quinta-feira, 31 de julho de 2008

Fomos publicados no Afroblogs

NOSSA ESTOU SUPER-SUPER FELIZ , a nossa matéria sobre a Mostra de Realizadores Negors no Cine Humberto Mauro (veja post abaixo), foi selecionada para entrar na seção Afronotícias desse Blog (veja abaixo):

Cine Humberto Mauro exibe mostra de realizadores africanos * Hienas Tilaï* Como a África se vê, se filma, se mostra, em seus 50 anos de cinema.

Poesia para toda a parte

Do Coletivo de Entidades Negras.

Solano Trindade por sua filha Raquel



No dia 24 de julho de 1908, isto é, há cem anos, nascia Solano Trindade, um poeta de importância fundamental para a literatura afro-brasileira. Solicitamos à sua filha, Raquel Trindade, que falasse (ou melhor, escrevesse) um pouco sobre seu pai e ela gentilmente nos brindou com o texto a seguir, que desenha um rosto bem humano de um poeta que precisa ser lido sempre, especialmente pelas novas gerações.

SOLANO TRINDADE, MEU PAI
RAQUEL TRINDADE

Creio que é o sonho de toda criança: ter um pai como o meu. Na época em que os pais batiam muito nas crianças, ele era carinhoso e paciente com a gente: eu, Godiva, Liberto e Chiquinho. Em 1945, ele já falava no Direito da Criança, quando essa lei nem sonhava em existir.
Antes de sair para o trabalho, para vender seus livros e quadros (que trabalho, dirão meus irmãos trabalhadores, ele dizia quando entrava no trem da Leopoldina em Duque de Caxias, no Rio), ele brincava com a gente no quintal.
Um dia uma vizinha foi fazer queixa de mim, porque eu tinha batido no filho dela. Ela dizia: - Essa menina precisa de uma surra.
Meu pai, pra satisfazer a vizinha, disse pra mim: - Você não quer ser artista? Vamos fazer um teste, eu vou bater com o cinto na parede e você grita como se estivesse apanhando de verdade -. E assim foi... A vizinha ouviu os gritos de sua casa, e foi encontrar minha mãe Margarida no caminho: - Dona Margarida, estou morrendo de remorso, fiz queixa da Raquel e seu Francisco deu uma surra nela.

MARGARIDA - Francisco, você bateu em Raquel?

SOLANO - Que nada, essa menina é uma artista, eu batia na parede e ela gritava.

De tarde, a vizinha, ainda com remorso, me trouxe um bolo.

Quando eu tinha 8 pra 9 anos, meu pai arranjou um emprego no IBGE da Praia Vermelha (Rio), só que me levava junto, assinava o ponto e saía comigo, me levava na Pinacoteca, na Biblioteca Nacional, na Escola de Belas Artes, no Municipal do Rio de Janeiro para assistir óperas, balé e música clássica. Parávamos depois no bar Vermelhinho, na rua Araújo Porto Alegre, em frente à Associação Brasileira de Imprensa (Rio), onde ele se encontrava com Grande Otelo, a pintora Djanira, Aldemir Martins, o sociólogo Edson Carneiro, com quem, junto com a minha mãe, criou o Teatro Popular Brasileiro. Estava também o Barão de Itararé, Silveira Sampaio, Paschoal Carlos Magno, Aníbal Machado, a intelectualidade e os militantes de esquerda do Rio de Janeiro. E nessa, esquecia de assinar o ponto de volta no IBGE.
À noite, íamos assistir o Teatro Experimental do Negro, do Abdias Nascimento; outra noite, a Orquestra Afro-Brasileira e Abigail Moura; outra noite, o Ballet Afro de Mercedes Batista e o ensaio do grupo folclórico de Haroldo Costa, onde minha mãe ensinava dança.
Meu pai conversava muito comigo, me falava dos problemas raciais, da má divisão de renda do povo brasileiro. Me dizia do respeito que se devia ter com as diferenças, me falava da história da África, como eu devia me orgulhar de ser negra, sem discriminar qualquer outra raça. Enquanto minha mãe (Terapeuta Ocupacional, trabalhou no Museu da Imagem do Inconsciente, com Dra. Nice de Oliveira; era uma exímia costureira, bordadeira) me ensinou a fazer os serviços domésticos, a ser sempre honesta, a me afastar de vícios, como fumar e beber.
Ela, mesmo presbiteriana como era, me ensinou todas as danças folclóricas, com exceção das danças dos Orixás, que aprendi quando entrei no Candomblé.
Papai me orientava para as artes, me levando a ateliês de seus amigos, comprando livros, porque sabia que eu gostava de ler.
Fiz o primário gratuito porque tinha uma senhora, Dona Armanda Álvaro Alberto, que mantinha uma escola para as crianças pobres de Caxias, muito avançada, nos moldes europeus.
Mas o ginásio, não tinha público, papai pagava com dificuldade, pois ele vivia da arte. Aí eu atrasava o pagamento, passava abaixadinha na secretaria para que o Dr. Ely Combat (diretor do ginásio de Caxias) não me visse, aí ele ia até a sala de aula e falava:
- Quem não pagou a mensalidade não faz prova...
Falava com papai, ele dizia: - Filha, não vou lhe deixar nada material, só o que você estudar, vou pra cidade tentar vender um quadro ou livros, mas você não vai perder a prova.
Eu tinha uns 9 anos quando ele foi preso político. Policiais truculentos, armados até os dentes, invadiram à noite a nossa casa, ele estava de cueca "samba-canção", acalmava a gente, eu e minha irmã chorando, Liberto com sarampo na cama que os policiais reviraram dizendo que tinha armas escondidas. Logo papai, que era pacifista como Gandhi, mamãe ficou brava com os policiais.
Levaram ele... Mamãe ia de prisão em prisão com a gente, até que descobriu que ele estava preso incomunicável na Rua da Relação (Rio).
Depois, quando eu estudava o clássico, me levou para a Europa com o elenco do Teatro Popular Brasileiro, ele foi de avião, nós fomos de navio Louis Limiere, e voltamos no Provence.
Em 1961, convidados pelo escultor Assis, viemos para o Embu.
E hoje coloco em prática, com filhos e netos, todos os ensinamentos desse grande pai Solano Trindade.
Obrigada meu pai Francisco Solano Trindade e Maria Margarida da Trindade por terem existido.

Raquel Trindade, 26 de junho de 2008 - Embu das Artes, São Paulo - Brasil


Poema inédito de meu pai:

NEM SÓ DE POESIA VIVE O POETA

Nem só de poesia vive o poeta
há o "fim do mês"
o agasalho
a farmácia
a pinga
o tempo ruim, com chuva
alguém nos olhando
Policialescamente
De vez em quando
Um pouco de poesia
Uma conta atrasada
Um cobrador exigente
Um trabalho mal pago
Uma fome
Um discurso à moda Ruy
E às vezes uma mulher fazendo carinho
Hoje a lua não é mais dos poetas
Hoje a lua é dos astronautas

Solano Trindade
1969

quarta-feira, 30 de julho de 2008

Cine Humberto Mauro exibe mostra de realizadores africanos

Cine Humberto Mauro exibe mostra de realizadores africanos




Hienas Tilaï


Como a África se vê, se filma, se mostra, em seus 50 anos de cinema? A despeito de ser a terra de grande parte de nossos ascendentes, pouco sabemos da representação que a África faz de si mesma. O continente africano tem, no nosso imaginário, muito mais as feições dos filmes que Hollywood e antropólogos de toda parte fizeram por lá, das imagens que a imprensa nos traz, quase sempre empenhada em retratar suas mazelas, do que imagens que os próprios africanos produzem. A mostra A África se Filma, exibida no Cine Humberto Mauro de 4 a 21 de agosto, apresenta um pouco do que os cineastas da África Ocidental têm realizado, colocando em evidência alguns dos nomes mais expressivos da produção dessa parcela do continente. A maior parte dos filmes que compõem a mostra é financiada, em parte ou em sua integralidade, por países europeus, o que não subtrai a ‘africanidade’ desses trabalhos. São obras com formas particulares e valiosas de vivenciar o mundo, com temas, narrativas, ambientações e questões estéticas próprias.

Os realizadores e suas origens

Abderrahmane Sissako – Mauritânia/ Mali
Souleymane Cissé - Mali
Idrissa Quedraogo – Burkina Faso
Gaston J-M Kabore – Burkina Faso
Djibril Diop Mambéty - Senegal


Programação
04 SEG

17h Hienas
19h CINECLUBE CURTA CIRCUITO
21h Vida Sobre a Terra

05 TER
17h Finyé
19h Tilaï
21h Samba Traoré

06 QUA
17h Buud Yam
19h MOSTRAVÍDEO ITAÚ CULTURAL
21h Esperando a Felicidade

07 QUI
17h30 Vida Sobre a Terra
19h Samba Traoré
21h Buud Yam

08 SEX
17h Tilaï
19h Esperando a Felicidade
21h Hienas

09 SAB
16h Samba Traoré
18h Finyé
20h Tilaï

10 DOM
16h Hienas
18h Buud Yam
20h Vida Sobre a Terra

11 SEG
17h Buud Yam
19h CINECLUBE CURTA CIRCUITO
21h Finyé

12 TER
17h Hienas
19h Esperando a Felicidade
21h Tilaï

13 QUA
17h Tilaï
19h MOSTRAVÍDEO ITAÚ CULTURAL
21h Vida Sobre a Terra

14 QUI
17h Esperando a Felicidade
19h Vida Sobre a Terra
20h30 Samba Traoré

15 SEX
17h Finyé
19h Hienas
21h Buud Yam

16 SAB
16h Finyé
18h Buud Yam
20h Esperando a Felicidade

17 DOM
16h30 Vida Sobre a Terra
18h Tilaï
20h Samba Traoré

18 SEG
17h Hienas
19h CINECLUBE CURTA CIRCUITO
21h Samba Traoré

19 TER
17h Finyé
19h Vida Sobre a Terra
21h Esperando a Felicidade

20 QUA
17h Buud Yam
19h MOSTRAVÍDEO ITAÚ CULTURAL
21h Tilaï

21 QUI
17h Samba Traoré
19h Esperando a Felicidade
21h Vida Sobre a Terra




Serviço:
Evento: A África se Filma
Data: 4 a 21 de agosto
Horário: confira a programação
Local: Cine Humberto Mauro
Preço: R$ 5 (inteira) e R$ 2,50 (meia entrada*)
---------------------------
*Atenção:
Meia-entrada para estudantes e maiores de 60 anos, conforme a lei.

Acatando a recomendação do Ministério Público, por meio, das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, Promotoria e Justiça de Defesa do Consumidor e PROCOM–MG, em conjunto, o valor da meia–entrada estudantil é válido para estudantes regularmente matriculados na rede oficial de ensino, público ou particular de 1º, 2º e 3º graus, compreendendo os alunos de pós–graduação, mestrado, doutorado e aqueles matriculados em cursos pré–vestibulares previamente credenciados junto à UNE (União Nacional dos Estudantes), UEE/MG (União Estadual dos Estudantes), UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) ou UCMG (União Colegial de Minas Gerais).

Será exigida a identificação no ato da compra e na entrada do evento por meio da apresentação de identificação estudantil (carteira de estuda

terça-feira, 29 de julho de 2008

A universalização da banda-larga e o golpe das Teles

Se Você como eu considera hiper-caro pagar 70,00 reais de banda larga e mesmo 41,00 pela taxa mínima do telefone (NESSE CASO É ROUBO MESMO, ALIÁS VÁRIOS TRIBUNAIS DE PRIMEIRA INSTÂNCIA ASSIM CONSIDERARAM, DECISÕES OBVIAMENTE REVERTIDAS POR SENHORES COMO GILMAR MENDE DO STF). Entenda o porque abaico, em matéria do blog do Tião, um cara do ramo das tecnologia:

A universalização da banda-larga e o golpe das Teles

Não sabia desta discussão, mas como tenho interesse no programa de universalização das telecomunicações fui atrás de informações hoje a tarde.

Privatização das telesO debate diz respeito a um imbróglio jurídico. Quando da privatização das teles estabeleceu-se o serviço prestado em regime público e em regime privado. O Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) - a propagandeada universalização da telefonia fixa, que nunca atingiu suas metas - é regime público. De acordo com a lei de concessões, a renda obtida nos negócios em regime público só pode ser usada na mesma modalidade. Assim, o lucro da telefonia fixa não pode ser usada para outros negócios. É sabido o método utilizado pelas teles para subsidiar a expansão da rede - aumento das tarifas em 500%, nunca questionado pelos órgãos reguladores. O regime público prevê também o retorno da infra-estrutura ao Estado, ao fim da concessão, para nova licitação.

O negócio é que o decreto presidencial 6.424, de 4 de Abril de 2008, que define a política de universalização da banda larga, estabelece uma contradição legal. Ele determina que as concessões feitas às empresas de telefonia e telecomunicações estão submetidas também à administração e instalação do chamado backhaul, ou infra-estrutura de banda-larga - que atenda a todas as municipalidades do país - conectando assim serviços públicos e mais de 55 mil escolas à Internet.

De acordo com o decreto, o backhaul deve ser parte da rede estabelecida de Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC). Esta infra-estrutura seria o seguinte, a empresa tem de estabelecer uma ligação física entre as linhas locais de todas as cidades brasileiras e sua infra-estrutura de dados - o conhecido DLS, Speedy por exemplo.

