segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Sobre a ditadura brasileira

Abaixo uma bela matéria sobre 1968. A matéria foi publicada na Istoé, revista que ultimamente (últimas semanas) vem publicando matérias bastante interessante. Boa leitura. Quem quiser saber mais sobre esse período em nossas Minas, sugiro a leitura do livro de Heloísa Starling (ela própria um fracasso nos dias atuais, como vice-reitora dos ensinamentos de 1968): Os Senhores das Gerais (belissima tese). A matéria abaixo, me permitiu voltar a minha primeira grande paixão "intelectual" a ditadura militar, durante um bom tempo, antes de entrar na faculdade podia jurar que esse seria o tema a qual me dedicaria, devido meu interesse e as muitas leituras. Enfim passaram se os anos, a paixão de ler sobre esse período continua, mas minha praia é outra. Talvez isso seja fruto, de ter percebido, que infelizmente 68 de fato fracassara e os filhos da luta contra a ditadura e os netos da luta contra o facismo, para usar uma expressão de Franklin Martins no poder fizeram e fazem (FHC e os comparsas de LULA) ESSA PORCARIA TODA. Uma fajuta explicação sociológica para tanto pode ser encontrada talvez no fracasso do programa político defendido, por exemplo, pelo "porra louca" do Zé Celso Martinez, o único que de fato tentou “É a emergência de uma arte brasileira violenta, o sinal que antecede as grandes revoluções nos campos social e político. E todo mundo tem medo da arte que se fará agora no País. Pois ela será esmagadora, perigosa.” E o único que continua a ousar a chamar o espectador, "de burro, recalcado, reacionário" pois prefere "a cultura oficial, de consumo fácil". Enfim boa leitura a todos.

1968
Um olhar sobre o passado
A rebeldia dos estudantes contra a ditadura militar ocorreu num ambiente de inconformismo geral contra o status quo

Por CLÁUDIO CAMARGO E ELIANE LOBATO

VANDRO/AJB
REPRESSÃO O Rio de Janeiro se tornou palco de batalhas campais
A pior noite

Personagens de uma história que não terminou

Onde eles estavam
A atualidade de 1968
1968 40 anos depois

"Foi o melhor dos tempos e o pior dos tempos, a idade da sabedoria e da insensatez, a era da fé e da incredulidade, a primavera da esperança e o inverno do desespero. Tínhamos tudo e nada tínhamos.” As palavras que abrem o romance Conto de duas cidades, de Charles Dickens, falam da Europa do século XVIII, às vésperas da Revolução Francesa, mas definem à perfeição as grandes expectativas e a encruzilhada vividas pela geração de 1968 no Brasil e no mundo. Naquele ano que para alguns não terminou e para a maioria terminou mal, o “poder jovem” tomou de assalto as ruas de Paris, Bonn, Roma, Praga, Washington, San Francisco, Cidade do México, Rio de Janeiro e São Paulo, entre outras. Sessenta e oito foi o ápice da geração baby boomer, nascida depois da Segunda Guerra Mundial. Ao contrário de seus pais, esses jovens eram urbanos, desfrutavam do conforto trazido pela tecnologia, ouviam sons estridentes de rock’n roll, usavam cabelos e barbas compridos, minissaias, experimentavam drogas e, de posse da pílula anticoncepcio nal, forçaram a porta da revolução sexual. Mas eles queriam mais e, em 1968, se insurgiram em todos os cantos do planeta. Como um rastilho de pólvora, reivindicações estudantis se transformaram, da noite para o dia, em rebeliões contra governos, instituições, a Guerra do Vietnã e, por fim, toda a ordem vigente. “Sejamos realistas, exijamos o impossível”; “É proibido proibir”, diziam os slogans dos estudantes em Paris. No final, o establishment careta balançou, mas não caiu. Nos principais pontos da revolta, a velha ordem venceu “e o sinal ficou fechado para os jovens”: os conservadores ganharam as eleições na França, os tanques soviéticos acabaram com a Primavera de Praga e Richard Nixon foi eleito presidente dos EUA. Como consolo, 1968 deixou como herança o fim dos valores puritanos da sociedade do pós-guerra, com o advento de uma moral sexual menos repressiva. Às vésperas de 2008, o legado daquele ano grávido de utopias tragicamente abortadas permanece ainda desafinando o coro dos contentes e alimentando esperanças de um futuro menos sombrio.

