segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Interatividade, sobre o post dia 02 de fevereiro dia de Yemanjá

My brother Daniel, do peramblogando (http://peramblogando.blogspot.com/ ) recém-chegado de Salvador vem trocando com esse blog excelentes comentários no post a respeito da Festa de Yemanjá. Reproduzo os comentários e depois faço algumas considerações.
Daniel disse...
Tive a oportunidade de acompanhar a festa de Iemanjá bem de perto, lá em Salvador. Sem dúvida foi uma experiência incrível poder observar toda a devoção de um público extremamente variado para com a rainha do mar.

Carlos Eduardo disse...
Ainda assistirei a uma. Aliás preciso arranjar parentes na capital baiana, pois o ideal é uma temporada (o que é impossível ficando em Hotel)e assim começar com a virada (revellion), passar pela procissão do Nosso Senhor Bom Jeus dos Navegantes e Nsa Sra Conceição da Praia, no começo de janeiro depois pela subida a Colina Sagrada para purificar na lavagem da escadaria do Bonfim e no começo de fevereiro a Festa de Yemonjá. Se for ainda mais festeiro, talvez chegar antes em dezembro para acompanhas as festas das Ayabas(orixás femininos) principalmente de Oxum em 12 de dezembro, afinal como canta a canção Salvador tem como Orixá uma Ayaba "toda a cidade é da Oxum".
Daniel disse...
Curioso é que na festa de Iemanjá algumas pessoas rendem homenagens também a Oxum. É o orixá da água doce, certo? A lavagem da escadaria do Bonfim me decepcionou um pouco... pensava ser uma escadaria imeeeeensa... são meia dúzia de degraus... E se quiser lavagem, lá é o que mais tem... Lavam até condomínio... não pode ter uma cruz, capela ou afim que rola lavagem...O foda hoje em Salvador é que tudo vira carnaval... na própria festa de Iemanjá surgiu uma porra dum trio eletrico com Psirico... aí acaba acontecendo uma coisa meio doida... grande parte do pessoal que tava lá era por causa do trio... Até entrevistaram uma mulher lá e ela disse que vai todo ano na festa de Iemanjá, mas que nesse ano era a primeira vez que ela ia pra parte "sagrada", pois nos outros só ficava na parte "profana"... Ou seja, ela nunca tinha ido na festa de Iemanjá, só na bagunça que fazem no restante do Rio Vermelho...E achei interessante uma mãe de santo que não quis colocar presente porque tinha muita gente na festa consumindo bebida alcoolica e segundo ela em festa de orixá não tem bebida alcoolica... Disse que já havia feito sua oferenda em outra praia mais cedo...
Volto Eu a respeito deste último comentário. Sobre a lavagem da escadaria do Bonfim a grande importância da festa é simbólica, ou seja como mais um ato de resistência dos negros escravizados. Consta-se que parte da eleite branca escravagista era (é) devota ao Senhor do Bonfim, por sua vez os negros chegados a Bahia por um processo violento e compulsório em sua maioria Yorubá e da Nação Ketu perceberam que essa festa por suas características poderia ser utilizada para a manutenção da importante cerimônia das aguas de Oxala. Torna-se mais importante então perceber que a lavagem simbólica da escadaria, que representa a lavagem de purificação do Ilê (este oficialmente inexistente até praticamente os anos 50 do século passado por proibições legais) torna-se mais importante e o centro da festa, superando então sua origem e celebração de rito católico romano. A festa cresce a tal ponto que tornou-se um ato sagrado, social, sociológico e político. A grande procissão e a subida a Colina Sagrada para participar da lavagem da escadaria do Bonfim é tão importante, que Antônio Carlos Magalhães (o canalha mas que de política entendia tudo) dizia a unica obrigação do baiano é a súbida da Colina Sagrada (e que grande afluência comparece na festança). A festa deste ano tornou-se única: pela primeira vez em mais de 200 anos a Igreja do Senhor do Bonfim permaneceu aberta durante a lavagem e a imagem do Bom Jesus (transmutada em Oxalá para os adeptos) foi levada a entrada principal da Igreja. Tal fato é importantíssimo, pois somente em 2009 a Igreja Católica Romana reconhece a importância religiosa da lavagem do Bonfim e a necessidade de uma aproximação com o Candomblé. Historicamente a festa acontecia com as portas da Igreja fechada, aliás metaforicamente e genialmente descrita pelo grande baiano Dias Gomes em o Pagador de Promessa. Ou seja, assim que as baianas se aproximavam da Igreja a mesma tinha ssuas portas fechadas em recuso a celebração fato rompido esse ano.
