terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Neutralidade, Imparcialidade e Ideologia
quinta-feira, 11 de junho de 2009
As Ações Afirmativas nas Universidades Públicas
Recente debate entre Yvonne Maggie (contra as cotas raciais) x Elio Gaspari (a favor das cotas raciais) no contexto de suspensão das cotas raciais nas universidades estaduais do Rio de Janeiro. Acresço como pós-texto e algumas horas após postar esse texto, um e-mail que recebi e tem tudo haver com a discussão aqui travada. Trata-se do texto de um editor da Revista época, chamado: Nunca tive uma namorada negra.
ENTREVISTA com Yvonne Maggie no jornal O Globo
Fervorosa ativista contra o sistema de cotas raciais para o ingresso nas universidades, a antropóloga Yvonne Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comemorou a recente suspensão, pelo Tribunal de Justiça, da lei estadual que estipulava a reserva de vagas em universidades estaduais, como um primeiro passo para a revogação de leis raciais. A seu ver, elas servem apenas para dividir os brasileiros que, no geral, diz, rejeitam o racismo. Segundo ela, o sistema de cotas é fruto de pressão internacional alimentada por milhões de dólares da Fundação Ford: — Essa pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história.
José Meirelles Passos
O GLOBO: O sistema de cotas é apresentado como forma de criar oportunidades iguais para todos. A senhora discorda. Por quê?
YVONNE MAGGIE: Porque ele faz parte de leis raciais que querem implantar no Brasil. E elas são inconstitucionais. A Constituição Federal proíbe criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. A do Estado do Rio também. Estou defendendo o estatuto jurídico da nação brasileira, com base no fato de que raça não pode ser critério de distribuição de justiça. Raça é uma invenção dos racistas para dominar mais e melhor.
O GLOBO: Que critério usaram para criar tal sistema?
YVONNE: Surgiu no governo de Fernando Henrique Cardoso, propondo cotas para negros ou pardos, hoje chamados de afrodescendentes, sob o critério estatístico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas isso não significa que as pessoas se identifiquem com aquilo. Nós, brasileiros, construímos uma cultura que se envergonha do racismo.
O GLOBO: Mas existe racismo no Brasil, não?
YVONNE: Eu nunca disse que não há racismo aqui. Mas não somos uma sociedade racista, pois não temos instituições baseadas em lei com critério racial. É interessante ver que o Brasil descrito nas estatísticas foi tomado como verdade absoluta. Há Uma coisa é dizer que o Brasil é um país desigual, com uma distância muito grande entre ricos e pobres. Outra coisa é atribuir isso à raça.
O GLOBO: Quais os motivos para a criação de leis raciais no país?
YVONNE: Outra alucinação: a de que a forma de combater a desigualdade no Brasil deve ser via leis raciais. Elas propõem dividir o povo brasileiro em brancos e negros. Há quem diga que o povo já está dividido assim. Digo que não. Afinal, 35% dos muito pobres no Brasil se definem como brancos.
O GLOBO: Qual é o melhor critério?
YVONNE: Em vez de lutar contra o racismo com ações afirmativas, colocando mais dinheiro nas periferias, o governo optou pelas cotas raciais reservando certo número de vagas na escola e, com o estatuto racial, no mercado de trabalho. Então, o país que não se pensava dividido está sendo dividido.
O GLOBO: Seja como for, a idéia das cotas está ganhando adeptos.
YVONNE: Nem tanto. Pesquisa recente feita no Rio pelo Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), mostrou que 63% das pessoas são contra as cotas raciais. A maioria do povo brasileiro acha que todos somos iguais. Aprendemos isso na escola. O objetivo era beneficiar negros e pardos. Agora no Rio já existem cotas para portadores de deficiência, para filhos de policiais, de bombeiros.
O GLOBO: A tendência é esse leque aumentar?
YVONNE: A lógica étnica ou racial não tem fim. Tudo surgiu porque houve pressão internacional com o sentido de combater o racismo. Mas quem domina os organismos internacionais são os países imperialistas, sobretudo Inglaterra e Estados Unidos, que têm uma visão imperialista de mundo dividido. Os EUA são um país dividido. Não pensam como nós. Lá a questão racial é a primeira identidade. Você pergunta quem é você?Eles dizem: eu sou afroamericano, etc. Como não vivemos ódio racial no Brasil não sabemos o que é isso. O problema é que ao dividir e criar uma identidade racial, fica impossível voltar atrás.
O GLOBO: O Brasil sucumbiu à pressão internacional?
