sábado, 27 de novembro de 2010
A Banalidade do Mal
domingo, 13 de setembro de 2009
estarrecedoras
terça-feira, 6 de janeiro de 2009
Brincando de guerra
quarta-feira, 25 de junho de 2008
O impensável
MARIA RITA KEHL
O INIMAGINÁVEL acontece. Supera nossa capacidade de prever o pior. Conduz-nos até a borda do real e nos abandona ali, pasmos, incapazes de representar mentalmente o atroz. O pior pesadelo do escritor Primo Levi, em Auschwitz, era voltar para casa e não encontrar quem acreditasse no horror do que ele tinha a contar.
Acreditar no horror exige imaginá-lo de perto e arriscar alguma identificação com as vítimas, mesmo quando distantes de nós. Penso no assassinato dos cidadãos cariocas David Florêncio da Silva, Wellington Gonzaga Costa e Marcos Paulo da Silva por 11 membros do Exército encarregados de proteger os moradores do morro da Providência. Assassinados por militares, sim, pois não há diferença entre executar os rapazes e entregá-los à sanha dos traficantes do morro rival. A notícia é tão atroz que o leitor talvez tenha se inclinado a deixar o jornal e pensar em outra coisa.
Não por insensibilidade ou indiferença, quero crer, mas pela distância social que nos separa deles, abandonamos mentalmente os meninos mortos à dor de seus parentes. Abandonamos os familiares que denunciaram o crime às possíveis represálias de outros "defensores da honra da instituição". Desistimos de nossa indignação sob o efeito moral das bombas que acolheram o protesto dos moradores do Providência.
Nós, público-alvo do noticiário de jornais e TV, que tanto nos envolvemos com os assassinatos dos "nossos", viramos a página diante da morte sob tortura de mais três rapazes negros, moradores dos morros do Rio de Janeiro. É claro que esperamos que a justiça seja feita. Mas guardamos distância de um caso que jamais aconteceria com um de nós, com nossos filhos, com os filhos dos nossos amigos.
O absurdo é uma das máscaras do mal: tentemos enfrentá-lo. Façamos o exercício de imaginar o absurdo de um crime que parece ter acontecido em outro universo. Como assim, demorar mais do que cinco minutos para esclarecer a confusão entre um celular e uma arma? E por que a prisão por desacato à autoridade? Os rapazes reclamaram, protestaram, exigiram respeito -ou o quê? Não pode ter sido grave, já que o superior do tenente Ghidetti liberou os acusados.
Mas o caso ainda não estava encerrado? O tenente, que não se vexa quando o Exército tem que negociar a "paz" no morro com os traficantes, se sentiu humilhado por ter sido desautorizado diante de três negros, mais pés-de-chinelo que ele? Como assim, obrigá-los a voltar para o camburão -até o morro da Mineira? Entregues nas mãos dos bandidos da ADA em plena luz do dia, como um "presentinho" para eles se divertirem? Era para ser "só uma surra"? Como assim?
Imaginaram o desamparo, o desespero, o terror? Não consigo ir adiante e imaginar a longa cena de tortura que conduziu à morte dos rapazes. Mas imagino a mãe que viu seu filho ensangüentado na delegacia e não teve mais notícias entre sábado e segunda-feira. E que depois reconheceu o corpo desfigurado, encontrado no lixão de Gramacho. Imagino a cena que ela nunca mais conseguirá deixar de imaginar: as últimas horas de vida de seu menino, o desamparo, o pânico, a dor. "Onde o filho chora e a mãe não escuta" era como chamávamos as dependências do Doi-Codi onde tantos morreram nas mãos de torturadores.
Ainda falta imaginar a promiscuidade entre o tenente, seus subordinados e os assassinos do morro da Mineira: o desacato à autoridade é crime sujeito a pena de morte e a tortura de inocentes é objeto de cumplicidade entre traficantes e militares? Claro, os traficantes serão mortos logo pelo trabalho sujo do Bope. Se outros cidadãos morrerem por acidente, azar; são as vicissitudes da vida na favela.
Quando membros corruptos da PM carioca mataram a esmo 30 cidadãos em Queimados, houve um pequeno protesto em Nova Iguaçu. Cem pessoas nas ruas, familiares dos mortos, nada mais. Nenhum grupo pela paz foi até lá. Nenhuma Viva Rio reuniu gente de branco a marchar em Ipanema. Ninguém gritou "basta!" na zona sul. Não é a mesma cidade, o mesmo país. Não nos identificamos com os absurdos que acontecem com eles.
Não haverá um freio espontâneo para a escalada da truculência da Polícia e do tráfico, nem para o franco conluio entre ambos (e, agora, membros do Exército) que vitima, sobretudo, cidadãos inocentes. Não haverá solução enquanto a outra parte da sociedade, a chamada zona sul -do Rio, de São Paulo, de Brasília e do resto do país-, não se posicionar radicalmente contra essa espécie de política de extermínio não oficial, mas consentida, a que assistimos incrédulos, dos negros pobres do Rio.
domingo, 23 de março de 2008
A voz da favela
Dimmi Amora e Vera Araújo
Moradores de 101 comunidades carentes da capital rompem a lei do silêncio e ganham voz numa pesquisa que, entre outros resultados, quebra mitos — como o de que o veículo blindado da polícia, o caveirão, usado em operações nas favelas, não é bem aceito pela população.
Também foram postos à prova temas como a legalização de drogas leves e a adoção da pena de morte no Brasil, rejeitadas pela maioria (respectivamente, 60,5% e 54% dos entrevistados). Já a intervenção das Forças Armadas nas comunidades foi aprovada pela maior parte (48,9%) das 1.074 pessoas ouvidas.
A grande surpresa foi a aprovação do blindado (por 48% dos moradores, enquanto 29% se disseram contrários à sua utilização). O percentual de apoio é maior na Zona Oeste (61,4%), entre homens (53,4%), os mais jovens, os de menor renda e entre os analfabetos e com curso superior. Ele é menor na Zona Norte (33,6%), entre as mulheres, os mais velhos, quem tem maior renda e aqueles com escolaridade entre 1ae 4aséries.
Responsável por encomendar o levantamento, feito pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS), o coordenador da Central Única das Favelas (Cufa), Celso Athayde, se surpreendeu com o alto índice de aprovação do caveirão. O veículo, usado pela polícia do Rio desde o início da década, sofre forte rejeição dos movimentos de defesa dos direitos humanos.