LIDERANÇA Vladimir Palmeira agita as massas

No Brasil, 1968 foi um ponto de inflexão: o ano em que a ditadura militar instalada quatro anos antes começou a perder o apoio da classe média, paradoxalmente, seria o mesmo em que começaria a ganhar fôlego o chamado “milagre econômico brasileiro”. Vivíamos a efervescência no fio da navalha: o pau comia solto entre estudantes e a polícia nas ruas do Rio de Janeiro, num processo de radicalização crescente. “É preciso estar atento e forte; não temos tempo de temer a morte”, dizia a canção. A rebelião se espraiava pelo front cultural, com o Cinema Novo e a Tropicália, passando pelo Grupo Opinião. Perto disso, a irreverência da Jovem Guarda não passava de uma doença infantil. E, enquanto nos Festivais da Canção se travavam batalhas entre os “engajados” e os “alienados”, os “desbundados” esperavam a Era de Aquarius. Toda essa agitação político-cultural terminaria em 13 de dezembro com o AI-5, que jogaria o País nas trevas e empurraria muitos jovens para a luta armada.

A violência, aliás, foi a parteira de 1968. E no Brasil ela seria anunciada simbolicamente, como uma premonição, no plano estético. Logo em janeiro, o diretor José Celso Martinez Correa estreou uma revolucionária montagem da peça Roda viva, de Chico Buarque de Hollanda. Era uma história quase banal, de um artista popular que se vê enredado pela sociedade de consumo e entrega sua carreira a um empresário inescrupuloso, que o transforma em ícone pop, mas também o leva à destruição e ao suicídio. Como vendera a alma ao diabo, seu fígado era destroçado em público. Nas mãos de Zé Celso, a peça inaugurou o “teatro da porrada”, com cenas picantes envolvendo assédio à Virgem por um anjo e até por Jesus, com direito a distribuição de fígado de boi à platéia. Nas palavras de Zuenir Ventura, “talvez nunca – nem antes nem depois – os palcos nacionais tenham assistido a uma explosão visual, sonora e gestual tão virulenta como esta que inaugurou no Brasil o ‘Teatro da agressão’ ou ‘Teatro da grossura’. A peça não só agredia o público – intelectualmente, formalmente, sexualmente, politicamente, conforme queria o próprio diretor – como contestava todas as formas e propostas artísticas anteriores”. Messiânico, Zé Celso dizia que “é preciso provocar o espectador, chamá-lo de burro, recalcado, reacionário”. Ele queria uma guerra contra “a cultura oficial, de consumo fácil”. E, como que antevendo o que viria depois na arena política, arrematava: “É a emergência de uma arte brasileira violenta, o sinal que antecede as grandes revoluções nos campos social e político. E todo mundo tem medo da arte que se fará agora no País. Pois ela será esmagadora, perigosa.”

FOTOS: EVANDRO TEIXEIRA
CONFRONTO A classe média se volta contra a ditadura

A violência real explodiria pouco depois nas ruas do Rio de Janeiro. Na quinta-feira 28 de março de 1968, soldados do Batalhão de Choque da PM invadiram o restaurante Calabouço para reprimir um protesto de estudantes secundaristas. O Choque respondeu à bala as pedras dos estudantes. Em frente ao restaurante, caiu morto o jovem Edson Luís Lima Souto, 20 anos, aluno do curso de madureza, que viera de Belém para tentar uma faculdade no Rio de Janeiro. Revoltados, os estudantes carregaram o corpo de Edson Luís em passeata até o prédio da Assembléia Legislativa (hoje Câmara Municipal). No dia seguinte, cerca de 20 mil pessoas, entre estudantes, artistas e intelectuais acompanharam o enterro de Edson Luís até o cemitério São João Batista aos gritos de “Abaixo a ditadura!” e “O povo organizado derruba a ditadura!”

Depois disso, ocorreram novas passeatas, reprimidas com violência. Acuada, a ditadura mostrava os dentes. O dia 21 de junho passaria à História como a Sexta-feira Sangrenta, a jornada mais violenta de confrontos de rua entre policiais e estudantes. Desta vez, como lembra Elio Gaspari em A ditadura envergonhada, “os jovens não eram secundaristas anônimos (...). Eram os dourados filhos da elite”. A eles se juntaram populares e trabalhadores. A polícia, por sua vez, tinha ordens para atirar. Durante cerca de dez horas, o centro do Rio assistiu a uma violenta batalha campal, com estudantes enfrentando a tropa de choque a pau e pedra e populares jogando do alto dos edifícios vasos de flores, tijolos, cadeiras e até uma máquina de escrever. No final, 23 pessoas foram baleadas, quatro mortas – inclusive um soldado da PM atingido por um tijolo – e 35 soldados feridos.

“A classe média acompanhava o conflito bastante emocionada, porque seus filhos estavam envolvidos e correndo grande perigo”, escreve o jornalista Fritz Utzeri no prefácio do livro 68: destinos. Passeata dos 100 mil, do fotógrafo Evandro Teixeira (a ser lançado em 2008). “Nasciam ali as condições de uma grande manifestação de protesto e repúdio à ditadura”: a Passeata dos 100 Mil. Ela aconteceu na quarta- feira 26 de junho e, desta vez, com a polícia ausente, não houve incidentes. “A multidão começou a mover-se, cantando o hino que seria o favorito da esquerda e da luta armada, o da Independência, principalmente a estrofe: ‘Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil’. O Hino Nacional havia sido apropriado pelos militares”, diz Utzeri. “A Marcha dos 100 Mil foi o troco da Marcha da Família, com a qual, quatro anos antes, a classe média expressou seu apoio ao golpe. A roda da história girava e o governo, pela primeira vez, estava na defensiva.”


A segunda parte da matéria começa como uma declaração no mínimo polêmica, de que a radicalização foi o pior dos caminhos para o momento de oposição a ditadura. Não entremos nessa seara, afinal ela foi uma das razões para a divisão do Partidão, em PCB com influência soviética e inclinados a negociação e o PC do B com influência soviética e defensores da revolta armada e da revolução cultural. Mas a matéria termina simbolicamente professando o fracasso de 1968, como afirmamos acima, o legado dessa geração seria a Democracia e os Direitos Humanos. Estas duas conquistas são importantíssimas, nós mesmo somos ardorosos defensores delas, no entanto diante do que 68 nos prometia é muito pouco. A democracia tal como conhecemos liberal, não era e jamais foi o sonho da geração de 1968, tal democracia é fruto na verdade do conservadorismo, que viu nessa uma solução ao processo revolucionário e constante que o movimento popular impunha a França Revolucionária.


1968
Um olhar sobre o passado
A rebeldia dos estudantes contra a ditadura militar ocorreu num ambiente de inconformismo geral contra o status quo

Por CLÁUDIO CAMARGO E ELIANE LOBATO

AGÊNCIA JB
PIVÔ Por causa de “Caminhando”, de Vandré, Tom Jobim foi vaiado

Foi o apogeu da mobilização estudantil. A partir daí, o movimento cometeu uma série de erros políticos, foi perdendo o apoio da classe média e entrou em descenso. Parte dos estudantes já se inclinava para a luta armada, organizada por grupos de extrema-esquerda. Ainda em junho, um grupo da organização Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) atacou com bombas o quartel do II Exército em São Paulo, matando o soldado Mário Kozel Filho. No mês seguinte, outra organização, o Comando de Libertação Nacional (Colina), matou no Rio de Janeiro o major alemão Edward von Westernhagen, confundido com o capitão boliviano Gary Prado, comandante da tropa que prendera Che Guevara em 1967. E, em agosto, outro comando da VPR assassinou em São Paulo o capitão americano Charles Chandler. Do outro lado, começaram as ações de grupos paramilitares de extrema-direita, como o Comando de Caça aos Comunistas (CCC), patrocinado pelos porões do regime. Bombas foram colocadas em teatros do Rio de Janeiro e de São Paulo. No dia 17 de julho, membros do CCC invadiram o Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, onde era encenada Roda viva. Os artistas foram agredidos, entre eles Marília Pêra, obrigada a passar nua por um corredor polonês.

A anarquia chegava aos quartéis. No dia 1º de outubro, o deputado Marílio Ferreira Lima (MDB-PE) denunciou no plenário da Câmara a descoberta de um sinistro plano terrorista da direita militar. Oficiais da Aeronáutica liderados pelo brigadeiro João Paulo Penido Burnier planejavam usar o Para-Sar, uma unidade de pára-quedistas de salvamento na selva, para seqüestrar líderes de oposição e praticar atentados terroristas no Rio. A culpa seria lançada sobre grupos da esquerda armada, fornecendo justificativa para os ultras darem a última volta no parafuso no regime. O plano foi abortado pela ação do capitão Sérgio Ribeiro Miranda de Carvalho, conhecido como “Sérgio Macaco”, que o denunciou aos seus superiores. O caso foi levado até o brigadeiro Eduardo Gomes, herói da Revolta dos 18 do Forte de Copacabana de 1922 e patrono da Aeronáutica, que apoiou o capitão Sérgio Macaco. O inquérito aberto na FAB foi arquivado e seu relator, o brigadeiro Itamar Rocha, exonerado do cargo de diretor-geral das Rotas Aéreas e preso por alguns dias. E o capitão Sérgio, expulso da Aeronáutica.

Enquanto isso, o movimento estudantil continuava em queda livre, mas cada vez mais radicalizado. Em agosto, os campi da Universidade Federal de Minas Gerais e da Universidade de Brasília foram invadidos pela polícia. Em 2 de outubro, a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, na época localizada na rua Maria Antônia, em frente à Universidade Mackenzie – reduto dos estudantes conservadores –, foi atacada pelo CCC. No tumulto, morreu um estudante. Em outubro, a polícia paulista descobriu que o 30º Congresso da UNE estava sendo realizado clandestinamente num sítio em Ibiúna, em São Paulo, e prendeu 920 estudantes, entre eles os líderes Vladimir Palmeira, Luís Travassos e José Dirceu.

