Deu até no conservador Jornal Estado de São Paulo:
História afro-brasileira fica no papel e não chega às escolas
História afro-brasileira fica no papel e não chega às escolas
Lei de 2003, que incluiu promoção da igualdade racial no currículo obrigatório do ensino básico, ficou esquecida
Simone Iwasso
Em janeiro de 2003, o governo federal sancionou uma lei, a 10.639, tornando obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-brasileira no currículo da educação fundamental pública e privada. Na época, organizações que defendiam a promoção da igualdade racial comemoraram o fato. Quatro anos se passaram e essas mesmas organizações agora mostram preocupação e um certo ceticismo. Isso porque, fora exceções espalhadas pelo País, os estudantes continuam sem aprender na escola noções da história e menos ainda da influência da cultura trazida da África para o Brasil.
Levantamento feito pela Ação Educativa com entidades parceiras mostrou ainda que, apesar de não receberem o conteúdo contemplado pela lei, estudantes têm curiosidade e vontade de saber mais sobre o tema - 47% afirmam querer aprender sobre história da África. Quando questionados, demonstram percepções bastante diferentes sobre a existência ou não de racismo, mas realçam a importância do trabalho em prol de uma igualdade racial efetiva.
No entanto, na hora de ouvir os professores, surge um dos problemas: 96% deles afirmam desejar ensinar esses conteúdos em classe, considerando o tema muito importante, mas se dizem sem preparo para isso, já que história e cultura afro-brasileiras não fazem parte da formação tradicional dos docentes. A questão ainda não entrou nos cursos oferecidos pelas secretarias e, em relação ao material didático, é ainda escassa a oferta dentro da escola - apesar de haver uma diversidade disponível no mercado editorial.
Diretores e coordenadores também demonstram interesse: 37% deles dizem que o estudo da história africana é importante para a compreensão da própria história do Brasil.
“Em relação à aplicação da lei, a pesquisa confirmou o que esperávamos, que é a falta de iniciativas para uma verdadeira implementação. O que nos surpreendeu foi a expectativa que as crianças demonstraram de aprender sobre o tema”, diz Analu Souza, consultora da pesquisa. “Infelizmente, ainda muitas coisas de origem africana são vistas com preconceito: as máscaras, que são uma arte, associadas com demônios, as manifestações religiosas, malvistas. E os estudantes querem entender melhor isso”, afirma, lamentando o fato de a lei ainda não ter saído do papel.
O Ministério da Educação (MEC) está ciente do problema, mas suas ações são vistas como pouco eficientes pelas organizações. No mês passado, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade realizou junto com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) uma oficina para traçar estratégias. Um documento com orientações para as redes de ensino deve ser publicado em breve.
A pesquisa foi realizada entre agosto de 2005 e julho de 2006. Foram entrevistadas 492 pessoas, entre alunos, professores e pais de 15 escolas de educação infantil e ensino fundamental das cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Salvador. O trabalho teve como parceiros o Instituto C&A, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e a Educação e Profissionalização para a Igualdade Racial (Ceafro).
INICIATIVAS
Apesar de mostrar falta de implementação geral, o levantamento conseguiu identificar como surgem as boas práticas na área: em 72% dos casos a idéia é do próprio professor. É ele que faz curso ou adquire material por conta própria e começa a criar programas com seus alunos - seja por meio de teatro, de livros de história, de conversas em grupo.
Além disso, dados do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), que organiza anualmente uma premiação para os professores com melhores trabalhos na área, mostra que há proporção igual de docentes brancos e negros se dedicando à promover projetos de igualdade racial.
Dessa maneira, eles conseguem, sozinhos, chegar ao que propõe a lei: privilegiar o estudo da história da África e dos africanos, a trajetória dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade. Tudo isso junto com o ensino da literatura, por exemplo, ou da história.
“As crianças chegam à escola conhecendo Branca de Neve, a Bela Adormecida, mas não conhecem nenhum personagem negro”, conta Fátima Graminha, professora do ensino infantil do CEU Aricanduva, na zona leste de São Paulo. Junto com outra professora da mesma escola, ela desenvolveu um projeto que trabalha a igualdade racial com seus alunos. A iniciativa das duas foi vencedora do prêmio no ano passado.
Ela conta que, após histórias, desenhos e conversas com as crianças, elas começam a mudar seus comportamentos. “A maioria da minha classe é negra. Mas, entre eles, quando brigam, se chamam de macacos, sem nem ter consciência do que estão dizendo, repetem o que ouvem por aí”, diz ela. Outro fato que a professora costumava perceber era a falta de identidade das crianças. “Você pedia para fazerem um auto-retrato, um desenho, e elas se desenhavam loiras, de cabelos lisos, brancas”, conta.
Outro grande problema, principalmente entre as crianças que vivem em bairros periféricos, são os conflitos religiosos: “Muitos são evangélicos ou moram em bairros onde há um número grande de evangélicos. Então, ouvem que a umbanda ou o candomblé são manifestações do diabo, são ensinados a tratarem mal quem segue a religião”, diz a professora.
Esse tipo de mensagem também é trabalhada em sala de aula, para que as crianças aprendam a respeitar as diversidades religiosas e os colegas de sala que são de outras religiões, evitando xingamentos e demonstrações de preconceito.
“Percebemos tudo isso e decidimos trabalhar no resgate da identidade dessas crianças, da história familiar, contando a história dos povos que vieram como escravos da África para o Brasil e como influenciaram nossa cultura”, explica.
FORMAÇÃO
Levantamento feito pela Ação Educativa com entidades parceiras mostrou ainda que, apesar de não receberem o conteúdo contemplado pela lei, estudantes têm curiosidade e vontade de saber mais sobre o tema - 47% afirmam querer aprender sobre história da África. Quando questionados, demonstram percepções bastante diferentes sobre a existência ou não de racismo, mas realçam a importância do trabalho em prol de uma igualdade racial efetiva.
No entanto, na hora de ouvir os professores, surge um dos problemas: 96% deles afirmam desejar ensinar esses conteúdos em classe, considerando o tema muito importante, mas se dizem sem preparo para isso, já que história e cultura afro-brasileiras não fazem parte da formação tradicional dos docentes. A questão ainda não entrou nos cursos oferecidos pelas secretarias e, em relação ao material didático, é ainda escassa a oferta dentro da escola - apesar de haver uma diversidade disponível no mercado editorial.
Diretores e coordenadores também demonstram interesse: 37% deles dizem que o estudo da história africana é importante para a compreensão da própria história do Brasil.
“Em relação à aplicação da lei, a pesquisa confirmou o que esperávamos, que é a falta de iniciativas para uma verdadeira implementação. O que nos surpreendeu foi a expectativa que as crianças demonstraram de aprender sobre o tema”, diz Analu Souza, consultora da pesquisa. “Infelizmente, ainda muitas coisas de origem africana são vistas com preconceito: as máscaras, que são uma arte, associadas com demônios, as manifestações religiosas, malvistas. E os estudantes querem entender melhor isso”, afirma, lamentando o fato de a lei ainda não ter saído do papel.
O Ministério da Educação (MEC) está ciente do problema, mas suas ações são vistas como pouco eficientes pelas organizações. No mês passado, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade realizou junto com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) uma oficina para traçar estratégias. Um documento com orientações para as redes de ensino deve ser publicado em breve.
A pesquisa foi realizada entre agosto de 2005 e julho de 2006. Foram entrevistadas 492 pessoas, entre alunos, professores e pais de 15 escolas de educação infantil e ensino fundamental das cidades de São Paulo, Belo Horizonte e Salvador. O trabalho teve como parceiros o Instituto C&A, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert) e a Educação e Profissionalização para a Igualdade Racial (Ceafro).
INICIATIVAS
Apesar de mostrar falta de implementação geral, o levantamento conseguiu identificar como surgem as boas práticas na área: em 72% dos casos a idéia é do próprio professor. É ele que faz curso ou adquire material por conta própria e começa a criar programas com seus alunos - seja por meio de teatro, de livros de história, de conversas em grupo.