— Foi uma grande surpresa. Acreditei que a condenação seria muito maior. No entanto, a partir dessa pesquisa, passei a acreditar que o problema não está no caveirão, que, lógico, tem que proteger a vida dos agentes da lei e da ordem. O problema está em quem o conduz, quem está dentro dele. A questão central está na real intenção dos policiais na hora da incursão — afirma Celso
Morador: blindado valorizou imóveis
Morador há 38 anos de uma favela da Zona Oeste, Francisco (nome fictício), de 82 anos, considera o caveirão a principal arma da polícia para impor a ordem nas comunidades dominadas pelo tráfico: — Quando me mudei para cá, um apartamento valia R$ 30 mil. Há cerca de 20 anos, o tráfico se instalou e, a partir daí, os preços despencaram.
Tinha gente que conseguia no máximo R$ 5 mil, quando não largava tudo para fugir dos bandidos. Hoje, com a entrada do caveirão, os imóveis voltaram a ser valorizados: um apartamento de três quartos custa R$ 10 mil.
A monitora Vânia Márcia Gomes da Silva, de 43 anos, que, em 24 de maio de 2006, aos gritos, conseguiu cessar o tiroteio entre policiais e traficantes, quando o ônibus escolar em que viajava ficou no meio de um fogo cruzado na Rocinha, discorda de Francisco. Para ela, só os policiais ficam protegidos dentro dos blindados.
— Sou contra o caveirão, pois a bala sempre sobra para o inocente. Eles atiram lá de dentro e a gente nem vê quem é o policial — justifica Vânia.
Como chefe da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), uma das forças policiais que mais utilizam os blindados em incursões nas favelas, o delegado Rodrigo Oliveira comemora os resultados do levantamento.
Ele ressalta que, pela primeira vez, uma pesquisa ouviu realmente os moradores. Segundo o delegado, os entrevistados entenderam a importância do veículo para a proteção dos policiais: — O blindado é uma tendência mundial. Acabei de chegar do Haiti e presenciei que é comum, nas operações em uma única favela, utilizarem de 25 a 33 blindados. Eles são empregados inclusive no patrulhamento das ruas. Esses carros diminuem o risco inclusive de bala perdida, pois só são usados para o transporte de policiais — garante Rodrigo.
O fato de o caveirão ter maior índice de aprovação na Zona Oeste (61,4%) pode ser explicado, segundo o coordenador da Core, pelo fato de nessa região a maioria das favelas ser plana. Nesse tipo de terreno, é mais fácil manobrar o blindado e ele ganha maior agilidade.
O coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, mestre em psicologia social, enfatiza a importância de pesquisas que ouçam mais a comunidade carente. Segundo ele, o único parâmetro usado pelas secretarias de Segurança são os boletins de ocorrência, que acabam sendo frios e não refletem a realidade das vítimas. O oficial também se surpreendeu com o nível de aprovação do uso do caveirão.
— A população está entendendo a necessidade do blindado. O que eu sou contra, particularmente, é o uso da caveira com o punhal atravessado como símbolo do blindado do Bope, mas a proteção do policial é importante, pois ele fica muito vulnerável nessas áreas conflagradas.
No perfil dos pesquisados, foi encontrado apenas 1% de analfabetos.
Já outros 9% afirmaram ter curso superior ou pós-graduação. Dos entrevistados, quase metade (49,4%) disse ter renda de menos de dois salários mínimos, enquanto apenas 1,8% informou ter rendimentos acima de dez salários. O número de evangélicos (30%) é bem superior à média do país (18%) e o de católicos (45%), menor (no Brasil, o índice é de 74%).
Rossino Castro Diniz, presidente da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio (Faferj), diz que a pesquisa não o surpreende. Segundo ele, até mesmo nos temas mais polêmicos, ela reflete com clareza o que pensam os moradores das favelas sobre a maior parte dos assuntos.
A rejeição dos moradores à legalização das drogas não surpreendeu Flávia (nome fictício), de 48 anos, moradora de uma favela da Zona Norte.
Ela diz que vê a destruição diária de famílias e pessoas por causa do uso de drogas e que tem a mesma opinião da maioria, que reprova a liberação: — Essa é uma pergunta que nem deveria ser feita. Liberar drogas é um absurdo. É colocar fogo no mundo.
A cientista social Sílvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Universidade Candido Mendes, diz que a resposta à questão da legalização das drogas segue a tendência nacional. Ela alerta, no entanto, para o alto índice de “não resposta” (não responderam 7,4% e 11,9% disseram não ter opinião formada sobre o tema).
Os moradores mostram pouca confiança na polícia. Pouco mais de um terço diz que já ouviu falar de envolvimento de policiais com traficantes de suas comunidades. A utilização das Forças Armadas para combater o crime organizado é aprovada pela maioria dos entrevistados, mas 29,8% se dizem contrários. A maior parte rejeitou a pena de morte para crimes hediondos. No entanto, 28,9% aprovaram a medida.
A maioria dos entrevistados (73,2%) concorda que a sociedade tem uma visão distorcida das favelas, por considerá-la um reduto de marginais.
Mas 7,5% acham que essa visão é correta. Quase 10% dos entrevistados dizem não se sentir integrante da sociedade. Outros 28,7% afirmam que só se sentem integrantes em parte e 60,2% se sentem completamente integrados.
Para o presidente da Faferj, isso reflete a forma como os governo trata quem mora nas favelas.
— Se temos um governador que diz que as mulheres na Rocinha são fábricas de bandidos e um secretário de Segurança que afirma que um tiro em Copacabana é diferente de um tiro na Favela da Coréia, fica difícil as pessoas se sentirem incluídas
sábado, 23 de fevereiro de 2008
Assassinatos políticos no Brasil hoje
HUMANOS DIREITOS, DA DIGNIDADE E DO RESPEITO ENTRE AS DIFERENÇAS.
Assassinatos políticos no Brasil hoje
por Natalia Viana, de Londres
Passado o carnaval, é hora de encarar 2008, ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos. E o Brasil já entra na comemoração com um puxão de orelha: segundo relatório lançado pela organização internacional Human Rights Watch, a impunidade segue sendo o principal combustível das violações aos direitos humanos no país. O relatório diz ainda que o governo federal até tem ações em defesa dos direitos humanos, mas falha em não “apontar os responsáveis”.