YVONNE: A pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história. A Fundação Ford investiu milhares de dólares no Brasil, formando advogados, financiando debates, criando organizações não governamentais (ONGs). Não temos mais movimentos sociais. Quem luta em favor das cotas se transformou em ONG que recebe dinheiro do governo e da Fundação Ford. Juntou-se a fome com a vontade de comer. O governo inventa as ONGs, financia, e depois diz que as cotas são uma demanda do povo.
O GLOBO: Como combater a desigualdade no acesso à universidade?
YVONNE: O Brasil tem que enfrentar a questão da educação básica de forma madura e consciente, investindo. Precisamos de recursos financeiros e humanos. Melhorar o salário dos professores e sua formação. E mudar a concepção de educação. Sem investimento não construiremos uma sociedade mais igual. Estamos criando uma sociedade mais desigual, escolhendo um punhadinho entre os pobres. Na verdade, a competição pelos recursos não é entre o filho da elite e o filho do pobre: ocorre entre os pobres.
O GLOBO: Como a senhora vê a educação no Brasil?
YVONNE: A formação de professores e a concepção de educação são precárias. Não se obriga as escolas a ensinar. Obama acaba de fazer uma grande melhoria nos EUA: premia os bons professores. São os que ensinam melhor. E pune os maus. Quem não consegue fazer com que o seu aluno tire nota boa nas provas de avaliação externas, sai ou é reciclado.
O GLOBO: Há luz no fim do túnel?
YVONNE: Sou otimista. Acho que as leis raciais não vingarão no Brasil. Creio que os congressistas têm mais juízo. E que em vez de lutar pelas cotas, o ministro da Educação deve fazer com que prefeitos e governadores cumpram as metas. Elas são excelentes. A idéia dele é fazer com que os municípios mais pobres recebam mais dinheiro. A opção é investir nas escolas e nos bairros mais pobres.
O GLOBO: É possível conter o lobby das ONGs favoráveis às cotas?
YVONNE: É muito difícil ir contra grupos que se apresentam como o povo organizado. Temos que lutar pelo povo desorganizado, o povo que anda pela rua, que casa entre si, que joga futebol junto, que bebe cerveja, e não está o tempo todo pensando de que cor você é, de que cor eu sou. Povo é o que nos ensina que é melhor dar a mão do que negar um abraço.
OPINIÃO sobre a entrevista de Yvonne Maggie
Agora sou eu, em mensagem enviada ao Gurpo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia:
a) o Brasil é um país não racista que se envergonha do racismo mas ela não se atreve a dizer que não existe racismo?
b) Ou será que o racismo não existe porque a legislação brasileira não adota critérios raciais? Isso significa que não existem assassinatos, afinal a legislação brasileira não permite a pena capital (salvo excessão dos períodos de guerra).
c) Ou será ainda que não devemos tomar as estatísticas como "verdade absoluta". Neste caso, então não devo acreditar que "35% dos muito pobres no Brasil se definem como brancos." ou que "Pesquisa recente feita no Rio pelo Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), mostrou que 63% das pessoas são contra as cotas raciais." Ou será que só valem as estatísticas que são favoráveis aos meus argumentos?
d) Que dizer então que toda a discussão sobre cotas faz parte de um plano imperialista dos yankees e dos ingleses?
e) Como assim: lutar favor das cotas é ser membro de Ongs e ser financiado. Sou a favor das cotas desde o ano de 2001 e nunca recebi nada em troca a não ser chateações como essa matéria.... Isso é ser leviano, tal qual eu afirmar que todos que são contra as cotas são os membros da elite econômica, social e racial deste país. Mas neste caso, mais do que leviano, eu na verdade só estou demonstrando o mal que representa essa política de ódio racial. Eis o paradoxo: estamos preso na camisa de força, nisto devemos reconhecer o brilhantismo da Profa. Ivonne Maggie, ou bem concordamos com ela, ou somos racistas e pregadores do ódio racial. Ah para falar a verdade como dizem os burgueses de S. Paulo Cansei...é necessário mais seriedade e profundidade para discutir um assunto tão sério. E pensar que essa senhora ocupa sucessivamente cargos importantes na ABA.... (aqui alguns colegas me alertaram e faz necesário esclarecer a professora Maggie efetivamente não ocupa cargos de tanta relvãncia na Assoiação e mesmo no mundo antropológico, obviamente que por seu curriculo e militância ela chama a atenção por coordenar Mesas de trabalhos e fóruns anti-cotas nos Congressos- mesas e fóruns onde todos tem visões semelhantes). Me impressiona a falta de argumentos desta ala contrária as cotas (existem vários argumentos factíveis, mas a pesquisadora não conseguiu apresentar nenhum). São sempre os mesmos discursos raivosos e vazios, repleto de contradições como as expressas acima ou a velha cantilena que é necessário melhorar o ensino publico, como se alguém fosse contra a melhoria das escolas públicas. A velha idéia da subtração do ou ao invés da soma. Ou será que ter políticas afirmativas é mutuamente excludente de políticas universalistas?
