domingo, 28 de outubro de 2007

Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na Coréia (periferia) é outra.

Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na Coréia (periferia) é outra.
O secretário de (des) segurança pública do Rio, nos brindou essa semana, como uma daquelas declarações didáticas a respeito de como pensa parte da classe média brasileira, de seus medos, de suas angustias e de seus preconceitos. O secretário Beltrame disse na última terça-feira que os traficantes estão adotando a estratégia de migrar armas e pessoas para favelas da Zona Sul para tentar inibir a atuação da polícia. Segundo o secretário, ações policiais na Zona Sul, onde moram famílias de classes média e alta, são mais complicadas do que em comunidades carentes das zonas norte e oeste.

"Um tiro em Copacabana é uma coisa. Um tiro na Coréia (periferia) é outra. À medida que se discute essa questão do enfrentamento, isso beneficia a ação do tráfico de drogas ". O secretário em sua explanação, nos ajudou um pouco mais a entender essa questão geográfica: "um tiro em Copacabana é uma coisa, um tiro na Coréia, no Alemão, é outra”. Ainda segundo o secretário Beltrame , a razão por uma maior repercussão das ações na Zona Sul do Rio se deve a proximidade entre os prédios de moradores da classe média e as favelas.

Parece que a explicação geográfica da ação criminosa, nos circuitos da segurança pública fez o maior sucesso, tanto que, no dia seguinte ao episódio, o Ministro da Defesa, saiu em defesa do secretário de segurança pública do Rio, segundo Jobim, um tiroteio na zona sul da cidade é diferente de um tiroteio na periferia. “Tem um efeito completamente distinto. Vocês mesmos da imprensa valorizam nesse sentido”.

O mais estranho é que tais, declarações não alcançaram a repercussão na mídia. Por que será? não vimos a classe média cansada sair as ruas em protesto; não vimos, essa nova forma de se fazer política, os narizes de palhaços saírem as ruas; não vimos o deputado Gabeira, vim a público e condenar de forma veemente tais declarações; mais estranho ainda, é o silêncio complacente e cúmplice da ex-governadora e agora também secretária de Estado, Benedita Da Silva, que aliás pelo seu silêncio demonstrar concordar com a nova teoria geográfica do crime, proposta por Beltrame, uma pena visto que Benedita surgiu para vida pública, como liderança da Mangueira, uma comunidade que não se localiza na zona sul carioca.

Como nem tudo são flores, na quarta-feira o governador do Rio de Janeiro, nos brindou com mais uma teoria ortodoxa, ou seria melhor dizer heterodoxo de combate a violência, segundo o mandatário carioca, a interrupção da gravidez "tem tudo a ver com a violência pública". "Você pega o número de filhos por mãe na Lagoa Rodrigo de Freitas, Tijuca, Méier e Copacabana, é padrão sueco. Agora, pega na Rocinha. É padrão Zâmbia, Gabão. Isso é uma fábrica de produzir marginal". O que propõe o governador do Rio é absurdo. O que o douto governante carioca quer é um novo malthusianismo, agora com características eugênicas. Eis o Racismo de Estado em sua forma nua e crua!!!!

De novo atônitos assistimos o silêncio da classe média e mais importante de grande parte da mídia e dos formadores de opinião. Mas pelo menos uma luz no fim do túnel diante de tamanha demonstração preconceituosa. A Ordem dos Advogados do Brasil - secção Rio de Janeiro (OAB-RJ) reagiu às declarações do secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame. Em nota, a presidente da Comissão de Direitos Humanos da entidade, Margarida Pressburger, disse que Beltrame “assumiu publicamente que, para o governo, o morador de classe média da Zona Sul recebe tratamento diferente e tem direitos de cidadania que o trabalhador que mora na favela não tem. Quando é obrigado a ficar no fogo cruzado dos policiais com os traficantes, tem sua casa invadida por uns e por outros e não tem onde se abrigar”. Ainda segundo Margarida, “realmente fica difícil imaginar uma operação policial, nos moldes mostrados pela TV, num condomínio de classe média ou alta”. E completou: “Será que a polícia atiraria em quem corresse? Será que as pessoas que hoje criticam a defesa dos direitos humanos – para qualquer cidadão – apoiariam essas operações de guerra? Por fim, a presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ lembrou que“ a OAB defende é igualdade na aplicação dos direitos de cidadania, para pobres ou ricos, de qualquer parte do Rio. O que a OAB repudia é a política de confronto que mata inocentes.” Ela lembrou os resultados registrados pelo próprio governo: “menos prisões (- 23,6%), menos armas apreendidas (-14,3%) e mais mortos (33,5%)” na comparação dos primeiros seis meses de 2007 e de 2006. Em compensação aumento no número de mortes em confronto coma polícia.

Além da OAB-RJ alguns pesquisadores vieram a público questionar as declarações tanto do governador quanto do secretário: “Essa manifestação do secretário confirma uma situação histórica, de uma política preconceituosa que está se perpetuando. Mas ele faz parte do governo. Portanto, tem a obrigação de mudar essa realidade, e não aceitar que isso permaneça como está. É evidente que não há planejamentos homogêneos para as ações das polícias na Zona Sul e nas favelas. Todo mundo sabe disso. Mas o governo só evolui quando consegue mudar isso”, analisou o sociólogo Ignácio Cano.

Para Luiz Eduardo Soares, o secretário fez um exercício de análise sociológica e constatou que a população da favela recebe uma proteção menor do que as pessoas das camadas médias da Zona Sul. “É um quadro de desigualdades, de tratamento diferenciado. É possível verificar isso nas 4.329 mortes provocadas por ações policiais no período de 2003 a 2006. A imensa maioria foi registrada em áreas pobres da cidade”, disse o antropólogo.