Além disso, dados do Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), que organiza anualmente uma premiação para os professores com melhores trabalhos na área, mostra que há proporção igual de docentes brancos e negros se dedicando à promover projetos de igualdade racial.
Dessa maneira, eles conseguem, sozinhos, chegar ao que propõe a lei: privilegiar o estudo da história da África e dos africanos, a trajetória dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade. Tudo isso junto com o ensino da literatura, por exemplo, ou da história.
“As crianças chegam à escola conhecendo Branca de Neve, a Bela Adormecida, mas não conhecem nenhum personagem negro”, conta Fátima Graminha, professora do ensino infantil do CEU Aricanduva, na zona leste de São Paulo. Junto com outra professora da mesma escola, ela desenvolveu um projeto que trabalha a igualdade racial com seus alunos. A iniciativa das duas foi vencedora do prêmio no ano passado.
Ela conta que, após histórias, desenhos e conversas com as crianças, elas começam a mudar seus comportamentos. “A maioria da minha classe é negra. Mas, entre eles, quando brigam, se chamam de macacos, sem nem ter consciência do que estão dizendo, repetem o que ouvem por aí”, diz ela. Outro fato que a professora costumava perceber era a falta de identidade das crianças. “Você pedia para fazerem um auto-retrato, um desenho, e elas se desenhavam loiras, de cabelos lisos, brancas”, conta.
Outro grande problema, principalmente entre as crianças que vivem em bairros periféricos, são os conflitos religiosos: “Muitos são evangélicos ou moram em bairros onde há um número grande de evangélicos. Então, ouvem que a umbanda ou o candomblé são manifestações do diabo, são ensinados a tratarem mal quem segue a religião”, diz a professora.
Esse tipo de mensagem também é trabalhada em sala de aula, para que as crianças aprendam a respeitar as diversidades religiosas e os colegas de sala que são de outras religiões, evitando xingamentos e demonstrações de preconceito.
“Percebemos tudo isso e decidimos trabalhar no resgate da identidade dessas crianças, da história familiar, contando a história dos povos que vieram como escravos da África para o Brasil e como influenciaram nossa cultura”, explica.
FORMAÇÃO
Um dos pontos de apoio - e fonte de informação - das professoras foi o Museu Afro Brasil, no Parque Ibirapuera, em São Paulo. As duas participaram de um curso de formação oferecido pela instituição a professores. “A criança negra ainda não freqüenta a mesma escola que a criança branca e somente com informação vamos melhorar essa situação”, diz Ana Lúcia Lopes, coordenadora do núcleo de educação do museu.
A procura pelo curso, segundo ela, tem sido grande, atraindo professores de várias redes municipais do interior. “São módulos separados: histórico, cultural, religioso, tecnológico, que duram o ano todo, usando como base muito do próprio acervo do museu”, diz. O curso busca patrocínio para ser oferecido no ano que vem.
Além disso, o núcleo produziu um material didático, vendido para algumas redes, tanto para uso de professores quanto de alunos. “Aqui, temos toda a história do negro no Brasil. Mostramos a escravidão, a contribuição tecnológica dos escravos africanos, as manifestações religiosas, algumas personalidades”, conta. O objetivo final, segundo ela, é desmistificar a idéia de que não há racismo e, a partir da aceitação de que há, começar a combatê-lo.
http://www.estado.com.br/editorias/2007/12/23/ger-1.93.7.20071223.3.1.xml
A procura pelo curso, segundo ela, tem sido grande, atraindo professores de várias redes municipais do interior. “São módulos separados: histórico, cultural, religioso, tecnológico, que duram o ano todo, usando como base muito do próprio acervo do museu”, diz. O curso busca patrocínio para ser oferecido no ano que vem.
Além disso, o núcleo produziu um material didático, vendido para algumas redes, tanto para uso de professores quanto de alunos. “Aqui, temos toda a história do negro no Brasil. Mostramos a escravidão, a contribuição tecnológica dos escravos africanos, as manifestações religiosas, algumas personalidades”, conta. O objetivo final, segundo ela, é desmistificar a idéia de que não há racismo e, a partir da aceitação de que há, começar a combatê-lo.
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