O ministro da Justiça, Tarso Genro, protestou, disse que é “óbvio” que há impunidade, mas que a coisa está mudando. Apesar da cara feia, o veredito da HRW é claro: o governo Lula, já no seu segundo mandato, não faz o suficiente para mudar esse quadro.
Se a impunidade reina, ela é ainda mais grave no caso dos assassinatos políticos de hoje em dia. A cada ano, centenas de militantes dos direitos humanos são vítimas de violência – muitos acabam assassinados – por estarem lutando por direitos expressos na Constituição. Infelizmente, ao permitir que essa rotina siga impune, nosso governo permite que a democracia brasileira continue sendo decidida a bala.
Isso porque o assassinato político não é só a morte de um militante, é um pouco a morte da causa que ele defende. Seu intuito é refrear a demanda legitima de um grupo representado por aquela pessoa. São os chamados defensores de direitos – no linguajar da ONU – ou militantes de movimentos sociais, tema do livro Plantados no Chão, que publiquei pela editora Conrad no ano passado.
Conseguimos listar mais de 180 casos de militantes assassinados somente durante o primeiro mandato de Lula. Para cada caso, um resumo, para cada resumo uma nova impunidade. Além disso, o livro relata com detalhe seis casos ocorridos em diferentes contextos – sindicalistas, sem-terras, militantes – dando especial atenção à lentidão judicial e à impunidade que acaba unindo todos eles num único drama.
Por exemplo, no caso dos conflitos por terra, o livro conta o seguinte: de 1985 a 2006 haviam sido assassinados 1.464 trabalhadores; só 85 casos haviam ido a julgamento, e só 71 executores e 19 mandantes condenados. Desde então, a situação mudou pouco.
Está na hora de ampliar esse grito de indignação. A partir desta semana, o livro Plantados no Chão estará disponível para download gratuito no site http://www.conradeditora.com.br/plantadosnochao.html.Queremos que o seu conteúdo se espalhe bem mais do que seria possível no formato papel, para que esse debate encontre espaço nos mais diferentes cantos possíveis. Por isso, como autora, peço: baixe o livro, copie, imprima, critique, entre no debate. Espalhe.
Dá para acabar com esse ciclo de impunidade sim, desde que haja genuína disposicão. A impunidade aos que matam quem defende direitos não pode mais ser, como disse o ministro Tarso Genro, um dado “óbvio”.
Natalia Viana é jornalista.
sábado, 24 de novembro de 2007
Sábias palavras de Yuka
ABAIXO ENTREVISTA IMPERDÍVEL DO YUKA, UM DOS ÚLTIMOS GRANDE PENSADORES DA ATUALIDADE BRASILEIRA.
Fonte: http://www.terra.com.br/istoe/
MARCELO YUKA

Crítico das ações violentas em favelas, o músico e ativista diz que o Rio faz há 300 anos a política de responder a tiros com mais balas
Por FRANCISCO ALVES FILHO
Segurança pública é, para o músico e compositor Marcelo Yuka, um refrão recorrente em suas letras carregadas de crítica social - aliás, é um refrão em sua própria vida. Em novembro de 2001, ao tentar socorrer uma mulher durante um assalto, ele levou seis tiros que o deixaram paralisado da cintura até os pés. Apesar de viver entrevado numa cadeira de rodas, ele conseguiu retomar a carreira. Apesar de ser vítima da violência, ele conseguiu manter o senso de legalidade e justiça que sempre o norteou. Prova disso é que Yuka, fundador da banda O Rappa, mostra-se indignado também com a violência das ações da polícia do Rio de Janeiro, que, do início deste ano até o mês de setembro, já resultou na morte de 961 "suspeitos". Ele se diz estarrecido com as declarações do governador Sérgio Cabral, que legitima essas operações defendendo até a legalização do aborto para as mulheres de áreas carentes como forma de diminuir a violência. "Isso é muito grave, trata-se de eugenia", diz Yuka. O músico criou um movimento que congrega juristas, acadêmicos e artistas para denunciar essa situação e foi recebido pelo relator da ONU, que investiga os excessos da polícia carioca. Nesta entrevista, Yuka critica a criminalização da pobreza e lamenta um equivocado consenso da sociedade - o de que a violência urbana só pode ser resolvida pela força.
ISTOÉ - O que o levou a criar um movimento contra conceitos e políticas de segurança mais ostensivas ou violentas?
Marcelo Yuka - Quando o governador do Rio defendeu o aborto para a população pobre, como meio de combate à violência, eu achei um absurdo. Era o ventre pobre sendo tratado como gerador do crime.
ISTOÉ - Outras personalidades e políticos, não só no Brasil mas também em outros países, já defenderam teses semelhantes.
Yuka - Um secretário de Educação do ex-presidente americano Ronald Reagan, chamado Bill Bennett, foi à televisão e disse que para reduzir a violência seria necessário facilitar o aborto para a população negra. Isso causou uma enorme revolta e ele sofreu grande retaliação. Aqui, um governador diz uma coisa dessas, como disse o governador Sérgio Cabral, e não há reação. Fale algo assim em Israel, na Alemanha e veja o que acontece. Essa idéia equivale a criminalizar o pobre, que é a maioria da população.
ISTOÉ - Considera-se o principal crítico dessas políticas de segurança?
Yuka - Eu não me sinto assim. Mas, se ninguém protesta, eu pego o telefone e começo a me articular. Estava em São Paulo, numa reunião da Associação de Juízes pela Democracia, quando comecei a ter essa reação. Notei que, para cada pessoa que eu mandava um e-mail, ele se multiplicava por três. Não só entre pessoas físicas, mas também em instituições.
ISTOÉ - Há críticas suas à ação na Favela da Coréia, em que policiais atiraram de um helicóptero para matar dois rapazes. A polícia justifica dizendo que eles estavam armados.
Yuka - Juridicamente, o policial pode atirar em alguém se está em risco de morte. Ali, o atirador não queria se defender, estava caçando uma pessoa em fuga. Isso não pode ser uma coisa menor. Assim como a proliferação dos autos de resistência (documento em que a polícia justifica a morte de alguém como legítima defesa). É preciso cumprir a lei. A idéia de que o traficante, por ser traficante, tem de morrer nas operações policiais é algo absurdo.
ISTOÉ - Na prática, como se dissemina essa idéia?