Carlos Eduardo Carlos Eduardo Marques - Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas da FEVALE/UEMG. Membro do Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais da UFMG (NUQ/UFMG). Membro do Grupo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia (GT Quilombos/ABA)
Abaixo um artigo de Elio Gaspari (com dados a respeito do sistema de cotas) um contraponto a Yvonne Maggie.
As cotas desmentiram as urucubacas - Elio Gaspari
03-Jun-2009 - FOLHA DE S. PAULO
Os negros desorganizariam as universidades, como a Abolição destruiria a economia brasileira QUEM ACOMPANHASSE os debates na Câmara dos Deputados em 1884 poderia ouvir a leitura de uma moção de fazendeiros do Rio de Janeiro:
"Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos da desorganização do atual sistema de trabalho."
Livres os negros, as cidades seriam invadidas por "turbas ignaras", "gente refratária ao trabalho e ávida de ociosidade". A produção seria destruída e a segurança das famílias estaria ameaçada.
Veio a Abolição, o Apocalipse ficou para depois e o Brasil melhorou (ou será que alguém duvida?).
Passados dez anos do início do debate em torno das ações afirmativas e do recurso às cotas para facilitar o acesso dos negros às universidades públicas brasileiras, felizmente é possível conferir a consistência dos argumentos apresentados contra essa iniciativa.
De saída, veio a advertência de que as cotas exacerbariam a questão racial. Essa ameaça vai completar 18 anos e não se registraram casos significativos de exacerbação. Há cerca de 500 mandados de segurança no Judiciário, mas isso nada mais é que a livre disputa pelo direito.
Num curso paralelo veio a mandinga do não-vai-pegar. Hoje há em torno de 60 universidades públicas com sistemas de acesso orientados por cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de 10 mil jovens beneficiados pela iniciativa.
Havia outro argumento: sem preparo e sem recursos para se manter, os negros entrariam nas universidades, não conseguiriam acompanhar as aulas, desorganizariam os cursos e acabariam deixando as escolas.
Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotistas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi de 13%. No universo dos não cotistas, esse índice foi de 17%.
Quanto ao aproveitamento, na Uerj, os estudantes que entraram pelas cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos demais. Na Federal da Bahia, em 2005, os cotistas conseguiram rendimento igual ou melhor que os não cotistas em 32 dos 57 cursos. Em 11 dos 18 cursos de maior concorrência, os cotistas desempenharam- se melhor em 61 % das áreas.
De todas as mandingas lançadas contra as cotas, a mais cruel foi a que levantou o perigo da discriminação, pelos colegas, contra os cotistas.
Caso de pura transferência de preconceito. Não há notícia de tensões nos campus. Mesmo assim, seria ingenuidade acreditar que os negros não receberam olhares atravessados. Tudo bem, mas entraram para as universidades sustentadas pelo dinheiro público.
Tanto Michelle Obama quanto Sonia Sotomayor, uma filha de imigrantes portorriquenhos nomeada para a Suprema Corte, lembram até hoje dos olhares atravessados que receberam ao entrar na Universidade de Princeton. Michelle tratou do assunto em seu trabalho de conclusão do curso. Ela não conseguiu a matrícula por conta de cotas, mas pela prática de ações afirmativas, iniciada em 1964. Logo na universidade onde, em 1939, Radcliffe Heermance, seu poderoso diretor de admissões de 1922 a 1950, disse a um estudante negro admitido acidentalmente que aquela escola não era lugar para ele, pois "um estudante de cor será mais feliz num ambiente com outros de sua raça". Na carta em que escreveu isso, o doutor explicou que nem ele nem a universidade eram racistas.
27/05/2009 - 18:33 - Atualizado em 29/05/2009 - 19:25
Nunca Tive Namorada Negra
O Preconceito Molda a Nossa Capacidade de Amar
Ivan Martins
IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
Brasil grande, tem reitor cientista social em Roraima
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
A Ciência, a origem de tudo e minha empolgação
Para começo de conversa não tenho muita paciência com a ciência. Não tenho paciência com a falácia da neutralidade da ciência. Da idéia de que o fazer científico é objetivo. Por outro lado me desgosta bastante a arrogância da ciência com sua idéia de verdade única, ou melhor dizendo como se a sua verdade fosse mais válida do que as outras verdades. De modo que, apesar de historicamente rivalizar com a religião, a ciência, ela própria se comporta como uma religião.
