro do governo e da Fundação Ford. Juntou-se a fome com a vontade de comer. O governo inventa as ONGs, financia, e depois diz que as cotas são uma demanda do povo.
O GLOBO: Como combater a desigualdade no acesso à universidade?
YVONNE: O Brasil tem que enfrentar a questão da educação básica de forma madura e consciente, investindo. Precisamos de recursos financeiros e humanos. Melhorar o salário dos professores e sua formação. E mudar a concepção de educação. Sem investimento não construiremos uma sociedade mais igual. Estamos criando uma sociedade mais desigual, escolhendo um punhadinho entre os pobres. Na verdade, a competição pelos recursos não é entre o filho da elite e o filho do pobre: ocorre entre os pobres.
O GLOBO: Como a senhora vê a educação no Brasil?
YVONNE: A formação de professores e a concepção de educação são precárias. Não se obriga as escolas a ensinar. Obama acaba de fazer uma grande melhoria nos EUA: premia os bons professores. São os que ensinam melhor. E pune os maus. Quem não consegue fazer com que o seu aluno tire nota boa nas provas de avaliação externas, sai ou é reciclado.
O GLOBO: Há luz no fim do túnel?
YVONNE: Sou otimista. Acho que as leis raciais não vingarão no Brasil. Creio que os congressistas têm mais juízo. E que em vez de lutar pelas cotas, o ministro da Educação deve fazer com que prefeitos e governadores cumpram as metas. Elas são excelentes. A idéia dele é fazer com que os municípios mais pobres recebam mais dinheiro. A opção é investir nas escolas e nos bairros mais pobres.
O GLOBO: É possível conter o lobby das ONGs favoráveis às cotas?
YVONNE: É muito difícil ir contra grupos que se apresentam como o povo organizado. Temos que lutar pelo povo desorganizado, o povo que anda pela rua, que casa entre si, que joga futebol junto, que bebe cerveja, e não está o tempo todo pensando de que cor você é, de que cor eu sou. Povo é o que nos ensina que é melhor dar a mão do que negar um abraço.
OPINIÃO sobre a entrevista de Yvonne Maggie
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Agora sou eu, em mensagem enviada ao Gurpo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia:
Só não entendi bem:
a) o Brasil é um país não racista que se envergonha do racismo mas ela não se atreve a dizer que não existe racismo?
b) Ou será que o racismo não existe porque a legislação brasileira não adota critérios raciais? Isso significa que não existem assassinatos, afinal a legislação brasileira não permite a pena capital (salvo excessão dos períodos de guerra).
c) Ou será ainda que não devemos tomar as estatísticas como "verdade absoluta". Neste caso, então não devo acreditar que "35% dos muito pobres no Brasil se definem como brancos." ou que "Pesquisa recente feita no Rio pelo Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), mostrou que 63% das pessoas são contra as cotas raciais." Ou será que só valem as estatísticas que são favoráveis aos meus argumentos?
d) Que dizer então que toda a discussão sobre cotas faz parte de um plano imperialista dos yankees e dos ingleses?
e) Como assim: lutar favor das cotas é ser membro de Ongs e ser financiado. Sou a favor das cotas desde o ano de 2001 e nunca recebi nada em troca a não ser chateações como essa matéria.... Isso é ser leviano, tal qual eu afirmar que todos que são contra as cotas são os membros da elite econômica, social e racial deste país. Mas neste caso, mais do que leviano, eu na verdade só estou demonstrando o mal que representa essa política de ódio racial. Eis o paradoxo: estamos preso na camisa de força, nisto devemos reconhecer o brilhantismo da Profa. Ivonne Maggie, ou bem concordamos com ela, ou somos racistas e pregadores do ódio racial. Ah para falar a verdade como dizem os burgueses de S. Paulo Cansei...é necessário mais seriedade e profundidade para discutir um assunto tão sério. E pensar que essa senhora ocupa sucessivamente cargos importantes na ABA.... (aqui alguns colegas me alertaram e faz necesário esclarecer a professora Maggie efetivamente não ocupa cargos de tanta relvãncia na Assoiação e mesmo no mundo antropológico, obviamente que por seu curriculo e militância ela chama a atenção por coordenar Mesas de trabalhos e fóruns anti-cotas nos Congressos- mesas e fóruns onde todos tem visões semelhantes). Me impressiona a falta de argumentos desta ala contrária as cotas (existem vários argumentos factíveis, mas a pesquisadora não conseguiu apresentar nenhum). São sempre os mesmos discursos raivosos e vazios, repleto de contradições como as expressas acima ou a velha cantilena que é necessário melhorar o ensino publico, como se alguém fosse contra a melhoria das escolas públicas. A velha idéia da subtração do ou ao invés da soma. Ou será que ter políticas afirmativas é mutuamente excludente de políticas universalistas?
f) Um outro colega, não o citarei aqui pois não pedi sua autorização também me lembrou algo vital. Essa mesma Yvonne que acusa a Fundação Ford foi durante muito tempo bolsista ou recebeu verbas de pesquisa da mesma. Naquela época provavelmente a Fundação Ford não era uma organização terorista da ultra-direita yankee...ou como já percebemos a opinião da professora qualifica a tudo e a todos por sua visão estreita da realidade. Pesquisa e financiadores só são bons se aformam minha visão.
Carlos Eduardo Carlos Eduardo Marques - Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas da FEVALE/UEMG. Membro do Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais da UFMG (NUQ/UFMG). Membro do Grupo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia (GT Quilombos/ABA)
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Abaixo um artigo de Elio Gaspari (com dados a respeito do sistema de cotas) um contraponto a Yvonne Maggie.
As cotas desmentiram as urucubacas - Elio Gaspari
03-Jun-2009 - FOLHA DE S. PAULO
Os negros desorganizariam as universidades, como a Abolição destruiria a economia brasileira QUEM ACOMPANHASSE os debates na Câmara dos Deputados em 1884 poderia ouvir a leitura de uma moção de fazendeiros do Rio de Janeiro:
"Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos da desorganização do atual sistema de trabalho."
Livres os negros, as cidades seriam invadidas por "turbas ignaras", "gente refratária ao trabalho e ávida de ociosidade". A produção seria destruída e a segurança das famílias estaria ameaçada.
Veio a Abolição, o Apocalipse ficou para depois e o Brasil melhorou (ou será que alguém duvida?).
Passados dez anos do início do debate em torno das ações afirmativas e do recurso às cotas para facilitar o acesso dos negros às universidades públicas brasileiras, felizmente é possível conferir a consistência dos argumentos apresentados contra essa iniciativa.
De saída, veio a advertência de que as cotas exacerbariam a questão racial. Essa ameaça vai completar 18 anos e não se registraram casos significativos de exacerbação. Há cerca de 500 mandados de segurança no Judiciário, mas isso nada mais é que a livre disputa pelo direito.
Num curso paralelo veio a mandinga do não-vai-pegar. Hoje há em torno de 60 universidades públicas com sistemas de acesso orientados por cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de 10 mil jovens beneficiados pela iniciativa.
Havia outro argumento: sem preparo e sem recursos para se manter, os negros entrariam nas universidades, não conseguiriam acompanhar as aulas, desorganizariam os cursos e acabariam deixando as escolas.
Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotistas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi de 13%. No universo dos não cotistas, esse índice foi de 17%.
Quanto ao aproveitamento, na Uerj, os estudantes que entraram pelas cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos demais. Na Federal da Bahia, em 2005, os cotistas conseguiram rendimento igual ou melhor que os não cotistas em 32 dos 57 cursos. Em 11 dos 18 cursos de maior concorrência, os cotistas desempenharam- se melhor em 61 % das áreas.
De todas as mandingas lançadas contra as cotas, a mais cruel foi a que levantou o perigo da discriminação, pelos colegas, contra os cotistas.
Caso de pura transferência de preconceito. Não há notícia de tensões nos campus. Mesmo assim, seria ingenuidade acreditar que os negros não receberam olhares atravessados. Tudo bem, mas entraram para as universidades sustentadas pelo dinheiro público.
Tanto Michelle Obama quanto Sonia Sotomayor, uma filha de imigrantes portorriquenhos nomeada para a Suprema Corte, lembram até hoje dos olhares atravessados que receberam ao entrar na Universidade de Princeton. Michelle tratou do assunto em seu trabalho de conclusão do curso. Ela não conseguiu a matrícula por conta de cotas, mas pela prática de ações afirmativas, iniciada em 1964. Logo na universidade onde, em 1939, Radcliffe Heermance, seu poderoso diretor de admissões de 1922 a 1950, disse a um estudante negro admitido acidentalmente que aquela escola não era lugar para ele, pois "um estudante de cor será mais feliz num ambiente com outros de sua raça". Na carta em que escreveu isso, o doutor explicou que nem ele nem a universidade eram racistas.
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REVISTA ÉPOCA
27/05/2009 - 18:33 - Atualizado em 29/05/2009 - 19:25
Nunca Tive Namorada Negra
O Preconceito Molda a Nossa Capacidade de Amar
Ivan Martins

IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA
Eu nunca tive uma namorada negra. Saí uma ou duas vezes com moças negras na universidade, tive um caso intenso e demorado com uma mulher negra há pouco tempo, mas nenhuma delas foi namorada, relação firme, gente se que incorpora à vida e se leva à casa da mãe. Por que razão? Um dos motivos é geográfico: desde a adolescência quase não há pessoas negras ao meu redor. Elas não estavam no colégio, não estavam na faculdade e não estão no trabalho, com raras e queridas exceções. É nesses ambientes - escola e emprego -- que se constroem relações duradouras de amor e amizade.
O outro motivo é vergonhoso: racismo. Deve haver um pedaço de mim que acha mulher branca mais bacana que mulher negra, independente de beleza, inteligência ou caráter. Mesmo tendo ancestrais negros, cresci numa sociedade em que a cor, os traços e os cabelos africanos são tratados como defeito. É difícil livrar-se desse lixo. Ando pensando sob re essas coisas desde que tive uma discussão, dias atrás, com meu melhor amigo, sobre cotas raciais na universidade. Ele contra, eu a favor. Ele defende cotas econômicas, para jovens pobres oriundos das escolas públicas. Eu sinto que isso não é suficiente. Acredito que os negros têm sido sistematicamente prejudicados ao longo da história brasileira e fazem jus a políticas e tratamento preferenciais.
Penso nas namoradas negras que eu não tive. Elas não estavam na boa escola pública de primeiro grau onde eu entrei depois de um exame de admissão. Também não estavam na escola federal onde fiz o colégio. Ali só se entrava depois de um vestibular duríssimo. Na Universidade de São Paulo, onde estudei jornalismo, só havia um colega negro, nenhuma garota que eu me lembre. Será que isso é apenas econômico? Duvido.
Eu vim de uma família pobre e cheguei à universidade e à classe média. O mesmo fizeram minhas irmãs e meus amigos brancos. Os coleguinhas negros da infância - com poucas exceções -- não chegaram. Estavam em desvantagem. Tem algo aí no meio que é mais do que pobreza. É fácil para mim enxergar que a linha de corte na sociedade brasileira não é apenas de renda. Ela é de cor também. Essa linha está dentro de nós, dentro de mim. Somos racistas, embora mestiços. Por isso me espanta que as pessoas não se inclinem gen erosamente pela idéia de uma reparação aos sofrimentos infringidos aos negros - até como forma de purgar essa coisa ruim e preconceituosa que trazemos dentro de nós.
Eu, que nunca tive uma namorada negra, gostaria que meus filhos vivessem num país melhor. Um país em que houvesse garotas e garotos negros na universidade pública, ao lado deles. Um país em que eles tivessem colegas de trabalho negros. Engenheiros. Médicos. Advogados. Jornalistas. Um país onde as pessoas pudessem se conhecer, se admirar e se amar sem a barreira do preconceito que ainda nos divide.

sábado, 18 de abril de 2009

As Ações Afirmativas em Xeque

Esta semana tem sido de muitos debates e muitas lutas para aqueles que defende uma país mais justo do ponto de vista étnico-racial. A cada dia, mais e mais ataques as questões quilombolas e as cotas raciais, duas das muitas modalidades de ações afirmativas.
1- A Luta Quilombola continua forte e firme apesar dos contrários. Para fortalecer aos apoiadores reproduzo abaixo, artigo publicado pelo renomado e respeitado jurista e professor Dalmo Dalari. Em linhas gerais ele reafirma a posição de vários outros grandes juristas e antropólogos, inclusive este que vos fala, que disse algo na mesma direção em dissertação de mestrado:
Direitos constitucionais dos quilombos
Dalmo Dalari
Os constituintes brasileiros de 1988, inspirados nos princípios proclamados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, deram ao Brasil uma nova Constituição, tendo como um de seus objetivos fundamentais, claramente fixados no Preâmbulo, 'assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais'. Nessa linha, foi inserida no corpo da Constituição a definição dos direitos humanos como normas constitucionais, incluindo os direitos individuais e os direitos econômicos, sociais e culturais. Para garantia do efetivo exercício desses direitos, ficou estabelecido, no artigo 5, parágrafo 1, que 'as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata'. Essa disposição constitucional afirma com clareza, sem qualquer possibilidade de subterfúgios sob pretexto de interpretação, a auto-aplicabilidade das normas relativas a todos os direitos humanos. É importante lembrar que os constituintes aprovaram esse dispositivo para impedir que se reproduzisse, também quanto à nova Constituição, a maliciosa colocação de obstáculos falsamente jurídicos à efetivação dos direitos fundamentais solenemente afirmados no texto constitucional.

Essa manobra jurídica, verdadeira chicana, consistia na afirmação da necessidade de regras inferiores regulamentadoras para que as normas constitucionais pudessem ser aplicadas. Isso foi usado para impedir a participação dos trabalhadores nos lucros das empresas, direito assegurado pela Constituição de 1946. Alegou-se a necessidade de uma lei regulamentadora e, graças à enorme influência do poder econômico no Legislativo, impediu-se que fosse aprovada qualquer lei regulamentando as normas constitucionais sobre aquele direito. E o Executivo, sob a mesma influência, ficou omisso, como se não tivesse poder regulamentar. E assim a Constituição foi usada como fachada ilusória, destinada a calar reivindicações porque os direitos já estavam proclamados.

Hoje não é mais possível usar de subterfúgios semelhantes para impedir, entre outras coisas, a aplicação do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, segundo o qual 'aos remanescentes das comunidades de quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos'. Essa norma, que define e garante direitos fundamentais, é auto-aplicável, por força do que dispõe o parágrafo 1 do artigo 5 da Constituição. E o referido artigo 68 não exige lei regulamentadora, sendo juridicamente perfeita a edição de decreto federal, estabelecendo regras administrativas visando dar àquela norma constitucional efetividade prática, possibilitando o gozo dos direitos. Além dessa base legal para o decreto regulamentador, o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, que integra a legislação brasileira desde 1992, determina que os Estados signatários, entre os quais o Brasil, adotem todas as providências necessárias para a eficácia daqueles direitos. Soma-se a isso a adesão do Brasil à Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, que também integra a ordem jurídica positiva brasileira e determina que sejam garantidos os direitos dos povos 'cujas condições sociais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coletividade nacional', como é o caso dos quilombos.

E foi justamente para a garantia efetiva dos direitos individuais e sociais dos quilombolas que o governo federal editou o decreto n 4887, de 2003, que deve ter aplicação imediata, garantindo-se a supremacia e a eficácia da Constituição.