Yuka - Se um pai reclama que o filho morreu, logo perguntam: "Seu filho estava envolvido com o tráfico?" Se a resposta é positiva, respondem com desdém. "Ah, então...". Eu pergunto: então, o quê? Tenho um primo que está desaparecido há oito anos. A mãe dele foi aos órgãos de segurança para registrar o sumiço e quando souberam que o rapaz tinha 19 anos e o fato aconteceu no subúrbio do Rio automaticamente concluíram que ele estava envolvido com drogas. Isso está virando senso comum. Se mora no morro, na periferia, pode morrer, pode sumir. Se mora em área pobre, é traficante e, se é traficante, pode morrer. Agora piorou: se está no útero da mãe que mora em área pobre, pode morrer.
ISTOÉ - Imagina um mundo sem cadeia e polícia?
Yuka - Eu gostaria que aqueles que fizeram isso comigo estivessem na cadeia. Mas sei que não foi uma ação somente de um homem contra mim. Foi uma ação do homem e também do sistema, foi isso tudo que desabou sobre mim naquele momento. Mas justiça não é vingança. O cara não tem de pagar nem menos nem mais do que a punição prevista na lei. Não quero o criminoso solto, não quero o traficante solto. Quero que estejam presos.
ISTOÉ - O que diria a quem afirma que sem confrontos não há solução para a criminalidade?
Yuka - Parece aquela frase gritada pelo Caveirão: "Saiam das ruas que eu vou roubar a sua alma." Isso não é trabalho de inteligência. Outra constatação básica: é fácil falar que vai haver vítimas, uma vez que não é a filha do secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, que pode morrer inocentemente porque estava em meio a um tiroteio.
ISTOÉ - E a proteção da população?
Yuka - Mas, se uma criança do local morre com uma bala na cabeça, que tipo de segurança é essa? As autoridades reconhecem que nessas ações vai haver baixas. Mas baixas entre a sociedade civil que não tem nada a ver com isso? Para quem é essa proteção? Até quando teremos isso? A tal bala perdida virou ente abstrato, um anjo que levou o filhinho da moradora do morro. Algo sem pai, sem autor, ninguém investiga.
![]() | "É fácil a polícia dizer que vai haver vítimas, uma vez que não é a filha do secretário Beltrame que vai morrer" |
MARCELO YUKA"Polícia que tortura e mata não tem saída"
Crítico das ações violentas em favelas, o músico e ativista diz que o Rio faz há 300 anos a política de responder a tiros com mais balas
Por FRANCISCO ALVES FILHO
ISTOÉ - Como a sociedade reage?
Yuka - Existe uma coisa no ar, parece que é hora de assumir que o cerol (gíria para extermínio) está certo. É o filme Tropa de elite, o aplauso ao capitão Nascimento, são as cartas de alguns leitores apoiando esse tipo de operação. É aquela mensagem divulgada no filme de que é melhor ter um policial torturador e assassino que um policial corrupto. Ninguém tem coragem de tomar atitudes modernas, progressistas. Há quanto tempo a gente responde a bala com bala? E o que resolveu? Estamos fazendo o mesmo que fazíamos há 200 anos, há 300 anos. Combatemos o crime aqui do mesmo jeito que a volante (polícia móvel do Nordeste) caçava Lampião. Antigamente, a polícia truculenta tinha de se explicar. Hoje parece que todos endossam isso.
ISTOÉ - Por que a população aceita e, algumas vezes, até apóia essa violência?
Yuka - É preciso entender que vivemos num mundo onde tudo é interligado. Tratar de ecologia é pensar que a emissão de gás carbônico na cidade de Detroit pode afetar a temperatura de Bali. As pessoas têm de perceber que existe um equilíbrio urbano. A arbitrariedade praticada lá no Complexo do Alemão (favela carioca) vai acabar afetando o Leblon (bairro nobre do Rio). Esse entendimento ainda não houve. Como se pode achar que tudo em volta é caótico e desequilibrado e só no quintal da nossa casa as coisas vão permanecer tranqüilas e equilibradas?
ISTOÉ - Como vê os aplausos ao estilo do personagem Capitão Nascimento, do filme Tropa de elite?
Yuka - Não sou a favor de uma polícia corrupta. Mas os policiais corruptos ainda têm um jogo de cintura, algum diálogo. A polícia que tortura e mata não tem saída. Quando ela erra, os prejuízos são irreversíveis. Tem um outro fenômeno crescente no Rio, que é a milícia. Esses milicianos matam, exploram negócios ilegais e têm braço político. Quantos estão presos? Não há confronto entre polícia e milícia. Está voltando o glamour dos Homens de Ouro, de Mariel Mariscott (grupo de policiais que nos anos 50 exterminava os bandidos), aqueles que matavam, mas tinham um quê heróico.
ISTOÉ - Boa parte da população acredita que essas ações diminuam a criminalidade.
Yuka - Aposto que, se voltarmos nessas comunidades onde há operações truculentas, o tráfico continua. Então, qual o resultado dessa ação? Onde está o êxito, mesmo do ponto de vista policial? Me lembro quando a polícia tomou a favela de Vigário Geral e ficou lá dentro. Quinze dias depois, já estavam vendendo baseado. Montaram um quartel da PM dentro da favela Nova Holanda; a cerca de 100 metros se compra um baseado. Qual foi o sucesso? Mas teve baixas, gente que morreu sem ter nada a ver com o confronto.
ISTOÉ - Não acha que o apoio da população também acontece porque ela se sente acuada com a escalada da criminalidade?
Yuka - Se alguém mata um assaltante, amanhã vão ser dois. Você "mata" um assaltante, de verdade, dando-lhe oportunidade e tirando-o do tráfico. Porque, com essa prática atual, o cara armado está ficando mais aguerrido: ele sabe que vai morrer. Ele está mais destemido e menos preparado para portar uma arma. Não acho que estou sendo bondoso pensando assim. Apenas me nego a ser estúpido. Ou vamos continuar tentando resolver esse problema da mesma forma como fazemos há 300 anos sem dar resultado? A estratégia de dar oportunidades, educação, nunca foi tentada. Então, quero experimentar essa outra fórmula para ver se dá certo. Não sei como viabilizar o combate à violência sem tratar de educação. Em vez de eugenia, vamos instalar escolas de qualidade. Essa fórmula nem foi colocada em prática e já se cansaram dela?
ISTOÉ - Não acha que as entidades que defendem os direitos humanos se esquecem do policial, que coloca a vida em risco?
