sábado, 14 de junho de 2008

Morre o baluarte da Mangueira, Jamelão

Jamelão
''rir de que?"
Ele atribuía os reveses ao fato de ter nascido pobre e, principalmente, negro.
Dizia que muitas vezes foi passado para trás por causa da cor.

Jamelão nasceu em 12 de maio de 1913 no bairro carioca de São Cristóvão, e ainda mantinha o vozeirão em plena forma, o que atribuía a um dom de Deus. O criador foi pródigo em lhe conceder um talento que o colocou entre os grandes da Música Popular Brasileira, embora tanto reconhecimento não tenha lhe valido uma tranqüilidade financeira. Homenageado a torto e a direito, Jamelão ainda tinha que fazer shows para pagar aquelas continhas que perturbam nossa vida todo mês.

Ele atribuía os reveses ao fato de ter nascido pobre e, principalmente, negro. Dizia que muitas vezes foi passado para trás por causa da cor, que lhe valeu o nome artístico dado pelo apresentador de uma gafieira onde pediu para cantar na cara dura e o locutor, sem saber-lhe nome, apresentou-o como Jamelão. Há outras versões para o apelido, citadas por ele mesmo em entrevistas, e não adiantava perguntar qual era a verdadeira porque respondia com o mau humor característico que não tinha caderno para anotar tudo que fazia (uma vez lhe perguntaram porque era sempre tão sério, ele fuzilou: ''rir de que?")

O puxador da Mangueira Jamelão - Arquivo O Globo A atitude era compreensível. Devia ser mesmo frustrante não ver a conta bancária acompanhar a consagração que recebia por suas interpretações, mas ele teve o auge de sua carreira numa época em que os direitos dos artistas eram completamente desrespeitados. Antes de descobrir seu caminho, Jamelão seguiu a sina dos garotos pobres, trabalhando como engraxate e vendedor de jornais, interessando-se no paralelo pelo samba, batendo uma percussão e freqüentando rodinhas de samba até que, já com algum nome no meio, com apenas 15 anos, foi levado à Mangueira pelo sambista Lauro Gradim Santos, onde começou como ritmista.

Nas rodas de samba ele cantava e também conseguia se apresentar nos cabarés que proliferaram depois do fechamento dos cassinos em 1946. Na época ele venceu um concurso de calouros e foi contratado pela rádio Continental e, depois, pela rádio Tupi. No começo dos anos 50, trabalhou como crooner da Orquestra Tabajara de Severino Araújo e se apresentou até na França. Fez sucesso no disco em gravações pela Continental de Folha Morta (Ary Barroso), Exaltação à Mangueira" (Enéias Brito e Aluísio Augusto da Costa) e "Ela disse-me assim", de Lupicínio Rodrigues. Jamelão viria a ser considerado o maior intérprete de Lupicínio, especializando-se no samba canção com suas profundas fossas amorosas. Ele gravou dois LPs dedicados à obra do compositor gaúcho, "Jamelão interpreta Lupicínio Rodrigues'' (1972) e "Recantando mágoas - A dor e eu" (1987).

Jamelão foi gradualmente se convertendo na voz da Mangueira, desde que começou a cantar os sambas enredo nos desfiles a partir da década de 50. Ele nunca aceitou ser chamado de "puxador de samba", reagia como se tivessem lhe xingado a mãe, dizendo que puxador era quem fumava maconha ou roubava carros. Ele era intérprete. E disso ninguém tinha dúvida. Muito menos ele, que batizou seu último disco de Cada vez melhor, reunindo regravações como Folha morta, ''Falsa baiana'' (Dorival Caymmi) e ''Ela disse-me assim'' Lupicinio), além de um pout-porri de sambas. O disco de um intérprete para ninguém botar defeito.

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