Acredito que por trás do palavrório de neutralidade, objetividade, verdade veríficavel etc a verdadeira característica da ciência é ideológica. Em minha dissertação escrevo que "Os cientistas (atores) e seus discursos encontram-se sempre em um contexto de luta, quer no campo teórico quer no campo político.(...) Tal como afirmou Bourdieu (1989), trata-se de lutas de classificação pela legitimação de uma posição. Com base nessa afirmativa, verifica-se que conflitos epistemológicos são sempre políticos, isto é, as lutas classificatórias são lutas de poder transmutadas em questões epistemológicas, e as epistemes são os diferentes modos políticos de se lidar com um tema."
A idéia de autenticidade da ciência deve ser revista e não pode ser entendida como a verdade absoluta, deve ser questionada, pois trabalha-se com “ficções”, não no sentido de falsidade, mas no sentido de algo feito, construído.
Mas tudo dito acima, só serve para mostrar minha desconfiança em relação ao discurso dominante na ciência ou mesmo sua crítica a religiosidade quando na verdade ela própria trata-se de uma. Para ser honesto, não gosto nem mesmo desses programas científicos da TV a Cabo. Até me sentia mal quando era mais novo, pois ao contrário da maioria dos amigos nunca me empolguei com astronomia e coisas do tipo. No entanto, agora me pego a percorrer o caminho oposto? Nunca antes (dando uma Lulada) tinha me empolgado tanto com uma possível descoberta científica como essa da origem de tudo, chamada tão apropriadamente de a partícula de Deus. E agora refletindo sobre esse avivamento dos últimos dias com essa possível descoberta chego a conclusão de que não estou indo em caminho contrário, na verdade todo o meu empolgamento como bem percebeu Durkheim e Mauss tem um que de religiosidade. Ou seja, o que me empolga nessa possível descoberta científica não tem nada de racional, portanto de científico se entendermos a ciência tal qual a maioria que crítico acima, é puramente mágica. O que me empolga é a possibilidade de descobrir a origem de tudo, tão bem nomeado de partícula de Deus. Ou seja no fundo no fundo é mesmo de fé que estamos falando e de suas lutas de classificação pela legitimação de uma posição. No fundo, no fundo a nossa existência é mágica, eja ela criada por uma deidade, seja ela criada através de um big ben. Afinal qual a diferença entre o big ben e a criação do mundo em sete dias, ou da reunião da separação entre ceus e terras promovidas por Olorum?
segunda-feira, 24 de março de 2008
Bioética a descoberta do dia
Bioética a descoberta do dia
Dr. Frei Antônio Moser - Assessor da CNBB para assuntos de bioética (foto)
Em maio de 2005 pesquisadores da Universidade de Boston anunciavam que um dia a biologia poderia produzir organismos artificiais com fins terapêuticos. Da “simples” modificação genética de uma bactéria, através da agregação de um gene estranho, agora já se poderia inserir uma rede genética inteira, com a ação de muitos genes. Para medir o alcance deste passo, serve uma comparação: a engenharia genética denominada convencional, por mais avançada que se apresente, equivaleria tão somente à troca da ponta de uma chave de fenda; no caso em questão, da possibilidade de se criar vida artificialmente, estaríamos falando da mudança do conteúdo total de toda a caixa de ferramentas. Se a partir da década de 1990 conseguimos, progressivamente, ler o código genético da espécie humana e de inúmeras outras espécies de seres vivos, agora estaríamos em condições de reescrever o código genético destes mesmos seres vivos e produzir outros seres que jamais existiriam através do que se denomina de evolução natural. Tratar-se-ia portanto de algo mais complexo e com maiores conseqüências sob todos os aspectos: existenciais, comportamentais, jurídicos, éticoPara uma melhor compreensão ainda, convém recordar que há alguns anos se anunciava o desenvolvimento de tecnologias capazes de transferir um vírus geneticamente modificado para integrar o genoma de uma bactéria hospedeira, que por sua vez seria capaz de criar um RNA mensageiro para ativar ou então bloquear a produção de uma proteína específica, ao serviço dos interesses do seu criador. Estamos falando de verdadeiros interruptores que ativam ou desativam genes, de acordo com as conveniências. Se antes a busca se localizava no conhecer os mecanismos da vida, através da observação e depois do desmonte, agora se busca criar de sistemas novos e sofisticados capazes de gerar a vida.