Yuka - Essa meta do governo do Estado arrisca os inocentes, implanta a pena capital num país em que ela não existe e põe muito mais em risco o policial. Acho que a própria polícia deveria se organizar contra isso. Estou me movimentando como cidadão, porque estou no fogo cruzado e não ganho salário de policial e também não ganho dinheiro com a ilegalidade do tráfico. O policial também é vítima e essa política da Secretaria coloca todo policial como inimigo daquele que mais se parece com ele, da mesma classe social, que mora no mesmo lugar. O que se pede é que o lado pior desse policial venha à tona. Quando um policial morre, a família acha que quem o matou foi somente o bandido. Não. Quem colocou aquele cara numa operação daquela, sem preparo, sem aparelhamento?
"A mensagem do filme Tropa de elite é a de que é melhor ter um policial torturador e assassino do que um policial corrupto" | ![]() |
ISTOÉ - O secretário Beltrame diz que o Rio se acostumou a uma desorganização que alimenta a criminalidade.
Yuka - Acho que a coisa mais bizarra é o morador do Rio se acostumar com a seqüência de mortes. Como nessa cidade os ricos e os pobres estão muito próximos, por causa da geografia, todo mundo está ouvindo o barulho das balas. E se acostumar com isso é muito pior do que se acostumar com o camelô, com o cara que atravessa o sinal vermelho. Eu não quero viver numa sociedade desorganizada, mas qual o preço que se vai pagar por essa organização? E quem vai pagar esse preço?
ISTOÉ - Acha que em outros Éstados brasileiros a criminalidade está sendo combatida adequadamente?
Yuka - São poucos os lugares que estão aplicando uma política de segurança diferente dessa que se vê no Rio. Usar o auto de resistência para justificar assassinatos é uma prática que se vê em todo o País. O Espírito Santo usa muito isso, em Pernambuco a polícia utiliza esse expediente muito mais que no Rio. As vítimas são sempre o povo pobre, gente da periferia. É fácil aprender pela dor, pelo amor é mais difícil. Eu temo que somente quando houver uma jovem branca, bem nascida, atingida por uma bala perdida é que vamos ter pressão social suficiente para questionar essas ações policiais. Porque quando chega nesse nível aí tem pressão social, passeata. O governo federal está endossando o que está acontecendo, não está propondo saídas mais inteligentes.
domingo, 11 de novembro de 2007
Tropa de Choque no campus da Universidade de São Paulo.
Tropa de Choque no campus da Universidade de São Paulo.
Desta vez a Tropa de Choque da PM paulista entrou, " fichou os estudantes" que ocupavam a Reitoria da Pontifícia Universidade Católica e mandou a turma para casa. É trabalho da reitora Maura Pardini Bicudo Véras. É a terceira vez que a PM entra em prédios de universidades este ano, em São Paulo. Sempre com autorização de reitores e diretores, para emprestar legalismo à ação.
Escreveram os estudantes da PUC:
"Dia 10 de novembro de 2007 às 2h30 da manhã a PUC-SP perde o último resquício de liberdade e democracia ali existente. Após 30 anos, 1 mês e 18 dias a tropa de choque pisou novamente no território puquiano, mas dessa vez não foi a mando do Estado de Exceção e sim da nossa atual reitora, a profa. Maura Pardini Bicudo Véras.
A reitoria da PUC estava ocupada há 4 dias em protesto contra o processo de Redesenho Institucional tocado por esta gestão e o Conselho Universitário (Consun), durante toda a ocupação os estudantes se colocaram dispostos desde o começo a sentar e dialogar com a Reitoria da Universidade para assim poder encaminhar um processo de reestruturação universitária democrático e que reafirmasse a história de autonomia universitária e qualidade de ensino sempre norteadores dos rumos desta instituição há 61 anos.
Essa Reitoria desde o começo de sua gestão se posicionou contrária a qualquer tentativa de diálogo com a comunidade, percebe-se isso nas movimentações do final de 2005 e começo de 2006 quando a profa. Maura Véras e toda a sua Tropa de Elite instauraram a sua política de demissões, fizeram acordos com bancos e aprofundaram os cortes de bolsas-doação da universidade. Durante todo o processo do ano passado professores, estudantes e funcionários pediram transparência e participação nas decisões referentes aos rumos da PUC-SP.
2007 não começou diferente, desde a primeira vez que a Reitoria mencionou em uma sessão do Consun o projeto de haver um Redesenho Institucional na Universidade o movimento estudantil colocou a importância de se fazer o debate junto a comunidade para aí poder realmente saber quais os rumos que esta instituição deveria seguir. Novamente a Reitoria se negou ao diálogo.
Durante anos após a ditadura militar tivemos a nossa autonomia garantida, com a distância da polícia e da Igreja dos assuntos internos e da vida de nossa universidade, mas nós, estudantes da PUC-SP, tivemos nossa autonomia ceifada em 2006, quando a gestão Maura Véras colocou a intervenção da Igreja Católica para calar internamente a oposição que surgia contra o projeto antidemocrático de Redesenho que esta reitoria pretende implantar.
Agora, no trigésimo ano sem invasão da polícia em nosso campus, depois do desastre de 1977, quando a polícia militar invadiu e espancou estudantes e professores. A Reitoria recorre aos mesmos métodos da Ditadura, para reprimir e espancar a nós estudantes, para nos retirar à força da nossa universidade pela qual tanto lutamos para ter um regime democrático e não elitista.
O movimento estudantil da PUC-SP segue trilhando o mesmo caminho de tantas outras universidades brasileiras que encampam a luta contra o desmantelamento e privatização da educação instituídos no Brasil durante o último período. A ocupação da reitoria da PUC-SP está sim ligada às mobilizações acontecidas nos quatro cantos do país este ano.
Unicamp, USP, Unesp, FSA, UFPR, UFBA, UFRJ e UNIR são alguns exemplos de como os estudantes de norte a sul do país vem se mobilizando para salvaguardar a autonomia de nossas Universidades, sejam públicas ou privadas. Esta perda que vem sendo impetrada no ensino superior brasileiro não pode ser tolerada por nenhum de nós, pois não se produz conhecimento sob repressão e autoritarismo."
Meu comentário
Embora a presença da tropa de choque tenha causado protestos aqui e ali, muitos professores e estudantes parecem resignados com o novo modelo de "resolução de conflito". Divisões internas do movimento estudantil também fazem parte da reação morna ao recurso à polícia. Afinal, as ações são formalmente respaldadas, chama-se "reintegração de posse".
