sábado, 27 de setembro de 2008

Músicas, músicas e músicas X II - "Refavela"!

Lindo!!! Lindo!!! Emocionante!!!
Talvez (a incerteza se deve ao fato de que o autor deste disco já fez e faz tanta coisa boa) o maior disco na minha opinião do grande Gilberto Gil. Senhores e senhoras Refavela de 1977.

Refavela trata-se de um álbum, ou seja um disco linear em que as canções vão se compondo em um crescente até formar um retrato desejado pelo artista: a conexão Brasil-África. Trata-se de uma das obsessões positivas deste filho de Xangô - o PORTAL DO RETORNO- tal qual na viagem histórica organizado por ele e feita pelo presidente Lula. Aqui sem ser planfetário Gil constrói uma teoria sociológica, qual seja: a Africa e o Brasil são continuidades artistíco-cultural que se forma nas Favelas e se reconstrói cotidianamente nas Refavelas. E que tal como o morador da Africa, os negros brasileiros ainda continuam confinado em ghettos. Tal imagem teria ficado mais clara para o artista que acabara de chegar da Nigéria.

Assim cada uma das cançoes tenta refazer essa ponte Brasil-Africa, Bahia-Nigéria. Este Lp traz 10 canções, como já dito em um todo harmônico e coerente, e ai mais um ponto a favor da genealidade de Gil que foi capaz até mesmod e gravar uma bossa nova totalmente coerente com a idéia do disco. O disco se inicia com o poema Refavela, que pode ser considerado o resumo do mesmo:
Iaiá, kiriê /Kiriê, iaiá /A refavela /Revela aquela /Que desce o morro e vem transar /O ambiente /Efervescente /De uma cidade a cintilar /A refavela /Revela o salto /Que o preto pobre tenta dar /Quando se arranca /Do seu barraco /Prum bloco do BNH /A refavela, a refavela, ó /Como é tão bela, como é tão bela, ó
A refavela /Revela a escola /De samba paradoxal /Brasileirinho /Pelo sotaque /Mas de língua internacional /A refavela /Revela o passo /Com que caminha a geração /Do black jovem /Do black-Rio /Da nova dança no salão /Iaiá, kiriê /Kiriê, iaiá /A refavela /Revela o choque /Entre a favela-inferno e o céu /Baby-blue-rock /Sobre a cabeça /De um povo-chocolate-e-mel /A refavela /Revela o sonho /De minha alma, meu coração /De minha gente /Minha semente /Preta Maria, Zé, João /A refavela, a refavela, ó /Como é tão bela, como é tão bela, ó /A refavela /Alegoria /Elegia, alegria e dor /Rico brinquedo /De samba-enredo /Sobre medo, segredo e amor /A refavela /Batuque puro /De samba duro de marfim /Marfim da costa /De uma Nigéria /Miséria, roupa de cetim /Iaiá, kiriê /Kiriê, iáiá.

O disco segue então refazendo a ponte com a hoje já clássica Ilê Aye, (que depois teve uma regravação antològica no disco Rappa Mundi de O Rappa) em homenagem ao Bloco Afro mais importante no processo de consientização negra de Salvador. Aqui a ponte refeita é bastante clara na mensagem:Black is Beautiful, ou como diz a própria letra:
Somo crioulo doido somo bem legal/Temos cabelo duro somo black power/Somo crioulo doido somo bem legal/Temos cabelo duro somo black power (...)Branco, se você soubesse o valor que o preto tem/ Tu tomava um banho de piche branco, e ficava preto também.
Veja bem a maravilha dessa letra, aqui Gil não somente adere ao movimento norte-americano de valorização estética do negro, mas vai além ao propor uma inverção na teoria do embranquecimento (da qual ele tinha familiaridade, Gil se formou na Universidade da Bahia, onde teve contato com grandes antropólogos). Aqui o idela de Nação não é mais branco, ao contrário, como diz a letra é negro. Afinal Branco tome um banho de piche...

Destaque também para a maravilhosa faixa 04 "No norte da Saudade", onde musicalmente busca-se a mescla entre a sonoridade das percussões afro-brasileiras dos bolocos de Axé de Salvador com resquícios do psicodelismo da fase londrina do cantor, tudo isso em um ritmo de Reggae. Aqui a lembrança é de estarmos diante dos melhores momentos do Novos Baianos. Mas a mensagem é a mesma a Refavela esta espalhada pela América. Viva a Jamaica uma legítima Refavela.

Na busca dessa ponte destaca-se ainda as deliciosas (e ai percebe-se que a voz de Gil é ela prória um instrumento musical) Baba alapalá(faixa 05) em saudação ao Orixá da Cabeça de Gil Xngô. E Balafon (faixa 09) onde Gil demonstra que os instrumentos musicais que temos aqui são todos de presentes também no Daomé (Nigéria) e Patuscada de Gandhi, um maravilhoso Afoché daqueles que por mais que Você tente não vai ser possível ficar parado.

Por fim queria destacar três outras canções que a príncipio poderia destoar do disco, a bossa-nova "Samba do Avião"que aqui ganha novos arranjos. Esqueçam qualquer uma das versões que já ouviu dessa música. Aqui efetivamente ela ganha sentido. O Rio, aqui mimetiza o Brasil. A idéia contida aqui e tal como dito na faixa 03 Aqui e Agora e na faixa 08 "Era Nova" é que para o Brasil se entender é necessário que não esconda sua façe negra, pelo contrário que sinta orgulho dessa ponte com a África. Mas mais do que isso a mensagem final é de que as dificuldades políticas do Brasil daquela época representava para muitos brasileiros no exílio uma nova forma violenta de desterritorialização. Para Gil trata-se de uma época de desterritorialização extrema e sua viagem a Nigéria (Favela) só aumenta a necessidade de retorno a Refavela....

Este álbum e a mistura de sons e sentimentos entrelaçados, resultando numa obra de essência e beleza, em meio a uma época de dificuldades políticas, enfrentadas pela classe artística politicamente consciente.

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