2- As Ações Afirmativas e mais precisamente as cotas raciais
Esta para ser votado a qualquer momento em caráter terminativo na Comissão de Constituição e Justiça do Senado o Projeto que institui o Programa de Ações Afirmativas nas Universidades públicas federais brasileiras com viés tanto social quanto étnico-racial. Como sempre, os não racistas - o que por inferência lógica coloca-nos todos os que pensam diferentes na categoria de racistas - de novo fazem sua chicana e utilizam de todos os meios para convencer da desnecessidade da adoção de cotas com caracteres étnicos-raciais. De novo foi uma semana daquelas na Globo com direito a matérias diárias no jornal Nacional mostrando a perversidade deste instrumento e dos riscos que a cordial e democrática sociedade brasileira passará a correr.Interessante nenhuma palavra a respeito dos casos bem sucedidos, maioria absoluto nas mais de 50 !!! universidades que já adotaram esse programa.
Nada a se estranhar pois um dos principais diretores da Globo, que atende pelo nome de Ali Kamel é dos mais ferenhos críticos da política de cotas em sua modalidade étnico-racial (aliás, além de criticar as cotas raciais o Sr. Ali "NÃO SOMOS RACISTAS" Kamel - como ficou conehcido após publicar sua importante obra literária - é também bastantre conhecido, no meio jornalístico pela arte de agradar os chefes e defenestrar qualquer espírito independente do jornalismo global). A respeito desta figura nefasta façamos um parêntese e recorramos ao ótimo Alex Castro:
"Na mesma linha de Senhor dos Anéis e Crônicas de Nárnia, o romance de fantasia Não Somos Racistas, de Ali Kamel, se passa em uma terra mítica e utópica, onde não existe racismo e impera a mais estrita meritocracia.
O livro é polivalente: pode ser lido tanto como humor ("rárá! não acredito que esse cara falou mesmo isso!") ou terror ("e pensar que esse homem é o diretor de jornalismo da Globo!", mas é diversão sempre garantida.
* * *
Dois trechos representativos:
Humor
... num país em que acessos a empregos públicos e vagas em instituições de ensino público são assegurados apenas pelo mérito.... (40)
Terror
A grande tragédia que as políticas de preferências e de cotas acarretam é o ódio racial. O sentimento de que o mérito não importa esgarça o tecido social. Na Índia, os registros de atrocidades contra os intocáveis eram de 13 mil nos anos 80; pularam para mais de 20 mil nos anos 90 (o número de mortos era quatro vezes maior nos 90 do que nos 80). Na Nigéria, a adoção de políticas de preferência racial levou a uma guerra civil, provocando o cisma que criou Biafra (mais tarde reincorporada), sinônimo de fome e miséria. Sri Lanka, quando da independência, era uma nação em que duas etnias, com língua e religião diferentes, conviviam harmoniosamente. Com a adoção de políticas de preferência racial, o que se viu foi uma das mais sangrentas guerras civis. Nos EUA, o número de conflitos raciais foi crescente a partir da década de 70, ano de adoção das cotas. (92)
* * *
Sinceramente, se você olha pro Brasil de hoje e vê uma meritocracia, então, sério, eu não sei nem por onde começar um diálogo. Melhor nem tentar.
Na novela das oito Duas Caras, da Rede Globo, a personagem Gislene, interpretada por Juliana Alves (atriz negra), "uma jovem politicamente engajada e contrária a qualquer forma de preconceito", apareceu durante vários capítulos lendo o livro Não Somos Racistas , de Ali Kamel, diretor-executivo de jornalismo da (isso mesmo!) Rede Globo. Como bem disse a apostila Cultura e Cidadania 2008 do Educafro, às vezes fica difícil de saber onde termina o Jornal Nacional e começa a novela.
Para excelentes notícias e artigos como esses recomendo enormemente o link abaixo, do blog-site de Alex Castro, que direto dos EUA onde é professor tem sido um dos mais destacados defensores das Ações Afirmativas no Brasil. Para ver mais: http://www.interney.net/blogs/lll?cat=2280
Ainda a esse respeito Luiz Carlos Azenha (mais um que pediu o boné na Globo por não aceitar os métodos Kamelisticos):
"Pessoalmente acho que as cotas não devem ser impostas de cima para baixo, pelo governo federal, como se fossem a cura para todos os males. Acredito em ações afirmativas de baixo para cima, adotadas por instituições públicas e privadas, no feitio do que já fazem diversas universidades brasileiras.Elas enfrentam um combate duro patrocinado pelos neocons brasileiros, que se reúnem em torno da revista Veja e da TV Globo -- de Ali Kamel a Reinaldo Azevedo, de Demétrio Magnoli a Diogo Mainardi. É um país curioso, o Brasil. Na matriz, os neocons são um fenômeno dos anos 80. Mas aqui, na filial, só ganharam algum status já no século 21. É mais uma demonstração do atraso de nossa elite. Aliás, não é de hoje que os intelectuais prestam serviço a causas pouco nobres, fornecendo os argumentos para a manutenção de injustiças sociais como a escravidão." ver mais http://www.viomundo.com.br/opiniao/o-falso-argumento-na-questao-das-cotas/
Poderia aqui citar vários e vários links que "confirmam" a tese de Kamel (http://marjorierodrigues.wordpress.com/2009/04/04/o-apartheid-do-elevador/), mas seria enfadonho e desnecessário, pois qualquer brasileiro em sã consciência já viu, foi vitima ou praticou pré-conceitos e racismos. Aliás é o próprio brasileiro que assume isso perante a diversas pesquisas. Mas como nós os brasileiro somos mais cordiais e aprendemos que não somos racistas, não assumimos praticar tais atos, mas sim ter presenciado tais atos. O que levou um astuto (e nem precisava ser) pesquisador estrangeiro em nosso país a exclamar: o brasileiro não é racista e nem preconceituoso mas todos os seus amigos, parentes e vizinhos o são. Seria engraçado senão fosse trágico e um retrato de propaganda como as feitas pelo Sr. Kamel e companhia ilimitada.
Mas como nem todos podemos comungar da ilha de fantasia e dos romances kamelisticos. Vale a pena algumas palavras a respeito do conceito de raça e de seus usos, bem como da ideia de Democracia Racial (e não mito - por favor não fiquem por ai repetindo que no Brasil existe um Mito da Democracia Racial. O que existe no Brasil é uma falácia de Democracia Racial e não mito, pois ao contrário do que faz crer o senso comum, mito não é algo mentiroso ou fantasioso. E nossa Democracia Racial é fantasiosa e mentirosa).
Vejamos então um pouco (a seguir trechos da minha dissertação, onde discuto este tema):
A palavra étnico-racial, e sua efetividade enquanto bandeira de luta do Movimento Negro, é pertinente do ponto de vista da luta político-social para a efetivação da eqüidade entre os diferentes grupos étnicos, formadores da nacionalidade brasileira. Diante da centralidade dessa definição, será feita uma digressão a respeito da idéia de raça no contexto brasileiro e da aplicação de políticas de caráter afirmativo.
Oracy Nogueira (1998) considera o preconceito brasileiro um preconceito de marca (cor) e não de origem (raça), diferente do preconceito racial norte-americano. E neste sentido teria conseqüências menos graves no que se refere às oportunidades para pretos e mulatos, se comparado ao preconceito norte-americano. O preconceito de cor no Brasil se exerce em relação à aparência, suas manifestações são definidas pelos traços físicos do indivíduo, a fisionomia, os gestos, os sotaques e pode então ser classificado como um preconceito de marca. Oracy Nogueira, ao reconhecer que existe um preconceito de cor no Brasil, ainda que diferente do preconceito de raça norte-americano, avança em relação à visão de que não existiria preconceito ou discriminação em nosso país, seja racial ou de marca, visão difundida por D. Pierson ou a visão mais habitual nas Ciências Sociais brasileiras, de que o nosso problema é apenas de classe social, na visão de M. Harris.
Dos estudos destes dois autores, além de outros, segundo Antonio Sérgio Guimarães (1999:108-109), restaram cinco mal-entendidos: 1- no Brasil não existiria raça e sim cores “como se a idéia de raça não estivesse subjacente à de cor e não pudesse ser, a qualquer momento, acionada para realimentar identidades sociais”; 2- o consenso de que aparência física, e não a origem, é que determina a cor, “como se houvesse algum meio preciso de definir biologicamente as raças, e todas as formas de aparências, não fossem, elas mesmas, convenções”; 3- a impressão falsa de que, no Brasil, não se discrimina alguém com base em sua raça ou cor, “posto que não haveria critérios inequívocos de classificação de cor”; 4- a idéia da assimilação à “idéia de que os mulatos e os negros mais claros e educados fossem sempre economicamente absorvidos, integrados cultural e socialmente”, bem como “cooptados politicamente pelo establishment branco”; 5- o consenso, segundo o qual “a ordem hierárquica racial, ainda visível no País, fosse apenas um vestígio da ordem escravocrata em extinção”.
A crítica que deve ser feita a esses autores deriva da não-percepção de que raça tal como cor é um construto social e não um priori biológico. A cor, raça ou fenotipia enquanto uma construção e não um fenômeno natural é um dos mecanismos de reprodução de desigualdades sociais, ou seja, o status estamental surgido na escravidão persiste nos dias atuais. No Brasil o status de atribuição, a cor ou a origem da família, por exemplo, sobrepõe-se ao status adquirido. Portanto, como Nogueira mesmo reconhece, o preconceito brasileiro é de dupla ordem, e nesse sentido podemos contestar sua afirmação de que ele é menos grave do que o norte-americano.
Para Nogueira, por sua característica de marca, o preconceito e a discriminação em nosso país se disfarçariam em preconceito ou discriminação de classe e se confundiria com este. O autor é tributário a Tales de Azevedo, para quem as desigualdades sociais são também desigualdades de cor. Para Azevedo, a estrutura social brasileira é duplamente hierárquica: dividida em classes sociais e em status e prestígio. A hierarquia de classe seguiria os preceitos de mercado, no entanto, a de status e prestígio seria demarcada através da adscrição, em elementos como cor e origem familiar. Segundo Guimarães (1999:120),
"De modo original, Azevedo dotou as designações raciais brasileiras de um fundamento estrutural, tratando-as não mais com denominações biológicas, mas como nomes de grupo de prestígio. Explicitava, assim, o significado sociológico do velho ditado, também típico-ideal, de que “branco pobre é preto e preto rico é branco”.
Azevedo confirma assim o danoso processo de embranquecimento, não mais biológico, mas social, a que está submetido o negro brasileiro. No Brasil convivem harmoniosamente dois tipos de preconceito: o de classe e o da cor (de marca), e assim, a população marcadamente através da cor, do fenótipo ou estereótipo negro (aqui entende-se que os negros são a soma dos pardos e pretos) sofre as conseqüências duplamente. Neste sentido até mesmo Azevedo estava errado quando preconizava o fim eminente da hierarquia de status e prestígio, pelo processo de industrialização. O que ele não atentou foi que a marca (cor) no Brasil, ao englobar elementos como as características físicas, a cor de pele, o cabelo, o formato do nariz e lábios, ou seja, características propriamente fenotípicas, não é uma variável dependente do processo de desenvolvimento social. Disto decorre que, mesmo com a industrialização, o preconceito e a discriminação não foram extintos, e a maioria esmagadora dos negros continua nas camadas mais baixas da população.
Essa relação é explícita no texto de Neusa Gusmão (1995:18-19):
A historicidade concreta, enquanto ataduras das relações sociais, revela a unidade do diverso, ou seja, a etnicidade, a classe, e a raça como partes integrantes de um mesmo processo, não redutoras uma das outras. Tais categorias, ainda que específicas, são, a um só tempo, complementares e opostas entre si. Nesse sentido a integração do negro a uma sociedade multirracial e pluriétnica como a brasileira pressupõe relações vividas em termos de raça e de classe, pressupõe a identidade construída enquanto etnicidade. Na condição duplamente subalterna, o segmento negro se põe diante de si mesmo e do branco e é a partir desta condição que estabelece sua luta.
(...)
No entanto, a questão da diferença e da alteridade toma por base aspectos raciais, traços fenotípicos e aspectos culturais, inserindo-os num sistema de relações sociais e simbólicas, em que, como grupo étnico, minoria social, classe subalterna se confrontam. Nessa medida, o cotidiano revela-se como determinante do conflito e da resistência tomando por base a identidade construída na relação com a terra particular, a terra-território e, portanto, não definida pelo sistema.
Antônio Sérgio Guimarães (1999:9) define a idéia de raça na realidade brasileira ao afirmar que
‘raça’ é um conceito que não corresponde a nenhuma realidade natural. Trata-se, ao contrário, de um conceito que denota tão-somente uma forma de classificação social, baseada numa atitude negativa frente a certos grupos sociais, e informada por uma noção específica de natureza, como algo endodeterminado. A realidade das raças limita-se, portanto, ao mundo social. Mas, por mais que nos repugne a empulhação que o conceito de ‘raça’ permite - ou seja, fazer passar por realidade natural preconceitos, interesses e valores sociais negativos e nefastos -, tal conceito tem uma realidade social plena, e o combate ao comportamento social que ele enseja é impossível de ser travado sem que se lhe reconheça a realidade social que só o ato de nomear permite.
Ou seja, ainda que se trate de um erro biológico falar em raças (a genética cada vez mais nos traz resultados auspiciosos a este respeito), o conceito de raça não pode ser destituído de seu verdadeiro espírito e ideologia: a princípio de preconceito e discriminação negativa. A biologia desvendou a falácia da idéia de raça, enquanto diferenças naturalizadoras, no entanto, enquanto construção social (e é isso que importa a um cientista social) e marcador diacrítico (através de traços fenotípicos), ela perdura, quer de forma negativa quer atualmente de forma positiva, como se verá abaixo. Como bem explanado por Arruti (1997:10), “Marcado e desvalorizado como aparência, na sua relação com a ‘sociedade brasileira’ o negro é agente de contaminação, fazendo com que a alteridade sirva, no seu caso, à construção de um juízo de valor político.”
Diante desta realidade, como afirma o professor Antônio S. Guimarães, somente a nomeação e a denúncia poderão contribuir para a não-naturalização desta chaga na vida social. No entanto, deve-se perceber que o preconceito e a discriminação se desenvolvem diferentemente para cada realidade e só podem ser entendidos a partir de sua própria história, daí poder se falar em um racismo à brasileira: assimilacionista e universal. Nele existe uma homologia entre hierarquia de status e raça/cor (entendida mais como um fenótipo). Segundo Guimarães, essa homologia permite que sejamos igualitaristas no plano doutrinário e hierarquizadores no plano cotidiano. O senso comum expressa no cotidiano, através do fenótipo (as percepções cromáticas e físicas), a ideologia de que cada um deve saber qual o seu lugar, como tão representado na locução “Você sabe com quem está falando?”.
Se o racismo, no Brasil, impõe uma dupla hierarquização e historicamente uma marca negativa, devemos reconhecer que atualmente, através de um processo de positivação e valoração, o orgulho de ser negro torna-se um sinal de afirmação política, bem expressa na letra de James Brown “I'M BLACK and I'M PROUD. I Feel Good” (que pode ser traduzido por: Eu sou PRETO e Eu sou ORGULHOSO. Eu sinto bem). Neste processo em que raça é entendida como construto social, cada vez mais tende haver uma discrepância entre a auto-classificação e a classificação fenotípica imposta por terceiros. A classificação emica tenderá a expressar o prestígio social. Para alguns que se classificam negros, a expressão é do sentimento de orgulho, e para outros que se classificam brancos, ou morenos (a cor-escape na realidade sócio-racial brasileira), é a forma de se incluírem na hierarquia de status e prestígio.
Nas nações multiétnicas, como no Brasil, a crítica à igualdade formal de direitos perante a lei tem-se organizado em torno do diagnóstico de que nestas nações, que durante algum tempo mantiveram grupos de pessoas subjugadas legalmente, a existência de dispositivos constitucionais e legais de combate à discriminação e ao status de inferioridade é insuficiente.
Esta conclusão permite afirmar, de acordo com o jurista Joaquim Barbosa Gomes (2001:37), que, diga-se de passagem, é o primeiro negro a ser indicado para ocupar uma vaga de ministro no Supremo Tribunal Federal, que,
1o – as proclamações jurídicas por si sós (...) não são suficientes para reverter um quadro social que finca âncoras na tradição cultural de cada país, e no imaginário coletivo (...);
2o – que a reversão de tal quadro só será viável com a renúncia do Estado à sua neutralidade em questões sociais, devendo assumir, ao contrário, uma posição ativa, e até mesmo radical se vista à luz dos princípios norteadores da sociedade liberal clássica.
Assim sendo, a crítica à igualdade formal de direitos perante a lei tem se organizado diante da conclusão de que a desigualdade, neste caso em particular a de raça/cor, se alimenta de um poderoso e dissimulado fenômeno de discriminação que impede os negros de usufruírem das mesmas oportunidades oferecidas aos brancos. Em razão dessa assimetria, somente uma ação focada poderá promover a igualdade de acesso a todos os cidadãos; é deste imperativo que surge a defesa das ações afirmativas, entendidas como uma política que permite tratar os desiguais de maneira desigual. Esta premissa faz parte do princípio da hermenêutica diatópica, desenvolvida pelo sociólogo português Boaventura Sousa Santos (2001), segundo a qual a luta pela igualdade passa pelo reconhecimento e pelo respeito às diferenças, portanto, a busca por cidadania pressupõe o combate às desigualdades e não às identidades, pois, de outra forma, não se pode falar em cidadania e sim em tirania, uma sociedade injusta e de homens não livres, que definitivamente negam a cidadania em seus princípios basilares. Esta premissa, oriunda da filosofia aristotélica, foi definida pelo filósofo e cientista político italiano Bobbio como “regra da justiça”.
Para ler mais recomendo os links abaixo, uma mostra dos mais de 70 posts sobre esta temática, publicado aqui no Blog.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Viva as açoes afirmativas