Entretanto, por pressão das teles, o backhaul foi definido como regime privado E como parte da STFC. O golpe é explicado em sua totalidade aqui, e envolveu, entre outros truques sujos, o uso de um funcionário da ANATEL(!) para tratorar a reunião do Conselho Consultivo da ANATEL, e empurrar as mudanças pretendidas pelas teles. Este digníssimo senhor se demitiu dias depois, para trabalhar na ABRAFIX (associação das teles).

Isto significa que o backhaul não é bem público sob concessão E que o lucro da telefonia fixa pode ser investido para expandir a rede de banda-larga - fatia mais lucrativa do mercado de telecomunicações no Brasil. É uma contradição jurídica feia, e que sustenta a maldita tarifa telefônica cara, reforçando o argumento falacioso da expansão dos serviços.

A solução é simples, mas a briga é feia. Dado que são concessões públicas, e que a expansão da banda-larga é parte da STFC, a infra-estrutura de banda-larga também seria um bem público. Portanto, não só sofreria regulamentação (de tarifa por exemplo) como deve ser retornada ao Estado ao fim do contrato. Mais, as teles estariam obrigadas a atender demandas públicas como acesso barato para redes sem fins lucrativos, etc.

Rola também a discussão no CGIbr, mas o comitê ainda não adotou postura frente à política de universalização da internet. É brincadeira? Alguns membros estão tentando reverter a insensatez que domina a gestão das telecomunicações neste país. Gustavo Gindre , por exemplo:

É justamente isso que eu gostaria de solicitar à Anatel. Que seja apresentado em nossa[do CGI] reunião o estudo técnico que afirma que o backhaul ou é parte da “infra-estrutura e equipamentos de sistemas de suporte e operação do STFC” ou que ele é “indispensável à prestação do STFC” e que, portanto, ele seria não apenas um bem reversível, como, principalmente, ele poderia ser motivo de troca no interior do contrato de concessão do STFC.

Pressionamos junto com Cristina de Luca, do convergência digital:

“A pergunta que muitos como Gindre continuam a fazer é simples: se o CGIbr é um órgão orientador, que inclui entre seus membros representantes de ministérios, mas também da sociedade civil, porquê não passa a ter uma atuação mais ativa na formulação de políticas públicas de fomento à Internet?”

sábado, 26 de julho de 2008

Obama, de três pontos

Obama, de três pontos
Luiz Carlos Azenha

WASHINGTON - Quando eu era repórter de automobilismo - sim, meu passado me condena - costumávamos dizer que tudo dava certo para os campeões. Não há dúvida de que é preciso ser competente para ganhar uma prova. Mas em um esporte no qual a diferença entre vitória e derrota está na casa dos milésimos de segundos sorte faz a diferença. Vejam, por exemplo, a carreira do piloto Raul Boesel. Um bom piloto, talvez carente de ousadia, mas consistente. Em uma longa carreira na Fórmula Indy nunca conquistou uma vitória. Chegou perto. Eu mesmo me lembro que Boesel liderava com folga as 500 Milhas de Michigan quando... o carro quebrou faltando apenas algumas voltas.

Este preâmbulo é para dizer que, além de competente na organização de sua campanha, o senador democrata Barack Obama dá sorte. Ele é um político relativamente novato. Soube ler a conjuntura e desenhou sua campanha para agradar a todos todo o tempo. Nesse sentido é uma espécie de Lula estadunidense. Vocês saberiam me dizer se o Lula é contra alguma coisa? O Obama é a favor de tudo. Dos palestinos e dos israelenses. Da guerra e da paz. Da gasolina barata e dos combustíveis alternativos. Ele se vende como um candidato capaz de forjar um consenso, de superar o fosso entre republicanos e democratas, nem à esquerda, nem à direita. Talvez seja um sinal dos tempos: Obama é um "produto" de mil e uma utilidades, uma das quais a de fazer com o que o eleitor se sinta satisfeito consigo mesmo por aceitar alguém "tão diferente".

E a sorte? Em recente viagem ao Iraque, Obama decidiu testar a pontaria em uma quadra de basquete. Disse que estava enferrujado mas que eventualmente acertaria uma cesta. Atirou a bola de trás da linha de três pontos e acertou na primeira. A cesta apareceu em todas as emissoras de televisão dos Estados Unidos, no mesmo dia em que o republicano John McCain aparecia sentado em um carrinho de golfe com o ex-presidente George H. Bush. A imagem certa na hora certa. De um lado um jovem atlético enfiando uma cesta de três pontos. De outro dois senhores da terceira idade empurrando uma bolinha no gramado de um clube exclusivo.

Cassiano: Cedo ou Tarde

Depois de muitos dias longe daqui. Como sempre o motivo são as diversas coisas tudo ao mesmo tempo e agora. No entanto, hoje resolvi dar um tempo e fruir a música. Estou ouvindo o divinal disco Cassiano: Cedo ou Tarde (com uma série de duetos espetaculares com Luiz Melodia, Sandra de Sá, Marisa Monte, Djavan, Ed Motta entre outors). Vida longa ao soul, ao funk ao balancê e a esse grito de libertação musical, estética, política, moral... cada vez tenho mais claro que qualquer escrita sobre um bom albúm só serve para diminuí-lo visto que nunca o retrata em toda sua grandeza.
De todo modo re-publico abaixo, dois posts sobre o soul e sobre cassianode dezembro do ano passado. Quando dedicamos uns 15 posts para fazermos críticas de discos essenciais para esse que escreve. E logo abaixo depois de um longo e tenebroso inverno, de volta Poesia para toda parte, com a poesia de Coleções (que no disco cedo ou Tarde é um maravilhosos dueto entre Cassiano e Djavan).

Músicas, músicas, férias VII

Eu sou tão fã das composições do Cara abaixo (e também de Hyldon), que não me sinto a vontade de comentá-lo, a Cassiano só consigo reverencia-lo e me emocionar sempre que ouço suas canções. Em uma expressão: Ele é um letrista genial. Mas isso seria pouco para descrever a influência do cara sobre a MPB- Música Preta Brasileira, na excelente expressão de Sandra de Sá, aliás Ela própria uma interprete divinal de Cassiano (a este respeito já fiz uma pequena crítica do disco MPB dessa interprete, aqui mesmo no Blog- quem estiver interessado busque na memória do blog, no mês de outubro). Aqui recomendo que ouçam os três discos do Cara, ainda que alguns seja mais difíceis de encontrar mesmo na Net.

Fiquem com o texto de B'side a respeito desse Cara.

É a hora de conhecer o trabalho de um dos mais brilhantes compositores da nossa MPB em qualquer tempo: Genival Cassiano dos Santos, ou simplesmente, Cassiano.

Nascido há 62 anos em Campina Grande, na Paraíba, veio para o Rio em fins da década de quarenta. Na Cidade Maravilhosa, aprendeu com o pai a tocar violão e bandolim e aos 19 anos, entrou para o meio artístico como integrante do grupo Bossa Trio, mais tarde rebatizado de Os Diagonais - que participariam nos três primeiros discos de Tim Maia fazendo os vocais de apoio.

Cassiano já alçara vôo solo quando Tim surgiu como uma bomba na MPB, cantando uma de suas primeiras composições: o eterno hit "Primavera (Vai Chuva)".

A letra pungente e a interpretação marcante do inesquecível Tim Maia mostraram o gênio de Cassiano - imediatamente convidado para gravar um disco em 1971. Imagem e Som. Seu primeiro trabalho-solo revelou outros ases na manga além de "Primavera". Vieram à luz "É isso aí" (não, não é a da Ana Carolina, garanto aliás que é melhor), "Já", "Uma lágrima" e "Não fique triste".

Com arranjos de Waldyr Arouca Barros, o trabalho de estúdio foi primoroso. O antigo grupo de Cassiano participou dando uma canja nos vocais e no baixo reinou o lendário Capacete, comparado a James Jamerson, craque do instrumento e músico número um de estúdio da não menos conhecida gravadora americana Motown.

Cassiano reapareceu em 1973 com um disco ainda melhor: Apresentamos Nosso Cassiano, pelo selo Odeon. E saíram do forno composições inspiradíssimas. "Melissa" foi uma homenagem à filha nascida dois anos antes. "A Casa de Pedra" é um soul-progressivo de diversas quebradas rítmicas e devastador - literalmente - porque nenhum coração de pedra resiste à beleza da letra e da interpretação do cantor / compositor. Só ouvindo a música pra saber mesmo como é...

E foi nessa época em que ele compôs aquela que é considerada a melhor música dele. "Cedo Ou Tarde" foi referência para dezenas de artistas da MPB que beberam da fonte da boa música, caso de Ed Motta, que apresentou a canção à Marisa Monte para que ela a regravasse.

Simplesmente sensacional...

Novo sumiço e Cassiano voltou em 1976, com um novo parceiro, Paulo Zdanowski, jovem de 19 anos que formaria algum tempo depois o grupo Brylho da Cidade - aquele mesmo de "Noite do Prazer". E aí foi lançado o terceiro e, pasmem, último disco do compositor: Cuban Soul - 18 Kilates, tão brilhante quanto seu antecessor.

"Coleção" foi um sucesso estrondoso por causa da novela Locomotivas, da Globo. "A lua e eu", outra balada que até hoje todo mundo acima dos 30 anos se lembra com carinho. "Salve essa flor", uma das preferidas dos seus fãs.
E ainda havia "Hoje é Natal", disparada a melhor música falando sobre o tema. Esqueçam "Noite Feliz", "Jingle Bells" e "Boas Festas". Cassiano sintetiza em pouco mais de três minutos e meio a singeleza desta data comemorada mundialmente.

O mais engraçado e o que me impressiona, nao só a mim mas a todos os fas do genero é que um monstro da MPB igual ao Cassiano já vai completar 30 anos sem fazer um único disco. Com tanta porcaria dominando as paradas, isto é incrivel !!!!

Felizmente ele nunca foi esquecido. Nos anos 90, ele reapareceu para gravar seus grandes sucessos com outros artistas - Luiz Melodia, Ed Motta, Sandra de Sá, Marisa Monte e muitos outros - o disco-tributo Cedo ou Tarde (Como sempre!).
Sem deixar de dizer que a delonga pra gravar ou aparecer em publico foi realmente motivos de saude

E o mesmo Ed Motta voltou a pagar tributo ao mestre em 2000, compilando 14 de suas grandes músicas para a Universal / Dubas Música e apresentando enfim o primeiro CD de Cassiano - Coleção. Que todos por obrigação deve ouvir inteiro até furar!


Glória eterna a Genival Cassiano dos Santos.

Ou seria... Genial Cassiano?


Músicas, músicas, férias IX

“I'M BLACK and I'M PROUD. I FEEL GOOD”

Podemos nos últimos post fazer uma pequena revisão da Soul Music brasileira. Na verdade muito vai ficar de fora, mas a idéia foi divulgar um pouco mais o Soul Brasileiro. Muita coisa boa ficou de fora. Seja por opção própria, como a exclusão de Tim que mereceria um Blog só para sua gorda musicalidade, e outras por que até mesmo nós, apesar de fãs não temos acesso a raridades como Gerson King Combo ou Black Rio e outros geniais do Soul brasileiro obscurantizados pelo sistema.

A música black brasileira da década de 70, influenciou e influencia grande parte da produção musical contemporânea, desde todo o rap nacional, passando pelo “funk” carioca, até o trabalho de artistas como O Rappa, Seu Jorge, D2, Paula Lima, Funk Como Le Gusta dentre tantos outros. Muitos desses trabalhos têm sido relançados em CD, como o Racional do Tim Maia, o disco do Hyldon, Maria Fumaça e outros da Black Rio. Alguns outros podem ser baixados na rede, ou então garimpados em sebos de vinil.

Discoteca Básica
- Black Soul Brothers: Miguel de Deus (1974)
- Na rua, na chuva, na fazenda: Hyldon (1974)
- Trio Esperança: Trio Esperança (1974)
- Nesse Inverno: Tony Bizarro (1974)
- Racional vols. 1 e 2: Tim Maia (1974/5)
- Cuban Soul: Cassiano (1976)
- Gérson King Combo: Gérson King Combo (1977)
- Maria Fumaça: Banda Black Rio (1977)
- Venha Matar Saudades: Carlos Dafé (1978)
- Melô do Mão Branca: Mão Branca (1979)
- Toni Tornado: Toni Tornado (1972)
- Dom Salvador: Dom Salvdor (1969)
- Dom Salvador e Abolição: Som, Sangue e Raça (1971)
- Jorge Bem: Negro é lindo (1971)


Poesia para toda parte

Sei que você gosta de brincar
De amores
Mas óh: comigo, não! (comigo, não!)
Sei também que você...
Eu não sei...mais nada
Um dia
Você vai
Ouvir
De alguém
O que ouvi de ti
Então irá
Pensar
Como eu
Sonhei em vão
Não vá...ou vá
Você é quem quer...
Quer saber?
Eu amo
Você!

Sei também que você...
Eu não sei...mais nada
Sei que um dia você vai ouvir
De alguém
O que ouvi de ti
Então irá
Pensar
como eu
Sonhei em vão
Não vá...ou vá
Você é quem quer...
Quer saber? [Quer saber?]
Eu amo
Quer saber? [Quer saber?]
Eu amo
Quer saber? [Quer saber?]
Eu amo...yeahhhh
Você!


domingo, 20 de julho de 2008

Dossie Gilmar Mendes III


Do blog http://www.idelberavelar.com
Sobre o papel do subjuntivo no mascaramento da bandidagem

protog.jpgÉ oficial: Protógenes Queiroz e o Juiz Fausto de Sanctis viraram réus. O inacreditável aconteceu. Uma operação policial que revirou os intestinos da maior quadrilha do capitalismo brasileiro se transformou numa novela sobre como Protógenes usa o subjuntivo (Johnson estava errado; o último refúgio do canalha não é o patriotismo: é a gramática); sobre se houve vazamento ou não; sobre se deveria haver filmagem ou não; sobre se De Sanctis desrespeitou o STF ou não; sobre se Dantas pode ser algemado ou não. Revirem as manchetes dos jornais. Procurem informações sobre o conteúdo do que as investigações revelam sobre Dantas, a privatização das teles e seus bilionários negócios. Não há.

