domingo, 28 de outubro de 2007

O oportunismo aborteiro de Sérgio Cabral

Sobre a nota que fiz a respeito das declarações das "autoridades" cariocas. Abaixo reproduzo, uma bela reflexão do Gaspari, a respeito do pensamento dessas "autoridades":

O oportunismo aborteiro de Sérgio Cabral

Quando o governador Sérgio Cabral usou o trabalho do economista Steven Levitt (“Freakonomics”) para defender o aborto como política de segurança pública, dizendo que a Favela da Rocinha “é uma fábrica de produzir marginal”, juntou, num só “bonde”, oportunismo, impostura e ignorância.



Cabral é oportunista porque, em setembro de 1996, quando era candidato a prefeito do Rio, descascou seu adversário, Luiz Paulo Conde, por defender o aborto. Nas suas palavras: “Conde foi leviano. O que o Rio precisa é melhorar o atendimento na saúde”. Continua oportunista ao tentar reescrever o que disse ao repórter Aluizio Freire, do portal G1, onde sua entrevista está conservada na íntegra.


Cabral praticou uma impostura quando embaralhou uma questão de direito — a decisão da Corte Suprema que, em 1973, legalizou o aborto nos Estados Unidos — com as estatísticas do crime nos anos 90. A Corte decidiu uma dúvida constitucional: o direito da mulher de interromper a gravidez. Esse é o verdadeiro e único debate do aborto. Nada a ver com o propósito de fechar (ou abrir) “fábrica de produzir marginal”.


Levitt, por sua vez, indicou que o aborto foi responsável por uma queda de até 50% na criminalidade americana. Em momento algum apresentou-o como alternativa de controle da natalidade. Pelo contrário, qualificou-o como “um tipo de seguro rudimentar e drástico”. Cabral submeteu-se a uma vasectomia e não terá mais filhos (teve cinco).


Tanto Levitt como a Corte Suprema não atravessaram a linha que o doutor transpôs, vendo no aborto uma modalidade de política pública capaz de produzir segurança. Uma coisa é dizer que houve uma relação de causa e efeito entre a liberação do aborto e a queda da criminalidade. Bem outra é associar o aborto às políticas de segurança pública.


A teoria de Cabral sustentou-se na ignorância. Ele disse que a Rocinha tem taxas de fertilidade africanas. Besteira, elas equivalem à metade.


Em 2000, o número médio de filhos nas favelas cariocas (2,6) era superior aos dos outros bairros do Rio (1,7), mas ficava próximo da estatística nacional (2,1). Quem acha que o problema da segurança está na barriga das faveladas deve pensar em mudar de planeta. A taxa dos morros do Rio é a mesma do mundo.


Nos anos 70, muitos sábios sustentavam que o Brasil precisava baixar sua taxa de fertilidade (5,8) para distribuir melhor a riqueza.


Passou-se uma geração, a fertilidade caiu a um terço (1,9) e o índice de Gini, que mede as desigualdades de renda, passou de 0,56 para 0,57, chegando ao padrão paraguaio. Nasceram menos brasileiros, mas não se reduziu o fosso social.


A tropa de elite pode acreditar que se aprimora a segurança pública com o capitão Nascimento cuidando dos morros e o governador Cabral, dos ventres. As contas de Levitt são honestas, suas conclusões são rigorosas e “Freakonomics” é um ótimo livro. Aplicando-se a outros números de Pindorama o mesmo tipo de tortura cerebrina a que Cabral submeteu as conclusões do economista americano, seria possível dizer que a queda de 67% na taxa de fertilidade nacional provocou um aumento de 300% nos homicídios no Rio de Janeiro.


O artigo “The impact of legalized abortion on crime”, de Steven Levitt e John Donohue III, está na internet, infelizmente em inglês. É melhor do que o resumo publicado em “Freakonomics”.




Elio Gaspari é jornalista. Artigo transcrito de O Globo de 28/10/2007

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