Deu no Estadão: "Inclusão muda perfil de curso da USP. Medicina tem recorde de egressos da rede pública; nenhum aluno dos 3 melhores colégios privados obteve vaga"
Segundo o Jornal "o número de estudantes de escolas públicas convocados para o curso foi o recorde das últimas décadas - na USP Pinheiros chegou a 37,7% do total de aprovados." Além disso a matéria desmente outro mito de que alunos que entram por meio de programas afirmativos teria desempenho ruim ou abaixo de seus colegas, esse mito é desmentido pelo coordenador de graduação do curso de Medicina: "Os alunos que entraram em anos anteriores pelo Inclusp tiveram o mesmo desempenho que os outros. Nossa preocupação é oferecer condições para que eles concluam o curso", diz o presidente da comissão de graduação da Faculdade de Medicina, Milton Arruda Martins. Segundo ele, deve haver aumento no número de bolsas, de R$ 400. O unico senão é não se conjugar a questão social com a questão racial, mas essa é uma peleia que ainda temos que lutar muito.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

O Falso argumento na questão das cotas

Nosso tema favorito, negritude, cotas, consciência negra e racismo. Nessas andanças, pela blogosfera encontrei esse texto do Azenha, bastante interessante sobre essas questões e a mídia.
O FALSO ARGUMENTO NA QUESTÃO DAS COTAS
Liuiz Carlos Azenha
Eu passei a me interessar pela África graças à Conceição Oliveira, uma das editoras-itinerantes deste site. Desde então mergulhei nos assuntos africanos. Com grande prazer acabo de ler "A Manilha e o Libambo", de Alberto da Costa e Silva.
No Brasil, neste momento, trava-se um debate sobre as cotas para negros. Há os que querem que elas sejam impostas pelo governo federal. E os que as rejeitam completamente, argumentando que as cotas deveriam ser sociais, não raciais, e que não devemos "racializar" o debate, que essa "racialização" é um importação indevida de modismos dos Estados Unidos e que só vai aprofundar a cisão racial no Brasil.
Eu diria a vocês que essa "racialização" já existe. E que muitos dos que se opõem a qualquer tipo de ação afirmativa na verdade acabam defendendo a manutenção de um status quo injusto, em que a mulher negra está na escala mais baixa da pirâmide que tem no topo os homens brancos.
Pessoalmente acho que as cotas não devem ser impostas de cima para baixo, pelo governo federal, como se fossem a cura para todos os males. Acredito em ações afirmativas de baixo para cima, adotadas por instituições públicas e privadas, no feitio do que já fazem diversas universidades brasileiras.
Elas enfrentam um combate duro patrocinado pelos neocons brasileiros, que se reúnem em torno da revista Veja e da TV Globo -- de Ali Kamel a Reinaldo Azevedo, de Demétrio Magnoli a Diogo Mainardi. É um país curioso, o Brasil. Na matriz, os neocons são um fenômeno dos anos 80. Mas aqui, na filial, só ganharam algum status já no século 21. É mais uma demonstração do atraso de nossa elite.
Aliás, não é de hoje que os intelectuais prestam serviço a causas pouco nobres, fornecendo os argumentos para a manutenção de injustiças sociais como a escravidão. O próprio Alberto da Costa e Silva encerra o seu livro com um capítulo que deveria ser leitura obrigatória. Segue um trecho:
No fim do século 17, ao se falar de escravo, pensava-se em negro. Ficara para trás o tempo em que nas listas da escravaria do sol da Europa tinham destaque árabes, armênios, berberes, búlgaros, circassianos, eslavos, gregos e turcos, e em que os negros eram minoria nas populações escravas das Américas. Quase duzentos anos antes, já se tornara incomum encontrar-se nos espaços dominados pela Europa um escravo branco que tivesse vindo de terras cristãs ou, melhor, que fosse europeu.
[...]
Além de negros, não era invulgar, no Portugal quinhentista, encontrarem-se em cativeiro árabes, berberes e turcos. Havia também, ainda que em número bem menor, indianos, malaios, chineses e ameríndios. Estes últimos eram poucos, porque adoeciam com facilidade ou, deprimidos, se suicidavam. Quanto aos asiáticos, a Coroa lhes limitava a importação, para não ocuparem um espaço que seria melhor empregado, nas naus da Índia, com pimenta, canela, cravos, sedas, lacas e outras mercadorias mais valiosas.
[...]
Tal qual sucedera, a partir do século 10, no mundo islâmico, o negro foi-se tornando, ao avançar o Seiscentos, no sul da Europa e na maior parte das Américas, o escravo por excelência. De um "outro" entre os "outros", passou a ser considerado uma espécia humana distinta, inferior à branca e predestinada a serví-la. Repetiram-se entre os europeus -- e não como enredo de farsa, mas novamente como urdidura de tragédia -- todos os argumentos que os árabes haviam esgrimido para justificar a escravidão dos pretos. Ressuscitou-se, possivelmente a partir da versão muçulmana, o falso anátema de Noé contra os filhos de Cam -- falso porque lançado claramente contra apenas um deles, Canaã, e não contra Cuxe, de quem descenderiam os africanos. Noé os amaldiçoara: os seus descendentes seriam escravos e negros -- e escravos porque negros.
Foram reforçando-se, um a um, os estereótipos a partir dos quais se construiria toda uma ideologia racista: os pretos eram curtos de inteligência, indolentes, canibais, idólatras e supersticiosos por natureza, só podendo ascender à plena humanidade pelo aprendizado na servidão.
[...]
Esse tecido ideológico vestia a necessidade que tinha a expansão européia de mão-de-obra abundante. Já no começo do Quinhentos, em muitas partes da América, os aborígenes diminuíam rapidamente de número, vítimados pelas guerras e razias, pelo excesso de trabalho e pelas doenças trazidas pelos conquistadores, e se mostravam difíceis de escravizar, ou porque podiam facilmente refugiar-se nas funduras dos sertões e ali resistir pelas armas, ou porque se abrigavam sob a proteção dos jesuítas e de outras ordens da Igreja. As regiões balcânicas e à volta do mar Negro, até então a maior fonte de escravaria para a Europa e o mundo islâmico, tinham sido fechadas aos europeus pelos otomanos, na metade do Quatrocentos.
[...]
Em contraste, as costas da África subsaariana apareciam como uma fonte quase inesgotável de escravos.
*****
Pelo que escreve o autor do livro, não houve falta de gente a fornecer os argumentos necessários para justificar a escravidão. Assim como não faltam, hoje, aqueles que acreditam que basta investir na educação para superar o verdadeiro abismo de renda que existe entre os homens brancos e as mulheres negras na sociedade brasileira.
Quando eles dizem que é um risco "racializar" o debate estão brandindo um argumento falso. Por mais que a gente disfarce a sociedade brasileira é "racializada", com os homens brancos no topo e as mulheres negras na base da pirâmide de renda, de acordo com números do IPEA. Estou entre os que acreditam que o estado brasileiro deve fazer algo a respeito.
http://www.viomundo.com.br/opiniao/o-falso-argumento-na-questao-das-cotas/