FOLHA IMAGEM
DERROTA 920 estudantes presos no 30º Congresso da UNE

A radicalização também chegou às platéias dos festivais. “Na última semana de setembro, o III Festival Internacional da Canção transformou a intolerância em espetáculo e a exibiu para todo o País – ao vivo e ao som de vaias”, conta Zuenir Ventura. Na noite de 28 de setembro, no Teatro da Universidade Católica (Tuca), em São Paulo, dúzias de ovos, tomates e bolas de papel impediram que Caetano Veloso cantasse É proibido proibir. Fiel à estrofe que dizia “eu digo não ao não”, Caetano reagiu com um discurso irado, mas perfunctório: “Vocês não estão entendendo nada, nada, absolutamente nada (...) Mas que juventude é essa, que juventude é essa? Vocês são iguais sabe a quem? Àqueles que foram ao Roda viva e espancaram os atores. Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada! (...) Se vocês, se vocês em política forem como são em estética, estamos feitos!”

Mas não adiantou nada, absolutamente nada. Dias depois, quando o júri anunciou a vitória de Sabiá, um de seus autores, ninguém menos que Tom Jobim, apareceu no palco e foi sonoramente vaiado durante 23 minutos. A platéia do Maracanãzinho não se conformava com o fato de que sua preferida, Pra não dizer que não falei das flores, de Geraldo Vandré, ficasse em segundo lugar. Era uma guarânia, mas que tinha versos fortes que mexiam com o Zeitgeist (espírito da época) do público, falando em “soldados armados, amados ou não/quase todos perdidos de armas na mão/Nos quartéis lhes ensinam antigas lições/De morrer pela pátria e viver sem razões”. E arrematando com o refrão: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber/ Quem sabe faz a hora, não espera acontecer.” O secretário de Segurança Pública do Rio, general Luís França, proibiu a música sob a alegação de que ela serviria de slogan para a agitação das ruas. Vandré, que não compactuava com a intolerância do público, pagaria caro por “Caminhando”: depois do AI-5, foi preso, exilado e, quando voltou, em 1973, fez um mea-culpa que até hoje ninguém entendeu. Anos depois, Millôr Fernandes definiria Caminhando: “É o hino nacional perfeito; nasceu no meio da luta, foi crescendo de baixo para cima, cantado, cada vez mais espontânea e emocionalmente, pelo maior número de pessoas. É a nossa Marselhesa.”

A longa noite dos generais só terminaria em 1985, depois de um sinuoso processo de transição negociada – e não de ruptura, como queriam muitos dos protagonistas de 1968. Alguns deles, sobreviventes daqueles tempos sombrios, chegaram ao poder décadas depois, como o ex-deputado José Dirceu e o ministro Franklin Martins. Quarenta anos depois, pode-se dizer que o legado daquele ano que quis mudar tudo foi, principalmente, o singelo apreço por valores como a democracia e a defesa dos direitos humanos – valores esses que não estavam necessariamente inscritos no DNA das rebeliões daquele ano. Foi preciso que fizéssemos a dura travessia do deserto dos “anos de chumbo” para aprender a lição. Como lembra o jornalista Cid Benjamin, que era estudante de engenharia da UFRJ e um dos vice-presidentes da União Metropolitana de Estudantes (UME): “A maioria dos jovens daquela época não tinha na cabeça a defesa da democracia. A marca daquele tempo foi mesmo a rebeldia.” Para Benjamin, que participou da luta armada pelo MR-8, foi preso e banido em 1970, o consenso em torno da democracia se fortalece em sociedade onde houve ditadura. “É o tipo de coisa a que só damos importância quando perdemos.” Mesmo com suas imperfeições, como a corrupção e o tráfico de influência. “A democracia não é solução para tudo, tem os seus problemas. Mas a falta dela é pior que tudo isso”, conclui o jornalista. “Acho que existe uma ligação profunda entre 68 e o apreço que o brasileiro demonstra ter pela democracia, contra as tiranias”, diz Arthur José Poerner, autor de O poder jovem. “O espírito de 68 está presente em toda a nossa opção pela democracia hoje”, conclui.



1968
A pior noite
Pressionado pela linha dura, o presidente Costa e Silva baixa o AI-5 e enterra a democracia no Brasil

Por OCTÁVIO COSTA

MEDITAÇÃO Antes da decisão, música clássica e palavras cruzadas
Um olhar sobre o passado
Personagens de uma história que não terminou
Onde eles estavam
A atualidade de 1968
1968 40 anos depois

