sábado, 24 de maio de 2008

Conversa Afiada sobre cotas raciais

Abaixo entrevista de Paulo Henrique Amorim (um dos jornalistas da resistência) a respeito das Cotas raciais. Uma bela entrevista com o senhor José Carlos Miranda, contra as cotas (o boneco preto da Dra. Yvonne Maggie, aquela antropóloga que disse que o sistema escravista brasileiro não era racista, ah bom...) e o ministro da Igualdade Racial Edson Santos, a favor das cotas.
Leia abaixo as entrevistas e no fim um link para caso Você queira ver as entrevistas para o canal Record News. Interessante perceber como Paulo Henrique Amorim mostra as contradições da fala de José Carlos Miranda, sejamos francos ele destrói o tal José Carlos Miranda.

Só um Pitaco: é interessante a existência de um movimento negro socialista. Ser socialista em princípio independe de sua cor, etnia, gênero, opção sexual e etc. Ser socialista, como Eu sou independeria dessas identidades, trata-se de uma visão de mundo, o que obviamente nõ deixa de abarcar todas as identidades acima. Digo tudo isso para perguntar para que um movimento negro socialista? Ou seja, para que o adjetivo negro a identidade socialista se eu defendo uma posição baseada apenas no economicismo (como é o caso desse movimento), ou seja em um marxismo vulgar? Traduzindo esse movimento negro socialista é esquizofrênico. O seu presidente diz que raça não existe e que a idéia de raça é apenas um discurso dos racistas. Muito bem, se assim o é e se todos somos humanos independente de sua tonalidade de pele, porque esse movimento se adjetiva de negro para além de ser socialista?

21/05 - 14h50

COTAS PARA NEGROS NAS UNIVERSIDADES FEDERAIS: O A FAVOR E O CONTRA

O programa Entrevista Record, da Record News, desta terça-feira, dia 20, discutiu a criação de cotas para negros nas universidades públicas. Paulo Henrique Amorim entrevistou o coordenador nacional do Movimento Negro Socialista, José Carlos Miranda, que é contra o regime de cotas e o Ministro da Igualdade Racial Edson Santos, que é a favor das cotas.

Clique aqui para ver o vídeo da entrevista com José Carlos Miranda.

Clique aqui para ver o vídeo da entrevista com o Ministro Edson Santos.


Leia a íntegra da entrevista com José Carlos Miranda:

Paulo Henrique Amorim – Senhor Miranda, o pobre no Brasil é pobre porque é negro ou é pobre independente de ser negro?

José Carlos Miranda – Eu recordaria um belo poema do Ministro Gilberto Gil com o Caetano Veloso, que assina a nossa carta “113 cidadãos”...

Paulo Henrique Amorim – O Caetano é contra as cotas?

José Carlos Miranda – Sim.

Paulo Henrique Amorim – E o Gilberto Gil?

José Carlos Miranda – Ainda não falou sobre o assunto. Eu ainda não sei a posição dele. Mas é um belo poema, que é a música Haiti.

Paulo Henrique Amorim – Haiti. “O Haiti é aqui”.

José Carlos Miranda – “O Haiti é aqui”, que numa estrofe ela fala que o branco de tão pobre é negro. Ou seja, a pobreza e a cor do Brasil estão misturadas, como está misturado o povo Brasileiro. E para isso nós temos que levar em conta a herança da escravidão e a própria herança de como se formou o país Brasil. Os estados mais pobres do Brasil são os estados do Norte e Nordeste. E a coincidência ou a constatação é que esses mesmos estados são os estados que têm mais pessoas que se declaram pretas ou pardas, ou seja, negras. Então, você tem uma coincidência, que é verdade, dessa herança...

Paulo Henrique Amorim – Mas, senhor Miranda, é só uma coincidência?

José Carlos Miranda – Não. É uma constatação. É uma coincidência, mas é uma constatação. Ou seja, o problema principal, e se a gente observar, por exemplo, no último período, nos últimos anos, segundo o Pnad, do 1% mais rico do Brasil, os negros, ou seja, os pretos e pardos, aumentaram de 9,58% para 17,56%, se não me engano, eu só erraria nos decimais. Ou seja, quase se dobrou. O que mostra isso? E ao mesmo tempo, se nós observarmos nos setores de concentração de renda, de concentração operária, como São Bernardo, a Grande São Paulo, a periferia de São Paulo, a distância de salários entre os pretos e pardos, ou seja, os negros e os brancos é muito menor do que o constatado em outros lugares.