sábado, 27 de dezembro de 2008

Quando a idéia de Mulato ainda é usada como forma elogiosa, eis que - Parte III

Que bom que a experiência prática tem levado a reflexões tão seguras e maduras, quantas as relatadas abaixo pelo Meritissimo Juiz de Direito Willian Douglas. Me lembro, quando Eu já favorável as cotas fui convidado por uma querida colega e amiga para conhecer o Educafro, Ong na qual ela atuava. Fo paixão de primeira e como foi bom na medida do meu tempo escasso ter podido junto com ela e outros tantos participar dessa experiência em Minas. De poder sentir atuando em uma experiência já vitoriosa no Rio de Janeiro e em S. Paulo. Lembro-me que naqueles anos, entre fins de 2001 e 2002 o Educafro em Minas era apenas uma semente, já frutífera (bem me lembro), mas apenas uma semente no bairro São José e que graças ao trabalho sério de pessoas como a minha amiga Dani, do Sérgio, dos freis franciscanos e posteriormente da ajuda vinda do Colégio Santo Antônio, o Educafro foi crescendo, crescendo. Me lembro que por motivos profissionais e acadêmicos (motivos de tempo que fiquem claro) acabei tendo que me afastar mas ainda assim acompanhando por e-mails e em datas festivas as vitórias do Educarfro e de seus alunos. Anos mais tarde já sob a batuta de outra colega, a Paulinha (que aliás havia indicado ao Educafro devido sua sede de justiça e vontade de trabalhar com a nossa questão da afro-descedência) e a Danielle pode pessoalmente ver o tanto que o EDUCAFRO havia fortificado e produzido frutos. Lembro-me da grata surpresa ao chegar ao Encontro anual do Educafro em Betim (encontro este que frequentei durante pelo menos uns 4 anos) desta vez na condição de um convidado palestrante (e aqui digo cheio de orgulho, já que nesse caso representava tanto a fortificação do Educafro, quanto minha fortificação pessoal, pois que nessa época já era um pós-graduando e interessado em estudar as questões afro-descendentes) e perceber que o Educafro Minas era uma realidade em todas as regiões do Estado. Me lembro o quão bom foi conversar com pessoas do centro-oeste mineiro, do triangulo, do sul, do campo das vertentes, da zona da mata e saber os resultados auspiciosos destes cursinhos. Enfim ler esse texto foi muito feliz e oportuno e me permitiu relembrar momentos tão bons como esse e de público agradecer aos que permitiram esse momento rico: Dani e Sérgio e render homenagem nas pessoas da Paulinha e da Danielle que continuam tão bonita trajetória. Carlos Eduardo, mestre em Antropologia, negro, professor e militante das Açoes Afirmativas e Cidadãs para as minorias sejam elas raciais, econômicas, religiosas, de origem de opção sexual e ideológicas.
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Juiz Federal muda opinião sobre cotas para negros (as)

William Douglas, juiz federal (RJ), mestre em Direito (UGF),
especialista em Políticas Públicas e Governo (EPPG/UFRJ),
professor e escritor, caucasiano e de olhos azuis.

Roberto Lyra, Promotor de Justiça, um dos autores do Código Penal de 1940, ao lado de Alcântara Machado e Nelson Hungria, recomendava aos colegas de Ministério Público que "antes de se pedir a prisão de alguém deveria se passar um dia na cadeia". Gênio, visionário e à frente de seu tempo, Lyra informava que apenas a experiência viva permite compreender bem uma situação.

Quem procurar meus artigos, verá que no início era contra as cotas para negros, defendendo – com boas razões, eu creio – que seria mais razoável e menos complicado reservá-las apenas para os oriundos de escolas públicas. Escrevo hoje para dizer que não penso mais assim. As cotas para negros também devem existir. E digo mais: a urgência de sua consolidação e aperfeiçoamento é extraordinária. Embora juiz federal, não me valerei de argumentos jurídicos. A Constituição da República é pródiga em planos de igualdade, de correção de injustiças, de construção de uma sociedade mais justa. Quem quiser, nela encontrará todos os fundamentos que precisa. A Constituição de 1988 pode ser usada como se queira, mas me parece evidente que a sua intenção é, de fato, tornar esse país melhor e mais decente. Desde sempre as leis reservaram privilégios para os abastados, não sendo de se exasperarem as classes dominantes se, umas poucas vezes ao menos, sesmarias, capitanias hereditárias, cartórios e financiamentos se dirigirem aos mais necessitados. Não me valerei de argumentos técnicos nem jurídicos dado que ambos os lados os têm em boa monta, e o valor pessoal e a competência dos contendores desse assunto comprovam que há gente de bem, capaz, bem intencionada, honesta e com bons fundamentos dos dois lados da cerca: os que querem as cotas para negros, e os que a rejeitam, todos com bons argumentos.

Por isso, em texto simples, quero deixar clara minha posição como homem, cristão, cidadão, juiz, professor, "guru dos concursos" e qualquer outro adjetivo a que me proponha: as cotas para negros devem ser mantidas e aperfeiçoadas. E meu melhor argumento para isso é aquele que me convenceu a trocar de lado: "passar um dia na cadeia". Professor de técnicas de estudo, há nove anos venho fazendo palestras gratuitas sobre como passar no vestibular para a EDUCAFRO, pré-vestibular para negros e carentes. Mesmo sendo, por ideologia, contra um pré-vestibular "para negros", aceitei convite para aulas como voluntário naquela ONG por entender que isso seria uma contribuição que poderia ajudar, ou seja, aulas, doação de livros, incentivo. Sempre foi complicado chegar lá e dizer minha antiga opinião contra cotas para negros, mas fazia minha parte com as aulas e livros. E nessa convivência fui descobrindo que se ser pobre é um problema, ser pobre e negro é um problema maior ainda. Meu pai foi lavrador até seus 19 anos, minha mãe operária de "chão de fábrica", fui pobre quando menino, remediado quando adolescente. Nada foi fácil, e não cheguei a juiz federal, a 350.000 livros vendidos e a fazer palestras para mais de 750.000 pessoas por um caminho curto, nem fácil. Sei o que é não ter dinheiro, nem portas, nem espaço. Mas tive heróis que me abriram a picada nesse matagal onde passei. E conheço outros heróis, negros, que chegaram longe, como Benedito Gonçalves, Ministro do STJ, Angelina Siqueira, juíza federal. Conheço vários heróis, negros, do Supremo à portaria de meu prédio.

Apenas não acho que temos que exigir heroísmo de cada menino pobre e negro desse país. Minha filha, loura e de olhos claros, estuda há três anos num colégio onde não há um aluno negro sequer, onde há brinquedos, professores bem remunerados, aulas de tudo; sua similar negra, filha de minha empregada, e com a mesma idade, entrou na escola esse ano, escola sem professores, sem carteiras, com banheiro quebrado. Minha filha tem psicóloga para ajudar a lidar com a separação dos pais, foi à Disney, tem aulas de Ballet. A outra, nada, tem um quintal de barro, viagens mais curtas. A filha da empregada, que ajudo quanto posso, visitou minha casa e saiu com o sonho de ter seu próprio quarto, coisa que lhe passou na cabeça quando viu o quarto de minha filha, lindo, decorado, com armário inundado de roupas de princesa. Toda menina é uma princesa, mas há poucas das princesas negras com vestidos compatíveis, e armários, e escolas compatíveis, nesse país imenso. A princesa negra disse para sua mãe que iria orar para Deus pedindo um quarto só para ela, e eu me incomodei por lembrar que Deus ainda insiste em que usemos nossas mãos humanas para fazer Sua Justiça. Sei que Deus espera que eu, seu filho, ajude nesse assunto. E se não cresse em Deus como creio, saberia que com ou sem um ser divino nessa história, esse assunto não está bem resolvido. O assunto demanda de todos nós uma posição consistente, uma que não se prenda apenas à teorias e comece a resolver logo os fatos do cotidiano: faltam quartos e escolas boas para as princesas negras, e também para os príncipes dessa cor de pele. Não que tenha nada contra o bem estar da minha menina: os avós e os pais dela deram (e dão) muito duro para ela ter isso. Apenas não acho justo nem honesto que lá na frente, daqui a uma década de desigualdade, ambas sejam exigidas da mesma forma. Eu direi para minha filha que a sua similar mais pobre deve ter alguma contrapartida para entrar na faculdade. Não seria igualdade nem honesto tratar as duas da mesma forma só ao completarem quinze anos, mas sim uma desmesurada e cruel maldade, para não escolher palavras mais adequadas. Não se diga que possamos deixar isso para ser resolvido só no ensino fundamental e médio. É quase como não fazer nada e dizer que tudo se resolverá um dia, aos poucos. Já estamos com duzentos anos de espera por dias mais igualitários. Os pobres sempre foram tratados à margem. O caso é urgente: vamos enfrentar o problema no ensino fundamental, médio, cotas, universidade, distribuição de renda, tributação mais justa e assim por diante. Não podemos adiar nada, nem aguardar nem um pouco. Foi vendo meninos e meninas negros, e negros e pobres, tentando uma chance, sofrendo, brilhando nos olhos uma esperança incômoda diante de tantas agruras, que fui mudando minha opinião. Não foram argumentos jurídicos, embora eu os conheça, foi passar não um, mas vários "dias na cadeia". Na cadeia deles, os pobres, lugar de onde vieram meus pais, de um lugar que experimentei um pouco só quando mais moço. De onde eles vêm, as cotas fazem todo sentido. Se alguém discorda das cotas, me perdoe, mas não devem fazê-lo olhando os livros e teses, ou seus temores. Livros, teses, doutrinas e leis servem a qualquer coisa, até ao nazismo. Temores apenas toldam a visão serena. Para quem é contra, com respeito, recomendo um dia "na cadeia". Um dia de palestra para quatro mil pobres, brancos e negros, onde se vê a esperança tomar forma e precisar de ajuda. Convido todos que são contra as cotas a passar conosco, brancos e negros, uma tarde num cursinho pré-vestibular para quem não tem pão, passagem, escola, psicólogo, cursinho de inglês, ballet, nem coisa parecida, inclusive professores de todas as matérias no ensino médio.