Começou pontualmente às 17 horas da sextafeira 13 de dezembro de 1968 a 43ª reunião do Conselho de Segurança Nacional, sob o comando do presidente da República, marechal Arthur da Costa e Silva. Quando terminou, depois de duas horas e meia, a democracia estava enterrada no Brasil. Foi parido ali, no Salão de Despachos do segundo andar do Palácio Laranjeiras, o Ato Institucional n° 5. Às 22h30, em cadeia de tevê, o ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, e o locutor Alberto Cury leram a introdução e os 12 artigos que compunham o AI-5 e também o Ato Complementar nº 38, que decretou o fechamento do Congresso por tempo indeterminado. Além de eliminar as garantias constitucionais da magistratura, o AI-5 trouxe em seu artigo 10 um dispositivo tenebroso: suspendeu a garantia de habeas-corpus "nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional" - mais tarde o prazo de incomunicabilidade dos presos foi ampliado para dez dias, o dobro do tempo que a coroa portuguesa permitia no caso da Inconfidência Mineira. Ao presidente da República, deuse o poder de cassar mandatos, suspender direitos políticos por dez anos, intervir nos Estados e municípios, demitir sumariamente funcionários públicos e militares e decretar o estado de sítio sem anuência do Congresso.

Registra a história contemporânea que o AI-5 foi a resposta virulenta dos militares à corajosa decisão da Câmara, no dia 12 de dezembro, de não dar licença para que o deputado Márcio Moreira Alves fosse processado perante o STF por grave ofensa às Forças Armadas. Assim que os militares de linha dura souberam da decisão parlamentar, dirigiram-se ao Palácio Laranjeiras para cobrar um revide enérgico do presidente da República. Ao ouvir a notícia no rádio do carro oficial, Costa e Silva desabafou ao chefe da Casa Militar, general Jayme Portella: "Eles vão ter resposta. Você é testemunha de que fiz tudo para que atendessem aos apelos para desagravar as Forças Armadas. Agora vão ver." Integrante da chamada linha dura, Portella gostou do que ouviu e determinou que se baixasse censura prévia nos órgãos de comunicação, proibindo comentários sobre a decisão da Câmara. Enquanto isso, Gama e Silva, o Gaminha, após tentar por todos os meios falar com o chefe, atendeu à recomendação de Portella e foi para o hotel dedicar-se ao rascunho do ato institucional. Mas, apesar de todas as pressões, o presidente recolheu-se aos seus aposentos e decidiu deixar a decisão para o dia seguinte. Ao ministro do Exército, Lira Tavares, ele disse: "Hoje, nada, Lira. Amanhã." Alheio às pressões dos colegas de farda, o presidente passou a noite ouvindo música clássica e fazendo palavras cruzadas. Dormiu mal e, logo ao acordar, ouviu do chefe do SNI, general Garrastazu Médici, o seguinte comentário: "O senhor não caiu durante a noite porque é o senhor. Outro no seu lugar teria caído."

CARTA MARCADA O fechamento do Congresso era planejado havia meses

O marechal Costa e Silva sabia muito bem o que tinha de fazer para continuar na Presidência. Desde a marcha dos 100 Mil contra a ditadura, no fim de junho, os militares da linha dura cobravam uma ação enérgica. Gaminha não escondia que seu sonho era o fechamento do Congresso. Finalmente, era chegada a hora. Numa reunião preliminar, às 13 horas, o presidente comunicou suas decisões aos chefes militares, "em caráter sigiloso". Às 16 horas, foi examinado por seu médico e uma hora depois deu início à reunião do CSN. Com o presidente na cabeceira, sentaram-se à mesa 24 autoridades. Costa e Silva fez um pequeno discurso introdutório e retirou-se da sala por 15 minutos para que os conselheiros lessem a íntegra do AI-5. Quando voltou, deu a palavra ao vice-presidente da República, Pedro Aleixo, político liberal da UDN mineira. Aleixo defendeu um remédio constitucional - o estado de sítio - e atacou o conteúdo autoritário do AI-5. "Estaremos instituindo um processo equivalente a uma própria ditadura", advertiu. Mas ficou por aí. "Em nenhum momento ele disse diretamente que condenava a promulgação do Ato", afirma o jornalista Elio Gaspari, no livro A ditadura envergonhada, primeiro dos quatro volumes que escreveu sobre o regime militar. Todos os outros presentes deram apoio ostensivo à medida de força. O jovem e ambicioso ministro da Fazenda, Antônio Delfim Netto, achou pouco e pediu mais poderes para legislar sobre matéria econômica e tributária: "Estou plenamente de acordo com a proposição que está sendo analisada no Conselho. E se Vossa Excelência me permitisse, direi mesmo que creio que ela não é suficiente." Porém, a frase que entrou para os anais como exemplo de oportunismo e vassalagem foi da lavra do ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, coronel da reserva que surgira na política do Pará em 1964: "Às favas, senhor presidente, neste momento, todos os escrúpulos de consciência."