Paulo Henrique Amorim – O que significa isso?

José Carlos Miranda – Isso significa que nós temos um problema principal, que é o verdadeiro abismo que existe entre as classes sociais no Brasil, ou seja, a distância entre os mais ricos, a concentração de renda e a distribuição de renda no Brasil é uma das mais desiguais e piores do mundo.

Paulo Henrique Amorim – Então a sua explicação é aquela que está na posição dos que são contra as cotas, nesse manifesto enviado ao Supremo Tribunal Federal, que diz que o problema é um problema social, não é um problema racial e que as cotas vão beneficiar os estudantes negros de classe média. É isso?

José Carlos Miranda – Tem uma outra observação importante: as universidades no Brasil – e a discussão principal que o nosso documento faz...

Paulo Henrique Amorim – Você é um dos signatários desse documento?

José Carlos Miranda – Eu sou um dos redatores. A discussão principal que o nosso documento faz é que cotas é a ponta do iceberg do problema da racialização. Porque, finalmente, 2% do povo brasileiro que tem acesso e está na universidade. Portanto, é uma parcela ínfima da população. Mas o Estatuto da Igualdade Racial, e começando-se pelas cotas, você determinar leis que privilegiam grupos sociais de acordo com a raça podem levar em um breve período de tempo a uma visão, a uma racialização, da sociedade muito parecido com o que aconteceu nos Estados Unidos. Aliás, é o modelo por excelência, onde se copia o modelo de cotas das chamadas Ações Afirmativas...

Paulo Henrique Amorim – As Ações Afirmativas nos Estados Unidos são muito fortes. Aliás, se deve observar, senhor Miranda, que, beneficiados por Ações Afirmativas, tivemos agora um secretário de Estado Colin Powell e na Suprema Corte Americana um negro, que é também beneficiado por Ações Afirmativas...

José Carlos Miranda – Sim, Condolezza Rice. E ao mesmo tempo nós pudemos observar as vítimas do furação Katrina...

Paulo Henrique Amorim – Que são, na maioria, negros.

José Carlos Miranda – São negros.

Paulo Henrique Amorim – Deixa eu só ler um trecho do manifesto a favor das cotas.

José Carlos Miranda – Sim, pois não.

Paulo Henrique Amorim – É um manifesto que diz o seguinte, eu já até falei disso: quando você observa a questão do rendimento, a questão da moradia, a questão do acesso à saúde, a questão do acesso à educação, tudo isso indica que os negros, ou seja, pretos e pardos, são mais prejudicados do que os brancos, mesmo entre pobres. Quer dizer, mesmo entre pobres, ser negro e pardo é pior ainda. O senhor concorda com essa afirmação? Essa afirmação é do manifesto do estatuto a favor da lei de cotas.

José Carlos Miranda – Sim, eu concordo.

Paulo Henrique Amorim – Concorda? Então, por que não as cotas?

José Carlos Miranda – Nós constituímos o Movimento Negro Socialista inclusive porque tinha que combater o racismo... Nós lutamos por uma sociedade que seja mais justa e igualitária, portanto tem a ver com as relações de renda e classe social. E existe o racismo. Mas o racismo é fruto da própria sociedade, Paulo, da própria sociedade desigual e extremamente desigual quando se trata de renda e de concentração de renda e de distribuição de renda. Onde nós chegamos, então? Nós chegamos que o grande problema do acesso da universidade está nas escolas arruinadas e devastadas das periferias do ensino básico e fundamental. Porque a gente visita uma escola de ensino básico e fundamental do Brasil e nós vemos que todas as cores estão ali. Mesmo que exista o racismo, e nós temos que combate-lo, mas todas as cores estão ali. Se você começar a ensinar para essa criança ou para esse adolescente que o inimigo dele está ali do lado dele, de pele mais clara... porque as cotas mantêm o vestibular e o vestibular mantém as desigualdades prévias, anteriores.