Se você é contra as cotas para negros, eu o respeito. Aliás, também fui contra por muito tempo. Mas peço uma reflexão nessa semana: na escola, no bairro, no restaurante, nos lugares que freqüenta, repare quantos negros existem ao seu lado, em condições de igualdade (não vale porteiro, motorista, servente ou coisa parecida). Se há poucos negros ao seu redor, me perdoe, mas você precisa "passar um dia na cadeia" antes de firmar uma posição coerente não com as teorias (elas servem pra tudo), mas com a realidade desse país. Com nossa realidade urgente. Nada me convenceu, amigos, senão a realidade, senão os meninos e meninas querendo estudar ao invés de qualquer outra coisa, querendo vencer, querendo uma chance. Ah, sim, "os negros vão atrapalhar a universidade, baixar seu nível", conheço esse argumento e ele sempre me preocupou, confesso. Mas os cotistas já mostraram que sua média de notas é maior, e menor a média de faltas do que a de quem nunca precisou das cotas. Curiosamente, negros ricos e não cotistas faltam mais às aulas do que negros pobres que precisaram das cotas. A explicação é simples: apesar de tudo a menos por tanto tempo, e talvez por isso, eles se agarram com tanta fé e garra ao pouco que lhe dão, que suas notas são melhores do que a média de quem não teve tanta dificuldade para pavimentar seu chão. Somos todos humanos, e todos frágeis e toscos: apenas precisamos dar chance para todos. Precisamos confirmar as cotas para negros e para os oriundos da escola pública. Temos que podermos considerar não apenas os deficientes físicos (o que todo mundo aceita), mas também os econômicos, e dar a eles uma oportunidade de igualdade, uma contrapartida para caminharem com seus co-irmãos de raça (humana) e seus concidadãos, de um país que se quer solidário, igualitário, plural e democrático. Não podemos ter tanta paciência para resolver a discriminação racial que existe na prática: vamos dar saltos ao invés de rastejar em direção a políticas afirmativas de uma nova realidade. Se você não concorda, respeito, mas só se você passar um dia conosco "na cadeia". Vendo e sentindo o que você verá e sentirá naquele meio, ou você sairá concordando conosco, ou ao menos sem tanta convicção contra o que estamos querendo: igualdade de oportunidades, ou ao menos uma chance. Não para minha filha, ou a sua, elas não precisarão ser heroínas e nós já conseguimos para elas uma estrada. Queremos um caminho para passar quem não está tendo chance alguma, ao menos chance honesta. Daqui a alguns poucos anos, se vierem as cotas, a realidade será outra. Uma melhor. E queremos você conosco nessa história. Não creio que esse mundo seja seguro para minha filha, que tem tudo, se ele não for ao menos um pouco mais justo para com os filhos dos outros, que talvez não tenham tido minha sorte. Talvez seus filhos tenham tudo, mas tudo não basta se os filhos dos outros não tiverem alguma coisa. Seja como for, por ideal, egoísmo (de proteger o mundo onde vão morar nossos filhos), ou por passar alguns dias por ano "na cadeia" com meninos pobres, negros, amarelos, pardos, brancos, é que aposto meus olhos azuis dizendo que precisamos das cotas, agora. E, claro, financiar os meninos pobres, negros, pardos, amarelos e brancos, para que estudem e pelo conhecimento mudem sua história, e a do nosso país comum, pois, afinal de contas, moraremos todos naquilo que estamos construindo.

Então, como diria Roberto Lyra, em uma de suas falas, "O sol nascerá para todos. Todos dirão – nós – e não – eu. E amarão ao próximo por amor próprio. Cada um repetirá: possuo o que dei. Curvemo-nos ante a aurora da verdade dita pela beleza, da justiça expressa pelo amor."
Justiça expressa pelo amor e pela experiência, não pelas teses. As cotas são justas, honestas, solidárias, necessárias. E, mais que tudo, urgentes. Ou fique a favor, ou pelo menos visite a cadeia.

sábado, 1 de novembro de 2008

Após cotas, número de negros na UnB é cinco vezes maior

Após cotas, número de negros na UnB é cinco vezes maior

ANGELA PINHOJOHANNA NUBLAT
da Folha de S.Paulo, em Brasília

Quando Angelo Roger de França Cruz, 26, entrou no curso de serviço social da UnB (Universidade de Brasília) em 2004, havia cerca de 400 negros na universidade, a primeira federal do país a adotar o sistema de cotas raciais.
Hoje, a um mês de se formar, Cruz tem como colegas outros 2.049 negros. No ano da formatura das primeiras turmas de cotistas, o número de negros na UnB é cinco vezes maior do que antes da adoção das cotas.
A Folha conversou com sete alunos que entraram pelo primeiro vestibular com cotas da universidade. Três irão se formar até julho, outros três no fim do ano e um concluiu o curso em três anos e meio, no semestre passado.
Todos moram a pelo menos 20 quilômetros da UnB, em cidades periféricas de Brasília, e se sustentaram durante o curso com bolsas de pesquisa --estas, em sua maioria, relacionadas à situação do negro.
"Sem as cotas, provavelmente eu não teria feito o vestibular da UnB", afirma Cruz, aluno de escola pública. "A imagem da UnB era uma coisa muito distante. Da minha turma de 40 pessoas no ensino médio, só cinco fizeram a prova e dois entraram na universidade. "
Dalila Torres, 22, que irá se formar em ciência política no final do ano, diz que estranhava o ambiente. "Quando cheguei, me sentia muito mal, não me reconhecia em ninguém."
Hoje eles se dizem integrados, embora notem uma grande diferença de renda em relação aos colegas não-cotistas. "Entra um negro com dinheiro? Pode até ser, mas eu não conheço", diz Marcela Lustosa, 22, formanda de serviço social.
O abismo econômico é percebido no convívio fora da universidade. Marcela diz que prefere fazer programas próximos à casa dela --a 26 km do Plano Piloto--, como ir ao cinema. "Para vir para o Plano, a passagem de ida e volta custa R$ 6. Se eu tomo um refrigerante, já se foram R$ 10."
Todos os sete relataram que há preconceito contra os cotistas na universidade, apesar de que apenas uma disse ter sofrido diretamente discriminação --segundo Dalila, colegas já disseram que quem entra por cotas é "espertinho" .
Natalie Mendes Araújo, 21, que se forma no fim do ano em história, diz que o preconceito contra os cotistas existe, mas é camuflado. "Quando eu entrei, tinha recado na porta do banheiro de "fora, cotista". Hoje, as pessoas "toleram"."
Uma forma de evitar a discriminação adotada por cotistas é o bom rendimento acadêmico. "O cotista não tem o direito de ser um aluno mediano ou vai ser apontado como despreparado. É uma obrigação velada de mostrar serviço. Se é branco, tanto faz tirar nota baixa", diz Gustavo Galeno Arnt, 20.
Ele se formou em letras em três anos e meio e, em seguida, passou em 1º lugar no mestrado em literatura, que não tem cotas: "Foi um cala-boca total para a questão do mérito".
Tese
De acordo com tese de mestrado defendida em março por Claudete Batista Cardoso na UnB, o desempenho dos cotistas em seus cursos é, em média, semelhante ao dos alunos que entraram pelo sistema universal. Ela analisou a nota obtida no primeiro semestre do curso por alunos que entraram no meio de 2006.
A nota dos cotistas foi 6% menor no geral, variação que a autora da tese de mestrado considerou "irrelevante" . Para Claudete, os resultados, "de um modo geral, vão em sentido contrário às críticas referentes à provável queda de qualidade do ensino superior como resultado do estabelecimento do sistema de cotas".

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Mais uma Universidade Federal aprova política de cotas

Abaixo a notícia de que a UFS adotou a categoria Cota, do Programa de Ações Afirmativas. Agora são 53 Universidades federais.
Como não podia deixar de ser, vou destilar minha cantilena militante, a UFMG continua firme e forte em seu projeto varguardista de ser a única a se recusar a essa modalidade, sempre correndo para outros subterfúgios como sobretaxação de notas, cursos noturnos, aumento de vagas universais e etc. Alías Vcs vâo ver na fala do reitor da UFS que essas questões servem para somar e não substituir. Assim lá eles aumentaram o número de vagas, criaram o noturno, abriram curso mas implantaram cota.

Mais uma Universidade Federal aprova política de cotas
Fonte: Afropress:


Aracaju/SE - A Universidade Federal de Sergipe (UFS), aprovou por meio do seu Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Conepe) o Programa de Ações Afirmativas (Paaf), que garante a implementação da política de cotas para negros e indígenas, a partir do Processo Seletivo Seriado de 2010. Com a de Sergipe chega a 53 o número de
instituições públicas a adotarem ações afirmativas no país.