Sem escrúpulos em relação à ditadura, o AI-5 foi aprovado por unanimidade, à exceção de Pedro Aleixo. "Quando as portas da sala se abriram, era noite. Duraria dez anos e dezoito dias", resumiu Gaspari, ao narrar a malfadada reunião. Tanto ele quanto Zuenir Ventura, autor de 1968, o ano que não terminou, com base nos depoimentos que colheram, concluíram que o episódio que envolveu Márcio Moreira Alves foi mero pretexto para a linha dura. "O discurso do Marcito não teve importância nenhuma. O que se preparava era uma ditadura mesmo. Tudo era feito para levar àquilo", afirmou Delfim Netto a Gaspari, em meados dos anos 80. Marcito pediu a palavra no pinga-fogo da Câmara, no dia 2 de setembro, para criticar a invasão da Universidade de Brasília por PMs e agentes do Dops em 29 de agosto. Ele acabara de assistir em São Paulo à peça Lisístrata, do grego Aristófanes, na qual a personagem principal incita as mulheres de Atenas a não se deitarem com seus maridos enquanto eles não pusessem fim à guerra contra Esparta. Inspirado no texto clássico, o deputado sugeriu uma greve feminina contra os militares durante as comemorações da Semana da Pátria. E perguntou: "Até quando o Exército vai ser valhacouto de torturadores?" No dia seguinte, só a Folha de S.Paulo publicou um pequeno registro num pé de página. A linha dura, entretanto, não perdeu tempo. Em poucas horas, foram distribuídas nos quartéis dezenas de cópias do texto. Nas palavras de Heráclito Sales, assessor de imprensa de Costa e Silva: "Foi como uma chuva sobre o Palácio. Uma chuva torrencial de telegramas de todas as guarnições militares, exigindo punição para o autor do discurso. Uma coisa organizada."



1968
A pior noite
Pressionado pela linha dura, o presidente Costa e Silva baixa o AI-5 e enterra a democracia no Brasil

Por OCTÁVIO COSTA

IDENTIFICAÇÂO Como ministro, Costa e Silva já se aliava à linha dura

Poucos dias depois, o ministro do Exército, Lira Tavares, enviou ofício ao presidente Costa e Silva, dizendose "confiante nas providências que Vossa Excelência julga devam ser adotadas". Lira Tavares não chegou a pedir que Márcio Moreira Alves fosse processado. O processo saiu da cabeça do general Jayme Portella, que não cessou de alimentar a crise e de fomentar a indignação da tropa. Emparedado pelos ministros militares, Costa e Silva mandou que Gama e Silva estudasse uma fórmula jurídica para punir o parlamentar. Gaminha não pensou duas vezes: cabia ao governo pedir à Câmara licença para processar o deputado. Mas a Câmara sempre negara licença nas tentativas de processo por opinião e votos no exercício do mandato parlamentar. O Palácio, porém, não deu ouvidos ao presidente do partido governista, senador Daniel Krieger, que sugeriu a suspensão do colega. Gaminha se mexeu para assegurar a vitória na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. O governo substituiu nove membros da CCJ para garantir a aprovação, mas teve de engolir a renúncia do presidente da Comissão, deputado Djalma Marinho. Citando o dramaturgo espanhol Calderón de la Barca, Marinho disse uma frase que se transformou em palavra de ordem na Câmara: "Ao rei, tudo, menos a honra." No dia 12 de setembro de 1968, na votação do plenário, o governo perdeu feio. Foram 216 votos contra, 141 a favor e 12 em branco.

A truculenta resposta da ditadura militar veio no dia seguinte. Com o fim das garantias constitucionais, a linha dura ganhou, enfim, liberdade e autonomia para investir contra todos os que ainda acreditavam na volta da democracia. A razia começou na noite da sexta-feira 13. Censores ocuparam as redações dos principais jornais, as rádios e as emissoras de tevê. Vários políticos e intelectuais foram presos, entre eles, o ex-presidente Juscelino Kubitschek, os escritores Antônio Callado e Carlos Heitor Cony, o poeta Ferreira Gullar, o editor Enio Silveira, o advogado Heleno Fragoso. Em São Paulo, os cantores Caetano Veloso e Gilberto Gil. Transferidos para o quartel da PE, no Rio, Caetano teve os cabelos raspados a zero. Carlos Lacerda chegou à cela na manhã do dia seguinte e, ao ser recebido com frieza pelo compositor comunista histórico Mário Lago, estendeu a mão: "Ô, Mário, preso fala um com o outro, não é?" Foram inúmeras as histórias de solidariedade e bravura nos primeiros dias do AI-5. Mas uma delas, contada por Zuenir, merece ser repetida. Em Goiânia, no sábado 14, às 19h30, o grande advogado Sobral Pinto aguardava, num quarto de hotel, a solenidade de formatura da qual seria paraninfo. Estava de chinelos, em manga de camisa e calça de pijama. O quarto foi invadido por um major e seis soldados. O major trombeteou: "Trago uma ordem do presidente Costa e Silva para o senhor me acompanhar." Destemido como sempre, Sobral retrucou: "Meu amigo, o marechal Costa e Silva pode dar ordens ao senhor. Ele é marechal, o senhor major. Mas eu sou paisano, sou civil. O presidente da República não manda no cidadão. Se esta é a ordem, então o senhor pode se retirar porque eu não vou." O militar, surpreso, gritou: "O senhor está preso!" Sobral respondeu: "Preso coisa nenhuma." Foi agarrado e arrastado pelo salão do hotel. Sobral tinha, então, 75 anos de idade.