Protógenes vai fazer um “curso” e De Sanctis vai tirar férias. A conclusão é inevitável: o lado de lá, a corja, venceu. Em parte, pela covardia do governo Lula, que incrivelmente escala um Ministro da Justiça para dizer que o afastamento de Protógenes era um ato de “rotina”. Calculou errado, por medo da avalanche da mídia, que só quer saber da parte em que a maracutaia respinga no PT. Quando se deram conta de que a opinião popular já não se pauta pela mídia -- coisa que o governo Lula deveria ter aprendido com sua própria vitória em outubro de 2006 –- tentaram voltar atrás e era tarde demais.

Nélio Machado, o advogado de Dantas, agora pauta a Folha de São Paulo. É inaudito: as frases do advogado de um criminoso sobre o Presidente da República ganham primeira página nos jornais. Deve ser inédito na história da imprensa brasileira. Até manchete com ameaças de Nélio Machado ao PT foram publicadas. Aliás, é boa coisa que meu caríssimo e admirado Mário Magalhães tenha abandonado a função de ombudsman do jornal antes do estouro deste escândalo. Porque a lama da Folha neste episódio ultrapassa os limites do ombudsmanizável.

Sim, estou estuprando a língua portuguesa, em homenagem aos cães de guarda que enfiam vírgulas entre sujeito e predicado e escrevem matérias zombando do “português truncado” de Protógenes.

Sou de família de advogados. A minha paixão pelo Direito é antiga, apesar de eu ter escolhido Letras. Fucem por aí: juízes federais, procuradores da república etc. O que mais tem é Avelar. Nunca li um relatório policial em que o português não fosse “truncado”. Jamais me incomodou. Agora, de repente, o uso do subjuntivo num relatório policial que desvenda a maior quadrilha do capitalismo brasileiro virou tema de comoção na mídia nacional. E o conteúdo do relatório sumiu. Ninguém diz nada.

As gravações reveladas nesta semana demonstram claramente duas coisas: as de Dantas mostram um bandido que quer chegar a Lula, quer atingir Lula (maior êxito aqui, menor êxito acolá). As gravações da PF mostram um grande brasileiro – Protógenes Queiroz – seguindo à risca, rigorosamente, uma tarefa na qual ele sabe que está cercado de inimigos por todos os lados. Mesmo assim, o governo Lula não teve a coragem de dizer: Truco! Querem colocar todas as cartas na mesa? Querem revelar tudo? Vamos fritar toda a bandidagem, de todos os partidos, mesmo sabendo que a mídia escolherá a fritura que mais lhe convém? O governo Lula não apostou no discernimento da população brasileira neste episódio. Quando se deu conta disso, Inês já era morta.


PS: Pretendo dar um tempo deste episódio pelo mesmo motivo que dei um tempo do Galo aos sábados. É derrota demais. Derrota na política, derrota no futebol. O Biscoito Fino e a Massa provavelmente se transformará num blog sobre literatura e música. Ali, pelo menos, a derrota é matéria-prima da arte, e não da infâmia.

PS 2: Há manifestações hoje, em todo o Brasil, pelo impeachment de Gilmar Mendes. Elas têm o apoio deste blog. Mais detalhes no Nós apoiamos De Sanctis.

PS 3: Admiração; admiração e respeito infinitos por Protógenes Queiroz e Fausto de Sanctis. Nunca vou me esquecer do nome destes dois brasileiros.

Operação Satiagraha: o ranking do nervosismo

Eu, que sou um mero crítico literário atleticano, não tenho todos os elementos para fazer esse ranking. Mas o Biscoito Fino e a Massa gostaria de dar sua contribuição à medição do nervosismo de certas figuras da política e do jornalismo brasileiros à raiz da operação Satiagraha, da Polícia Federal. Apresento o meu top 8 da preocupação pindorâmica, em ordem alfabética, e convoco meus eruditos e bem informados leitores a que organizem o ranking como bem lhes aprouver. Ou que acrescentem outros nomes, evidentemente.

Eduardo Azeredo: segundo os que acompanham o Senado, era visivelmente o parlamentar mais alterado. Coitado, justamente na semana em que ele tentava criar impressões digitais para rastrear todos os usuários da internet, encontram suas impressões digitais no maior bandido de Pindorama. Nervosismo estilo Lazaroni.

Reinaldo Azevedo
: logo depois de decretada a prisão de Dantas, Reinaldinho entrou em verdadeiro surto psicótico. Insistiu que a prisão de Dantas demonstrava que vivíamos num perigoso totalitarismo bolchevique. Fantasiou que estávamos a um passo de adentrar uma ditadura na qual agentes da Polícia Federal invadiriam sua casa e estuprariam suas filhas com grossos tomos de Lênin. Nervosismo estilo Zagallo.

Fernando Henrique Cardoso
: o príncipe sociólogo tem bons motivos para julgar-se a salvo, mas nossas fontes não deixaram de notar que FHC não quer nem saber de remexer histórias acerca de um certo encontro em que tratou com Daniel Dantas do tema da diretoria da Previ. Ou das relações de Pérsio Arida, que o serviu no BNDES e no Banco Central, com Dantas. Nervosismo impassível, estilo Ademir da Guia.

José Dirceu: quase 36 horas de silêncio absoluto sobre a prisão de Dantas num blog basicamente dedicado a comentar as manchetes dos jornais do dia. Para piorar, acham suas digitais nas tentativas de sabotagem à operação do Dr. Protógenes. Quando falou, foi para condenar a “espetacularização” da PF, encontrando finalmente suas afinidades eletivas com Reinaldinho da Veja. Nervosismo estilo Roberto Dinamite.

Guilherme Fiúza: escreveu um inacreditável post em que apresentava a filmagem de um ex-prefeito e bandido em sua casa, no momento da prisão, de pijama de mangas compridas, como uma elaborada tortura chinesa jamais vista em Pindorama. Nervosismo hiperbólico, estilo Dadá Maravilha.

Miriam Leitão: escreveu um inacreditável post em que se perguntava por que, afinal de contas, remexer essas coisas tão velhas como as falcatruas de Dantas. Contrapôs a operação Satiagraha às boas notícias veiculadas no exterior sobre o Brasil, como se combate à corrupção fosse sinônimo de corrupção. Fingiu não entender que o mensalão não é a origem de Dantas, mas exatamente o contrário. Nervosismo pretensamente burro, estilo Dunga.

Marinhos, Kamel e Globo: esses não têm com que se preocupar, já o sabem há tempos. Mandam em Pindorama. Para quem viu o Jornal Nacional de ontem, é impossível não concordar com Paulo Henrique Amorim. A Globo já rifou Dantas. Nervosismo zero, estilo Vicente Feola.

Gilmar Mendes: presidente da Suprema Corte do país, passou pela inacreditável humilhação de ver um bandido dizer que, no seu tribunal, ele tem “facilidades”. Ao invés de dar o habeas corpus em 24 horas, preferiu fazê-lo em 36, para não dar muito na cara. Nervosismo dissimulado, estilo Parreira.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Dossie Gilmar Mendes II

Até o Noblat, anda achando tudo isso muito estranho.

Diálogo exemplar desse período estranho

O Palácio do Planalto foi palco, ontem, de um diálogo no mínimo bizarro. Uma jornalista perguntou a Lula:

- O que o senhor acha da conversa de Gilberto Carvalho com o ex-deputado Luiz Eduardo Greenhalg?

Lula respondeu o que virou a frase do dia deste blog:

- Se você ligar para mim, quem vai atender vai ser o Gilberto Carvalho. Peça a Deus para seu telefone não estar sendo gravado, senão vai aparecer sua conversa.

Greenhalg é advogado do banqueiro Daniel Dantas, acusado de lavagem de dinheiro, remessa ilegal de dinheiro para o exterior, tráfico de influência e tentativa de suborno de um delegado da Polícia Federal.

Carvalho é o chefe de gabinete de Lula, amigo de Greenhalg de longa data. Greenhalg telefonou para Carvalho querendo saber se um executivo do banco de Dantas era alvo de monitoramento policial. Carvalho consultou suas fontes e disse a Greenhalg o que ele queria saber.

Como servidor público, Carvalho advogou em favor de interesse privado - essa é a questão. E a ela implicitamente se referia a jornalista ao perguntar a Lula o que ele achou da conversa entre Carvalho e Greenhalg gravada pela Polícia Federal com autorização da Justiça.

A resposta dada por ele não tem pé nem cabeça. Serve, porém, para ilustrar o período estranho que vivemos.

Ou não é estranho que um banqueiro seja preso e solto duas vezes em menos de 72 horas?

Não é estranho que um delegado seja afastado da chefia da operação policial que resultou na prisão do banqueiro?

Não é estranho que o ministro da Justiça insista em afirmar que o delegado pediu para sair?

Não é estranho que o presidente da República determine a recondução do delegado ao cargo?

E não é estranho que a direção da Polícia Federal anuncie logo em seguida o nome do substituto dele?

É tudo estranho. Muito estranho.

Bob Fernandes

Os intestinos do Brasil.

O relato a seguir começa pelo antes para só depois chegar ao depois.

A inversão é necessária para que se entenda melhor a batalha que engolfa e divide a Polícia Federal e que se desdobrou em incidentes antes, durante e depois da operação que levou Daniel Dantas & Cia ao entra-e-sai na cadeia.

Graves incidentes.

Para relatá-los, os incidentes de antes, do durante e do depois, Terra Magazine ouviu, durante uma semana, envolvidos de parte a parte.

Além do que acompanhou, e conhece, já há anos.

Segunda-feira, 7 de julho. Véspera da Satiagraha.

Como representante da Divisão de Combate ao Crime Organizado, e do diretor geral, Luiz Fernando Corrêa, o delegado Paulo Tarso Teixeira está na capital paulista.

Meio da tarde. Tarso e o superintendente da PF em São Paulo, Leandro Daiello, querem saber dos detalhes da Operação; nomes dos que seriam presos, onde se dariam as buscas... Ter acesso à decisão judicial.

Troca de telefonemas duros até que é dada a ordem. Protógenes Queiroz deve seguir para a Superintendência, onde chega à noite.

Reunião. Queiroz, acompanhado por três dos seus. Paulo Tarso e Daiello querem acesso à decisão do juiz Fausto De Sanctis. Protógenes nega.

Argumento. Se houver vazamento, alguém naquela sala terá que ser responsabilizado, e preso. Um inquérito junto ao Ministério Público sobre vazamentos na operação, já "rico", ganharia um novo e extraordinário capítulo, se tanto se desse.

À frase, delegados ligados a Protógenes se levantam e deixam a sala.

O superintendente Daiello e o delegado Paulo Tarso insistem. Querem uma cópia da decisão judicial.

Protógenes se recusa. Argumenta com o sigilo, diz que poderá dar ciência de alguns dados uma hora antes do início da operação, não antes.

O delegado teme o prontuário, a vida pregressa, a capivara da operação.

Um, dois... vários delegados a deixaram pelo caminho. Outros...

Protógenes Queiroz teme o vazamento. Receia que as informações cheguem a Daniel Dantas e os seus, como chegaram a 26 de abril, quando a Folha de S.Paulo anunciou estar a caminho uma operação para prender o banqueiro e outras duas dezenas.

Mais: o delegado tem na memória tudo que cercou os 4 anos de investigações, primeiro na operação Chacal, depois em seus desdobramentos até a Satiagraha, ainda que nela só tenha embarcado há um ano.

Protógenes Queiroz e os seus sabem, até porque tinham Daniel Dantas et caterva sob escuta telefônica e telemática, da capacidade do banqueiro de se infiltrar.

Sabem como, e até mesmo quanto. Este repórter desconhece se sabem quem.

O delegado não cede. Paulo Tarso ameaça. Se fosse ele o Superintendente, a operação não aconteceria em São Paulo.

Quatro da madrugada do dia 8. Protógenes está na sede da superintendência, por ordem dos dois superiores.

Nova determinação: de acordo com normas internas Protógenes Queiroz deve ficar na sede coordenando, não deve sair às ruas para participar da operação.

A equipe o comunica sobre um incidente e Protógenes vai à rua. Volta às 6h15 da manhã. Paulo Tarso explode. Mentiroso. Não cumpre ordens superiores. Tá de sacanagem, e por aí afora.

Ordem peremptória: Ficar no 6° andar até o final da operação.

Protógenes Queiroz, o delegado que coordenou a execução da Satiagraha, não pode deixar o prédio da PF. Desceu para a entrevista coletiva, às quatro da tarde, e só.

Só às duas da madrugada do dia 9 o delegado pode deixar a PF.

Protógenes Queiroz passou quase tanto tempo na sede da PF quanto o homem a quem prendeu, Daniel Dantas.

Mais uma ordem. O diretor geral, Luiz Fernando Corrêa, o queria em Brasília, para explicações, no dia seguinte. Até o meio-dia. E mais.

Ele seria submetido a duas punições. Uma, disciplinar, em Brasília, e outra, um inquérito para apurar incidentes durante a Satiagraha, em São Paulo.