A lógica é a mesma. Visa esvaziar a participação comunitária, centralizar as decisões, acabar com os cursos que não dão lucro, dispensar os professores "caros" e contratar professores "baratos", independentemente da qualidade.
São os ajustes necessários para "competir" por alunos com as universidades que fabricam mão-de-obra em massa - se possível sem capacidade crítica. Capacidade crítica é justamente do que o Brasil mais precisa neste momento da História, se quiser implantar as bases de uma democracia de verdade, para todos.
O processo da PUC corre em paralelo ao da Universidade de São Paulo, onde o poder de decisão vem sendo centralizado através do controle do Orçamento. Onde é que já se viu... permitir que estudantes, professores e funcionários palpitem sobre a universidade pública e seu papel social. Fiz uma palestra recentemente na Escola de Comunicações e Artes (ECA), onde me formei. Tirando meia dúzia de alunos, a maioria queria saber como conseguir vaga na Globo. Ser velho reacionário, tudo bem. Mas jovem conformado com absolutamente tudo é uma tristeza.
Publicado em 10 de novembro de 2007
http://viomundo.globo.com/site.php?nome=MinhaCabeca&edicao=1487
"Frei Betto compara governo de Sérgio Cabral ao de Hitler
Teólogo critica defesa do aborto e política de saneamento e de repressão ao narcotráfico do governador do Rio
Marcelo Auler, do Estado
RIO - O teólogo frei Betto criticou duramente ontem o governador do Rio, Sergio Cabral, e propôs que ele inaugure uma estátua de Adolf Hitler, líder nazista alemão. A sugestão foi feita em entrevista no 6º Encontro Nacional de Fé e Política, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. ao comentar a recente declaração do governador fluminense a favor de aborto como forma de reduzir o número de marginais nas favelas.
"O governador do Rio falou do aborto, falou que a Rocinha é fábrica de marginais e recusou-se a receber representante da ONU que está em visita ao Brasil. Acho que ele deveria inaugurar uma estátua de Hitler em praça pública, porque está havendo uma grande coincidência entre sua política de saneamento e de repressão ao narcotráfico com aquilo que fez o III Reich", disse.
O religioso também criticou a atuação da Polícia fluminense durante a gestão de Cabral. "Quando eu vejo que cerca de mil pessoas foram assassinadas pela reação policial, de janeiro para cá, isso para mim é um genocídio", disse, citando dados da Organização Não-Governamental (ONG) Rio de Paz. Frei Betto disse ser contrário a ações violentas por parte da Polícia, e considera que esse tipo de postura só conduz a uma piora de cenário.
"A bandidagem você não acaba com aquela receita que está no 'Tropa de Elite'(filme do diretor Antônio Padilha, sobre a Polícia fluminense): de que, para enfrentar o bandido, é preciso de uma polícia bandida. Assim nós vamos para barbárie", disse.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Tropa de Elite 2
De volta às tripas da elite
Prosseguindo, eu queria lembrar um ponto interessante que acabou sendo discutido amplamente na imprensa sobre o Tropa de Elite. O diretor José Padilha era incessantemente questionado sobre se ele concordava ou não com a tortura que o filme exibia, se aquelas cenas eram um sinal de apoio a esses métodos ou não etc. Como eu já disse antes, ele lavou as mãos, afirmou que mostrava apenas como as coisas são na visão dos policiais etc.
Bom, o Padilha não é o primeiro artista a ser cobrado sobre o que mostra na obra como um ponto de vista de um outro personagem. No rap, a gente sabe, isso é comum. Muita gente lava as mãos quando escreve um rap que é narrado por um cara "errado", por assim dizer: eu só tô mostrando a visão dele, não posso me responsabilizar pelo que tá sendo dito.
Esse é um bom tema pra debate, eu mesmo não tenho uma resposta fechada: o que vocês acham disso? Particularmente, eu lembraria, pra tornar as coisas mais complicadas: por mais que você lave as mãos, tem um bocado de gente que lê, assiste ou ouve aquilo e não vê as coisas de uma forma tão sofisticada a ponto de diferenciar. Puxa, quer coisa mais comum do que ouvir dizer de que o ator de novela tal apanhou na rua de uma velhinha enquanto estava fazendo um personagem malvado?
Sinais de alerta: vários vídeos apareceram na internet com brincadeiras inspiradas na tortura do saco plástico, várias piadinhas com o capitão Nascimento passaram a circular, houve até notícia de que a roupa do Bope virou fantasia de festa de bacana...
Acho que a letra é esta: a verdade é que, no sentido psicanalítico do termo, tem um monte de gente gozando com esse filme. O que o Tropa de Elite mostra é que uma parte da elite brasileira tem uma tremenda frustração de não poder chegar na favela e descer a lenha, sentar o dedo, passar o cerol. É tipo: "Olha só o que a gente ia fazer com esses pretos pobres filhos da puta se tivesse a chance..."
É triste? Ah, sim, se você ainda está por aí fazendo pombinha com a mão pra pedir a paz. Convenhamos: sem justiça, nunca vai haver paz. Agora, que justiça é essa desses caras? Isso é declaração de guerra, isto sim. E quem aceitar de cabeça baixa vai é tomar tiro na nuca, não tem jeito...
Na TV que todo o mundo vê, eles empregam ali meia dúzia de manos que "em troca de dinheiro e um carro bom rebola e usa até batom" pra fazer de conta que são plurais. Mas, quando têm alguma chance, vai ver o que fazem: são contra as cotas, contra os quilombos, contra qualquer reparação histórica. Querem dizer que não existe mais preto e branco no país, só mestiço...
E você, mano, é isso que você vê? As piadinhas ditas de canto de boca contra os pretos, as pequenas discriminações na hora de conseguir um emprego, um empréstimo não terminaram, as desigualdades persistem... Negá-las é dar chance pra que continuem, faz tempo que as coisas são assim.
Essa é a grande covardia da parada: essa elite não tem coragem de chegar com um megafone no meio da favela, ou ir até a rádio comunitária, ou a tv que todo o mundo vê e dizer o que diz pelos cantos, escondido.
Quer um exemplo? Olha o que esse tal Reinaldo Azevedo escreveu sobre o artigo que o Ferréz publicou na Folha de São Paulo, faz um tempo, respondendo ao artigo do Luciano Huck em que ele reclamava de ter tido o Rolex roubado? Vê bem se ele ia ter a moral de dizer isso cara a cara:
"O empresário Ferréz, ao lado de Mano Brown, é um bibelô mimado pelas esquerdas e pelo pensamento politicamente correto, para quem o crime é uma precognição política a caminho de uma revelação."
