quinta-feira, 11 de junho de 2009

As Ações Afirmativas nas Universidades Públicas

DEBATE – AÇÕES AFIRMATIVAS NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS

Recente debate entre Yvonne Maggie (contra as cotas raciais) x Elio Gaspari (a favor das cotas raciais) no contexto de suspensão das cotas raciais nas universidades estaduais do Rio de Janeiro. Acresço como pós-texto e algumas horas após postar esse texto, um e-mail que recebi e tem tudo haver com a discussão aqui travada. Trata-se do texto de um editor da Revista época, chamado: Nunca tive uma namorada negra.
A seguir, entrevista do Farol de Alexandria anti-cotas Yvonne Maggie, depois meu comentário e após este um texto do Gaspari. O interessante a respeito da profesora Yvonne é que apesar de usar com desenvolvtura os espaços da mídia-racista e anti-cotas, ela não apresenta o mesmo vigor quando o debate deve ocorrer nas esferas acadêmicas (por que será)? Por que será que a professora não aceita participar de mesas onde o contraditório estará presente como foi o caso da Mesa proposta para o último encontro da Associação Brasileira de Antropologia para debater esta questão? Neste caso, ela alegou outros compromissos; provavelmente mais uma reportagem "bombástica como essa" para usar a expressão do editor do Jornal Nacional, Willian Bonner.

ENTREVISTA com Yvonne Maggie no jornal O Globo
Fervorosa ativista contra o sistema de cotas raciais para o ingresso nas universidades, a antropóloga Yvonne Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, comemorou a recente suspensão, pelo Tribunal de Justiça, da lei estadual que estipulava a reserva de vagas em universidades estaduais, como um primeiro passo para a revogação de leis raciais. A seu ver, elas servem apenas para dividir os brasileiros que, no geral, diz, rejeitam o racismo. Segundo ela, o sistema de cotas é fruto de pressão internacional alimentada por milhões de dólares da Fundação Ford: — Essa pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história.
José Meirelles Passos
O GLOBO: O sistema de cotas é apresentado como forma de criar oportunidades iguais para todos. A senhora discorda. Por quê?
YVONNE MAGGIE: Porque ele faz parte de leis raciais que querem implantar no Brasil. E elas são inconstitucionais. A Constituição Federal proíbe criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si. A do Estado do Rio também. Estou defendendo o estatuto jurídico da nação brasileira, com base no fato de que raça não pode ser critério de distribuição de justiça. Raça é uma invenção dos racistas para dominar mais e melhor.
O GLOBO: Que critério usaram para criar tal sistema?
YVONNE: Surgiu no governo de Fernando Henrique Cardoso, propondo cotas para negros ou pardos, hoje chamados de afrodescendentes, sob o critério estatístico do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Mas isso não significa que as pessoas se identifiquem com aquilo. Nós, brasileiros, construímos uma cultura que se envergonha do racismo.
O GLOBO: Mas existe racismo no Brasil, não?
YVONNE: Eu nunca disse que não há racismo aqui. Mas não somos uma sociedade racista, pois não temos instituições baseadas em lei com critério racial. É interessante ver que o Brasil descrito nas estatísticas foi tomado como verdade absoluta. Há Uma coisa é dizer que o Brasil é um país desigual, com uma distância muito grande entre ricos e pobres. Outra coisa é atribuir isso à raça.
O GLOBO: Quais os motivos para a criação de leis raciais no país?
YVONNE: Outra alucinação: a de que a forma de combater a desigualdade no Brasil deve ser via leis raciais. Elas propõem dividir o povo brasileiro em brancos e negros. Há quem diga que o povo já está dividido assim. Digo que não. Afinal, 35% dos muito pobres no Brasil se definem como brancos.
O GLOBO: Qual é o melhor critério?
YVONNE: Em vez de lutar contra o racismo com ações afirmativas, colocando mais dinheiro nas periferias, o governo optou pelas cotas raciais reservando certo número de vagas na escola e, com o estatuto racial, no mercado de trabalho. Então, o país que não se pensava dividido está sendo dividido.
O GLOBO: Seja como for, a idéia das cotas está ganhando adeptos.
YVONNE: Nem tanto. Pesquisa recente feita no Rio pelo Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), mostrou que 63% das pessoas são contra as cotas raciais. A maioria do povo brasileiro acha que todos somos iguais. Aprendemos isso na escola. O objetivo era beneficiar negros e pardos. Agora no Rio já existem cotas para portadores de deficiência, para filhos de policiais, de bombeiros.
O GLOBO: A tendência é esse leque aumentar?
YVONNE: A lógica étnica ou racial não tem fim. Tudo surgiu porque houve pressão internacional com o sentido de combater o racismo. Mas quem domina os organismos internacionais são os países imperialistas, sobretudo Inglaterra e Estados Unidos, que têm uma visão imperialista de mundo dividido. Os EUA são um país dividido. Não pensam como nós. Lá a questão racial é a primeira identidade. Você pergunta quem é você?Eles dizem: eu sou afroamericano, etc. Como não vivemos ódio racial no Brasil não sabemos o que é isso. O problema é que ao dividir e criar uma identidade racial, fica impossível voltar atrás.
O GLOBO: O Brasil sucumbiu à pressão internacional?
YVONNE: A pressão talvez tivesse caído no vazio se não houvesse dinheiro americano nessa história. A Fundação Ford investiu milhares de dólares no Brasil, formando advogados, financiando debates, criando organizações não governamentais (ONGs). Não temos mais movimentos sociais. Quem luta em favor das cotas se transformou em ONG que recebe dinheiro do governo e da Fundação Ford. Juntou-se a fome com a vontade de comer. O governo inventa as ONGs, financia, e depois diz que as cotas são uma demanda do povo.
O GLOBO: Como combater a desigualdade no acesso à universidade?
YVONNE: O Brasil tem que enfrentar a questão da educação básica de forma madura e consciente, investindo. Precisamos de recursos financeiros e humanos. Melhorar o salário dos professores e sua formação. E mudar a concepção de educação. Sem investimento não construiremos uma sociedade mais igual. Estamos criando uma sociedade mais desigual, escolhendo um punhadinho entre os pobres. Na verdade, a competição pelos recursos não é entre o filho da elite e o filho do pobre: ocorre entre os pobres.
O GLOBO: Como a senhora vê a educação no Brasil?
YVONNE: A formação de professores e a concepção de educação são precárias. Não se obriga as escolas a ensinar. Obama acaba de fazer uma grande melhoria nos EUA: premia os bons professores. São os que ensinam melhor. E pune os maus. Quem não consegue fazer com que o seu aluno tire nota boa nas provas de avaliação externas, sai ou é reciclado.
O GLOBO: Há luz no fim do túnel?
YVONNE: Sou otimista. Acho que as leis raciais não vingarão no Brasil. Creio que os congressistas têm mais juízo. E que em vez de lutar pelas cotas, o ministro da Educação deve fazer com que prefeitos e governadores cumpram as metas. Elas são excelentes. A idéia dele é fazer com que os municípios mais pobres recebam mais dinheiro. A opção é investir nas escolas e nos bairros mais pobres.
O GLOBO: É possível conter o lobby das ONGs favoráveis às cotas?
YVONNE: É muito difícil ir contra grupos que se apresentam como o povo organizado. Temos que lutar pelo povo desorganizado, o povo que anda pela rua, que casa entre si, que joga futebol junto, que bebe cerveja, e não está o tempo todo pensando de que cor você é, de que cor eu sou. Povo é o que nos ensina que é melhor dar a mão do que negar um abraço.
OPINIÃO sobre a entrevista de Yvonne Maggie
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Agora sou eu, em mensagem enviada ao Gurpo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia:
Só não entendi bem:
a) o Brasil é um país não racista que se envergonha do racismo mas ela não se atreve a dizer que não existe racismo?
b) Ou será que o racismo não existe porque a legislação brasileira não adota critérios raciais? Isso significa que não existem assassinatos, afinal a legislação brasileira não permite a pena capital (salvo excessão dos períodos de guerra).
c) Ou será ainda que não devemos tomar as estatísticas como "verdade absoluta". Neste caso, então não devo acreditar que "35% dos muito pobres no Brasil se definem como brancos." ou que "Pesquisa recente feita no Rio pelo Cidan (Centro Brasileiro de Informação e Documentação do Artista Negro), mostrou que 63% das pessoas são contra as cotas raciais." Ou será que só valem as estatísticas que são favoráveis aos meus argumentos?
d) Que dizer então que toda a discussão sobre cotas faz parte de um plano imperialista dos yankees e dos ingleses?