E mais.

A logística se vai. Esvaziamento. Para examinar as toneladas de papel e os bytes apreendidos com Dantas e os seus, restam três delegados e dois peritos.

Day after. A Operação é um sucesso de público e mídia. Paulo Tarso comunica: o diretor cancelou a ida a Brasília.

E mais.

O diretor quer saber qual a necessidade de pessoal, de logística.

Mas, sob uma condição.

Tudo terá que ser especificado. Cada documento importante, cada nome encontrado, terá que ser relatado ao comando da PF.

Protógenes Queiroz, que preside o inquérito, não pretende abrir tudo, passo a passo, documento a documento, salvo na hora legalmente devida. Teme vazamentos.

Mas tergiversa, e pergunta sobre como enfrentar as duas punições anunciadas. É tranqüilizado.

É informado que a bronca em São Paulo não irá adiante e que, em Brasilia, Paulo Tarso cuidará da condução das coisas.

A promessa não seduz. Protógenes comunica que, por seu lado, informará ao Ministério Público os vazamentos na operação.

Daniel Dantas é solto. Por ordem do juiz De Sanctis, Protógenes Queiroz prende Dantas novamente. Desta vez, pessoalmente, até o algemar no Instituto Médico Legal.

Gilmar Mendes, o Supremo, manda soltar Dantas. Não sem razões jurídicas, dizem muitos; dos que são e dos que não são do ramo.

Razões em seu favor à parte, Gilmar Mendes parece não se dar conta do rumo dos ventos; quiçá o isolamento, os palácios em Brasília. Desfila todo seu supremo poder. Açula, sem o perceber, a mídia e a massa.

Polícia Federal. A crise ferve em fogo brando.

A mídia se divide, e em largas porções se distrai; nada é por acaso. É desatada a caça ao erros, caça mais voraz, pertinaz, do que à essência, à imensa, gigantesca gatunagem.

Para quem nunca quis, é preciso desintegrar o delegado, primeiro passo para paralisar o processo. A receita é antiga.

Fim de semana. Prossegue o bombardeio midiático, a caça aos erros, o desconhecimento, o desprezo pelo que possa estar em mais de 6 mil e 400 páginas do inquérito-mãe.

Segunda-feira, quase uma semana depois da Satiagraha. 14 de julho. Os franceses comemoram a queda da Bastilha. A Polícia do Brasil se engalfinha por conta da queda de Daniel Dantas e assemelhados.

Estimados 120 gigabytes em informações apreendidos há mais de uma semana continuam intocados, à espera de uma equipe de analistas e peritos que não chega.

A Polícia Federal vive perturbadores capítulos, novos, na sua dilacerante batalha interna.

Na terça-feira, 15, a própria PF vaza o afastamento - "para fazer um curso" - do delegado que coordenou as investigações, Protógenes Queiroz, e de outros dois delegados que o auxiliaram, Karina Murakami Souza e Carlos Eduardo Pellegrini.

A decisão foi do delegado ante os fatos e o andamento da reunião na superintendência da PF em São Paulo, na terça-feira, mas o vazamento se deu na sede, em Brasília.

Na mesma noite, o distinto público é informado: o diretor geral da corporação, Luiz Fernando Corrêa, entrara em "férias de 15 dias".

Nada mais natural, tendo em vista a tranqüilidade reinante.

É o desfecho, ou entreato, mais do que previsível. E não apenas por conta do que se passou na tensa e ruidosa reunião dessa mesma terça-feira 15 no edifício sede da PF em São Paulo.

A divisão vem de muito antes, e se aprofundou ainda mais durante a investigação, secretíssima, das ações de Daniel Dantas & Cia. A propósito, leia aqui texto publicado por este Terra Magazine no dia seguinte à operação.

Hoje, aqui, depois de ouvir vários dos envolvidos e/ou seus próximos, Terra Magazine relata também, a seguir, alguns dos momentos do embate da terça 15.

Presentes à reunião 10 policiais federais, três deles da cúpula: o superintendente em São Paulo, Leandro Daiello Coimbra, o diretor de Combate ao Crime Organizado, Roberto Troncon, e o diretor de Combate a Crimes Financeiros, delegado Paulo Tarso Teixeira.

Além dos cardeais, o delegado Protógenes e outros três de sua equipe: Carlos Eduardo Pellegrini, Karina Murakami Souza e Vitor Hugo Rodrigues Alves, e mais o delegado Menin, entre outros.

Reunião tensa, com momentos de altercação e o que, na linguagem dos presentes, se define como "baixo calão". Bem baixo.

Em um desses momentos, dos mais duros, o diretor de Combate ao Crime Organizado, Paulo Tarso Teixeira, relata os incidentes do dia da operação. O delegado Protógenes cobra.

Ele quer a repetição das palavras chulas ditas a ele na manhã da operação. Pede a Tarso para ser homem e repeti-las.

Paulo Tarso não repete.

Em tempo: segundo vários dos presentes a reunião foi gravada. Do jeito que anda a maionese, a se conferir, certamente, em breve.

O encontro em São Paulo foi convocado, supostamente, para que se retomasse dali por diante os trâmites da operação e a análise da tonelada de documentos apreendidos.

Bola rolando. Protógenes e os seus sob fogo cerrado.

Ele personificou a operação, outros três de sua equipe presentes estão demasiadamente envolvidos, é a acusação.

Seria o caso da delegada Karina, emocionalmente envolvida na operação, segundo a versão da cúpula. Já Pellegrini estaria todo "alterado" e Vitor Hugo não poderia ter participado por ter sido a isca para atrair Dantas ao suborno de US$ 1 milhão.

Portanto, todos afastados.

Contra-ataque, conduzido por Protógenes.

Diante do exposto ele relataria o inquérito até domingo, antes de seguir para o curso Superior de Polícia.

Não, não seria possível. Ele deve concluir o relatório até a sexta-feira, 18, é a determinação.

Contra-resposta. Ele relata até a sexta-feira, segue para o curso e volta para a Operação Satiagraha, mas não para presidi-la e sim nas funções de inteligência e análise, suas atribuições na diretoria de Inteligência.

Paulo Tarso recorda os problemas operacionais da Satiagraha. Protógenes devolve. Foi humilhado, insultado na véspera e dia da operação. Como se não bastasse o antes e o depois, ressalta.

Antes, nos meses que antecederam o desfecho da Satiagraha, como já relatado por Terra Magazine (leia aqui), o esvaziamento, a negação de logística por parte do comando. E, por outro lado, a criação de uma rede secreta, subterrânea, para enfrentar as condições adversas.

Rede com peritos do Banco Central, Receita Federal, aqui e ali ajuda da Abin, além dos solidários na PF.

A decisão foi tomada. O delegado Menin, indignado, chama a atenção da cúpula: lembra que não podem agir daquela forma; todos terão que explicar não só para a sociedade, mas também para a mídia:

- Por que os delegados estão fora da investigação?

Paulo Tarso Teixeira e Troncon cobram: não gostaram de não ter tido acesso à cópia da decisão judicial antes da operação, "um absurdo".

Protógenes reage. Ele presidia a investigação, por dever de ofício e por ordem expressa do juiz De Sanctis não podia vazar informações.

O delegado é novamente informado do já comunicado há uma semana: por conta de vazamentos no dia da Satiagraha, tais como a filmagem da prisão de Celso Pitta, foi instaurado um inquérito.

Um segundo procedimento, este disciplinar, correrá em Brasilia.

Protógenes diz que responderá ao inquérito, sem problema algum. Mas avança: os fatos quanto a vazamentos remontam a 26 de abril, data da reportagem passada à Folha de S.Paulo.

O delegado esquenta ainda mais a reunião: informa que tal vazamento será representado junto ao Ministério Público, já instruído e de posse dos dados.

Exigência da cúpula: dois relatórios sobre a operação e incidentes devem ser feitos por dois delegados da equipe de Protógenes.

O delegado se diz acostumado. E cobra: o DPF deveria fazer como fez o Judiciário; apoiou De Sanctis ante uma queixa contra ele, considerou correta sua ação.

Fim da reunião. Consolidada a fratura na Polícia Federal. E não apenas.

Associações sindicais da PF, distantes do comando nos primeiros quatro anos do atual governo, se posicionam. Alguns miram Protógenes e a Satiagraha, mas o objetivo é outro. O poder.

Permanecer no poder cristalizado em torno do diretor-geral, Luiz Fernando Corrêa.

O rastilho está aceso.

Quarta-feira, 16 de julho...

O presidente Lula cobra a volta de Protógenes, mas faz críticas ao delegado.

O presidente, entendem muitos dos que participam da Satiagraha, talvez não conheça todos os detalhes da secretíssima e explosiva operação.

Quinta-feira, 17 de julho...

Qual será o próximo capítulo?

PS: 12h20, 17 de julho. Uma informação percorre Brasília. A Polícia Federal convocou a imprensa. Ao que se diz, vai exibir o acalorado debate da terça, 15. Ainda não se sabe se o todo, ou partes do embate.

PS2: Convidados, jornalistas não ouviram o áudio nem tiveram acesso à íntegra. Escutaram, e puderam anotar, trechos do acalorado encontro da terça-feira 15.

Qual será o próximo capítulo?


Legalidade Democrática

Tenho amigos que sentem orgulho por terem sido algemados por causa de suas idéias. Que teriam gostado se, naquele tempo, a televisão tivesse divulgado sua prisão: teriam tornado pública sua luta pela democracia, e o registro da prisão seria uma forma de protegê-los. Mas eles não conseguiram sequer gritar. Foi preciso que mães, esposas, entidades como OAB, ABI, CNBB e outros grupos se mobilizassem, tentando fazer o País saber o que acontecia e onde estavam presos.

Quando assisti o noticiário destes dias, em que a Polícia Federal prendeu acusados de formação de quadrilha, tráfico de influência, enriquecimento ilegal, lavagem de dinheiro, imaginei o que pensariam alguns desses amigos que foram presos lutando para que isso não voltasse a acontecer. O que pensariam da ação da polícia na democracia pela qual eles tanto lutaram.

O primeiro pensamento foi que, desta vez, havia um mandado, assinado por um juiz, que autorizava a prisão. Os policiais tinham levado meses juntando provas, fazendo escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Não escolheram aleatoriamente quem prender.

O segundo foi que sentiriam inveja da proteção que o espetáculo teria dado, naquele tempo de prisões clandestinas. Se tivesse havido um espetáculo quando os soldados do exército prenderam três jovens de uma favela, eles não teriam sido entregues à morte por uma gangue rival. A prisão exibida pela televisão, acionada pela polícia, humilha o preso, mas torna-se pública, informa para onde ele está sendo levado, trabalha com transparência.

De certa forma, os amigos algemados de antes pensariam na estranha situação de que no passado eles eram presos com orgulho, embora com medo, e hoje o orgulho é dos policias e os presos sentem vergonha, mas nenhum medo.

Outro sentimento que meus amigos teriam é da inveja como o sistema judiciário agora funciona com rapidez. Em poucas horas, qualquer preso é solto, e solto outra vez, se a polícia voltar a prender, mesmo que com novos argumentos.

Outra coisa que chamaria a atenção dos meus amigos seria a competência e a honestidade da polícia. Acostumados, no passado, a temer e odiar policiais que os perseguiam e matavam seus companheiros, eles ficam surpresos como os de hoje resistem à corrupção e enfrentam poderosos. Alguns chegam a ter honestidade e coragem de participar da simulação de aceitar propinas de até um milhão de dólares, apenas para juntar provas contra os bandidos.

Mas, sobretudo, é possível que meus amigos que lutaram pela democracia fiquem divididos entre a justiça da prisão dos corruptos e a legalidade do aparelho judicial. Porque não se pode falar em justiça sem legalidade, mas é possível falar em legalidade sem justiça. Eles pensariam que é possível a polícia estar exagerando, ao prender pessoas mesmo que com base em gravação de conversas e mandatos de prisão autorizados judicialmente. Mas apesar da dúvida, acho que entre a pressa da prisão e a pressa da soltura, meus amigos certamente preferirem a primeira, consideram mais democrática a pressa da polícia do que a estranha pressa da justiça.

Depois de tanta luta pela democracia, os amigos se animam com fato de que, no Brasil, os ricos também são presos, mesmo que por pouco tempo. A legalidade não se tornou justa. Reclama-se pela primeira vez do uso de algemas, como se elas tivessem sido inventadas ontem, como se não fossem usadas diariamente em prisões de criminosos que não têm dinheiro para pagar bons advogados, como se as algemas só fossem ruins porque estragam o tecido das belas roupas dos ricos, o que não acontece na prisão de pobres, que aparecem na televisão sempre sem camisa.

Depois de tantos anos de uso, as algemas tornaram-se um abuso. O abuso agora é a algema, e não o crime cometido - formação de quadrilha, sonegação de impostos, lavagem de dinheiro. É possível até que as algemas se tornem ilegais. Mas isso certamente não tornará a legalidade mais democrática.

Cristovam Buarque é senador pelo PDT do Distrito Federal.


Brasil aprova MP que incentiva destruição da Floresta

Só para registro. Nem sei mais o que comentar.

Brasil aprova MP que incentiva destruição da floresta

10-Jul-2008


Agora é lei: o Senado acaba de aprovar, por 37 votos a favor, 23 contra e três abstenções, Medida Provisória (MP) que legaliza a grilagem de terras públicas
na Amazônia e beneficia infratores, estimulando assim a destruição da maior floresta tropical do planeta. Quem acompanhou, ao vivo ou pela TV, assistiu a uma sessão
quase surreal, onde não se sabia quem era oposição e quem era da base aliada do governo.