Paulo Henrique Amorim – Por isso que os defensores das cotas defendem as cotas.

José Carlos Miranda – Pois é. O que sobra dessa discussão, se nós formos ver, é que nós, no caso, vamos muito a fundo e muito à radicalidade. Tem que se investir nas escolas de ensino básico e fundamental, porque as escolas públicas boas existem. No último Enem, uma de cada dez escolas de graduação alta era pública, uma em cada dez. O problema é: onde elas estão? Nos bairros de classes com renda mais alta, onde a periferia acaba não tendo acesso. E o dado mais importante é que os pobres não entram na universidade. Somente 3%...

Paulo Henrique Amorim – Sim, senhor Miranda, mas aí o senhor está levando água para o moinho das cotas.

José Carlos Miranda – Não. É que somente 3% dos pobres entram na universidade, ou seja, aqueles que ganham abaixo de 3 salários mínimos. Ou seja, nós não nos opomos às cotas sociais, que levem em conta ser oriundo da escola pública e com baixa renda.

Paulo Henrique Amorim – O senhor, então, não está interessado em ter acesso na universidade quanto está interessado em melhorar a qualidade da escola de base pública, lá em baixo, para dar acesso a todos?

José Carlos Miranda – Claro, porque se isso acontece, com certeza as escolas públicas vão ter todas as cores e os negros vão ter acesso, porque são inclusive, segundo o Pnad, a maioria do país e a maioria dos pobres. Portanto, o recorde nesse caso não deve ser a pertinência a uma raça humana, que é a crença de fé do racismo. A criação de raça, a gente conhece pela história, foi criação pseudo-científica dos racistas, daqueles que achavam que existiam seres humanos que, por causa da cor da sua pele, eram inferiores a outros.

Paulo Henrique Amorim – Uma última pergunta, senhor Miranda, o senhor acha que se for aprovado esse regime de cotas, e ele já existe em algumas universidades brasileiras. Se não me engano, nos últimos quatro anos, diz o manifesto a favor das cotas, nos últimos quatro anos mais de 30 universidades e instituições de ensino superior públicas, entre federais e estaduais, já implementaram cotas para estudantes negros, indígenas e alunos da rede pública no vestibulares, sem falar no ProUni, esse programa que dá bolsas a estudantes negros, pobres em universidades privadas. O senhor acredita que se esse programa se universalizar nas universidades públicas, isso vai provocar mais racismo numa sociedade que já é racista?

José Carlos Miranda – Veja, eu não diria... eu seria preciso, Paulo. Eu não diria que o Brasil ou a sociedade é racista, porque não existe segregação, mas existe o racismo. É diferente. No Brasil não existe uma lei, não existe um bairro negro ou não existe uma lei onde o negro tem que entrar por um lugar ou entrar por outro, diferente das outras pessoas, como aconteceu no Apartheid na África do Sul ou as leis de Jim Crown nos Estados Unidos, mas existe o racismo.

Paulo Henrique Amorim – Existe o racismo?

José Carlos Miranda – Existe o racismo.

Paulo Henrique Amorim – A PL 73/99 quer estabelecer cotas nas universidades federais para estudantes negros provenientes de escolas públicas. Isso vai provocar mais racismo na sociedade brasileira?

José Carlos Miranda – Isso vai aprofundar o racismo.

Paulo Henrique Amorim – Por que?

José Carlos Miranda – Porque, como eu tinha dito, ali na escola da periferia, na escola pública de ensino básico e fundamental, você vai alimentar para um jovem, um adolescente que tem a pele mais clara que aquele que tem as mesmas condições sócio-econômicas que ele e que tem a pele mais escura, que ele vai ter um privilégio em detrimento a ele. E os dois na mesma condição sócio-econômica. Então isso, com o tempo, e se repetindo e sendo retro-alimentado, vai levar esses grupos sociais a se opor. Mesmo grupos sociais que têm as mesmas condições sócio-econômicas, que moram na mesma comunidade.

Paulo Henrique Amorim – Mas e se eu introduzir o argumento também usado nesse manifesto em favor das cotas de que onde já há aplicação de cotas e no ProUni os alunos de origem negra têm ótimas notas?