O Programa garante a reserva de 50% das vagas para estudantes de escolas públicas. Desse total, 70% serão destinadas a estudantes autodeclarados negros, pardos ou indígenas. Também será reservada vaga por curso aos portadores de necessidades especiais.
Segundo o reitor da UFS, Josué Modesto dos Passos Subrinho, a aprovação do sistema 'é mais um reflexo da política de expansão e inclusão vivida pelas universidades públicas nos últimos anos'. 'Acredito que nossas políticas de ações afirmativas – neste caso, as cotas – é um coroamento para tornar a universidade mais inclusiva. Começamos com o aumento do número de vagas e, posteriormente, a ampliação de vagas nos cursos noturnos. Viabilizamos a interiorização da universidade, através do sistema a distância, e padronizamos o horário de ofertas dos cursos diurnos. Agora, aderimos às cotas.Todas essas medidas tornam a universidade mais receptiva', disse Subrinho.

Programa

O Programa de Ações Afirmativas da Universidade sergipana tem duração prevista de dez anos e passará por uma avaliação da Universidade após a formatura das primeiras turmas nos primeiros cinco anos, por uma comissão criada com o objetivo de monitorar o funcionamento, e sugerir ajustes e modificações.


s cotas mudaram a cor da UnB


Zulu Araújo

Presidente da Fundação Cultural Palmares / Ministério da Cultura

O título deste artigo é a declaração da estudante Bernadete de Lourdes Silva Ferreira dos Santos, formanda do curso de Letras e cotista da Universidade de Brasília, primeira instituição federal brasileira de curso superior a aderir, em 2004, ao sistema de cotas para afro-descendentes. Assim como Bernadete, quase 50 outros estudantes ingressos pelo sistema de cotas estão se formando nos próximos dias e mostrando ao Brasil uma nova realidade.

A expectativa era essa mesma: as cotas mudaram a cor não só da UnB, mas do Brasil. Matéria publicada pelo Correio Braziliense, no caderno Gabarito, do dia 4 de agosto, revela o que já esperávamos. A política de cotas é uma das mais acertadas políticas de ação afirmativa no país. A Fundação Cultural Palmares, do Ministério da Cultura, criada para valorizar e divulgar a cultura dos afro-descendentes, considera muito relevante e comemora o fato de que apenas 1% dos estudantes que entraram para a Universidade de Brasília pelo sistema de cotas tenha abandonado a universidade.

São dados como esse que dão conta da dimensão das propostas para a superação do racismo em nosso país. Infelizmente, os alunos que ingressam na universidade pelo sistema de cotas ainda enfrentam a desconfiança de professores, de colegas e da sociedade. Falam mais alto agora os resultados. De acordo com a pesquisa realizada pela Assessoria de Diversidade e Apoio aos Cotistas da UnB (Adac), os dados são estimulantes e derrubam argumentos preconceituosos de que os cotistas não seriam capazes de acompanhar o ensino superior. Além de apenas 1% abandonar o curso, o desempenho acadêmico dos cotistas ficou acima da média. E mais: a média de trancamento de disciplinas foi de 0,5% e a de reprovação apenas de 1,5%.

Nos próximos dias assistiremos, bastante satisfeitos, o sonho realizado desses jovens. A formatura dos primeiros estudantes aprovados pelas cotas na UnB é a prova cabal de que essa política é eficaz na redução de desigualdades. A situação profissional desses jovens negros e negras revela-se promissora. Senão vejamos: mais de 57% dos formandos já ingressaram no mercado de trabalho; 18,4% estão concluindo estágios e 23,7% estão estudando para concurso público.

Nesse 2008, em que o país celebra 120 anos de abolição da escravatura, cabe, porém, a reflexão do quanto ainda se deve concluir para uma mudança da realidade discricionária e excludente da sociedade brasileira. E esses resultados apontam para a possibilidade de uma nova realidade, na qual gerações futuras de afro-descendentes devem impor um novo olhar sobre si. Há pouco, o Ipea divulgou pesquisa reveladora: negros e pardos já são declaradamente 49,5% da população brasileira, o que demonstra mudanças significativas no que diz respeito à afirmação da identidade afro. Delegamos isso à prática das políticas de ação afirmativa que vêm nos últimos anos fortalecendo e ampliando atitudes nas quais a pertença racial seja fator de inclusão social, não o contrário.

A afirmação da identidade contribui para reforçar a auto-estima e a idéia de pertencimento. É o que percebemos nas declarações dos jovens citados na reportagem e que se orgulham do seu feito. "Me sinto realizado", diz um. "A UnB me abriu portas", diz outro. "É uma vitória para toda a família. Mas precisa ser de muito mais gente", declara um outro.

Nessas declarações estão nítidas a sensação da conquista, do jogo ganhado, e o que isso pode representar para suas vidas futuras. Construir a sua própria história implica a possibilidade de percorrer novos caminhos. Nessa perspectiva, é que vemos a atitude da UnB e de outras mais 51 instituições públicas de ensino superior superarem a si mesmas e ajudarem a construir um novo amanhã para o povo negro do Brasil.

Esse significativo esforço do poder público respalda a luta de muitos negros e negras por direitos fundamentais, como educação e trabalho. É claro que a promoção da igualdade racial no Brasil vai muito além da adoção dessas políticas de cotas. É preciso muito mais na abordagem da questão racial no Brasil. Esses primeiros jovens formandos pelo sistema de cotas da UnB estão mudando paradigmas, além de protagonistas e referências da construção de uma nova idéia de liberdade para a comunidade negra brasileira. São eles que vão dar o testemunho desses novos tempos. A semente foi lançada; é preciso semeá-la.


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artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, 11/08/2008

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Iara vai ao STF contra governo por não cumprir inclusão racial

O Instituto de Advocacia Racial e Ambiental (Iara) entrou com uma petição no Supremo Tribunal Federal (STF) para que 17 ministros do governo Luiz Inácio Lula da Silva respondam por não cumprirem metas de inclusão racial em gabinetes e secretarias.


A entidade se baseia em um decreto do governo Fernando Henrique Cardoso, assinado em 2002, que prevê, no âmbito do Programa Nacional de Ações Afirmativas, mecanismos que garantam a realização de metas percentuais de participação de afrodescendentes, mulheres e pessoas portadoras de deficiência no preenchimento de cargos em comissão, como os chamados DAS (Grupo-Direção e Assessoramento Superiores).

Na última semana, por exemplo, o presidente Lula criou por medida provisória e sem concurso quase 300 novos cargos públicos, com salários que variam de R$ 1.977,31 a R$ 10.448. Em nenhum dos casos, no entanto, foi fixada qualquer meta de inclusão racial, social ou de gênero.

"Não é cota, mas tem que incluir (os afrodescendentes) . Só por descumprir a lei já é improbidade (administrativa) ", explicou o advogado do Iara, Humberto Adami. Segundo ele, o presidente Lula anunciou publicamente junto à Organização Internacional do Trabalho (OIT) o "compromisso pessoal" de combater o racismo no ambiente de trabalho. O Palácio do Planalto não comentou o caso. Procurada, a Secretaria Especial de Promoção de Igualdade Racial (Seppir) informou que iria se inteirar da ação antes de se manifestar.

São citados no processo os ministros Fernando Haddad (Educação), Celso Amorim (Relações Exteriores), José Gomes Temporão (Saúde), Tarso Genro (Justiça), Guido Mantega (Fazenda), Patrus Ananias (Desenvolvimento Social), Sérgio Rezende (Ciência e Tecnologia), Carlos Lupi (Trabalho), Alfredo Nascimento (Transportes) , Edison Lobão (Minas e Energia), Paulo Bernardo (Planejamento) , Hélio Costa (Comunicações) , Miguel Jorge (Desenvolvimento) , Guilherme Cassel (Desenvolvimento Agrário), Nelson Jobim (Defesa), Geddel Vieira Lima (Integração) e Márcio Fortes (Cidades). Também estão elencados no processo os ex-ministros Gilberto Gil (Cultura), Marina Silva (Meio Ambiente), Luiz Marinho (Previdência) e Marta Suplicy (Turismo).

Por decisão da ministra Ellen Gracie, do STF, nenhum dos ministros ainda foi notificado, o que juridicamente significa que não se pode considerar que haja um processo contra cada um deles. Os ministros da Justiça, Saúde e Trabalho confirmaram não terem sido notificados.

De acordo com o Iara, caso o Plenário do STF rejeite dar seguimento ao processo, o caso poderá ser encaminhado à Organização dos Estados Americanos (OEA), que, ao julgar a questão, pode estabelecer multa à União por descumprimento do decreto e aos próprios ministros do STF por omissão.

"Com o nosso processo o ministro vai ficar pessoalmente responsável, e não a União, que é um saco sem fundo e não paga nunca", avalia Humberto Adami, que informa que a própria OEA já considerou o Poder Judiciário e o Ministério Público brasileiros "racistas institucionais" .

"Esse descumprimento é prejudicial ao País, não só pela visão política que passa a ter, mas também porque acaba por transferir para o contribuinte o custo da eventual penalidade", disse o advogado.

Redação Terra

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Quando a defesa de privilégios raciais une direita, centro e esquerda e ...