A senadora Marina Silva (PT-AC) fez uma defesa candente da floresta, alertando para o impacto que a aprovação da medida pode ter no aumento do desmatamento
e para o risco de transformar áreas griladas em florestas públicas na Amazônia em terras regularizadas. Durante a votação, a proposta, também conhecida como PAG,
Plano de Aceleração da Grilagem, foi rebatizada de PAI, Plano de Aceleração das Invasões.

Líder do governo no Senado e principal defensor da medida, Romero Jucá (PMDB-RR) foi quem pediu que o presidente Lula assinasse a medida no dia 27 de março.
Na ocasião, Lula afirmou que ela atendia aos pedidos de deputados que apóiam o governo no Congresso.

Em maio, a MP foi aprovada na calada da noite, horas após a demissão de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente.



A MP 422 é uma cópia fiel do projeto de lei 2278/07, do deputado Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), que ampliava o limite máximo de áreas invadidas na zona rural da
Amazônia Legal que poderiam ser legalizadas pelo governo sem exigências, como uma licitação. A MP amplia o limite de 500 para até 1.500 hectares, com a desculpa
de beneficiar pequenos proprietários. Ora, 1.500 hectares é terra para gente grande e não 'pequenos proprietários'.

"Era só o que faltava: a grilagem de terras na Amazônia agora virou lei", disse Paulo Adario, diretor da campanha Amazônia do Greenpeace.

"A aprovação do Plano de Aceleração da Grilagem só vem confirmar nossos temores de que o governo optou pelo pragmatismo eleitoreiro, em vez de ampliar os investimentos
em atividades que ajudem a manter a floresta em pé e fortalecer as instituições encarregadas de zelar pelo patrimônio ambiental dos brasileiros, como Ibama e Polícia
Federal, como reza a Constituição Federal."

Na terça-feira, o Greenpeace entregou ao presidente do Senado, Garibaldi Alves, um DVD contendo um vídeo que usa linguagem da década de 1970 para satirizar
o processo de ocupação ilegal de terras na Amazônia. Apesar do tom bem-humorado, o vídeo é um alerta para o fato de que crimes ambientais e conflitos de terras andam
lado a lado em regiões onde não existe a presença constante do Estado, como a Amazônia.

"Nunca o passado esteve tão próximo quanto agora", diz Adario.

"O Brasil voltou a ser um país da década de 1970, quando a questão ambiental era equivocadamente considerada um entrave para o desenvolvimento do país. Para
os militares de então, e para o presidente de hoje, a floresta permanece como um obstáculo a ser removido para dar lugar ao 'progresso' da madeira, da soja, do pasto,
da mineração. Um retrocesso."


Para o Greenpeace, a decisão do Senado é um sinal verde aos destruidores da floresta de que o combate ao desmatamento e à grilagem de terras na região está
sujeito a interesses políticos da base de sustentação do governo. Não custa lembrar que este ano haverá eleições municipais em todo o país. Além disso, a medida
também é um contra-senso aos esforços do próprio governo de combater o desmatamento na Amazônia - resultante da expansão da fronteira agropecuária, da exploração
madeireira predatória, da grilagem de terras e da ocupação desordenada da região.


Enquanto isso, na Câmara dos Deputados...


O Grupo de Trabalho da Consolidação das Leis conseguiu aprovar o relatório do deputado federal Ricardo Trípoli (PSDB-SP) sobre o Projeto de Lei 679/07, que
sistematiza a legislação ambiental em vigor, reunindo em único texto várias leis diferentes. Esta aprovação fortalece a Medida Provisória (MP) que altera o Código
Florestal e que define a Reserva Legal (a área que não pode ser desmatada) de cada propriedade privada na Amazônia em 80%.


terça-feira, 15 de julho de 2008

Dossie Gilmar Mendes

Como percebeu de forma sagaz o RICARDO EM SEU COMENTÁRIO, o post abaixo tornou-se um dôssie sobre as atitudes do supremo Gilmar Mendes, como o post ficou agigantado demais e de difícil, leitura criei esse novo post.

Maierovitch: Gilmar Mendes está "extrapolando"

Para o juiz aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, Wálter Maierovitch, o novo habeas corpus concedido pelo ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, ao banqueiro Daniel Dantas mostra que o presidente do STF está "extrapolando suas funções".


- Ele (Gilmar Mendes) está atuando com abuso de direito. Está extrapolando as funções dele. O Supremo virou ele - critica.

Presidente e fundador do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais, Maierovitch diz que já é hora de pensar num impeachment do presidente do presidente do Supremo.

- Para o presidente da Republicas tem impeachment, o ministro Celso Mello considera que pode haver impeachment para ministros do próprio Supremo. Está na hora de se pensar num impeachment do Gilmar Mendes.

Leia a seguir a entrevista com Wálter Maierovtich:

Terra Magazine - Como avalia a nova libertação de Daniel Dantas?
Wálter Maierovitch - Eu vejo isso da pior forma possivel. Pelo seguinte: a prisão preventiva é necessária. O Daniel Dantas até falou hoje que ia abrir a boca. Se trata de uma potentíssima organização criminosa que age ininterruptamente. Os documentos comprovam o poder corruptor dela.

Na decisão, Gilmar Mendes argumenta que "não há fatos novos de relevância suficiente a permitir a nova ordem de prisão expedida".
Os fatos novos existem, tanto que foram usados documentos aprendidos nas diligências da Polícia Federal. Os institutos são diferentes: a prisão temporária garante o sucesso das operações, a preventiva é para garantir a ordem pública. Outra coisa: o Supremo é um órgão colegiado. O Gilmar Mendes é um preparador do que os outros vão julgar. Ele está contrariando a jurisprudência, que diz que liminar em habeas corpus liberatório só pode ser concedida quando há abuso evidente. Quando não é evidente, tem que mandar para o plenário do Supremo. Ele está atuando com abuso de direito. Está extrapolando as funções dele. O Supremo virou ele.

Imagine alguém que esteja preso por homicídio. Aí a vítima aparece viva. Tem que assinar uma liminar para o acusado pelo homicidio sair da cadeia. Aí sim. Ele (Gilmar Mendes) tá exagerando nisso. Existe prova nova, não só isso, como também se aplicou outra forma de cautela, que é a prisão preventiva. E está evidente que Dantas em liberdade irá intimidar e atrapalhar as investigações.

Um assessor de Daniel Dantas disse que seria "fácil" resolver uma eventual indiciação de Daniel Dantas no STF. Isso não constrange o ministro Gilmar Mendes?
Isso pode ser uma bravata, mas o que dizer de um fato tão grave quanto esse, que é quando a Ellen Gracie impediu a abertura do disco rigído do oportunity. O Daniel Dantas já foi muito beneficiado pela Justiça. Para o presidente da Republica tem impeachment, o ministro Celso Mello considera que pode haver impeachment para ministros do próprio Supremo. Está na hora de se pensar num impeachment do Gilmar Mendes.

Gilmar Mendes errou
Luís Nassif

Há uma questão de princípio e uma questão legal no caso Gilmar Mendes.

A questão de princípio é sobre o abuso ou não das operações policiais e da ação do Ministério Público. Os críticos apontam para a espetacularização, o uso das algemas, o abuso nas escutas. Os defensores sustentam ser a única maneira de prestar contas à opinião pública e legitimar as operações. Acompanhando os bastidores da Operação Satiagraha, principalmente através dos relatos de Bob Fernandes, do Terra Magazine, fica claro que, se não tivesse havido a “espetacularização” e ganhado a opinião pública, teria fracassado. A soma de interesses que Daniel Dantas conseguiu articular é de tal forma variada e influente, que os agentes da operação seriam massacrados em pouco tempo.

É por isso que o mundo jurídico se dividiu, ontem, entre advogados criminalistas de um lado e procuradores e juízes do outro.

Gilmar Mendes tem tradição de Ministro liberal, que se posiciona historicamente contra o que considera esses abusos. Mas, no episódio, a questão essencial é outra. Até que ponto, para combater o que ele considera abusos, Gilmaer não cometeu abuso maior ainda, indo contra o que determina a lei e a constituição?

É esse o ponto em que Gilmar naufraga. A ciência jurídica não é exata, está sujeita a interpretações. Ontem li e ouvi detidamente os argumentos de Dalmo Dallari – que considera que Mendes avançou o sinal e criou uma balbúrdia jurídica. Depois, procurei ouvir a opinião de outro Ministro do STF, liberal.

Sua opinião é a de que Gilmar Mendes estava correto ao conceder o primeiro habeas corpus, mas errou pesado ao conceder o segundo. As razões que consubstanciavam o segundo eram diferentes das do primeiro. O juiz De Sanctis estava com a razão e com a lei.

Mais não avançou. Mas ficam claros alguns pontos:

1. No intuito de combater abusos, Gilmar cometeu um abuso maior. Transformou a questão em algo pessoal, atropelou as evidências ao conceder o segundo habeas corpus mostrou que estava motivado pelo sentimento de desforra, ao denunciar o juiz De Sanctis ao Conselho Nacional de Justiça.

2. Ao proceder dessa maneira, deixou que o ego atropelasse seu compromisso mais sagrado: a ordem constitucional e a imagem do STF, o tribunal máximo do país.

3. Mais: criou uma crise institucional sem precedentes ao avançar contra uma das prerrogativas do ordenamento jurídico do país: a autonomia dos juízes de primeira instância para julgar de acordo com sua própria avaliação e as prerrogativas das instâncias interemediárias.

4. Como fica agora? A rebelião de juízes e procuradores tornou-se legítima, porque o presidente do Supremo atropelou o ordenamento jurídico. Ou seja, juízes e procuradores têm, ao seu lado, a Constituição. Estão agindo em defesa do ordenamento jurídico.

5. Com sua atitude impensada, Gilmar Mendes permitiu que as suspeitas de politização do STF tornassem-se realidade, comprometendo profundamente a imagem da instituição.Não se trata meramente do clamor das turbas. Contra este, a resistência é nobre. Trata-se de um ato impensado que provocou uma balbúrdia no ordenamento jurídico do país.

6. Resta saber qual será o comportamento dos demais Ministros do Supremo: a solidariedade para com o colega ou para com o Supremo.


Ainda sobre notas oficiais

A manifestação pública da presidente do TRF-3, Marli Ferreira, não especifica o destinatário ao recomendar, em nota oficial, aos "milhares de juízes deste país" que "nunca se verguem ante interesses subalternos, pois ceder à campanha que se arma para desonrar qualquer de seus membros é amesquinhar a função judicial de aplicar e dizer o direito". A leitura feita por alguns procuradores: sem entrar no confronto com o presidente do STF, ela estaria apoiando a iniciativa dos juízes de primeiro grau solidários com De Sanctis.

Sabe-se que Marli Ferreira e a vice-presidente, Suzana Camargo, que teria informado Gilmar Mendes de suposto monitoramento de seu gabinete, não são afinadas (Suzana Camargo assumiu a vice-presidência em cumprimento de decisão judicial).

A relevância da nota assinada pela presidente do TRF-3 pode ser medida por outro fato: nem quando a Polícia Federal fez busca e apreensão nos gabinetes de três desembargadores, na Operação Têmis, houve reação pública imediata do tribunal como a que aconteceu agora.

O conceito da presidente do TRF-3 entre membros do MPF cresceu.


"Tenho a honra de integrar o Poder Judiciário do Rio Grande do Sul desde 1991. Nesse período, tendo despachado e sentenciado milhares de processos, tenho convicção de que cometi muito erros no exercício da jurisdição. Muitos desse erros, felizmente, foram corrigidos pelo Tribunal de Justiça gaúcho, através da modificação das minhas decisões. Houve, porém, casos em que os argumentos utilizados pelos desembargadores não me convenceram do desacerto dos meus próprios fundamentos. Não obstante, sempre cumpri o meu dever constitucional, assegurando o cumprimento das decisões da segunda instância, como determina nosso sistema judicial.

Entre tantas outras decisões jurisdicionais, são comuns as situações em que após deferir uma medida liminar que veio a ser revogada pelo segundo grau de jurisdição, restabeleci a medida em primeiro grau, a partir de novas evidências surgidas em momento processual posterior, conforme admitido em nosso ordenamento jurídico. Sempre fui livre para decidir e sempre reconheci e respeitei a liberdade dos desembargadores para concordar ou discordar dos fundamentos das minhas decisões, cada qual cumprindo sua soberana função no Poder Judiciário do Rio Grande do Sul.

São dezessete anos de exercício da magistratura, sempre sob a fiscalização da Corregedoria-Geral da Justiça. Nesse período enfrentei diversas cobranças administrativas que diziam respeito à produtividade, à pauta de audiências, à eventual insatisfação das partes ou de advogados relativamente à minha forma de atuar. Cobranças, bem entendido, que diziam respeito exclusivamente aos aspectos administrativos da gestão judicial.

Após todo esse tempo, orgulho-me de poder afirmar que jamais sofri qualquer constrangimento de parte da Corregedoria-Geral da Justiça no que pertine à minha independência jurisdicional. Respeito esse dirigido não apenas a minha pessoa, mas às prerrogativas constitucionais que se traduzem em garantia à população, de que minhas decisões sempre foram independentes, ainda que passíveis de recurso ao segundo grau de jurisdição.

Por essa razão, sinto-me compelido a manifestar a Vossa Excelência a minha perplexidade ante a noticiada postura de Vossa Excelência, enquanto presidente do Supremo Tribunal Federal, de converter sua discordância quanto à decisão de um magistrado de primeiro grau, em atitude persecutória junto ao Conselho Nacional de Justiça, órgão de controle externo do âmbito administrativo do Poder Judiciário.