...
"A minha pluralidade não alcança tolerar idiotas que querem destruir o sistema de valores que garantem a minha existência. E, curiosamente, até a deles."
Bom, é desse tipo de gente que estou falando...
(continuamos...)
O autor desse blog assim se define:
Salve a todos! Sou Spensy Kmitta Pimentel, tenho 30 anos, sou jornalista e antropólogo. Nasci no Mato Grosso do Sul, morei nove anos em São Paulo e, desde 2003, vivo em Brasília. Atualmente, trabalho na Radiobrás (www.agenciabrasil.gov.br).(...) Não sou negro, sou branco, com sangue cossaco (Salve, Makhno!) pela parte de minha mãe, e misturas imemoriais entre índios, portugueses e sei mais o quê do goiano raizeiro que é meu pai. Por escolha, sou bugre, porque nasci nas terras covardemente tomadas dos Guarani, na região onde o Brasil já foi Paraguai.
Como vim parar aqui? Fui fisgado pelo hip hop quando tinha 7 ou 8 anos de idade, ouvindo discos de breakbeat na casa dos vizinhos da rua, lá em Dourados (MS). Logo depois, surgiu o rap nacional. Disco nenhum chegava por lá, e eu só conseguia mesmo era ver as apresentações de Thaíde e DJ Hum pela TV. Tive a sorte de vir estudar em Brasília em 1993, no período em que a Discovery estava no auge. Foi aí que conheci Câmbio Negro, GOG, Desacato Verbal. (...)



sexta-feira, 2 de novembro de 2007
Execução no complexo do Alemão foi sumária

RIO DE JANEIRO - O relatório dos peritos independentes designados pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos apontou duas execuções sumárias e arbitrárias, cinco mortes por tiros à curta distância e aponta que a polícia fluminense destruiu provas que poderiam incriminar os policiais envolvidos na mega-operação no Complexo do Alemão, no dia 27 de junho, que terminou com 19 mortos. "As duas execuções são claras e os cinco casos de tiros à queima-roupa provavelmente seriam confirmados como execuções se houvesse uma investigação aprofundada", disse o ouvidor geral da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, Pedro Montenegro.
O secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, disponibilizou o relatório no site da secretaria e em nota desqualificou o relatório. "É preciso que fique claro que nenhum dos autores do relatório alternativo esteve no Rio para realizar qualquer diligência. Trabalharam única e exclusivamente interpretando o laudo realizado pela Polícia Técnica do Rio", disse. (Agência Estado)
Publicado em: 02/11/2007
FONTE: O TEMPO
domingo, 28 de outubro de 2007
O oportunismo aborteiro de Sérgio Cabral
O oportunismo aborteiro de Sérgio Cabral
Quando o governador Sérgio Cabral usou o trabalho do economista Steven Levitt (“Freakonomics”) para defender o aborto como política de segurança pública, dizendo que a Favela da Rocinha “é uma fábrica de produzir marginal”, juntou, num só “bonde”, oportunismo, impostura e ignorância.
Cabral é oportunista porque, em setembro de 1996, quando era candidato a prefeito do Rio, descascou seu adversário, Luiz Paulo Conde, por defender o aborto. Nas suas palavras: “Conde foi leviano. O que o Rio precisa é melhorar o atendimento na saúde”. Continua oportunista ao tentar reescrever o que disse ao repórter Aluizio Freire, do portal G1, onde sua entrevista está conservada na íntegra.
Cabral praticou uma impostura quando embaralhou uma questão de direito — a decisão da Corte Suprema que, em 1973, legalizou o aborto nos Estados Unidos — com as estatísticas do crime nos anos 90. A Corte decidiu uma dúvida constitucional: o direito da mulher de interromper a gravidez. Esse é o verdadeiro e único debate do aborto. Nada a ver com o propósito de fechar (ou abrir) “fábrica de produzir marginal”.
Levitt, por sua vez, indicou que o aborto foi responsável por uma queda de até 50% na criminalidade americana. Em momento algum apresentou-o como alternativa de controle da natalidade. Pelo contrário, qualificou-o como “um tipo de seguro rudimentar e drástico”. Cabral submeteu-se a uma vasectomia e não terá mais filhos (teve cinco).
Tanto Levitt como a Corte Suprema não atravessaram a linha que o doutor transpôs, vendo no aborto uma modalidade de política pública capaz de produzir segurança. Uma coisa é dizer que houve uma relação de causa e efeito entre a liberação do aborto e a queda da criminalidade. Bem outra é associar o aborto às políticas de segurança pública.
A teoria de Cabral sustentou-se na ignorância. Ele disse que a Rocinha tem taxas de fertilidade africanas. Besteira, elas equivalem à metade.
Em 2000, o número médio de filhos nas favelas cariocas (2,6) era superior aos dos outros bairros do Rio (1,7), mas ficava próximo da estatística nacional (2,1). Quem acha que o problema da segurança está na barriga das faveladas deve pensar em mudar de planeta. A taxa dos morros do Rio é a mesma do mundo.
Nos anos 70, muitos sábios sustentavam que o Brasil precisava baixar sua taxa de fertilidade (5,8) para distribuir melhor a riqueza.
Passou-se uma geração, a fertilidade caiu a um terço (1,9) e o índice de Gini, que mede as desigualdades de renda, passou de 0,56 para 0,57, chegando ao padrão paraguaio. Nasceram menos brasileiros, mas não se reduziu o fosso social.
A tropa de elite pode acreditar que se aprimora a segurança pública com o capitão Nascimento cuidando dos morros e o governador Cabral, dos ventres. As contas de Levitt são honestas, suas conclusões são rigorosas e “Freakonomics” é um ótimo livro. Aplicando-se a outros números de Pindorama o mesmo tipo de tortura cerebrina a que Cabral submeteu as conclusões do economista americano, seria possível dizer que a queda de 67% na taxa de fertilidade nacional provocou um aumento de 300% nos homicídios no Rio de Janeiro.
O artigo “The impact of legalized abortion on crime”, de Steven Levitt e John Donohue III, está na internet, infelizmente em inglês. É melhor do que o resumo publicado em “Freakonomics”.
