Como "Obambi" bateu "Hillzilla"
Se Barack Obama e Hillary Clinton se acertarem mesmo para uma chapa conjunta liderada pelo senador, será a mãe de todas as ironias históricas. Quando chegou ao Congresso em 2005, como o representante júnior do Estado de Illinois, o político de então 43 anos tinha um desejo: acordar no dia de hoje com delegados e votos suficientes para poder peitar os Clinton e exigir do partido a vaga de candidato a vice.
Era o que tinham programado ele e seu Grupo de Chicago, comandado pelo estrategista David Axelrod, segundo contou o biógrafo David Mendell, autor de "From Promise to Power" (da promessa ao poder), um relato independente da vida de Obama. Pelos cálculos do grupo, ele ficaria oito anos no cargo e, em 2016, aos 55, se lançaria à sucessão.
Essa seria a primeira parte do "Plano Estratégico", como é chamado internamente o conjunto de ações que norteou a vida política de Barack Obama desde que ele começou a aparecer no radar político nacional, ainda como candidato ao Senado, ao discursar na convenção do Partido Democrata, em 2004. No meio do caminho, o plano deu certo demais.
Ao ganhar por mais do que previa sua própria campanha a Superterça, no dia 5 de fevereiro, quando 22 Estados norte-americanos realizaram suas prévias e deram 847 delegados ao senador, ante 834 para Hillary, o político viu as regras do jogo terem os sinais trocados. A "jovem promessa" virou o favorito. O orador eloqüente de discurso vago se revelou um grande estrategista político.
Foi quando "Obambi" -apelido dado pela jornalista Maureen Dowd, do "New York Times", uma contração do personagem Bambi com o nome do candidato, para definir o jovem idealista indefeso- passou a vencer "Hillzilla" -idem, contração de Hillary com o monstro aterrorizante Godzilla.
Desde a Superterça, Obama perdeu primárias importantes e não ganhou mais votos populares do que sua concorrente. Mas angariou mais delegados e arrecadou mais dinheiro, o que fez com que os superdelegados começassem o êxodo em direção à sua candidatura. Desde então, ele os conquistou numa proporção de três para cada um de Hillary. E foram esses integrantes especiais do partido, não o eleitor, que decidiram a eleição ontem.
De certa maneira, a candidatura da ex-primeira-dama -e o tipo de campanha que os Clinton consagraram em seu partido desde que chegaram à Casa Branca, em 1992, baseada em lealdade política, troca de favores e grandes arrecadadores- começou a morrer na Superterça. Na mesma data, um novo modelo passou a ser adotado pelo partido da oposição. É o modelo Obama.
É aí -e não só nos discursos em que todos terminam gritando "sim, nós podemos"- que mora a verdadeira mudança divulgada no slogan do candidato. Vem amparada por um tripé composto de arrecadações pulverizadas, planejamento a longo prazo e voluntariado jovem. As duas primeiras deram fôlego a uma campanha que surpreendeu a todos ao durar 15 meses; a última lhe deu visibilidade.
No último quesito, ajudou o fato de Obama ter percebido como ninguém "o zeitgeist", o espírito da época, segundo o qual a política americana parece viver uma troca de guarda, empurrada pela chamada Geração do Milênio. Essas pessoas nascidas entre 1980 e 1995 respondem por 80 milhões, quase um terço da população dos EUA, dos quais dois terços podem votar, segundo Morley Winograd, autor do recém-lançado "Millennial Makeover -MySpace, YouTube, and the Future of American Politics".
"Para esse contingente, não existe mais a figura do norte-americano típico, e a questão racial é secundária", descreve Winograd. Ontem, esse contingente ficou mais perto de ser governado a partir de 2009 por um havaiano negro, filho de uma branca do Meio-Oeste do país com um queniano relapso de família muçulmana, batizado já adulto por um pastor radical. Um menino criado na Indonésia que estudou na Califórnia e em Nova York, e que um dia resolveu tentar a vida política em Chicago.
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