O mais grave nessas declarações foi a não reação da sociedade, que dessa forma chancela as atitudes preconceituosas do governo carioca. Isso nos leva a pensar em um texto recentemente publicado, de autoria de L. F Verissimo, denominado Terceirização. Nesse texto Verissimo lembra que: "Quem diz que nunca houve matança sistematizada de judeus, ciganos e incapazes na Alemanha tem razão: Auschwitz, Treblinka, Sobibor e os outros campos de extermínio nazistas ficavam na Polônia. A Polônia anexada pelo Reich era uma extensão do solo alemão e os campos eram construídos e geridos por alemães, mas isto é detalhe para quem pretende a inocência pelo distanciamento formal. Os americanos que hoje levam suspeitos de terrorismo para serem interrogados em países onde a tortura é comum, longe dos Estados Unidos, também pretendem a absolvição pela geografia." Mais a frente em seu texto Verissimo, relata um caso sui generis desse fenômeno da terceirização: "Do Iraque chega a notícia de outro exemplo de distanciamento remissor.Neste caso, uma novidade — a terceirização da guerra. A ocupação do país está sendo um grande negócio não só para a Halliburton e outras empreiteiras superfaturadoras mas para empresas paramilitares, exércitos privados que substituem a tropa normal em certas tarefas e que já têm quase tanta gente no Iraque quanto o exército regular, com contratos milionários.Há dias uma dessas empresas, a Blackwater, que pertence a um conhecido financiador das campanhas do Bush e do Cheney, se viu envolvida na morte de civis iraquianos.A Blackwater não está sujeita nem às leis do Iraque, nem às leis dos Estados Unidos e nem aos estatutos militares americanos. Só precisou pedir desculpas.".
Quem sabe não seja essa a solução para o problema dos pobres e favelados, podemos então começar com um projeto piloto nas favelas suburbanas cariocas e a partir daí exportarmos para o resto do país, quiçá até mesmo para o exterior, essa nova metodologia de combate ao crime. Afinal como lembrou o secretário Beltrame, um dia desses em um programa de televisão: o BOPE é um exemplo de polícia.


2 comentários:

Daniel disse...

O comentário será por partes porque o post traz uma enormidade de temas interessantes.
Não me espanta que esta estaparfúdia declaração do Beltrame tenha sido tão pouco repercutida. Infelizmente, pra nossa mídia existe diferença entre um tiro em Copacabana e na Coréia. Enquanto uma bala perdida que vitima alguém na Barra se torna um incrível cavalo de batalha, dois homens sendo perseguidos por um helicóptero se torna atração de tv. Eram traficantes? Sim. Mas isso não so diminui como seres humanos. Em nenhum momento foi falado nada sobre a cena, triste é verdade, dos dois correndo da morte, sem sucesso diga-se de passagem. Ah, se fosse no Leblon... O Beltrame estaria desempregado hoje... Realmente um tiro na Coréia é diferente de Copacabana.
E tem razão também o ilustre governador. Aquilo é uma fábrica de bandido! Que perigo para a imaculada juventude de classe média! Tantos bandidos por perto! Ainda bem que por enquanto o crime não chegou nessa juventude. Eles ainda se divertem apenas em Lan Houses, na praia ou espancando empregadas domésticas. Ops, prostituta... Achavam que era uma prostituta... Aí sim, podia. Foi erro de alvo. Erro estratégico. Também, quem mandou a empregada parecer prosituta. A culpa no final é dela! Ah, temos de dar um desconto também porque eram jovens de 19, 20 e 21 anos... quase crianças! Sem noção de mundo. Muito diferentes desses pivetes da favela! Esses sim, marginais desde o ventre! E por falar em ventre, quer piada maior que a do ventre livre... Lei assinada à lapis.
Sobre as estatísticas de menos prisões (- 23,6%), menos armas apreendidas (-14,3%) e mais mortos (33,5%). Que beleza! Nessa toada em breve teremos prisões mais vazias! Plano a longo prazo. Choque de gestão. Seja o que for, tem sido bem sucedido. E viva o BOPE como instrumento do controle de natalidade marginal! Ah BOPE, se todos fosse no mundo iguais a você... não sobraria ninguém!
E pra terminar, sobre o ilustre Beltrame. Formado em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em Administração de Empresas e Administração Pública pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especializou-se em Inteligência Estratégica na Universidade Salgado de Oliveira e na Escola Superior de Guerra. Fez curso de Inteligência da Secretaria Nacional de Segurança Pública e de Análise de Dados de Inteligência Policial, Sistema Guardião. Tanto tempo estudando e não aprendeu nada que preste! O desperdício de vida! (ou vidas)

"Tropa de elite osso duro de roer, pega um pega geral, e também vai pegar você!"

Rafael e Angela disse...

Essa idéia da legalização do aborto como forma de controle da criminalidade vem de alguns estudos feitos nos EUA. Quando li achei chocante, mas a pesquisa que afirmou isso na verdade tinha como fundo o fato de que sofrer maus tratos nos dois primeiros anos é um experiência que costuma a formar propenção à violência - dessa forma filhos rejeitados pelas mães tem mais chances de serem violentos e mãe com direito ao aborto têm o direito de rejeitar os filhos que não querem....

A questão é que a outras pesquisas chegaram à conclusão que fazer um serviço social funcional - ajudando mães em situação de risco a cuidarem dos filhos adequadamento - funciona do mesmo jeito.

Acho que todo mundo com algum bom senso é pró-escolha, mas advogar o aborto como uma prática de controle da criminalidade é falta de noção.