Poesia para toda parte, no mês da Consciência Negra. Dessa vez Solano Trinddade. A baixo um pequeno perfil desse que ao lado de Abdias Nascimento foi uma das referências da negritude comprometida brasileira. Dessa geração resiste bravamente com mais d e 90 anos o grande Abdias Nascimento (com que aliás inauguramos esse blog).
O grande poeta Solano Trindade, pesquisador das nossas tradições populares, teatrólogo, pintor e boêmio; um ser humano de grande carisma e visão, para quem a arte representava parte essencial da vida.
O palco é Recife, 1908. Ali, no bairro São José, no dia 24 de julho, nasceu Solano. Seu pai, o sapateiro Manuel Abílio, dançava Pastoril e Bumba-meu-boi. Solano o acompanhava. Já sua mãe, Emerenciana, quituteira e operária, pedia que lesse para ela novelas, literatura de cordel e poesia romântica. É fácil imaginar nesse clima as cortinas da arte abrindo-se, os olhos do menino brilhando diante do espetáculo que a cultura popular proporcionava.
Cena 1: 1934. Realização do I e II Congressos Afro-Brasileiros no Recife e
Cena 2: 1936. Solano funda o Centro Cultural Afro-Brasileiro e a Frente Negra Pernambucana, uma extensão da Frente Negra Brasileira. Publica os seus Poemas Negros. Cena 3: Inquieto, Solano viaja para Minas Gerais e depois para o Rio Grande do Sul, onde cria, em Pelotas, um Grupo de Arte Popular. O homem de andar manso, cabeça cheia de planos e energia inabalável foi depois para o Rio de Janeiro. Em 1944 publicou o livro Poemas de uma Vida Simples. Em 1945, junto com Abdias Nascimento, criou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro. Com Haroldo Costa fundou o Teatro Folclórico. Atuou em filmes como A hora e a vez de Augusto Matraga e O Santo Milagroso. Na cidade maravilhosa, Solano era freqüentador do Café Vermelhinho, onde se reuniam intelectuais, políticos, jornalistas, escritores e artistas de teatro. Ali era amigo de pessoas como o Barão de Itararé e Santa Rosa. Filiou-se ao Partido Comunista, as reuniões da célula Tiradentes ocorriam na sua casa.
Durante a perseguição aos comunistas, empreendida pelo governo Dutra, entram na casa de Solano. Seu filho, Liberto, está deitado, doente. A polícia vira o colchão, à procura de armas, Exemplares de seus livros são apreendidos. A filha Raquel lembra: "Papai jamais esconderia armas. Sua luta era feita com idéias". Preso, ele não se abala. Raquel e a mãe, Margarida, percorrem as cadeias até encontrá-lo. Quando sai, Solano parece fortalecido. Embora tenha olhos tristonhos, seu otimismo é contagiante, nasce do seu amor pela arte e pela vida. Continua escrevendo, fazendo teatro e espalhando sonhos e esperanças por onde passa. O interesse de Solano pela cultura popular ia além da teoria: não se cansou de fundar grupos teatrais. Preocupava-se com o que chamava de folclore, com as danças populares. Dizia sempre que era necessário pesquisar nas fontes de origem e devolver ao povo em forma de arte. Sua experiência mais bem sucedida neste sentido foi o Teatro Popular Brasileiro, criado por ele, por sua esposa Margarida Trindade e pelo sociólogo Édison Carneiro em 1950. O TPB fazia uma leitura séria de danças como maracatu e bumba-meu-boi. Também promovia cursos de interpretação e dicção. Era formado por operários, estudantes, gente do povo.
SOU NEGRO
A Dione Silva
Sou Negro
meus avós foram queimados
pelo sol da África
minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs
Contaram-me que meus avós
vieram de Loanda
como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo
e fundaram o primeiro Maracatu.
Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi
Era valente como quê
Na capoeira ou na faca
escreveu não leu
o pau comeu
Não foi um pai João
humilde e manso
Mesmo vovó não foi de brincadeira
Na guerra dos Malês
ela se destacou
Na minh'alma ficou
o samba
o batuque
o bamboleio
e o desejo de libertação...
Solano Trindade
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