Tenho a convicção de que se trata de um mal-entendido decorrente de falha de comunicação, passível de rápido e eficaz esclarecimento. Entretanto, para que não paire dúvidas na sociedade brasileira sobre o respeito do presidente do Supremo Tribunal Federal à independência jurisdicional dos magistrados, impõe-se que Vossa Excelência venha a público explicitar que não haverá qualquer reação de natureza administrativa à recente decisão do colega Fausto Martin De Sanctis, sob pena de se caracterizar inaceitável ameaça à independência de toda a magistratura".

Roberto Arriada Lorea
Juiz de Direito

Julho do Judiciário & "Tortuosos alvarás"

Sob o título "O Julho da Justiça", o procurador da República Vladimir Aras escreveu o artigo abaixo, que trata da "indignação generalizada" com as decisões do presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, no episódio envolvendo o banqueiro Daniel Dantas:

"Perdi algumas horas a mais de sono esta noite, além das que me têm sido adoravelmente furtadas por minha filhinha recém-nascida, e naveguei. No mar digital, há uma indignação generalizada com as decisões de Gilmar Ferreira Mendes sobre a Operação Sathiagraha.

Lendo os blogs de política (Azenha, Frederico, Josias, Nassif, PHA) e os diários on-line vi várias centenas de mensagens de pessoas de todas as partes do País que não se conformam com os tortuosos alvarás em habeas corpus concedidos pelo ministro Gilmar Ferreira Mendes. Não se trata de inconformismo de partes vencidas ou de uma jamais vista união de corporações contra um presidente do STF. Muitos brasileiros estão muito mais do que revoltados com o que se viu. Com esse foro por prerrogativa de classe social. Outros cidadãos são sarcásticos com o STF e apontam-lhe mazelas anteriores: Maluf e Cacciola. Dezenas mostram-se perplexos. Mas a maioria revela que perdeu de vez a crença na Justiça do Brasil. E isto é ruim para todos nós.

Estão trincados os cristais desse Olimpo, onde Zeus atende pelo prenome de Gilmar. Somente os bajuladores, os ingênuos e os cínicos não o perceberam. Queiram ou não, nos últimos dias Gilmar Ferreira Mendes deitou uma mácula indelével em sua presidência no STF, que é agora tido pela Nação como um tribunal de ricos, uma corte de privilegiados, como eram as cortes absolutistas, sem igualdade ou outros pudores republicanos. Foi desmascarada a farsa dos ritos legais, que muitos juristas só utilizam para ocultar engodos judiciários, ou para protelar decisões úteis à sociedade, deixando-as para as calendas gregas. Têmis-Justiça tirou sua venda e a colocou na boca de Daniel Valente Dantas. “Não fale!”. E todos se calaram, a começar pelos covardes. Outros aplaudiram. Na primeira fila, como beneficiários da misericórdia da cúria, estavam os cortesãos e os comensais de sempre, os tubarões e as rêmoras. Se não confiássemos na probidade de nossos ministros, os espectadores desavisados poderiam querer dar razão a Tobias Barreto, que costumava invectivar contra situações de compadrio, dizendo preferir uma Justiça 'peituda e vendada' a uma justiça 'peitada e vendida'.

O fato é que os cidadãos fomos vítimas da vaidade e do voluntarismo de quem, como mau sacerdote, invoca em vão e de forma seletiva o santo nome do Estado de Direito. Não foi o Juiz Federal o atingido. Não foram o Ministério Público e a Polícia os ofendidos. Fomos nós cidadãos. Um Nero não nos envergonharia tanto quanto nos envergonhou o ministro Gilmar Ferreira Mendes, ao nos esbofetear à luz do dia com artimanhas mal-ajambradas, como se não fosse ele um reconhecido constitucionalista; como se fosse um jurista escolado nos desvãos da vida pública. Pois ele abandonou o rito, olvidou a forma, descumpriu a liturgia. Rasgou os códigos. Os fatos, estes sim retumbantes e espetaculares, foram ignorados sem solenidade por alguém que deveria ser o esteio da credibilidade da Justiça. Foram mandadas à lama todas as premissas com as quais labutamos todos os dias. Com isso, Gilmar Ferreira Mendes também aniquilou muitas das certezas técnicas que cultivamos à sombra do ideal de eqüidade. Pior do que tudo isso, Gilmar Ferreira Mendes vampirizou nossa energia, subtraiu de nós uma porção significativa de fé, de fé no que fazemos.

Em meio aos lamentos de classe, ao desânimo profissional e às angústias de cidadão, assistimos aos lastimáveis 'deixa disso' e 'abafa o caso' vindos de uns poucos jornalistas, de argumentos jurídicos tão sólidos quanto um pudim num terremoto. Vemos também alguns profissionais desorientados e outros financeiramente guiados, em regra mercadores do Direito, defenderem o indefensável: que há correção na supressão de instâncias, num salto triplo digno dos jogos olímpicos que se avizinham; que não havia motivos para a prisão do banqueiro corruptor (que outros mais queriam?); que a verborragia do ministro não o incapacitava a decidir; e que não houve atentado contra a independência judicial, este que é um dos mais valiosos suportes de uma democracia.

Confesso que desanimei. O choro de minha filha me tirou do transe astênico, e pude ver que, longe dos corporativismos próprios de um embate como este, os cidadãos comuns já faziam surgir novo alento. Pontos de protesto espalharam-se pelo ciberespaço. Pontos de luz.

O descontrole emocional do ministro Gilmar Ferreira Mendes não é de hoje. 'Manicômio judiciário', 'Ministério Público nazista' e 'Polícia gângster' são adjetivos que ele apôs às instituições brasileiras. Na Operação Sathiagraha, sua falta de decoro alcançou limites não imaginados. Gilmar Ferreira Mendes é muito pequeno para o assento que ocupa, já denunciava Dallari. Agora, a raiva cívica está aí.

Neste mês de inúmeras efemérides, em que se comemoram em uma só quinzena o dia da Libertação Nacional, na Bahia (O Dois de Julho), a Independência norte-americana no 4 de Julho e a Revolução Constitucionalista de 9 de julho de 1932, vimos o eclipse de utopias que cultivamos com o mesmo desvelo de quem embala um bem amado. Findamos a semana tendo de presenciar, em pleno Dia da Pizza, a iniqüidade refestelar-se nos salões da Suprema Corte. Mas o dia 14 de Julho logo virá. Quem sabe possamos ter, diante do STF e dos tribunais do Brasil, uma mobilização cívica, algo com um dia da Bastilha?"

Sérgio Moro vê "risco à independência judicial"

Do juiz federal Sergio Fernando Moro, de Curitiba (PR), sobre a as duas decisões do ministro Gilmar Mendes, ao cassar a prisão temporária e a prisão preventiva do banqueiro Daniel Dantas:

"A maior ameaça à independência judicial e, por conseguinte, às garantias democráticas, é proveniente, infelizmente e atualmente, do Chefe do Poder Judiciário.

Ao estender a cassação da prisão temporária de Daniel Dantas a Naji Nahas e outros, o Ministro Chefe do Poder Judiciário não se limitou ao seu mister, mas também determinou a expedição de cópias de suas decisões e da decisão atacada a órgãos com competência disciplinar no Judiciário.

Ao cassar a prisão preventiva decretada, o Ministro Chefe do Poder Judiciário não se limitou ao seu mister, mas também determinou a expedição de cópias de suas decisões e da decisão atacada a órgãos com competência disciplinar no Judiciário, sob o pretexto de desobediência
indireta à decisão anterior do próprio Ministro Chefe.

É inconcebível que o Chefe do Poder Judiciário, no STJ e no CNJ, que tem o dever de garantir a independência judicial, pretenda, por duas vezes, punir disciplinarmente quem entenda diferentemente dele, ressuscitando o crime de hermenêutica.

Sem entrar no mérito se as cassações foram certas ou erradas, o que pode ser avaliado independentemente de quaisquer comentários, é inconcebível que o juiz que cumpre o seu dever seja ameaçado pelo Chefe do Poder Judiciário, apenas porque este discorda de seu entendimento.

A prevalecer tal providência, em breve, no próprio STF, os responsáveis por votos vencidos ficarão sujeitos à retaliação disciplinar.

Como já foi dito em outras manifestações, é de fato um dia de luto para o Poder Judiciário e para as instituições democráticas. Não é possível calar sobre tais fatos.

Meus pêsames a todos os juízes".


O presidente do STF e o porteiro de Kafka

O artigo a seguir, sob o título "Gilmar Mendes e o Porteiro de Kafka", é de autoria de Luis Manuel Fonseca Pires, juiz de Direito no Estado de São Paulo, doutorando e mestre em Direito Administrativo pela PUC-SP. O autor é professor de Direito Administrativo e juiz-docente formador da Escola Paulista da Magistratura:

"O embate judicial travado com o envolvimento de afamadas personalidades da elite econômica, social e política do país, como o banqueiro Daniel Dantas, o ex-prefeito de São Paulo, Celso Pitta, e o investidor Naji Nahas merece sérias reflexões sobre o papel que se dispõe o ministro Gilmar Mendes, protagonista de um momento histórico de vergonha para o Brasil.

Sem dúvida alguma há espaços legítimos de discussão jurídica – que em tudo e por tudo interessam à sociedade –, como se a polícia deve, ou não, usar algemas (em todos os casos, e não só quando os acusados são detentores de riqueza ou poder), e se deve comunicar a mídia antes de alguma ação ou mesmo expor os suspeitos quando a imprensa descobre e consegue acompanhar a operação.

Mas o ministro Gilmar Mendes tem utilizado destes tópicos para inexplicavelmente encampar uma cruzada contra o juiz Fausto Martin De Sanctis e a independência do Judiciário – independência esta da qual depende o Estado para efetivamente ser democrático e de direito.

A “espetacularização” foi palavra logo anunciada pelo Ministro Gilmar Mendes contra a Polícia Federal ao saber da ação policial pela mídia (e não em processo algum sob a sua responsabilidade). Desde logo emitiu juízo de valor sem ter acompanhado as diligências, sem antes ouvir os delegados e os policiais e avaliar, por exemplo, se a resistência oferecida pelos seguranças de um dos acusados justificaria, ao menos em relação a este, o uso de algemas.

No entanto, a “espetacularização” não se encontra nestes espaços legítimos de discussão jurídica que acima registrei, mas sim numa série de inusitados comportamentos do ministro Gilmar Mendes. Comportamentos estranhos a quem não é operador do direito (juiz, advogado, promotor de justiça, juristas etc), comportamentos ainda mais espantosos para quem é operador do direito.

Talvez a “espetacularização” então se apresente numa série de fatos objetivos que a comunidade jurídica tem constantemente questionado.

Exemplifico:

a) a súbita e expedita prolação da decisão judicial pelo Ministro, em menos de 24h, e isto quando há uma infinidade de processos, mesmo de habeas corpus, que contra pessoas não conhecidas ou influentes no meio político e econômico o julgamento nem próximo passa por tão eficiente prestação jurisdicional;

b) a requisição pessoal, pelo Ministro, de funcionários do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo, em pleno feriado (9 de julho), para tomarem providências em relação ao caso, como se para todos os outros habeas corpus de ilustres desconhecidos o Ministro se dedicasse com o mesmo afinco;

c) a decisão monocrática (apenas pelo Ministro) sem submeter o julgamento ao plenário (aos demais Ministros); d) a supressão de instâncias, pois o Ministro viu-se logo competente para conhecer e julgar o habeas corpus sem que antes o Tribunal Regional Federal apreciasse qualquer recurso do juiz de primeiro grau, e com a lembrança de que Daniel Dantas não é detentor de qualquer cargo político que justifique o foro privilegiado junto ao Supremo Tribunal Federal;

E por fim: e) em vez de simplesmente reformar a decisão de primeiro grau o Ministro resolveu oficiar à Corregedoria do Tribunal Regional Federal, ao Conselho Nacional da Magistratura e ao Conselho de Justiça Federal, como se a questão não fosse jurídica, e sim de postura funcional, como se o juiz De Sanctis tivesse cometido alguma infração administrativa.

A propósito deste último ponto o ministro Gilmar Mendes comporta-se como se fosse verdadeiro demiurgo do direito, como senhor absoluto da verdade da qual não admite divergências, como se todos os outros apontamentos que nos parágrafos anteriores assinalei não merecessem consideração, ou como se não fossem reveladores de que ele, Gilmar Mendes, também delibera e age para os operadores do direito e para a sociedade em geral de modo muito mais controvertido do que o juiz De Sancis.

Isto tudo me faz lembrar o fantástico escritor tcheco Franz Kafka que se notabilizou por retratar em sua literatura um sofrimento opressor, ao mesmo tempo simples e incompreensível, desarticulado no tempo e no espaço, uma angústia que parece não ter fim, que, se ao primeiro contato parece irreal, permeia a realidade de um modo que passa a incorporá-la em sua essência – e não precisou nascer brasileiro para inspirar-se.

