segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A ex-família real brasileira, ainda bem que estamos livres destes TFP

Onde foi parar a realeza Brasileira
Duzentos anos após o desembarque da família real, os brasileiros de sangue azul levam uma vida comum: trabalham como profissionais liberais, torcem pelo Fluminense, são religiosos e valorizam o sobrenome Orleans e Bragança

Por AZIZ FILHO

Eles quase nunca usam blacktie, mas têm aparência européia, falam inglês e francês e vão à missa bem vestidos aos domingos. Duzentos anos após dom João VI aportar no Brasil, seus hexanetos levam vidas confortáveis, a maioria na zona sul do Rio de Janeiro, onde à noite circulam por bares e boates da moda e namoram. À exceção do grupo que controla a Companhia Imobiliária de Petrópolis, que recebe 2,5% sobre transações imobiliárias no centro da cidade, os Orleans e Bragança do século XXI são contribuintes codemuns. Todos trabalham para fechar as contas no fim do mês. Para conhecer a linhagem que estaria no poder se dom Pedro II não tivesse caído em 1889, ISTOÉ reuniu 16 dos 30 trinetos da princesa Isabel que moram no Brasil. Compareceram os descendentes de Luís Maria Felipe, o filho caçula de Isabel, que ganhou o trono inexistente depois que Pedro, seu irmão mais velho, renunciou. O encontro foi alegre, sob os efeitos da recente vitória por goleada do Fluminense sobre o Flamengo no Maracanã. Todos são tricolores e, à primeira vista, iguais a qualquer jovem de classe média. Ou quase. Além de nomes que não cabem nos documentos e de jogarem mais golfe do que futebol, os jovens Orleans e Bragança se destacam pelo discurso patriótico e religioso e por um conservadorismo enraizado.

O peso da história nos ombros também os diferencia dos plebeus. “Ninguém sai por aí bêbado e, graças a Deus, não há caso de droga na família”, descarta a arquiteta Amélia Maria de Fátima Josefa Antonia Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Orleans e Bragança, 23 anos. Ela namora um empresário há um ano, mas garante que as pregações da Igreja, como a virgindade até o casamento, resistem ao tempo e continuam sagradas para a família.

“Temos liberdade, mas sabemos o que é errado. Levamos a religião a sério”, diz. O primo Eudes, de 30 anos, afirma que em sua casa as regras são um pouco menos ortodoxas: ele passou o Carnaval na casa da noiva, em Angra dos Reis. Mesmo assim, zela pelo sobrenome. “Bebo quase sempre sem exagerar. Não dá para ficar na rua sem camisa ou caído na sarjeta. Não posso fazer isso com meus pais, meus tios, meus avós, meus bisavós, meus tataravós.” O sobrenome, segundo ele, abre portas, mas também aciona preconceitos. “Os amigos dizem que eu só pego mulher porque sou príncipe. Não tenho do que reclamar nessa área, mas nunca tive de usar o nome.”

ALEXANDRE SANT’ANNA/AG. ISTOÉ
CLÃ REUNIDO Dezesseis dos 30 trinetos da princesa Isabel: discurso conservador
ALEXANDRE SANT’ANNA/AG. ISTOÉ
TRIBUNAL Gabriel José trabalha como advogado

“Quem votou no PT?” A pergunta, lançada no estúdio em que os jovens posaram para ISTOÉ, encontra um silêncio de segundos até que dois ou três menos discretos disparam: “Deus me livre!” Eudes, o mais velho, explica que um membro da família real não deve se filiar a partido, mas a família defende o capitalismo e gostaria de votar em um candidato do DEM para presidente. “Como os liberais não têm candidato decente, votamos no PSDB, apesar do social no nome”, diz Eudes, que trabalha em um banco de investimentos. O tio mais velho da turma, