sábado, 24 de maio de 2008

Desabafos

Abaixo um desabafo dos bons. Dos camaradas Diogo e Arapiraca, estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais, a universidade do bônus. E lembre-se sempre como faz questão de ressaltar o reitor; é bônus não é cota. Afinal para que cotas em uma universidade tão democrática racial e socialmente.

a gente lê, estuda, ouve, se entristece,  reflete..

mas , vez ou outra, vez ou sempre, acontece do racismo dá um tapão na
nossa face de cidadão, querendo mostrar qual é o "lugar do negro" na
sociedade.

estava eu ontem indo da faculdade para meu curso de música, passando
pela av. sebastião de brito, no dona clara, como faço sempre. nada de
"estranho" (perigoso) nas minhas roupas ou comportamento, exceto no meu
cabelo (que resolvi colocar algo entre o "black" e o "sarará criolo") e
na minha cor de pele. minhas características parecem que me lançam
para o time dos pré-suspeitos sociais de antemão. e foi dito e feito.

bastou uma viatura passar na minha frente, e o soldado não gostar da
minha cara (ow, eu nada fiz), que ele mandou parar a viatura, saiu com
uma arma de fogo e deu ordem para que eu colocar as famosas "mãos
negras na parede". putz.. como os caras discriminam tão refinadamente.. e
depois não se sabe quem é negro e quem é branco no brasil na questão das
cotas raciais..

depois q falei q eu era da ufmg, o discurso deles ficou um pouco mais
brando, com um tal de "estamos realizando um procedimento básico". fez
várias perguntas e depois se foram...

bom, todas aquelas charges do pequeno mas denso livro "manuais de
sobrevivência do negro no brasil" ganharam um 'renovo' de sentido..

me senti profundamente ferido, enquanto cidadão e enquanto pessoa
humana. mas isso não justifica qualquer tipo de lamento pequeno-burguês. o
que aconteceu comigo, é o que rola via de regra com milhares, milhoes
de negros nas cidades brasileiras. isso o que aconteceu comigo é
brando, comparado ao que acontece com vários jovens por essas ruas. o
sentimento que senti logo após do ocorrido foi de indignação e.. estratégia. o
que faço com essa experiÊncia? ela me fez ver que devemos elaborar
estratégias de resistência e combate ao racismo. como? é o que saberemos,
após reunimos e agirmos em conjunto...

fica o convite para reflexão e ação;.;.

sei lá
Diogo


Me desculpem o email longo...mas, já que começamos...vou desabafar tb.

Me solidarizo com o Diogo, não apenas por engajamento nas questões
relacionadas a cotas e discussões de etnia, de raça. Me solidarizo
sobretudo pq primeiro era no meu bairro, sempre parado à noite com os amigos,
bem ao estilo O Rappa...mão na cabeça e os documentos. Aí veio a
universidade, e somente professores brancos na licenciatura em física de
maioria de alunos negros, mas os que entravam na pós eram majoritariamente
brancos. A esta época o baculejo acontecia no centro da cidade voltando
daquela cervejinha ou no buzú voltando pra casa. Medidas preventivas de
segurança. Comecei com aulas em colégios públicos na periferia, para
segurar a onda dos estudos, juventude negra e pobre entregue à sorte, eu
à essa altura já militante tentava conscientizar, apresentar alguma
ferramenta de emancipação, as vezes apenas um alento, uma voz de apoio,
pq as vezes é o máximo que podemos fazer. enquanto isso na universidade
iámos às ruas, brigavamos pelas cotas, tomavamos mais baculejo, mas as
cotas vieram e auniversidade se coloriu...juventude linda, com os
blacks demarcando sua identidade....comecei a criar o meu tb. Aí entrei na
pós....mestrado....huumm, bom aluno, tapinha nas costas, agora sim vou
ter voz de verdade...nossa....passei pela peneira, serei enfim
respeitado, lêdo engano. Fui aos congressos dos físicos brancos,
aristocráticos.....e o sudeste olhava com asco para os pretinhos do nordeste, mas os
pretinhos estavam lá, jogando com as 11 camisas, levando trabalho,
apresentando seminário, tirando boas notas e militando, incomodando, falando
de coisas q são sem sentido para os acadêmicos...mesa redonda com a
anta da física nacional e o pretinho levanta pra falar de cotas...dessa
vez tive sorte, tinha um homem branco, daqueles com doutorado, do sul,
olhos azuis....pasmem, ele me defendeu e defendeu as cotas....nem tudo
está perdido afinal.