É de Kafka o romance O Processo no qual se conta a fábula da Lei diante da qual está um porteiro: um homem do campo dirige-se ao porteiro e pede para acessar a lei, mas o porteiro diz que naquele momento não é possível; o homem do campo indaga se mais tarde será possível ao que o porteiro responde que sim; o homem do campo aguarda, senta-se, vez por outra se sujeita a breves interrogatórios do porteiro, a perguntas indiferentes, de quem pouco se importa com as respostas, e sempre que novamente o indaga obtém como resposta que ainda não é possível ter acesso à lei; passam-se os anos, nos primeiros há revolta por parte do homem do campo, depois se limita a resmungar, e quando está velho, próximo da morte, ocorre-lhe uma pergunta que até então não fizera ao porteiro: “Todos aspiram à lei. Como se explica que, em tantos anos, ninguém além de mim pediu para entrar?”. O porteiro, impaciente, responde: “Aqui ninguém mais podia ser admitido, pois esta entrada estava destinada só a você. Agora eu vou embora e fecho-a”.

Como presidente do Supremo Tribunal Federal, como último e mais alto porteiro do acesso à Justiça, deveria o Ministro Gilmar Mendes reconhecer que quem cometeu algum “desrespeito” foi ele próprio ao atentar contra a independência do Judiciário, quem cometeu o “desrespeito” à sociedade foi ele ao personalizar a verdade única da justiça e pretender impô-la para além dos instrumentos legítimos (com a determinação de acompanhamento do caso pelas Corregedorias), e que o “desrespeito” para com o povo brasileiro reside em não se preocupar em responder às críticas que estão sendo feitas (e que acima relacionei) – a menos que pretenda o Ministro, a partir de agora, responder a todo e qualquer habeas corpus, pouco importa quem seja o paciente (mesmo que não detenha foro privilegiado), sempre em menos de 24h, e sempre convocar funcionários de Tribunais por todo o país para, ainda em feriados ou finais de semana, prestar informações e cumprir suas celeríssimas decisões.


quinta-feira, 10 de julho de 2008

Satiagraha, Gandhi & George Orwell

Satiagraha, Gandhi & George Orwell

O artigo abaixo, de autoria de Douglas Fischer, Procurador Regional da República na 4ª Região (Porto Alegre), sob o título "George Orwell salvou Dantas?", trata da decisão do Supremo Tribunal Federal que determinou a soltura do banqueiro Daniel Dantas:

Manhã do dia 10 de julho de 2008. Manchete do jornal: "Supremo manda polícia soltar banqueiro Dantas". Voltarei ao tema. Preciso antes compartilhar outros fatos com o leitor.

Atuando num processo ano passado, com réu condenado, vi uma colega Procuradora da República recorrendo para absolver um réu acusado de pequeno tráfico de entorpecentes (ela o havia denunciado, mas concluiu não haver provas para a condenação no curso da ação). Sim, leitor, o MP deve atuar em favor do réu também se assim entender. É o que determina a Constituição. Dei parecer favorável. A condenação foi mantida.

Não discuto aqui a decisão que manteve a condenação: há se respeitar o entendimento do Poder Judiciário. Mas eu recorri a favor do réu ao STJ. O recurso foi admitido. Contudo, demora. Como demora. Porque ainda preso o réu, resolvi entrar também com um habeas corpus a favor dele no STJ (sim, leitor, o MP também pode entrar com habeas corpus a favor de réu para beneficiá-lo).

Eu entendia que sua prisão (já há quase 2 anos) não tinha fundamento jurídico (até porque o MP recorrera pedindo sua absolvição). A liminar foi indeferida. Passaram-se mais alguns meses.

No interregno, Natal, final de ano, férias, praia para alguns. Para outros, sol – quando muito – "quadrado". Invocando precedente do próprio STF (aquele que serviu para a soltura de Flávio Maluf e, depois, de seu pai, Paulo), "ousei" impetrar um novo habeas corpus, agora no STF. Isso já era março de 2008. Havia pedido liminar para a soltura do réu. Nada. Pedi novamente a concessão da liminar. Nada. Em 20 de junho (mais de três meses depois) sai finalmente a decisão do relator: o habeas corpus é indeferido de plano. O argumento: não haveria a flagrante ilegalidade e o outro hábeas, aquele perante o STJ, estaria para ser julgado em breve. Ah, bom!

Daniel Dantas havia ajuizado um habeas corpus contra a investigação que se fazia contra ele no TRF em São Paulo. Queria um salvo-conduto, como se fala no juridiquês. Não ganhou a liminar. Impetrou outro habeas no STJ. Não ganhou novamente a liminar. Foi ao STF. Mais uma vez, liminar indeferida. Aí vem sua prisão temporária, que o levou para o cárcere dois dias atrás.

Atente-se: o fundamento era novo porque havia um fato novo, que não era objeto do habeas então ajuizado. Em vez de impetrar (como seria o correto) novo habeas corpus no TRF em São Paulo, atacando a decisão do juiz que decretou sua prisão (art. 108, I, "d", da Constituição), foi "direto" ao STF, pedindo ampliação do pedido do habeas que lá estava. Não podia. Hipótese "per saltum", como também dito no juridiquês. Mas a liminar foi deferida, pouco mais de 24 horas depois da prisão.

Está solto, diz a manchete do jornal. Não há espaço para contra-argumentar o equívoco, em meu modesto juízo, da soltura de Dantas. Não contesto também, nem indiretamente (que fique em claro), a honorabilidade de quem o soltou. Longe disso.

Mas quem talvez não deva estar entendendo nada é aquele preso para quem impetrei os habeas corpus e que continua preso se souber da manchete dos jornais de hoje.

Diante de tudo, lembro de um dos mandamentos da sátira de George Orwel em sua Revolução dos Bichos: "Todos os animais são iguais, mas alguns animais são mais iguais que outros".

Satiagraha (nome da Operação) define a linha de ação de Gandhi na sua luta pela independência da Índia (Gandhi e Orwell eram indianos, por coincidência).

Dantas é grato a seus advogados, certamente. Mas a estas alturas, por paradoxal que seja, já deve estar acendendo velas para George Orwell. Isso se o vento que corre solto no alto de sua cobertura na beira-mar do Rio de Janeiro permitir.


BRASÍLIA - O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, errou ao criticar a atuação da Polícia Federal (PF) e, logo em seguida, decidir conceder habeas-corpus ao banqueiro Daniel Dantas, um dos presos na Operação Satiagraha. Essa é a avaliação do presidente da seccional do Rio de Janeiro e integrante do Colégio de Presidentes de Seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Wadih Damous.

Na noita desta quarta, o STF mandou soltar Dantas e mais dez presos na operação. O banqueiro deixou a carceragem da PF já na madrugada. O ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta e o megainvestidor Naji Nahas não foram beneficiados pelo habeas-corpus e continuam presos. Para o presidente da OAB do Rio, Mendes não deveria ter se pronunciado antecipadamente. "Ele se posicionou contrário à ação da PF e, no dia seguinte, concedeu liminar que causa perplexidade na opinião pública", disse Damous. "Acho que ele não deveria ter se pronunciado, não deveria ter falado nada pois teria que julgar depois", criticou.

Damous preferiu não comentar a decisão do presidente do STF, pois disse desconhecer os autos. E ponderou que os juízes não devem se deixar influenciar pela opinião pública. "Quando o Judiciário julga esses casos que causam comoção popular e vão contra a opinião pública sempre causa perplexidade. Mas o juiz não pode se contaminar pelo clamor popular".

TENTE COMPRAR UM DELEGADO. O STF GARANTE

Luiz Carlos Azenha


Deixa eu ver se entendi direito. Por favor, me corrijam se eu estiver enganado.

Um banqueiro tenta subornar um delegado federal. Com dinheiro vivo. É pego com a boca na botija.

A Justiça decreta a prisão do banqueiro. E de todos os que considera integrantes de uma quadrilha acusada de um golpe bilionário.

Porém, ninguém menos que o chefe da Justiça vai à televisão criticar os métodos da polícia e algumas horas depois manda soltar o banqueiro que tentara subornar o delegado alegando, o juiz supremo, que o banqueiro não oferece risco às investigações que ele, acusado, tentou desvirtuar através da oferta de suborno.

Enquanto isso, no Senado da República, senadores se reúnem para criticar... as algemas.

E numa emissora de televisão uma jornalista renomada, que não leu o conteúdo da denúncia, diz que as provas são "inconsistentes".

É isso mesmo, com essa cara de pau, ou estou enganado?

Busco refúgio no livro Poisoned Wells, do jornalista britânico Nicholas Shaxson, página 89, em que ele descreve a investigação da juíza-instrutora francesa Eva Joly sobre o desvio de dinheiro do petróleo do Gabão, na África, que lubrificou partidos políticos franceses. A elite eventualmente se organizou para abafar o caso e, no processo, tentou moer Eva, que nasceu na Dinamarca mas por méritos pessoais ascendeu ao mais alto escalão da Justiça francesa.

Lentamente, organizações da mídia e partes do público da França começaram a se voltar contra ela. 'Parte da imprensa virou. Ou foi virada. Afinal, Joly e seus colegas estavam acusando pessoas que tinham influência no mais alto escalão', relembra o escritor birtânico Tim King. 'A imprensa começou a atacar a aparência dela. As fotografias escolhidas para publicação agora mostravam uma mulher de meia-idade resmunguenta, cansada depois de 18 horas de trabalho. Ela passou a ser a ex-babá, a viking e a protestante. Um banqueiro investigado por ela zoou o sotaque e se negou a responder perguntas a não ser que fossem em francês adequado'. Ela estava imaginando tudo, alguns escreveram. Estava assistindo muitos filmes de Holywood. Estava bêbada pelo poder ou destratava autoridades. Ela foi acusada de ser trotskista e de ser agente da CIA tentando destruir os interesses da França no setor do petróleo. Foi definida como mulher manipuladora que queria se vingar de humilhações que sofrera no passado. Ou estava em busca de vingança contra o mundo dos negócios. Jornalistas obtinham informações sobre a investigação e os vazamentos eram atribuídos a ela.

Diante do que foi descrito acima, fico imaginando: qual o futuro dos delegados da PF que decidiram peitar os banqueiros?

121 juízes também criticam presidente do STF

Mendes afrontou as instituições, acusam procuradores

(O documento abaixo reune as assinaturas de 45 Procuradores da República de vários Estados e foi divulgado pouco antes da decisão tomada por Gilmar Mendes, presidente do Supremo Tribunal Federal, de mandar soltar pela segunda vez o banqueiro Daniel Dantas.)

Carta aberta à sociedade brasileira sobre a recente decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 95.009-4.

Dia de luto para as instituições democráticas brasileiras

1. Os Procuradores da República subscritos vêm manifestar seu pesar com a recente decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 95.009-4, em que são pacientes Daniel Valente Dantas e outros. As instituições democráticas brasileiras foram frontalmente atingidas pela decisão liminar que, em tempo recorde, sob o pífio argumento de falta de fundamentação, desconsiderou todo um trabalho criteriosamente tratado nas 175 (cento e setenta e cinco) páginas do decreto de prisão provisória proferido por juiz federal da 1ª instância, no Estado de São Paulo.

2. As instituições democráticas foram frontalmente atingidas pela falsa aparência de normalidade dada ao fato de que decisões proferidas por juízos de 1ª instância possam ser diretamente desconstituídas pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, suprimindo-se a participação do Tribunal Regional Federal e do Superior Tribunal de Justiça. Definitivamente não há normalidade na flagrante supressão de instâncias do Judiciário brasileiro, sendo, nesse sentido, inédita a absurda decisão proferida pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal.

3. Não se deve aceitar com normalidade o fato de que a possível participação em tentativa de suborno de Autoridade Policial não sirva de fundamento para o decreto de prisão provisória. Definitivamente não há normalidade na soltura, em tempo recorde, de investigado que pode ter atuado decisivamente para corromper e atrapalhar a legítima atuação de órgãos estatais.

4. O Regime Democrático foi frontalmente atingido pela decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal, proferida em tempo recorde, desconstituindo as 175 (cento e setenta e cinco) páginas da decisão que decretou a prisão temporária de conhecidas pessoas da alta sociedade brasileira, sob o argumento da necessidade de proteção ao mais fraco. Definitivamente não há normalidade em se considerar grandes banqueiros investigados por servirem de mandantes para a corrupção de servidores públicos o lado mais fraco da sociedade.

5. As decisões judiciais, em um Estado Democrático de Direito, devem ser cumpridas, como o foi a alsinada decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal. Contudo, os Procuradores da República subscritos não podem permanecer silentes frente à descarada afronta às instituições democráticas brasileiras, sob pena de assim também contribuírem para a falsa aparência de normalidade que se pretende instaurar.

