quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Altino foi pescar estrelas

Belo texto da colega antropologa Camila Dutervil em homenagem ao líder quilombola Seu Altino, morto recentemente nesse processo de violência contra lideranças quilombolas.

Eu já fui expulso de muitas roças, até que resolvi não sair mais.
Altino da Cruz

Manhã de Dezembro. O coração de um grande homem pára. Coração engrandecido de coragem era o do companheiro Altino. Não agüentou a pressão. O homem corajoso tombou na mesma terra que defendeu com todas suas forças. Já não pôde resistir às sucessivas ameaças de ser expulso dali.
Noutra manhã, há exatamente um ano, Altino viu o relampejar de uma fulgaz alegria. Sua comunidade, São Francisco do Paraguaçu, recebia a noticia que o Relatório de Identificação e Delimitação do Território Quilombola havia sido publicado no Diário Oficial da União.
Poucos dias depois de uma batalha vencida, o guerreiro sofreu o golpe fatal de uma ação judicial que suspenderia o processo de titulação de suas terras até o dia de sua morte. Diversas ações de reintegração de posse, e agressões foram direcionadas ao Sr. Altino da Cruz, liderança da comunidade. Policiais armados chegaram até mesmo a invadir e cercar sua casa. E por que seu Atino era tratado como um marginal? Por que lutava pelo direito de plantar para alimentar seus filhos.
Quem conheceu seu sotaque inconfundível, que mais parecia um dialeto africano, teve oportunidade de escutar um mestre na arte de viver, mais sábio que muito doutor, Altino definiu brilhantemente o que é ser quilombola:

'Porque eu sou quilombola? Será quem nasceu na roça? Não. Será quem nasceu no mato? Não. Será minha cor? Não. Será que é o meu trabalhar? Deve ser meu trabalhar, a minha vida, a minha luta! Então eu sou quilombola mesmo!'

Filho da terra, pescador, Altino aprendeu desde menino com a Mata Atlântica e com o Rio Paraguaçu a preservar a natureza. Lutou até seu ultimo suspiro para defender o direito de seus irmãos a permanecer e cuidar de seu território tradicional.
Altino, seu exemplo permanecerá vivo para sempre na memória dos filhos e netos de quilombolas, também para os que estão nascendo e que vão nascer! Seu desejo de liberdade ecoará pelas fronteiras do tempo e espaço. Os jovens renovarão a liderança para reverenciar sua memória. Nada os fará desanimar da luta, pois escutavam do velho contador de histórias, que o mais escuro da noite é antes do alvorecer. Altino agora é mais uma estrela refletida no Paraguaçu, a guiar os caminhos:
... para que meus inimigos tenham olhos e não me vejam, para que meus inimigos tenham mãos e não me toquem, para que meus inimigos tenham pés e não me alcancem e nem mesmo pensamento eles possam ter para me fazerem mal...
[1]
[1] Trecho do ponto de Oxossi. Domínio Público.

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