O arrastão da linha dura também fez muitas baixas no meio acadêmico. O governo expulsou das universidades 66 professores, entre eles Caio Prado Júnior, Fernando Henrique Cardoso, o sociólogo Florestan Fernandes, a historiadora Maria Yedda Linhares, o físico Jayme Tiomno e o médico Luiz Hildebrando Pereira da Silva, que deixara uma posição no Instituto Pasteur, em Paris, pela Faculdade de Medicina da USP, em Ribeirão Preto. No Rio, não escaparam nem mesmo os catedráticos da Escola Nacional de Belas Artes Quirino Campofiorito e Mário Barata. Por força do AI-5, foram cassados os mandatos e suspensos os direitos políticos do deputado Márcio Moreira Alves e de vários outros parlamentares. Em janeiro de 1969, o balanço de políticos cassados era o seguinte: dois senadores, 28 deputados federais, 38 deputados estaduais e um vereador. Dois meses depois, mais 30 parlamentares vieram se juntar à lista de cassados e mais 100 pessoas tiveram os direitos políticos suspensos por dez anos.

A longa noite do AI-5 estava apenas começando. Os jovens envolvidos no movimento estudantil não enxergaram mais saída para o País, a não ser a luta armada. Enquanto o Partido Comunista Brasileiro liderava as passeatas estudantis com o bordão "Só o povo organizado derruba a ditadura", os militantes das organizações à esquerda do partidão bradavam: "Só o povo armado derruba a ditadura." Foram à luta revolucionária. Criticavam o pacifismo e a excessiva moderação do PCB e consideravam-se a vanguarda das forças populares. De certa maneira, fizeram lembrar os heróis criados pelo escritor Victor Hugo, no clássico Os miseráveis. Cercados pelo Exército francês nas rústicas barricadas de rua contra a monarquia, são informados que o povo não vai aderir. Resposta dos rebeldes de Paris: "Se o povo abandonou os republicanos, os republicanos não abandonam o povo." Abandonados pelo povo e pela classe média, os jovens de 1968 tornaram-se presa fácil. Assim que foi baixado o AI-5, "a tigrada", segundo termo cunhado por Delfim Netto, saiu a campo para destruir as organizações de esquerda. Gaspari estima que, no início de 1968, havia cerca de 800 militantes envolvidos com ações armadas. Fontes militares contam o dobro. Pelo levantamento da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Justiça, mais de 250 desses militantes foram barbaramente torturados e assassinados pelos órgãos da repressão de 1969 a 1975. Eles não viram o AI-5 ser extinto em 31 de dezembro de 1978, mas não morreram em vão. Disse o psicanalista Helio Pellegrino, um pouco antes de morrer: "Nós aprendemos com a loucura, a generosidade e o sangue deles."

1968
A atualidade de 1968
O jornalista Zuenir Ventura, autor de 1968 - o ano que não terminou, continua obcecado com um mundo que se rebelou em plena guerra fria

Por AZIZ FILHO

ALEXANDRE SANT’ANNA/AG. ISTOÉ
SINTONIA Para Zuenir, ninguém explica o vento de liberdade que soprou ao mesmo tempo na França, no Brasil, nos EUA e na Tchecoslováquia
Um olhar sobre o passado
A pior noite
Personagens de uma história que não terminou
Onde eles estavam
1968 40 anos depois

Vinte anos depois de lançar 1968 – o ano que não terminou, Zuenir Ventura, 76 anos, dá os últimos retoques em 1968 – terminou ou não terminou?. Em busca da resposta, o jornalista entrevistou personagens da história inaugurada pela rebeldia mundial. O que mais intriga Zuenir é a coincidência, naquela época, de atos e atitudes em um mundo sem internet, compartimentado pelos muros da guerra fria. “Ao mesmo tempo os jovens cantavam a mesma música, deixavam o cabelo crescer e mudavam o comportamento sexual”, recorda o escritor.

ISTOÉ – Terminou ou não terminou?
Zuenir Ventura –
Não cheguei a uma conclusão, mas 1968 provoca tanta polêmica e divergência que parece estar vivo. Não é visto como efeméride. Muita gente que participou daquilo tudo foi para o poder, como José Dirceu, José Serra, José Genoino, só para ficar na política. Fernando Henrique e Lula reivindicam ter levado para o governo mais pessoas de 68.