Sérgio Luiz Pinel Dias - PRES
Paulo Guaresqui - PRES
Helder Magno da Silva - PRES
João Marques Brandão Neto - PRSC
Carlos Bruno Ferreira da Silva - PRRJ
Luiz Francisco Fernandes - PRR1
Janice Agostinho Barreto - PRR3
Luciana Sperb - PRM Guarulhos
Ramiro Rockembach da Silva Matos Teixeira de Almeida- PRBA
Ana Lúcia Amaral - PRR3
Luciana Loureiro - PRDF
Vitor Veggi - PRPB
Luiza Cristina Fonseca Frischeisen - PRR3
Elizeta Maria de Paiva Ramos - PRR1
Geraldo Assunção Tavares - PRCE
Rodrigo Santos - PRTO
Edmilson da Costa Barreiros Júnior - PRAM
Ana Letícia Absy - PRSP
Daniel de Resende Salgado - PRGO
Orlando Martello Junior - PRPR
Geraldo Fernando Magalhães - PRSP
Sérgio Gardenghi Suiama - PRSP
Adailton Ramos do Nascimento - PRMG
Adriana Scordamaglia - PRSP
Fernando Lacerda Dias - PRSP
Steven Shuniti Zwicker - PRM Guarulhos
Anderson Santos - PRBA
Edmar Machado - PRMG
Pablo Coutinho Barreto - PRPE
Maurício Ribeiro Manso - PRRJ
Julio de Castilhos - PRES
Águeda Aparecida Silva Souto - PRMG
Rodrigo Poerson - PRRJ
Carlos Vinicius Cabeleira - PRES
Marco Tulio Oliveira - PRGO
Andréia Bayão Pereira Freire - PRRJ
Fernanda Oliveira - PRM Ilhéus
Daniela Batista Ribeiro - PRMG
Israel Silva – PRBA
Nilce Cunha Rodrigues – PRCE
Luiz Fernando Gaspar Costa – PRSP
Douglas Santos Araújo – PRAP
Paulo Roberto de Alencar Araripe Furtado – PRR1
Paulo Sérgio Duarte da Rocha Júnior – PRRN
Cristianna Dutra Brunelli Nácul - PRRS

Na tarde desta sexta-feira, 121 juízes que integram a Justiça Federal da 3ª Região, que engloba os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, divulgaram uma manifesto em apoio ao juiz federal Fausto Martin De Sanctis. Eles afirmam que estão indignados com a decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que libertou novamente nesta sexta-feira o banqueiro Daniel Dantas. Dantas é acusado de corrupção ativa e fraudes contra o sistema financeiro

Por Eduardo

Nassif, talvez o comentário nesse post não seja o local mais adequado. Mas gostaria de iniciar uma discussão séria sob o ponto de vista jurídico da decisão do Min. Gilmar Mendes que libertou o Daniel Dantas.Súmula 691 do STF diz o seguinte:

"Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar."

A questão é: o STF não analisa Habeas Corpus impetrado contra decisões liminares de Ministros do STJ, mas apenas após o julgamento definitivo por tal Tribunal por órgão colegiado.

No caso específico, o habeas corpus havia sido indeferido no STJ por uma decisão liminar do Ministro relator. O HC não havia sido julgado em definitivo pelo STJ.

Em 99,99% dos casos, portanto o Supremo Tribunal Federal sequer analisaria o Habeas Corpus e mandaria aguardar tal julgamento definitivo pelo STJ antes.

Mas o Min. Gilmar Mendes afastou a Súmula e analisou o Habeas Corpus, contrariando a jurisprudência pacífica do STF.

Afora esse, só consigo lembrar disso acontecer no julgamento de outro Habeas Corpus: aquele que libertou o Paulo Maluf e seu filho, em cujo julgamento, aliás o Min. Carlos Mário Velloso comentou que ficava tocado em imaginar a situação de pai e filho presos na mesma cela.

Há uma segunda questão jurídica importante: a liminar no Habeas Corpus preventivo que havia sido impetrado fora indeferida pelo TRF e pelo STJ pois os Juízes entenderam que não havia risco concreto de ameaça à liberdade do Daniel Dantas apenas com base naquela matéria da Folha de São Paulo. A situação era distinta quando o HC chegou ao Supremo, pois aí a prisão já havia ocorrido. Mas nesse caso, o STF normalmente deveria ter determinado ao TRF que julgasse a questão da liberdade sob o enfoque da nova decisão, mas nunca concedê-la diretamente, pois isso é uma clara e evidente supressão de instância.

Veja Nassif, a crítica aqui é estritamente jurídica. Mas no fim das contas, ela acaba voltando a uma questão chavão: por que isso acontece apenas nesses casos envolvendo presos muito ricos?

Vejam o que Dalmo de Abreu Dallari, um dos mais respeitados juristas do país, escreveu quando da nomeação do então Advogado-Geral da União, Gilmar Mendes (hoje Presidente do Supremo Tribunal Federal) pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. A coisa é muito grave, como estamos vendo agora, com a concessão de dois habeas corpus a Daniel Dantas em menos de 48 horas e sem respeitar os trâmites legais, pulando as instâncias intermediárias. Vejam o que foi escrito em 2002:

FOLHA DE SÃO PAULO
São Paulo, quarta-feira, 08 de maio de 2002
TENDÊNCIAS/DEBATES

SUBSTITUIÇÃO NO STF

Degradação do Judiciário


DALMO DE ABREU DALLARI


Nenhum Estado moderno pode ser considerado democrático e civilizado se não tiver um Poder Judiciário independente e imparcial, que tome por parâmetro máximo a Constituição e que tenha condições efetivas para impedir arbitrariedades e corrupção, assegurando, desse modo, os direitos consagrados nos dispositivos constitucionais.

Sem o respeito aos direitos e aos órgãos e instituições encarregados de protegê-los, o que resta é a lei do mais forte, do mais atrevido, do mais astucioso, do mais oportunista, do mais demagogo, do mais distanciado da ética.

Essas considerações, que apenas reproduzem e sintetizam o que tem sido afirmado e reafirmado por todos os teóricos do Estado democrático de Direito, são necessárias e oportunas em face da notícia de que o presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica.

Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional. Por isso é necessário chamar a atenção para alguns fatos graves, a fim de que o povo e a imprensa fiquem vigilantes e exijam das autoridades o cumprimento rigoroso e honesto de suas atribuições constitucionais, com a firmeza e transparência indispensáveis num sistema democrático.

Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o Supremo Tribunal Federal, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país.

É oportuno lembrar que o STF dá a última palavra sobre a constitucionalidade das leis e dos atos das autoridades públicas e terá papel fundamental na promoção da responsabilidade do presidente da República pela prática de ilegalidades e corrupção.

A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha inadequada


É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em 'inventar' soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, 'inventaram' uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais.

Medidas desse tipo, propostas e adotadas por sugestão do advogado-geral da União, muitas vezes eram claramente inconstitucionais e deram fundamento para a concessão de liminares e decisões de juízes e tribunais, contra atos de autoridades federais.

Indignado com essas derrotas judiciais, o dr. Gilmar Mendes fez inúmeros pronunciamentos pela imprensa, agredindo grosseiramente juízes e tribunais, o que culminou com sua afirmação textual de que o sistema judiciário brasileiro é um 'manicômio judiciário'.

Obviamente isso ofendeu gravemente a todos os juízes brasileiros ciosos de sua dignidade, o que ficou claramente expresso em artigo publicado no 'Informe', veículo de divulgação do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (edição 107, dezembro de 2001). Num texto sereno e objetivo, significativamente intitulado 'Manicômio Judiciário' e assinado pelo presidente daquele tribunal, observa-se que 'não são decisões injustas que causam a irritação, a iracúndia, a irritabilidade do advogado-geral da União, mas as decisões contrárias às medidas do Poder Executivo'.

E não faltaram injúrias aos advogados, pois, na opinião do dr. Gilmar Mendes, toda liminar concedida contra ato do governo federal é produto de conluio corrupto entre advogados e juízes, sócios na 'indústria de liminares'.

A par desse desrespeito pelas instituições jurídicas, existe mais um problema ético. Revelou a revista 'Época' (22/4/ 02, pág. 40) que a chefia da Advocacia Geral da União, isso é, o dr. Gilmar Mendes, pagou R$ 32.400 ao Instituto Brasiliense de Direito Público -do qual o mesmo dr. Gilmar Mendes é um dos proprietários- para que seus subordinados lá fizessem cursos. Isso é contrário à ética e à probidade administrativa, estando muito longe de se enquadrar na 'reputação ilibada', exigida pelo artigo 101 da Constituição, para que alguém integre o Supremo.
A comunidade jurídica sabe quem é o indicado e não pode assistir calada e submissa à consumação dessa escolha notoriamente inadequada, contribuindo, com sua omissão, para que a arguição pública do candidato pelo Senado, prevista no artigo 52 da Constituição, seja apenas uma simulação ou 'ação entre amigos'. É assim que se degradam as instituições e se corrompem os fundamentos da ordem constitucional democrática.


Dalmo de Abreu Dallari, 70, advogado, é professor da Faculdade de Direito da USP. Foi secretário de Negócios do município de São Paulo

Esculachou, perdeu

Em setembro de 2002, ao ser preso na Favela da Grota, no Rio de Janeiro, o traficante de drogas Elias Maluco, assassino do jornalista Tim Lopes, da TV Globo, suplicou a um policial: “Perdi, chefia. Mas não me esculacha”. O banqueiro Daniel Dantas, dono do Grupo Oporttunity, perdeu porque abusou de atropelar as leis e de esculachar o Estado.

Lembram de Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor da área internacional do Banco do Brasil no governo FHC e arrecadador de recursos para campanhas do PSDB? Ele saiu do banco depois de ter admitido em conversa grampeada pela Polícia Federal que agira no “limite da irresponsabilidade” durante o processo de privatização do sistema de telefonia do país.

O que governo menos desejava na época era a revelação de qualquer indício ou prova capaz de sugerir que Ricardo Sérgio fosse ligado ao presidente.

Pois bem: em meados de 2002, um alto executivo do Oporttunity reuniu-se no Rio com um assessor de FHC. E lhe disse que tinha a gravação de uma conversa entre o presidente e Ricardo Sérgio.

O assessor deu o recado a FHC. Que então perguntou: “Você ouviu a gravação?” Não, ele lera a transcrição da conversa. Dali a alguns dias, FHC recebeu Dantas para um encontro a sós no Palácio do Alvorada. E atendeu ao seu pedido de não trocar o presidente da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).

A CVM “é responsável por regulamentar, desenvolver, controlar e fiscalizar o mercado de valores mobiliários do país”. Para tal fim, exerce, entre outras, as seguintes funções: assegurar o funcionamento eficiente e regular dos mercados de bolsa e de balcão; proteger os titulares de valores mobiliários; evitar ou coibir modalidades de fraude ou manipulação no mercado; e garantir a observância de práticas comerciais eqüitativas no mercado de valores mobiliários. Os negócios de Dantas passam pela CVM.

Nunca antes na história deste país um magnata como Dantas se atreveu tanto a usar meios ilegais para aumentar sua fortuna e se apropriar do Estado ou de parte dele.

Era preciso ter aliados no Congresso? Investiu na eleição de deputados e senadores.

Era preciso corromper servidores públicos? Corrompeu vários nos governos FHC e Lula.

Era preciso monitorar concorrentes ou se antecipar a eventuais decisões da Justiça contrárias aos seus interesses? Pagou caro para espionar sócios, desafetos e até juízes.

Faltaram a Dantas paciência e talento para fazer a transição política do governo FHC para o de Lula. E a poucos meses da eleição presidencial de 2006 ele cometeu seu mais grave erro: divulgou falso dossiê sobre contas secretas que Lula e auxiliares teriam no exterior. Imaginou esculachar o governo com a vã esperança de recuperar o status que teve no governo passado.

É possível que jamais venha a ser condenado por crimes financeiros, mas sim pela reles tentativa de subornar um delegado da Polícia Federal.

Crônica

Outra carta da Dorinha

Luiz Fernando Verissimo

Recebo outra carta da ravissante Dora Avante. Dorinha, como se sabe, lídera um grupo, as Socialaites Socialistas - Tatiana (“Tati”) Bitati, Suzana (“Su”) Perficial, Jussara (“Ju”) Juba, Cristina (“Ki”) Bobagem e outras - , que luta pela implantação no Brasil do socialismo soviético na sua fase mais avançada, que é a restauração do tzarismo. Inclusive descobriram um garçom na Penha descendente dos Romanov que concordou em ser tzar desde que conte tempo para o INPS e estão preparando para o cargo com aulas de etiqueta, danças de salão e despotismo. Mas hoje, segundo Dorinha, a palavra que melhor descreve o grupo é “tremebundas”. Mesmo as que fizeram lipo. Mas deixemos que ela mesmo nos conte a razão do nervosismo. Sua carta veio, como sempre, escrita com tinta violeta em papel turquesa encabeçado pelo seu nome em relevo com um espaço em branco para o sobrenome do marido do momento, se houver. Mas desta vez com a letra trêmula.

“Caríssimo! Beijos sombrios. Estamos preocupadíssimas. Como você sabe, deve-se tomar algumas precauções para viver no Brasil com um mínimo de tranqüilidade para a nossa prataria. Quase todas moramos em andares altos, de onde se pode sinalizar diretamente para a Quarta Frota americana, se for o caso. Mas o que nos ameaça agora não é a massa arrombando a porta, chutando nossos cachorros com grife e levando nossas roupas com pedigree - é a polícia! Um dos meus maridos, cujo nome me escapa no momento, dizia que não há maior ameaça à paz social do que uma polícia íntegra e, pior, exibida. E a polícia está prendendo gente como a gente, numa escandalosa inversão de critérios! Nunca se viu isso no Brasil. Onde ficam os velhos valores? Onde fica o respeito? Mais importante: que roupa pode ficar bem com algemas na TV? Uma das nossas companheiras, Constância (“Cocó”) Ricó, sugere que se olhe o lado bom da coisa. (Foi Cocó quem nos convenceu a descer do avião que nos levaria para Miami depois da eleição do Lula com a notícia de que o Meireles iria para o Banco Central e não havia nada a temer). Ela diz que, já que estaremos todas fatalmente em alguma lista do Dantas, poderemos ficar juntas numa cela e começar a reforma do sistema carcerário brasileiro por dentro, nem que seja só com alguns retoques na decoração. E mesmo se não conseguirmos, é certo que haverá uma grande melhora nas prisões do pais, para receber a nova e exigente clientela. E que ela quer ver falarem mal da elite brasileira depois. Sei não. Só quero saber se vão deixar eu levar a bolsa de água quente (Vuitton) que comprei para substituir meu último marido. Beijo, talvez o último em liberdade, da sua Dorinha.”