Quanto as demais lavagens o que vale é a fé e ai obviamente percebo que seu questionamento é super válido e que é um questionamento que eu mesmo já fiz até mesmo academicamente: é se essa coisificação não é também uma violência e uma forma de apenas folclorizar este ato que é sagrado? Bom fica essa e muitas outras perguntas, deste tema sempre tão inquietante e bom para se pensar já que as respostas podem ser multiplas e em vários sentidos, por exemplo pode-se até mesmo questionar a própria pergunta; trata-se mesmo de uma coisificação?Por ora deixo as dúvidas e só reafirmo que se tenho fé posso e devo fazera lavagem dos locais nos quais faço a troca de enérgia entre os vários Axés.
Quanto a festa de Yemanjá novamente um tema polêmico que sua mensagem consegue corretamente captar. Pois que, vejamos: seguindo uma filosofia yorubana, a própria proposição sagrado/profano não pode ser utilizada, pois que se trata de uma organização social não dicotomica (essa maldição ocidental tão bem analisado por autores como Derrida, Descola, Viveros de Castro, Sahlins, Latour). Portanto, não se reconhece essa divisão dual em sagrado e profano. Digamos assim como ouvi de vários Babalorixás e Yalorixás no Candomblé tudo é sagrado, daí ser uma religião muito dificil para seus adeptos. Ora se (quase) tudo é sagrado significa que (quase) tudo é profano, trata-se de uma inferência lógica ao nosso pensamento. E assim sendo, o ato de comer é de uma sacralidade imensa daí as proibições e os tabus alimentícios, bem como o ato da vida sexual, da purificação do corpo, das cores utilizadas. Por isso para um filho de santo, a roupa que ele escolhe para ir trabalhar é sagrada pois que não pode agridir seus orixás. No entanto, o oposto também é verdadeiro e esse mesmo ato sagrada de comer poderia ser considerado por nossa forma classificatória de profano. Ora o samba (dança - considerada extremamente lasciva, devido seus contorcionismos e umbigadas - e canto) e a capoeira, por exemplos, são manifestações surgidas dentro dos terreiros, nos intervalos das sessões ditas por nós sagradas (não por outra razão uma Escola de Samba da importância da Portela nasceu dentro de um Terreiro). Ou mesmo a importância da Praça Doze, a Pequena Africa entre nós, e a consolidação do samba (a este respeito já reproduzi aqui no blog um trecho de minha dissertação que discuto sobre esse território negro). Dito tudo isso quero por um lado afastar a própria idéia dicotômica de festa sagrada e festa profana. Ora digamos assim a festa é sagrada pois que profana e é profana pois que sagrada. Mas isso não invalida seu comentário e a tensão sempre presente, tão bem percebida por Você, quando traz a idéia de um trio elétrico e da fala da Yalorixá a respeito da bebida alcoolica.
Ora se a festa é também "profana" (entre aspas como Você bem utiliza), isso não significa necessariamente a presença de um trio elétrico e principalmente uma grande banda do main stream. E pode ser (mas sempre na dúvida, pois merece estudos mais profundos e aqui não devemos aderir acriticamente a Escola de Frankfurt e a Adorno como Você tão bem me ajudou a perceber) considerado uma violência pois que a presença tão ostensiva de uma banda como o psirico é impedimento para essa própria manifestação "profana" dos próprios Terreiros e adeptos ou seja, o samba de roda e de umbigada e a capoeira, as belissímas músicas em homenagem aos Orixás. Além disso, Você traz o valoroso depoimento da mãe de santo que novamente nos mostra como se trata de filosofias diferentes: a festa no Candomblé se por um lado pode ser considerada por nosso pensamento como "profana" ela jamais o é no sentido cotidiano que damos a essa palavra e, eis que seus praticantes continuam com os interditos e tabus e como ela bem afirma: Candomblé e alcool não combinam, ao contrário se confrontam. Ora como praticar o ato mais sagrado do Candomblé: o ato de alimentar (dar oferendas) a seu Orixá ("dar de comida ao santo da sua cabeça", pois que em uma análise empobrecida da Candomblé mas útil aqui poderíamos assim resumir o Candomblé: uma religião que consiste na sagração do ato de alimentar sua dinvindade pessoal, o orixá de sua cabeça) em um festa que violenta esse principio com a presença, por exemplo, do alcool.
Enfim valeu demais pelo comentário e como diria nosso antigo professor Otávio Dulci uma vez sociologo, sociologo sempre até mesmo no ônibus (para mostrar a importância do olhar) e algo como que diria Foote Whyte no clássico Corner Society eis que o olhar do sociologo mesmo em um relato informal consegue trazer dados. E nessa sequencia de citação parodiamos Lévi-Strauss e reafirmamos o Candomblé é bom para se pensar.
PS: desculpem-me os erros mas o comentário me levou a desenvolver esses penamentos, no entanto, estou indo viajar e acredito que pela questão tempo o texto as vezes pode ter ficado truncado e com erros. Mas fica o registro mesmo da importãncia da interação nos blogs.

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