e) Como assim: lutar favor das cotas é ser membro de Ongs e ser financiado. Sou a favor das cotas desde o ano de 2001 e nunca recebi nada em troca a não ser chateações como essa matéria.... Isso é ser leviano, tal qual eu afirmar que todos que são contra as cotas são os membros da elite econômica, social e racial deste país. Mas neste caso, mais do que leviano, eu na verdade só estou demonstrando o mal que representa essa política de ódio racial. Eis o paradoxo: estamos preso na camisa de força, nisto devemos reconhecer o brilhantismo da Profa. Ivonne Maggie, ou bem concordamos com ela, ou somos racistas e pregadores do ódio racial. Ah para falar a verdade como dizem os burgueses de S. Paulo Cansei...é necessário mais seriedade e profundidade para discutir um assunto tão sério. E pensar que essa senhora ocupa sucessivamente cargos importantes na ABA.... (aqui alguns colegas me alertaram e faz necesário esclarecer a professora Maggie efetivamente não ocupa cargos de tanta relvãncia na Assoiação e mesmo no mundo antropológico, obviamente que por seu curriculo e militância ela chama a atenção por coordenar Mesas de trabalhos e fóruns anti-cotas nos Congressos- mesas e fóruns onde todos tem visões semelhantes). Me impressiona a falta de argumentos desta ala contrária as cotas (existem vários argumentos factíveis, mas a pesquisadora não conseguiu apresentar nenhum). São sempre os mesmos discursos raivosos e vazios, repleto de contradições como as expressas acima ou a velha cantilena que é necessário melhorar o ensino publico, como se alguém fosse contra a melhoria das escolas públicas. A velha idéia da subtração do ou ao invés da soma. Ou será que ter políticas afirmativas é mutuamente excludente de políticas universalistas?
f) Um outro colega, não o citarei aqui pois não pedi sua autorização também me lembrou algo vital. Essa mesma Yvonne que acusa a Fundação Ford foi durante muito tempo bolsista ou recebeu verbas de pesquisa da mesma. Naquela época provavelmente a Fundação Ford não era uma organização terorista da ultra-direita yankee...ou como já percebemos a opinião da professora qualifica a tudo e a todos por sua visão estreita da realidade. Pesquisa e financiadores só são bons se aformam minha visão.
Carlos Eduardo Carlos Eduardo Marques - Professor da Faculdade de Ciências Jurídicas da FEVALE/UEMG. Membro do Núcleo de Estudos em Populações Quilombolas e Tradicionais da UFMG (NUQ/UFMG). Membro do Grupo de Trabalho Quilombos da Associação Brasileira de Antropologia (GT Quilombos/ABA)
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Abaixo um artigo de Elio Gaspari (com dados a respeito do sistema de cotas) um contraponto a Yvonne Maggie.
As cotas desmentiram as urucubacas - Elio Gaspari
03-Jun-2009 - FOLHA DE S. PAULO
Os negros desorganizariam as universidades, como a Abolição destruiria a economia brasileira QUEM ACOMPANHASSE os debates na Câmara dos Deputados em 1884 poderia ouvir a leitura de uma moção de fazendeiros do Rio de Janeiro:
"Ninguém no Brasil sustenta a escravidão pela escravidão, mas não há um só brasileiro que não se oponha aos perigos da desorganização do atual sistema de trabalho."
Livres os negros, as cidades seriam invadidas por "turbas ignaras", "gente refratária ao trabalho e ávida de ociosidade". A produção seria destruída e a segurança das famílias estaria ameaçada.
Veio a Abolição, o Apocalipse ficou para depois e o Brasil melhorou (ou será que alguém duvida?).
Passados dez anos do início do debate em torno das ações afirmativas e do recurso às cotas para facilitar o acesso dos negros às universidades públicas brasileiras, felizmente é possível conferir a consistência dos argumentos apresentados contra essa iniciativa.
De saída, veio a advertência de que as cotas exacerbariam a questão racial. Essa ameaça vai completar 18 anos e não se registraram casos significativos de exacerbação. Há cerca de 500 mandados de segurança no Judiciário, mas isso nada mais é que a livre disputa pelo direito.
Num curso paralelo veio a mandinga do não-vai-pegar. Hoje há em torno de 60 universidades públicas com sistemas de acesso orientados por cotas e nos últimos cinco anos já se diplomaram cerca de 10 mil jovens beneficiados pela iniciativa.
Havia outro argumento: sem preparo e sem recursos para se manter, os negros entrariam nas universidades, não conseguiriam acompanhar as aulas, desorganizariam os cursos e acabariam deixando as escolas.
Entre 2003 e 2007 a evasão entre os cotistas na Universidade Estadual do Rio de Janeiro foi de 13%. No universo dos não cotistas, esse índice foi de 17%.
Quanto ao aproveitamento, na Uerj, os estudantes que entraram pelas cotas em 2003 conseguiram um desempenho pouco superior aos demais. Na Federal da Bahia, em 2005, os cotistas conseguiram rendimento igual ou melhor que os não cotistas em 32 dos 57 cursos. Em 11 dos 18 cursos de maior concorrência, os cotistas desempenharam- se melhor em 61 % das áreas.