A “velha geração” de biólogos, biogeneticistas e biotecnólogos procurava compreender e reproduzir a vida existente. Agora trata-se de criar, literalmente, algo de novo. Projetando e construindo máquinas que atuem dentro das células, estes novos artesãos da vida têm objetivos bastante claros: inserir um cromossomo sintético dentro de uma célula e obter assim a criação de um organismo artificial, vivo, que jamais existiu ou seria capaz de existir por si próprio na evolução normal das espécies.
Esta operação teria três etapas: a primeira, já executada, pela transferência do genoma de uma bactéria para outra, transformá-las em espécies diferentes; a segunda, agora em execução, produzir quimicamente fragmentos de DNA desta bactéria; a terceira, em andamento, construir verdadeiras “máquinas” que atuem dentro das células.
Todas estas experiências visam criar novos seres que tenham vida própria, mas que obedeçam aos comandos humanos dados previamente na própria construção destes novos seres vivos. Com isto se visam criar fábricas biológicas que poderão produzir verdadeiros biocombustíveis em laboratório, como serão capazes de digerir lixo tóxico, absorver dióxido de carbono e outros gazes poluentes que estão na origem do efeito estufa.
As expectativas nesta linha não são de hoje, e de alguma forma, já há milhões e milhões micro organismos em ação: conjugando microeletrônica, biologia molecular e nanotecnologia, micróbios funcionam como se fossem sondas de DNA, passando as informações para bactérias associadas a genes informantes e iniciado o trabalho de limpeza. Esta operação denomina-se “biorremediação” e já está atuando em muitas partes do mundo, despoluindo rios, lagos e mares...
E mais ainda: o sonho é que estas verdadeiras usinas biológicas sejam verdadeiras indústrias terapêuticas que substituam os tradicionais medicamentos. Aliás os “tradicionais” medicamentos, por mais sofisticados que sejam, já há algum tempo se encontram na lista de produtos que deverão ser logo descartados: eles são por demais genéricos, agindo em todas as direções e com isto muitas vezes fazendo mais mal do que bem. O que já algum tempo se encontrava entre os objetivos mais importantes era a produção de medicamentos personalizados e “sob medida”. Se estas experiências agora anunciadas tiverem êxito até estes medicamentos iriam tornar-se dispensáveis. Agora bastaria tomar pílulas que seriam capazes de ligar ou desligar as fábricas de medicamentos, que seriam nossas próprias células.
Convenhamos que tudo isto é difícil de ser compreendido e nos deixa realmente confusos. Mais difícil ainda é admitir a possibilidade de se criar vida artificial, com a capacidade de auto- sustentação e reprodução. Sempre ouvimos dizer que só Deus é o Criador de tudo. Será que agora precisamos admitir que o homem também seria capaz de criar algo a partir do nada?
Não é bem assim. Em primeiro lugar porque estamos ainda tratando de bactérias, organismos super simples; e no caso em questão estamos falando de uma bactéria chamada mycoplasma genitalium, cujo genoma foi mapeado, estudado e desmontado, para ser recomposto com outras propriedades. Fazendo uma comparação com o mundo da informática se poderia dizer que foi preparado um software ( programa) para uma bactéria cumprir uma tarefa específica, mas até aqui ainda não se sabe como ativar este programa. E como observa o professor de engenharia biomédica de Boston, Jim Collins, a ciência ainda está longe de entender o que é a vida e o que a comanda.
De qualquer forma, decisivamente nos encontramos hoje numa situação onde a tecnologia avança a passos largos, bem mais de pressa do que as reflexões de cunho jurídico e ético. Ademais, ao mesmo tempo em que olhamos com esperança para o que se denomina medicina molecular e de biologia ambiental, capazes de apagar os efeitos desastrosos de pecados anteriores, uma vez mais, e sempre de novo, nos sentimos perplexos. Isto não só porque estas novas criaturas podem “enlouquecer” , mas porque podem ser programadas para enlouquecerem e passarem a agir perversamente. Como tantos outros inventos anteriores, todas as descobertas vêm carregadas de uma ambivalência radical: tanto podem ser colocadas ao serviço da vida, quanto ao serviço da morte. Com uma diferença em relação ao passado: fica cada vez mais claro que as clássicas armas representadas por fuzis, metralhadores, canhões e tanques, só servirão para produzir filmes de terror e para serem guardadas em museus. As verdadeiras armas serão invisíveis e bem mais mortíferas. E as infundadas acusações contra Sadam Hussein, de que possuiria terríveis armas biológicas e bacteriológicas irão se transformar em verdades comprovadas: não no pobre e destruído Iraque mas em milhares de laboratórios espalhados pelo mundo afora, sempre na espera de receber uma única ordem referente à direção para a qual serão encaminhadas. Ninguém vê, ninguém sente, ninguém sente nenhum odor: simplesmente todos morrem sem causas aparentes