Elio Gaspari é jornalista. Artigo transcrito de O Globo de 28/10/2007
Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na Coréia (periferia) é outra.
"Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na Coréia (periferia) é outra. À medida que se discute essa questão do enfrentamento, isso beneficia a ação do tráfico de drogas ". O secretário em sua explanação, nos ajudou um pouco mais a entender essa questão geográfica: "um tiro em Copacabana é uma coisa, um tiro na Coréia, no Alemão, é outra”. Ainda segundo o secretário Beltrame , a razão por uma maior repercussão das ações na Zona Sul do Rio se deve a proximidade entre os prédios de moradores da classe média e as favelas.
Parece que a explicação geográfica da ação criminosa, nos circuitos da segurança pública fez o maior sucesso, tanto que, no dia seguinte ao episódio, o Ministro da Defesa, saiu em defesa do secretário de segurança pública do Rio, segundo Jobim, um tiroteio na zona sul da cidade é diferente de um tiroteio na periferia. “Tem um efeito completamente distinto. Vocês mesmos da imprensa valorizam nesse sentido”.
O mais estranho é que tais, declarações não alcançaram a repercussão na mídia. Por que será? não vimos a classe média cansada sair as ruas em protesto; não vimos, essa nova forma de se fazer política, os narizes de palhaços saírem as ruas; não vimos o deputado Gabeira, vim a público e condenar de forma veemente tais declarações; mais estranho ainda, é o silêncio complacente e cúmplice da ex-governadora e agora também secretária de Estado, Benedita Da Silva, que aliás pelo seu silêncio demonstrar concordar com a nova teoria geográfica do crime, proposta por Beltrame, uma pena visto que Benedita surgiu para vida pública, como liderança da Mangueira, uma comunidade que não se localiza na zona sul carioca.
De novo atônitos assistimos o silêncio da classe média e mais importante de grande parte da mídia e dos formadores de opinião. Mas pelo menos uma luz no fim do túnel diante de tamanha demonstração preconceituosa. A Ordem dos Advogados do Brasil - secção Rio de Janeiro (OAB-RJ) reagiu às declarações do secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame. Em nota, a presidente da Comissão de Direitos Humanos da entidade, Margarida Pressburger, disse que Beltrame “assumiu publicamente que, para o governo, o morador de classe média da Zona Sul recebe tratamento diferente e tem direitos de cidadania que o trabalhador que mora na favela não tem. Quando é obrigado a ficar no fogo cruzado dos policiais com os traficantes, tem sua casa invadida por uns e por outros e não tem onde se abrigar”. Ainda segundo Margarida, “realmente fica difícil imaginar uma operação policial, nos moldes mostrados pela TV, num condomínio de classe média ou alta”. E completou: “Será que a polícia atiraria em quem corresse? Será que as pessoas que hoje criticam a defesa dos direitos humanos – para qualquer cidadão – apoiariam essas operações de guerra? Por fim, a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ lembrou que“ a OAB defende é igualdade na aplicação dos direitos de cidadania, para pobres ou ricos, de qualquer parte do Rio. O que a OAB repudia é a política de confronto que mata inocentes.” Ela lembrou os resultados registrados pelo próprio governo: “menos prisões (- 23,6%), menos armas apreendidas (-14,3%) e mais mortos (33,5%)” na comparação dos primeiros seis meses de 2007 e de 2006. Em compensação aumento no número de mortes em confronto coma polícia.
Além da OAB-RJ alguns pesquisadores vieram a público questionar as declarações tanto do governador quanto do secretário: “Essa manifestação do secretário confirma uma situação histórica, de uma política preconceituosa que está se perpetuando. Mas ele faz parte do governo. Portanto, tem a obrigação de mudar essa realidade, e não aceitar que isso permaneça como está. É evidente que não há planejamentos homogêneos para as ações das polícias na Zona Sul e nas favelas. Todo mundo sabe disso. Mas o governo só evolui quando consegue mudar isso”, analisou o sociólogo Ignácio Cano.
Para Luiz Eduardo Soares, o secretário fez um exercício de análise sociológica e constatou que a população da favela recebe uma proteção menor do que as pessoas das camadas médias da Zona Sul. “É um quadro de desigualdades, de tratamento diferenciado. É possível verificar isso nas 4.329 mortes provocadas por ações policiais no período de 2003 a 2006. A imensa maioria foi registrada em áreas pobres da cidade”, disse o antropólogo.
O mais grave nessas declarações foi a não reação da sociedade, que dessa forma chancela as atitudes preconceituosas do governo carioca. Isso nos leva a pensar em um texto recentemente publicado, de autoria de L. F Verissimo, denominado Terceirização. Nesse texto Verissimo lembra que: "Quem diz que nunca houve matança sistematizada de judeus, ciganos e incapazes na Alemanha tem razão: Auschwitz, Treblinka, Sobibor e os outros campos de extermínio nazistas ficavam na Polônia. A Polônia anexada pelo Reich era uma extensão do solo alemão e os campos eram construídos e geridos por alemães, mas isto é detalhe para quem pretende a inocência pelo distanciamento formal. Os americanos que hoje levam suspeitos de terrorismo para serem interrogados em países onde a tortura é comum, longe dos Estados Unidos, também pretendem a absolvição pela geografia." Mais a frente em seu texto Verissimo, relata um caso sui generis desse fenômeno da terceirização: "Do Iraque chega a notícia de outro exemplo de distanciamento remissor.Neste caso, uma novidade — a terceirização da guerra. A ocupação do país está sendo um grande negócio não só para a Halliburton e outras empreiteiras superfaturadoras mas para empresas paramilitares, exércitos privados que substituem a tropa normal em certas tarefas e que já têm quase tanta gente no Iraque quanto o exército regular, com contratos milionários.Há dias uma dessas empresas, a Blackwater, que pertence a um conhecido financiador das campanhas do Bush e do Cheney, se viu envolvida na morte de civis iraquianos.A Blackwater não está sujeita nem às leis do Iraque, nem às leis dos Estados Unidos e nem aos estatutos militares americanos. Só precisou pedir desculpas.".
Quem sabe não seja essa a solução para o problema dos pobres e favelados, podemos então começar com um projeto piloto nas favelas suburbanas cariocas e a partir daí exportarmos para o resto do país, quiçá até mesmo para o exterior, essa nova metodologia de combate ao crime. Afinal como lembrou o secretário Beltrame, um dia desses em um programa de televisão: o BOPE é um exemplo de polícia.