ISTOÉ – Como seria o Brasil hoje se a repressão não tivesse vencido em 68?
Zuenir –
Seria difícil outro desfecho porque a linha dura já tinha vencido a disputa interna e o AI-5 só coroou a vitória. Tudo foi pretexto para endurecer. Mas eu diria que, se a juventude tivesse vencido, não seria uma catástrofe. Muitas das melhores cabeças do Brasil passaram os melhores anos de sua vida no exílio. Esse pessoal perdeu na política, mas ganhou no comportamento, como as mulheres, os gays, os ambientalistas, as minorias, a juventude. Tudo isso germinou ou ganhou importância ali. Se hoje há minissaia e homens com brinco é porque a destruição dos tabus começou em 68 e ainda dura. A liberdade sexual sobreviveu até à Aids. Não se valoriza mais a virgindade como tabu.

ISTOÉ – A direita acabou vencendo?
Zuenir –
Há uma tendência mundial à direitização, com exceção da América Latina. O Nicolas Sarkozy (presidente da França) diz que quer acabar com 1968. Nos anos 60 se dizia que o mundo caminhava para o socialismo, mas a tendência atual é para a direita ou centro. Não é à toa que Lula faz isso. Ele não tem nada de bobo. O Brasil é conservador, conciliador, sempre temeu ruptura.

ISTOÉ – Por isso a geração 68 não venceu?
Zuenir –
O momento mais bonito de 68, e também o canto do cisne, que marca o início do descenso, foi a Passeata dos 100 Mil. A classe média aderiu, mas, a partir daí, muitos líderes começam a radicalizar. Era o que os militares queriam. Na passeata, um grupo gritava que “só o povo organizado derruba a ditadura” e outro, “só o povo armado derruba a ditadura”. O momento mais insano foi o Congresso de Ibiúna, com 920 pessoas presas. Foi um gesto de insensatez absoluta, que acabou no confronto.

ISTOÉ – Qual foi o maior dos legados culturais?
Zuenir –
Aquela geração continua atuante e influente. Chico, Caetano, Bethânia, Milton, Gil. É uma geração matriz, com prestígio. A tropicália é nosso último movimento cultural importante, enquanto pessoas na mesma direção, com mesmas idéias, padrões, valores estéticos. Não tivemos mais nada parecido. O principal da tropicália foi acabar com o populismo, o engajamento cultural com viés demagógico, falando em nome da nacionalidade, dos valores pátrios. Rompe com a visão do povo ingênuo que precisa de ajuda. A peça mais tropicalista foi Roda viva, que o Zé Celso Martinez Correa transformou em teatro de agressão. Ele espremia um fígado e espirrava sangue na platéia, achava que deveria agredir o público, não agradá-lo. O tropicalismo deu liberdade à cultura.

ISTOÉ – Paris e Praga influenciaram o 1968 brasileiro?
Zuenir –
Em março, eu trabalhava na revista Visão, que era perto do Calabouço. Quando ouvimos o tiro que matou Edson Luiz, descemos e acompanhamos a multidão com o corpo até a Cinelândia. Em maio, eu estava em Paris, quando estourou a coisa lá. Estavam o Zé Celso, o Leon Hirszman, o Fernando Henrique. Quando fui preso no Brasil, em dezembro, o interrogatório foi um diálogo de malucos. O coronel dizia: “É muita coincidência, senhor Zuenir.” E eu: “É coincidência mesmo, coronel.” Ele: “Mas é muita, né?” E eu: “É, muita.” Fiquei três meses preso. Eles não percebiam que, aqui, aconteceu antes. Não havia essa influência direta, as coisas demoravam a chegar. Ninguém sabia quem era Marcuse ou Daniel Cohn-Bendit. Apesar da paranóia da guerra fria, houve um vento de liberdade e renascimento na França, Tchecoslováquia, Polônia, Japão e até nos Estados Unidos, uma sintonia planetária que não se consegue explicar.

ISTOÉ – O que pode tê-la provocado?
Zuenir –
O americano Mark Kurlansky diz que nunca houve um ano como 1968 e é improvável que volte a haver. Foi uma contestação anárquica a tudo do passado – autoritarismo, família, política convencional, hierarquia, escola, tudo. Ao mesmo tempo os jovens cantavam a mesma música, deixavam o cabelo crescer e mudavam o comportamento sexual. A mulher foi se liberando em vários países, com sistemas distintos. A Primavera de Praga foi contra a União Soviética. Só os militares viam o mundo dividido em dois. Se você não era de um lado, era de outro.

ISTOÉ – Por que a luta pela igualdade social não mobiliza mais os jovens?
Zuenir –
É a grande questão de hoje. Acho que a decepção política levou esses jovens a uma descrença de tudo. São mais sensíveis à causa ecológica porque a social se mistura com a política e o jovem não quer saber de política. Em 68, até o sexo era um gesto político. Você jamais transaria com uma mulher reacionária. Tudo, inclusive a cultura, passava pela política. Outro problema é o individualismo, a preocupação muito mais consigo mesmo do que com o coletivo. Seria melhor uma geração furiosa do que apática. Essa anestesia é a pior coisa.

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