Enquanto isso eu me sofisticava, afinal fazendo mestrado tem q arrumar
um emprego melhor....professor substituto na federal...vamos lá, agora
sim...professor de faculdade particular....um, salário melhorando,
comprei carro...fiz tranças....uhuuuu....é isso aí...lets spend the night
together....Mas, aí vc pensa agora não tem mais essa de mão na cabeça e
o documento não, coisa do passado.....mas, a coisa se sofistica por um
lado e pelo outro, agora era a sirene atras do seu carro e a clássica
BLITZ....NUHHHH....eu já tava craque em encostar o carro qdo via uma
sirene, preto dentro de carro é suspeito, e aí vinham os baculejos
novamente, lembranças do passado, me reacostumando à realidade.....na
faculdade que dava aulas todo dia tinha q dizer ao porteiro (negro!!!!) que eue
ra professor, aos poucos percebi q a esse negro incomodava mais era o
black power, os colares e coisas do tipo....afinal o pretinho bom
carater tem q andar de cabelo raspadinho e alinhado.....ok hey ho lets
go...sala de aula, primeiro dia de aula, alunos com cara de estranhamento
até as equações brotarem de suas mãos e se darem conta de que ou
acompanham ou dançam...e eis q entra uma aluna atrasada, daquelas sem papas na
língua...vê um criolo metido no quadro negro da faculdade que ela paga
tão caro e solta a clássica...PROFESSOR QUAL É MESMO A SUA
FORMAÇÃO????? confesso q nessa hora tombei por alguns segundos, me recompus e de
forma educada expliquei que qdos e chega atrasado não se dirige assim ao
professor...como anelise colocou...deixei pra lá...na universidade
federal não ouvia dessas, pq lá a coisa é mais dura, se o aluno vacila toma
bomba. Lá a coisa era meio de canto, mais velada. Aí já viu, a essa
altura eu já tinha virado moreninho pros alunos....que é isso professor,
c né preto não!!!!!paciência com a juventude de classe média incluída,
vai lá, conversa conscientiza...exercício de pedagogia, afinal a
faculdade de educação me deu elementos...mas, confesso eu segurava a onda dos
q chegavam atrasado pq estavam no trabalho, muitos que com lágrimas
nos olhos viam conversar sobre trabalhar e estudar, eu me mantinha duro
com eles, mas sempre rolava uma segunda chamada estratégica....afinal
irmão é irmão.

Acabou mestrado, acabou contrato de substituto, demitido da faculdade
particular....dessa vez foi por movimento sindical....os caras não
pagavam o salário em dias....e aí?...vamos lá UFMG, sudeste.....larga tudo
na bahia, vende carro, bjo na mamãe, nas irmãs e FUIIII...mochilinha nas
costas de novo....contando o dinheirinho do almoço novamente....nossa
qdo vi um bandejão pela primeira vez na vida quase choro....um buzú
circulando na universidade, muito bom. Agora sim, doutorando!!!!! mas, a
chegada foi tensa, pq ser pretinho na física da ufmg até rola, c fica no
seu canto, segue a cartilha e não se mete em encrencas....mas ser
pretinho q tem opinião, pretinho q fala de política, pretinho que vai pro
debate....aí já viu, vira o antipático......e nem que fosse caladinho,
tem que conviver o tempo todo com baiano isso, baiano
aquilo....preguiçoso é o mais comum(ok, temos um tempo diferente, um sentido cronológico
diferenciado!!!!mas produzimos). Se fulano não assiste aula e só faz
prova, caraleo fulano é foda, mente brilhante....se o pretinho baiano faz
isso é FOLGADO, e por aí vai, má se o pretinho folgado mesmo assim
tira nota melhor...o professor foi injusto....e vc vai ouvindo, vai vendo
pelos cantos, fingindo, deixando pra lá....mas, até qdo teremos que
deixar pra lá? Não espero resposta para essa pergunta.....estamos aí,
militando, ocupando espaços, terminando graduações, virando mestres,
doutores, acumulando teóricamente, dando show....implementando cotas,
reparações...mas, esse tal desse novo ser social??? qdo será q ele
aparecerá???

Enquanto isso vamos vendo os diogos, os antonios, as analises, as
marias, as carines, as fernandas...enfim...esse povo preto lindo!!!! ainda
tendo q passar por essas coisas....MÃO NA CABEÇA E O DOCUMENTO,
PROCEDIMENTO DE SEGURANÇA, segurança no shopping te olhando sempre, simulando
alguma descrição...grupo de estermínio na favela, juventude negra
desempregada, sem estudo....sim.....mas,

Isabela Nardoni é a notícia!!!!!João Hélio chocou o Brasil!!!!

Que Zumbi e dandara nos protejam!!!!um xero baiano em todos e todas

PS: desculpem a acidez, passionalidade e alguma pretensão....mas,
desabafo é assim mesmo
Antônio Arapiraca

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