De todas as mandingas lançadas contra as cotas, a mais cruel foi a que levantou o perigo da discriminação, pelos colegas, contra os cotistas.
Caso de pura transferência de preconceito. Não há notícia de tensões nos campus. Mesmo assim, seria ingenuidade acreditar que os negros não receberam olhares atravessados. Tudo bem, mas entraram para as universidades sustentadas pelo dinheiro público.
Tanto Michelle Obama quanto Sonia Sotomayor, uma filha de imigrantes portorriquenhos nomeada para a Suprema Corte, lembram até hoje dos olhares atravessados que receberam ao entrar na Universidade de Princeton. Michelle tratou do assunto em seu trabalho de conclusão do curso. Ela não conseguiu a matrícula por conta de cotas, mas pela prática de ações afirmativas, iniciada em 1964. Logo na universidade onde, em 1939, Radcliffe Heermance, seu poderoso diretor de admissões de 1922 a 1950, disse a um estudante negro admitido acidentalmente que aquela escola não era lugar para ele, pois "um estudante de cor será mais feliz num ambiente com outros de sua raça". Na carta em que escreveu isso, o doutor explicou que nem ele nem a universidade eram racistas.
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REVISTA ÉPOCA
27/05/2009 - 18:33 - Atualizado em 29/05/2009 - 19:25
Nunca Tive Namorada Negra
O Preconceito Molda a Nossa Capacidade de Amar
Ivan Martins

IVAN MARTINS É editor-executivo de ÉPOCA
Eu nunca tive uma namorada negra. Saí uma ou duas vezes com moças negras na universidade, tive um caso intenso e demorado com uma mulher negra há pouco tempo, mas nenhuma delas foi namorada, relação firme, gente se que incorpora à vida e se leva à casa da mãe. Por que razão? Um dos motivos é geográfico: desde a adolescência quase não há pessoas negras ao meu redor. Elas não estavam no colégio, não estavam na faculdade e não estão no trabalho, com raras e queridas exceções. É nesses ambientes - escola e emprego -- que se constroem relações duradouras de amor e amizade.
O outro motivo é vergonhoso: racismo. Deve haver um pedaço de mim que acha mulher branca mais bacana que mulher negra, independente de beleza, inteligência ou caráter. Mesmo tendo ancestrais negros, cresci numa sociedade em que a cor, os traços e os cabelos africanos são tratados como defeito. É difícil livrar-se desse lixo. Ando pensando sob re essas coisas desde que tive uma discussão, dias atrás, com meu melhor amigo, sobre cotas raciais na universidade. Ele contra, eu a favor. Ele defende cotas econômicas, para jovens pobres oriundos das escolas públicas. Eu sinto que isso não é suficiente. Acredito que os negros têm sido sistematicamente prejudicados ao longo da história brasileira e fazem jus a políticas e tratamento preferenciais.
Penso nas namoradas negras que eu não tive. Elas não estavam na boa escola pública de primeiro grau onde eu entrei depois de um exame de admissão. Também não estavam na escola federal onde fiz o colégio. Ali só se entrava depois de um vestibular duríssimo. Na Universidade de São Paulo, onde estudei jornalismo, só havia um colega negro, nenhuma garota que eu me lembre. Será que isso é apenas econômico? Duvido.
Eu vim de uma família pobre e cheguei à universidade e à classe média. O mesmo fizeram minhas irmãs e meus amigos brancos. Os coleguinhas negros da infância - com poucas exceções -- não chegaram. Estavam em desvantagem. Tem algo aí no meio que é mais do que pobreza. É fácil para mim enxergar que a linha de corte na sociedade brasileira não é apenas de renda. Ela é de cor também. Essa linha está dentro de nós, dentro de mim. Somos racistas, embora mestiços. Por isso me espanta que as pessoas não se inclinem gen erosamente pela idéia de uma reparação aos sofrimentos infringidos aos negros - até como forma de purgar essa coisa ruim e preconceituosa que trazemos dentro de nós.
Eu, que nunca tive uma namorada negra, gostaria que meus filhos vivessem num país melhor. Um país em que houvesse garotas e garotos negros na universidade pública, ao lado deles. Um país em que eles tivessem colegas de trabalho negros. Engenheiros. Médicos. Advogados. Jornalistas. Um país onde as pessoas pudessem se conhecer, se admirar e se amar sem a barreira do preconceito que ainda nos divide.

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