José Carlos Miranda – Não, mas uma coisa não se opõe a outra. Não significa, porque...

Paulo Henrique Amorim – Não, não. Por que eu usei esse argumento? Porque o aluno branco vai ficar com raiva do negro. Se o branco for um bom aluno e não entrar e o negro for um mal aluno e entrar. Não é isso?

José Carlos Miranda – Sim.

Paulo Henrique Amorim – Acontece que as estatísticas mostram que os negros beneficiados pelo ProUni ou por esses programas de integração através de cotas são bons alunos. Daí o que o branco vai dizer, mas ele é bom aluno.

José Carlos Miranda – Tem uma armadilha, na verdade. Porque, na verdade, é o seguinte: os pobres, que é a quem se propõe a atender... primeiro, eles não entram na universidade. Por que?

Paulo Henrique Amorim – Mas estão entrando cada vez mais.

José Carlos Miranda – Então entrando, mas mesmo esses programas, por exemplo, o ProUni, que a pessoa tem que... porque fora você entrar na universidade você tem que pegar ônibus, tem que comprar os livros...

Paulo Henrique Amorim – Mas no ProUni você só entra com o vestibular, você tem que se submeter às regras do jogo a que todos se submetem. A única diferença é que o estudante negro não paga ou tem bolsa.

José Carlos Miranda – Mas o ProUni, ele não foi preenchido todas as vagas. Não foi preenchido, isso é um dado. Ou seja, ele ainda... e muitos dos que entraram pelo ProUni... mas nós não somos contra o ProUni, em sim. O que nós destacamos é a racialização do ProUni. Quer dizer, dar bolsa nós não somos contra. Qual é a armadilha que tem no manifesto em defesa das cotas raciais? O sofismo é o seguinte: se a maioria que entra na universidade pública, a esmagadora maioria não é pobre, quem entra então? Entram, dentre os negros os mais ricos, dentre os ricos os que mais estudaram, porque o funil continuou, porque a luta pelo vestibular continua.

Paulo Henrique Amorim – É o argumento dos que são contra as cotas. Eu vou lhe pedir um último comentário sobre essa reportagem publicada no jornal Folha de S. Paulo, agora no último domingo, dia 18 de maio, “Após cotas, números de negros na Universidade de Brasília é cinco vezes maior. A Universidade de Brasília é a primeira entre as universidades federais a adotar o sistema e forma sua primeira turma de cotistas. Alunos relatam a existência de preconceito e negam ter entrado com menor preparo. Estudos mostram desempenho na média”. Na média, igual aos outros.

José Carlos Miranda – Claro, tranqüilo. Ou seja, os cotistas não são mal preparados, eles não são os excluídos, foi isso que eu disse.

Paulo Henrique Amorim – Ah, entendi.

José Carlos Miranda – Eles entram mas eles não são os mais...

Paulo Henrique Amorim – Ou seja, essa lei vai criar uma nova elite, a elite dos negros prósperos?

José Carlos Miranda – Ou seja, qual é a questão? Que maravilha, que se crie a elite. Mas, e o resto. E por fim, uma coisa importante, Paulo, o que é a questão fundamental dessa discussão? É que você começa a concertar a casa pelo teto, pelos 2% e você não vai à base, ao alicerce, que inclusive prepara o cidadão para tudo na vida, o ensino básico fundamental. Por isso nos opomos às cotas raciais.

Leia a íntegra da entrevista com o Ministro Edson Santos:

Paulo Henrique Amorim – Ministro, eu fiz o primeiro bloco fazendo a seguinte pergunta ao senhor José Carlos Miranda, que é coordenador nacional do Movimento Negro Socialista: aqui no Brasil uma pessoa é pobre porque é negra ou é pobre porque é pobre, independente de ser negra? O problema é racial ou social, ministro?