Quando a defesa de privilégios raciais une direita, centro e esquerda e sai na Globo
Por Dennis de Oliveira [Segunda-Feira, 5 de Maio de 2008 às 11:34hs]

Você imaginaria uma manifestação pública que unisse intelectuais tucanos, jornalistas de extrema-esquerda, um articulista de extrema-direita, um músico que protagonizou um movimento de rebeldia estética, uma liderança política que se afirma marxista, lideranças empresariais? Uma manifestação que vai contra uma política que proporciona a inclusão de um segmento social historicamente excluído? Uma manifestação que elogia medidas recentemente tomadas na emergência do neoconservadorismo nos Estados Unidos? E tudo com ampla cobertura do Jornal Nacional?
Pode acreditar que isto aconteceu. Foi o manifesto entregue no Supremo Tribunal Federal assinado por lideranças (?) e intelectuais (?) solicitando que a corte declare inconstitucional a adoção das cotas nas universidades com a alegação de que isto fere o tratamento igual, independente de raça, credo, etc. previsto na Constituição.
O que une esta aliança tão ideologicamente heterogênea? Os seus membros não são vítimas do racismo que impera sobre a população negra. São pessoas que não sofreram e não sofrem com os mecanismos de exclusão racial e querem ditar como esta população negra deve lutar pelos seus direitos. Será que este mesmo grupo aceitaria que os povos de matriz africana também decidissem como os judeus deveriam ser reparados após o Holocausto nazista? Será que também é contra as políticas de ação afirmativa implantadas no final do século XIX e início do século XX que beneficiaram os imigrantes europeus (provavelmente muitos destes são descendentes destes imigrantes e beneficiários diretos destas políticas de ação afirmativa)? .
A argumentação do manifesto é absurda. Parte do pressuposto de que políticas de ação afirmativa "racializam" a questão social, como se esta já não fosse racializada historicamente no país. A questão de que o problema da população negra é social e não racial não responde a seguinte pergunta: por que os negros são pobres? Porque o critério de ascensão social no país é racializado. Assim, não são as políticas de ação afirmativa que irão "racializar" as relações sociais, elas já são racializadas e ignorar isto é manter as assimetrias e desigualdade de oportunidades com marcas raciais no país.
Outro argumento no manifesto é que as políticas racializadas são excludentes. Cita o apartheid e as classificações étnicas feitas na época da colonização. O argumento é matreiro: compara uma reivindicação voltada para superação das desigualdades raciais com medidas tomadas por poderes racistas para a manutenção e ampliação das hierarquias raciais. Tem um fundo cristão neste argumento. Pedem para que a população negra, diante da violência que sofre do sistema, aja como Jesus Cristo: diante do tapa recebido, ofereça outra face.
Mas a lógica reacionária se mostra quando o texto do manifesto considera "um avanço" as declarações de inconstitucionalida de feitas pela Suprema Corte dos EUA das ações afirmativas naquele país. Não informam, os manifestantes, que esta ação da Suprema Corte ocorre dentro de um retrocesso conservador nos últimos anos nos EUA que tem como conseqüência o aprofundamento das desigualdades sociais naquele país, a concentração de renda e a emergência de uma extrema-direita cujas políticas são danosas para todos os povos. Não me surpreende que Reinaldo Azevedo defenda isto. Mas será que José Arbex, Ferreira Gullar, César Benjamin e outros endossam isto ou a paixão anti-cotas os faz aliar-se a idéias e pessoas conservadoras deste tipo?
E, finalmente, qual é a alternativa apresentada pelos signatários? Esperar uma melhora no ensino público para que as condições sejam iguais? Talvez ignorem os estudos feitos pelo economista Ricardo Henriques, do Ipea(Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) de que a manutenção do atual grau de evolução dos indicadores sociais da população negra fará o conjunto deste segmento social atingir o atual estágio em que se encontra a população branca em 32 ANOS!!! Traduzindo: se a população branca ficasse parada nos atuais indicadores sociais e a população negra continuasse o ritmo atual de melhoria das suas condições sociais, em 32 ANOS TERÍAMOS A PRETENSA EQÜIDADE SOCIAL!!! Seria interessante estes intelectuais irem pedir à população negra para que aguardem uns 30 anos para conseguir a sua cidadania (só 30 anos, isto não é nada!).
O debate anti-racista no Brasil incomoda pelo seguinte motivo: combater o racismo implica, necessariamente, em redistribuir riquezas e isto significa perda de privilégios para alguns. Enquanto o combate ao racismo fica no aspecto etéreo, sem foco, como mera denúncia, a solidariedade é enorme. Não é politicamente correto assumir-se como racista, principalmente para quem se diz "intelectual" e "de esquerda". Mas incomoda - e muito - quando o movimento negro supera a fase da denúncia e passa a exigir a eqüidade num país em que o bem estar é um privilégio e a socialização dele implica em perder privilégios. Em casos como este, fronteiras ideológicas se esvaem e esta aliança - que parece impossível de acontecer - não soa tanto estranha. E muitas figuras que, pelas suas posições político-ideoló gicas jamais teriam visibilidade na Globo, tiveram seus minutos de fama no Jornal Nacional.

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Dennis de Oliveira é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP, presidente do Celacc e membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares do Negro Brasileiro (Neinb/USP).

terça-feira, 27 de maio de 2008

Artigo da Miriam leitão a favor das políticas de ações afirmativas

Artigo da Miriam leitão a favor das políticas de ações afirmativas.

Domingo, Maio 25, 2008

Miriam Leitão

Ora, direis!

A luta contra a escravidão foi um movimento cívico de envergadura. Misturou povo e intelectuais, negros e brancos, republicanos e monarquistas.

Foi uma resistência que durou anos.

Houve passeatas de estudantes e lutas nos quilombos.

Houve batalhas parlamentares memoráveis e disputas judiciais inesperadas. Os contra a abolição reagiram nos clubes da lavoura, na chantagem econômica e nos sofismas.


O país se dividiu e lutou.

Venceu a melhor tese. Pena o país ter feito o reducionismo que fixou na memória coletiva apenas o instante da assinatura da lei pela Princesa. Tudo foi varrido. Do povo em frente ao Paço à persistência para se aprovar a lei que tornou extinta a escravidão no Brasil.

Foram seis anos de lutas parlamentares para libertar os não-nascidos, após quedas de gabinetes, avanços e retrocessos. Mais luta de vários anos para libertar os idosos. Por fim, a maior das batalhas: a libertação de todos.

Lutou-se com a poesia e o jornalismo. Com a política e o Direito. Lutou-se na Justiça com as Ações de Liberdade, incríveis processos que escravos moviam contra seus donos.

Os negros lutaram de forma variada: com a greve negra em Salvador, com rebeliões e quilombos. Os escravocratas adiaram o inevitável, ameaçaram com a derrota econômica, assombraram com todos os fantasmas nacionais. Pareciam vencer, até que perderam.

Fica em quem revisita a história a constatação de um erro: os abolicionistas se dispersaram cedo demais.

Era a hora de reduzir a imensa distância que a centenária ordem escravagista havia criado no país.

Venceu a idéia de que, deixado ao seu ritmo, o país faria naturalmente a transição da escravidão negra para um outro país, sem divisões raciais. Idéia poderosa esta da inércia salvacionista.



Ela construiu o imaginário de um país sem racismo por natureza, que teria eliminado o preconceito naturalmente, como se as marcas deixadas por 350 anos de escravidão fossem varridas por um ato, uma lei de duas linhas.

Ainda há quem negue, hoje, que haja algo estranho numa sociedade de tantas diferenças.

O manifesto contra as cotas tem alguns intelectuais respeitáveis. Mais os respeitaria se estivessem pedindo avaliações e estudos sobre o desempenho de política tão recente; primeira e única tentativa em 120 anos de fazer algo mais vigoroso que deixar tudo como está para ver como é que fica. O status quo nos trouxe até aqui: a uma sociedade de desigualdades raciais tão vergonhosas de ruborizar qualquer um que não tenha se deixado anestesiar pela cena e pelas estatísticas brasileiras.



Ora, direis: o que tem o glorioso abolicionismo com uma política tópica — para tantos, equivocada — de se reservar vagas a pretos e pardos nas universidades públicas? Ora, a cota não é a questão.

Ela é apenas o momento revelador, em que reaparece com força o maior dos erros nacionais: negar o problema para fugir dele. Os "negacionistas" — expressão da professora Maria Luiza Tucci Carneiro, da USP — sustentam que o país não é racista, mas que se tornará caso alguns estudantes pretos e pardos tenham desobstruído seu ingresso na universidade.

Erros surgiram na aplicação das cotas. Os gêmeos de Brasília, por exemplo.

Episódios isolados foram tratados como o todo.

Tiveram mais destaque do que a análise dos resultados da política. Os cotistas subver teram mesmo o princípio do mérito acadêmico? Reduziram a qualidade do ensino universitário? Produziram o ódio racial? Não vi até agora nenhum estudo robusto que comprovasse a tese manifesta de que uma única política pública, uma breve experiência, pudesse produzir tão devastadoras conseqüências. Os órgãos de comunicação têm feito uma enviesada cobertura do debate. Melhor faria o jornalismo se deixasse fluir a discussão, sem tanta ansiedade para, em cada reportagem, firmar a posição que já está explícita nos editoriais. A mensagem implícita em certas coberturas só engana os que não têm olhos treinados.



Ora, direis, que vantagens podem ter políticas que atuam apenas no topo da escala educacional? Ter mais pretos e pardos junto aos brancos, nas universidades públicas, permite a saudável convivência no mesmo nível social. Na minha UnB, não havia negros; na atual, há mais de dois mil. Isso é um começo num país com o histórico do Brasil.



Melhorar a educação pública sempre será fundamental para construir o país futuro, mas isso não conflita com outras políticas desenhadas diretamente para derrubar as barreiras artificiais e dissimuladas que impedem a ascensão de pretos e pardos.

O vestibular não mede a real capacidade do aluno de estar numa universidade, mas, sim, quem aprendeu melhor os truques dos cursinhos. Há muito a fazer pelo muito não feito neste longo tempo em que se esperou que, deixando tudo como está, tudo se resolveria. Ajudaria se intelectuais, ou não, quisessem avaliar as políticas de ação afirmativa, em vez de ter medo delas.

O racismo brasileiro é ardiloso e dissimulado. A luta contra ele será longa e difícil. Será mais eficiente se unir brancos e negros.

Será mais rápida se o país não acreditar nas falsas ameaças de que tocar no assunto nos trará o inferno da divisão por raças. Ora, a divisão já existe; sempre existiu. O que precisa ser construído são os caminhos do reencontro.