sábado, 1 de dezembro de 2007

Regularização de territórios quilombolas é processo demorado

Regularização de territórios quilombolas é processo demorado

A regularização da posse da terra pertencente a comunidades remanescentes de quilombos em Minas Gerais é um processo que caminha a passos lentos e ainda está longe do fim, acusaram representantes de grupos quilombolas que participaram do debate público promovido pela Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de Minas Gerais nesta sexta-feira (30/11/07). O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) admite que tem poucos recursos para acelerar a titulação das terras e precisa do apoio do Governo do Estado e das prefeituras.

Não existem números oficiais sobre as comunidades remanescentes de quilombos no Estado. "Historicamente a estratégia dos quilombos foi a de se manterem invisíveis para a sociedade escravista. Muitos permanecem invisíveis nos dias de hoje", justifica o antropólogo João Batista de Almeida Costa, que informa a existência de pelo menos 430 comunidades quilombolas em Minas. O Incra, no entanto, contabiliza 88 processos de regularização de terras - nenhum deles concluído até o momento. O processo mais adiantado, relativo à comunidade de Brejo dos Crioulos, tem concluídas apenas três das sete etapas necessárias para a concessão da posse da terra.

"O Estado não quer devolver aquilo que é nosso de direito. Nós, negros, continuamos em segundo plano", criticou o diretor administrativo e financeiro da Federação das Comunidades Quilombolas de Minas Gerais, Gilberto Coelho de Carvalho. "Escutamos o Incra falar que não é possível (agilizar o processo de titulação das terras). Não vejo muitas perspectivas, a não ser continuar lutando pelo que é nosso", completou. O antropólogo João Batista de Almeida Costa fala em etnocídio das populações remanescentes de quilombos, tendo em vista a situação de miséria de todas elas. "A escravidão só foi abolida metaforicamente", criticou.

Incra rebate críticas

O superintendente regional do Incra, Marcos Helênio, rebateu as críticas à atuação do órgão. "O Incra ainda não chegou aonde deveria, mas não está parado. Fizemos muito pouco, mas foi o possível até o momento", afirmou.

Helênio informou que o órgão passou a ter responsabilidade sobre a regularização fundiária das comunidades tradicionais há quatro anos, e não tinha estrutura para assumir essa prerrogativa. Foram feitos dois concursos para contratação de pessoal, mas ainda assim a equipe do serviço de regularização de territórios quilombolas conta hoje com apenas seis pessoas.

Além disso, como informou Helênio, o relatório técnico para identificar essas comunidades tradicionais é extremamente complexo. Ele inclui uma análise antropológica, o cadastramento de todas as famílias remanescentes de populações quilombolas e o levantamento da cadeia dominial de todos os imóveis localizados nas terras em questão. No caso de Brejo dos Crioulos, foram identificadas mais de 100 propriedades rurais nos 17 mil hectares pleiteados pela comunidade. Somente após a conclusão de todas as providências exigidas pela legislação, incluindo a consulta a órgãos públicos e a contestação dos interessados, é feita a demarcação e titulação do território quilombola, com a outorga do título coletivo em nome da associação comunitária.

A lentidão no processo de reconhecimento, demarcação e titulação dos territórios quilombolas não acontece, no entanto, por falta de legislação. O coordenador das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais, Marcos Paulo de Souza Miranda, listou leis e decretos federais e estaduais sobre o assunto. Já o antropólogo Carlos Eduardo Marques fez críticas ao que chamou de "omissão" do Estado e da sociedade no reconhecimento de que este é um país com grande diversidade étnica e cultural.

Fragilidade da legislação é destacada por diretor do Iter

A fragilidade da legislação também foi lembrada pelo diretor-geral do Instituto de Terras de Minas Gerais (Iter), Luiz Antônio Chaves. Chaves disse que discorda de várias das colocações feitas durante o debate, mas isso não significa que seja adversário dos anseios quilombolas. "Nós que operamos o Direito sabemos da fragilidade da legislação, que foi feita de maneira atabalhoada na tentativa de regulamentar o artigo 68 da Constituição, resultando em muitos erros", afirmou. No entanto, Chaves ratificou sua adesão à causa dos quilombolas e que fará o que for preciso para que os direitos dessas comunidades sejam reconhecidos. A antropóloga Mariza Rios, da Faculdade Dom Helder Câmara, cobrou dos órgãos públicos que exerçam sua função de fazer cumprir a legislação.

O Governo Federal desenvolve o programa Brasil Quilombola, que vai destinar recursos de R$ 2 bilhões do Plano Plurianual (PPA) 2008-2011 para a regularização fundiária, projetos de infra-estrutura e ações para promover a geração de emprego e renda e estimular o fortalecimento das comunidades remanescentes de quilombos.

O delegado do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Rogério Correia, disse que em Minas foram apresentados poucos projetos para receber recursos do programa. Prefeituras, organizações não-governamentais e associações de quilombolas podem apresentar projetos. Mais informações podem ser obtidas no site www.mda.gov.br/aegre.

Sandra Maria da Silva, coordenadora nacional das comunidades quilombolas, relatou que 88 das comunidades quilombolas que demandam regularização descendem dos bantos trazidos do Sul e do Sudeste da África. Para ela, os descendentes continuam em situação de vulnerabilidade e invisibilidade social e política. "Em Minas são mais de 400 comunidades identificadas, mas apenas Porto Coris foi regularizada, e mesmo assim devido à mudança provocada pela construção da Usina de Irapé. Em São Paulo, Pará, Maranhão e Piauí a situação está mais avançada. É preciso seguir o exemplo desses estados", propôs.

Conceito de regularização seria mais amplo

A defensora pública Ana Cláudia da Silva Alexandre procurou inserir a luta dos quilombolas na luta das minorias excluídas, ao dizer que "o país foi feito por todo mundo, e se alguém está sendo excluído, temos que combater a seu lado". Ela revelou que uma ação do Ministério Público considera ilegal a contratação de assistência jurídica para os quilombolas, mesmo para orientação e processos administrativos. Ana Cláudia, "regularização fundiária não é só divisão e demarcação das terras, mas a garantia de acesso a plenos direitos, ao desenvolvimento econômico e social de cada comunidade. É preciso incentivar a vida comunitária, proteger os modos quilombolas de fazer e produzir, resguardar sua identidade", reivindicou.

Ao final do evento, os presentes acompanharam apresentações dos grupos de Congado da Comunidade Tabatinga, Carrapatos da Tabatinga, Batuque Barro Preto e Indaiá e Moçambique de Pará de Minas.

Presenças - Deputados João Leite (PSDB), coordenador do debate; Durval Ângelo (PT) e deputada Elisa Costa (PT), além das personalidades citadas na matéria. Também participaram o defensor público federal Estevão Ferreira Couto e o ex-deputado federal João Paulo Pires de Vasconcelos.

Responsável pela informação: Assessoria de Comunicação - 31 - 2108 7715

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