Edson Santos – Olha, a herança do processo de abolição renegou aos escravos uma situação de não ter acesso a terra, o Brasil era um país eminentemente agrário, isso fez com que a população negra ficasse à margem do processo produtivo no país e também não propiciou o acesso à educação. Eu diria que existem os dois fenômenos. A questão social, da pobreza da população. E grande parte da população negra se encontra nessa situação. Nós estamos situados na base da pirâmide social em nosso país. Por isso, é fundamental termos políticas, inclusivas, que atinjam o conjunto da população e, ao mesmo tempo, termos uma política de discriminação positiva voltada para o atendimento da população negra em nosso país.

Paulo Henrique Amorim – Ou seja, na sua opinião, o negro é pobre também porque é negro. Além de ser pobre.

Edson Santos – Ele é pobre porque ele é descendente dos escravos no país, que não foram tratados de uma forma adequada pelo Estado brasileiro após o período da abolição da escravidão. Eu estive recentemente, Paulo Henrique, no Japão, participando dos festejos do centenário da imigração japonesa ao Brasil. E, evidentemente, essa imigração asiática e também européia veio para cá com incentivo de terra para se fixar, se sustentar a si e a sua família. Fato que não ocorreu com a população negra com o advento da abolição da escravidão. E isso explica o processo histórico de exclusão da população negra após o advento da abolição da escravidão. Eu acho que já passa do período do Estado brasileiro resgatar essa dívida que existe para com os negros do nosso país.

Paulo Henrique Amorim – Um dos argumentos daqueles que assinaram o manifesto contra as cotas é de que, na verdade, a cota criará uma elite negra no Brasil. Ela não vai resolver o problema dos pobres negros, mas sim o problema de alguns negros que são já de classe média e que poderão chegar à universidade. O senhor está criando uma elite negra no Brasil com as cotas?

Edson Santos – Olha, pode ter elite branca, não pode ter elite negra? Eu não entendo essa linha de raciocínio. Eu acho que o Estado tem que prover o cidadão para que ele possa desenvolver as suas aptidões em toda a sua potencialidade. Se nós tivermos um jovem negro, pobre, que através da política de cotas chegue à universidade e com isso possa ascender socialmente, qual o problema nisso? O problema, a questão hoje é que a pirâmide social, se fomos tirar um retrato na nossa pirâmide social, a gente vai verificar que a base dessa pirâmide é escura. E na medida em que nós vamos subindo a pirâmide ela vai se tornando branca até o seu topo. O que nós estamos propondo é a possibilidade de ascensão social para o segmento negro que, segundo previsões até do Ipea, a população negra e parda desse país vai ultrapassar no próximo censo a população branca.

Paulo Henrique Amorim – Ministro, eu vou citar agora o trecho de uma entrevista da antropóloga Yvonne Maggie, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Estado onde o senhor nasceu e eu também, com muita honra, em que ela diz assim: Estamos diante de dois projetos de nação. Um diz que não podemos correr o risco de fazer da política de cotas um bumerangue conta esses mesmos cidadãos que nós queremos proteger. Há uma disputa muito clara – são esses dois projeto a que ela se refere – entre aqueles que pretendem uma sociedade multirracial, dividida, segregada, ou seja, os que querem as cotas, e aqueles que não querem as cotas, que lutam por princípios universais que beneficiam todos. As ações afirmativas, como as cotas, só dividem. O senhor concorda em que as ações afirmativas como essa das cotas para alunos negros, provenientes de escolas públicas, possam dividir a sociedade brasileira e ela se tornar ainda mais racista?

Edson Santos – Olha, eu discordo dessa afirmação. Eu acho que existem, sim, dois projetos no país. Um que visa incluir um contingente expressivo da população brasileira no processo produtivo e que há de haver um tratamento especial para os descendentes dos escravos em nosso país. E esse projeto é exatamente aquele que entende o caráter positivo da adoção de cotas. E o outro projeto que pretende conservar o país do modo como se coloca. Porque, na verdade, a questão da multiracialidade, de o Brasil ser um país pluriétnico, ninguém nega isso. Agora, a questão está na possibilidade de ascensão daqueles que foram excluídos dos benefícios provenientes do Estado para a sua progressão.

Paulo Henrique Amorim – Gostaria de mencionar também que tanto a professora Ivone Maggie quanto o professor Miranda, que nós acabamos de ouvir, eles acham que é fundamental em vez de investir no acesso do negro à universidade, melhorar a qualidade da escola primária, da escola básica. O que o senhor acha disso?

Edson Santos – Acho as duas coisas. Nós temos que melhorar a qualidade do ensino no Brasil. Eu acho que um dos grandes desafios do país nesse início do século é resolver o problema da educação. Então, investimento em educação básica é fundamental. Agora, há que se reconhecer que o Estado tem como um dos seus princípios básicos ser um instrumento de redução de desigualdade. E para reduzir desigualdade você tem que tratar os desiguais de forma desigual: tem que dar mais para quem tem menos. E tendo em vista esse princípio é que eu considero adequado sim haver uma política de discriminação positiva visando favorecer a população negra.

Paulo Henrique Amorim – O Miranda levantou um problema que talvez o senhor pudesse esclarecer. Ele disse que o Caetano Veloso é contra as cotas e não sabia se o Ministro Gil –que é , como o Caetano Veloso autor daquela famosíssima, magnífica canção “O Haiti é aqui” – a favor ou contra as cotas. O Ministro Gilberto Gil assinou o manifesto a favor?

Edson Santos – O Ministro Gilberto Gil assinou o manifesto. Eu não queria consolidar esse tipo de disputa e nem quero aqui qualificar, adjetivar aqueles que assinaram o documento do chamado “113”. O que eu acho é que deve haver um diálogo com essas pessoas mostrando o caráter positivo, resultado que nós tivemos até esse momento com a adoção da política de cotas e eu acredito que aqueles de bom senso, os democratas assinaram esse documento a partir dos esclarecimentos oferecidos irão rever sua opinião.

Paulo Henrique Amorim – No seu caso pessoal, eu faço uma pergunta pessoal, mas acho importante do ponto de vista jornalístico, a sua formação, qual é? O senhor estudou em escolas públicas, universidades públicas ou o senhor estudou em escolas pagas?

Edson Santos – Olha, eu estudei em escola pública...

Paulo Henrique Amorim – Onde?

Edson Santos – Primeiro eu fiz o ginásio em escola pública, Camilo Castello Branco, ali na Zona Sul do Rio de Janeiro, na (rua) Pacheco Leão. E depois eu estudei na Uerj, Ciências Sociais, um curso não concluído, mas eu tive a oportunidade de estudar na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E ali eu pude identificar o seguinte: em curós como Ciências Sociais, Serviço Social, era grande o número de estudantes negros. Ao contrário dos cursos como direito, engenharia, medicina, que exigiam, inclusive, uma dedicação maior e até em tempo integral dos estudantes, a presença do negro era insignificante. Então, o que demonstra que não só devemos adotar a política de cotas, mas nós temos que verificar, nós estamos providenciando um estudo, junto à Universidade do Estado do Rio de Janeiro, do impacto da política de cotas, afim de criar mecanismos que possibilitem efetivamente não só o ingresso, mas a presença do jovem estudante negro e carente dentro da universidade para que possa concluir seu curso, mesmo que sejam cursos que exijam uma dedicação integral desse estudante.

Paulo Henrique Amorim – Ministro, uma última pergunta. Como o senhor explica o fato de que o número de vagas para o ProUni não foi preenchido? Esse foi um argumento usado aqui pelo senhor Miranda para demonstrar exatamente que só uma pequena parcela de estudantes negros, de classe média, terão essa possibilidade de se beneficiar das cotas. Por que não se preencheu o número de vagas do ProUni?

Edson Santos – Eu acho que isso é positivo. Há uma oferta de vagas que não foi plenamente alcançada, é sinal que nós estamos alcançando o nosso objetivo que é de exatamente oferecer oportunidade para o jovem cotista freqüentar a universidade. Eu considero isso bastante positivo e quero dizer que a gente tem que parar um pouco de tratar o Brasil de uma forma conservadora. Precisamos ser ousados no nosso país e acreditar no nosso povo, no sentido de criar condição para que ele possa efetivamente contribuir em toda a sua potencialidade para o desenvolvimento do nosso país. Daí ser fundamental a gente abrir as portas das universidades, democratizar a universidade brasileira, tento em vista o acesso do jovem negro e carente ao seu ambiente.

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