Fonte: http://jbonline.terra.com.br/editorias/pais/papel/2007/11/25/pais20071125012.html
Dilema supremo das cotas raciais
Luiz Orlando Carneiro
BRASÍLIA. Mais um ano se vai, e o Supremo Tribunal Federal, que só tem oito sessões plenárias marcadas até o início do recesso, no dia 20, terá deixado de julgar uma questão polêmica que lá tramita, a passos de tartaruga, há três anos e meio: a das cotas especiais para negros e estudantes egressos de escolas públicas nas universidades.
A ação de inconstitucionalidade que servirá de paradigma para pacificar a polêmica jurídica, como admite um ministro do STF, foi proposta, em maio de 2004, pela Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) contra lei estadual do Rio de Janeiro que estabeleceu reservas de vagas, nas universidades públicas, para negros (20%), estudantes da rede estadual (20%) e deficientes físicos (5%).
A ação tinha como relator o ministro Sepúlveda Pertence que, só às vésperas de se aposentar, em agosto, pediu pareceres à Advocacia-Geral da União (AGU) e à Procuradoria-Geral da República. No dia 24 de outubro, o chefe da AGU, ministro José Antônio Toffoli, manifestou-se. O novo relator, Menezes Direito, aguarda o parecer da PGR. Mas não se tem idéia se o julgamento ocorrerá ainda no primeiro semestre do próximo ano.
- Como a ação ficou adormecida, vários alunos que se beneficiaram desse sistema de cotas instituído pela lei estadual do Rio de Janeiro já estarão, provavelmente, quase no fim do curso - comenta Guilherme Magaldi, um dos advogados da Confenen. - E se o julgamento demorar ainda mais, logo estarão formados. E o que dizer dos alunos que não entraram na universidade, preteridos pelos cotistas? Já poderiam estar se formando.
O advogado se diz confiante já que o novo relator, "além da reconhecida qualidade técnica também é rápido".
Nessa ação-piloto contra o sistema de cotas nas universidades, a Confenen alega que - além da cláusula pétrea constitucional de que todos são iguais perante a lei, "sem distinção de qualquer natureza" - a lei fluminense choca-se com os artigos 206 e 208 da Carta, que contém os seguintes dispositivos, respectivamente: "O ensino será ministrado com base (...) na igualdade de condições para o acesso e permanência na escola"; e "acesso aos níveis mais elevados de ensino (...) segundo a capacidade de cada um".
O parecer da AGU é favorável ao sistema de cotas, na linha das chamadas ações afirmativas, defendidas pelo governo. Para Toffoli, trata-se de garantir o princípio da igualdade de todos perante a lei - "tratar desigualmente os desiguais". Ou seja, os estudantes da raça negra seriam desiguais em relação aos brancos que não são pobres, e mereceriam tratamento diferenciado.
- Vamos admitir que haja essa desigualdade material. Mas o que dizer do branco pobre ou carente em relação ao negro igualmente carente? Qual seria a desigualdade entre eles, a não ser a cor da pele? Por que o branco pobre não tem cotas também? Esse é o grande debate - observa o advogado.
O parecer do chefe da AGU alinha citações de artigos escritos por Joaquim Barbosa e Cármen Lúcia, antes de serem nomeados ministros do STF, a favor da constitucionalidade do sistema de cotas. Assim, os defensores da "ação afirmativa" nas universidades já teriam dois votos a seu favor.
O advogado-geral da União considera também que não é "desarrazoado" (não razoável) o percentual total de 45% das vagas nas universidades públicas previamente reservadas para negros (ou afro-descendentes), estudantes oriundos de escolas públicas e deficientes.
O único ponto da lei fluminense do Rio de Janeiro sobre reservas obrigatórias de vagas nas universidades estaduais que o chefe da AGU considerou inconstitucional foi o que destina as cotas dos oriundos de escolas públicas, apenas, àqueles que cursaram o ensino médio no próprio Estado. Toffoli admitiu que há "inconstitucionalidade material" nesse dispositivo, por criar a lei preferência em favor de um Estado-membro da Federação, em detrimento dos demais Estados, violando o artigo 19 da Carta.
- A nossa ação não é contra a idéia de ação afirmativa. Criticamos a tentativa de se confundir a cota racial com a ação afirmativa. A cota racial é apenas uma forma de ação afirmativa. E provavelmente a mais desastrosa, inadequada e injusta.
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