sexta-feira, 9 de novembro de 2007

Tropa de Elite 2

Como já havia dito em um post anterior, quando postei um interessante texto sobre o filme Tropa de Elite, publicado no Caderno Pensar do Estado de Minas continuo com a idéia, só esta faltando tempo de reunir todos os artigos pró e contra que li, vi e recebi a respeito do filme. Por enquanto, vamos postar um segundo texto sobre o filme. Um texto muito interessante de um comparsa (um MANO) que tem um blog super bacana chamado o Blog Vermelho do Hip Hop, o link se encontra ai ao lado.

De volta às tripas da elite

Prosseguindo, eu queria lembrar um ponto interessante que acabou sendo discutido amplamente na imprensa sobre o Tropa de Elite. O diretor José Padilha era incessantemente questionado sobre se ele concordava ou não com a tortura que o filme exibia, se aquelas cenas eram um sinal de apoio a esses métodos ou não etc. Como eu já disse antes, ele lavou as mãos, afirmou que mostrava apenas como as coisas são na visão dos policiais etc.

Bom, o Padilha não é o primeiro artista a ser cobrado sobre o que mostra na obra como um ponto de vista de um outro personagem. No rap, a gente sabe, isso é comum. Muita gente lava as mãos quando escreve um rap que é narrado por um cara "errado", por assim dizer: eu só tô mostrando a visão dele, não posso me responsabilizar pelo que tá sendo dito.

Esse é um bom tema pra debate, eu mesmo não tenho uma resposta fechada: o que vocês acham disso? Particularmente, eu lembraria, pra tornar as coisas mais complicadas: por mais que você lave as mãos, tem um bocado de gente que lê, assiste ou ouve aquilo e não vê as coisas de uma forma tão sofisticada a ponto de diferenciar. Puxa, quer coisa mais comum do que ouvir dizer de que o ator de novela tal apanhou na rua de uma velhinha enquanto estava fazendo um personagem malvado?

Sinais de alerta: vários vídeos apareceram na internet com brincadeiras inspiradas na tortura do saco plástico, várias piadinhas com o capitão Nascimento passaram a circular, houve até notícia de que a roupa do Bope virou fantasia de festa de bacana...

Acho que a letra é esta: a verdade é que, no sentido psicanalítico do termo, tem um monte de gente gozando com esse filme. O que o Tropa de Elite mostra é que uma parte da elite brasileira tem uma tremenda frustração de não poder chegar na favela e descer a lenha, sentar o dedo, passar o cerol. É tipo: "Olha só o que a gente ia fazer com esses pretos pobres filhos da puta se tivesse a chance..."

É triste? Ah, sim, se você ainda está por aí fazendo pombinha com a mão pra pedir a paz. Convenhamos: sem justiça, nunca vai haver paz. Agora, que justiça é essa desses caras? Isso é declaração de guerra, isto sim. E quem aceitar de cabeça baixa vai é tomar tiro na nuca, não tem jeito...

Na TV que todo o mundo vê, eles empregam ali meia dúzia de manos que "em troca de dinheiro e um carro bom rebola e usa até batom" pra fazer de conta que são plurais. Mas, quando têm alguma chance, vai ver o que fazem: são contra as cotas, contra os quilombos, contra qualquer reparação histórica. Querem dizer que não existe mais preto e branco no país, só mestiço...

E você, mano, é isso que você vê? As piadinhas ditas de canto de boca contra os pretos, as pequenas discriminações na hora de conseguir um emprego, um empréstimo não terminaram, as desigualdades persistem... Negá-las é dar chance pra que continuem, faz tempo que as coisas são assim.

Essa é a grande covardia da parada: essa elite não tem coragem de chegar com um megafone no meio da favela, ou ir até a rádio comunitária, ou a tv que todo o mundo vê e dizer o que diz pelos cantos, escondido.

Quer um exemplo? Olha o que esse tal Reinaldo Azevedo escreveu sobre o artigo que o Ferréz publicou na Folha de São Paulo, faz um tempo, respondendo ao artigo do Luciano Huck em que ele reclamava de ter tido o Rolex roubado? Vê bem se ele ia ter a moral de dizer isso cara a cara:

"O empresário Ferréz, ao lado de Mano Brown, é um bibelô mimado pelas esquerdas e pelo pensamento politicamente correto, para quem o crime é uma precognição política a caminho de uma revelação."
...
"A minha pluralidade não alcança tolerar idiotas que querem destruir o sistema de valores que garantem a minha existência. E, curiosamente, até a deles."

Bom, é desse tipo de gente que estou falando...

(continuamos...)

posted by BLOG VERMELHO DO HIP HOP

O autor desse blog assim se define:
Salve a todos! Sou Spensy Kmitta Pimentel, tenho 30 anos, sou jornalista e antropólogo. Nasci no Mato Grosso do Sul, morei nove anos em São Paulo e, desde 2003, vivo em Brasília. Atualmente, trabalho na Radiobrás (www.agenciabrasil.gov.br).(...) Não sou negro, sou branco, com sangue cossaco (Salve, Makhno!) pela parte de minha mãe, e misturas imemoriais entre índios, portugueses e sei mais o quê do goiano raizeiro que é meu pai. Por escolha, sou bugre, porque nasci nas terras covardemente tomadas dos Guarani, na região onde o Brasil já foi Paraguai.

Como vim parar aqui? Fui fisgado pelo hip hop quando tinha 7 ou 8 anos de idade, ouvindo discos de breakbeat na casa dos vizinhos da rua, lá em Dourados (MS). Logo depois, surgiu o rap nacional. Disco nenhum chegava por lá, e eu só conseguia mesmo era ver as apresentações de Thaíde e DJ Hum pela TV. Tive a sorte de vir estudar em Brasília em 1993, no período em que a Discovery estava no auge. Foi aí que conheci Câmbio Negro, GOG, Desacato Verbal. (...)

Quando fui morar em São Paulo, continuei em contato com o rap, o grafite e o break nas ruas. Ao fim da graduação em Jornalismo, em 1997, aos 21 anos, resolvi dar minha contribuição ao movimento com o livro-reportagem-ensaio "O Livro Vermelho do Hip Hop". (...)Terminei, este ano, meu mestrado a respeito do tema: "Sansões e Guaxos - Suicídio Guarani-Kaiowá: uma proposta de síntese". Daqui a um tempo, devo colocá-lo na rede.

Um comentário:

Anônimo disse...

A mesma faca que descasca a laranja e corta o bife, mata o inocente. A culpa é da faca? Vamos deixar de fabricar facas?... Penso que a situação é parecida, guardadas as devidas proporções. Não foi o filme que instaurou a violência. Ele só a expressa, segundo uma certa visão, certa ou errada, mas uma visão. Cada um vê com seus olhos.

Mas, discutir os efeitos do filme, seja nos meios populares que tiveram acesso à versão pirata, seja na "elite pensante" do meio midiático, não deixar de ser importante e interessante.

Parabéns! Seu blog está cada vez mais legal!

Inté irmão!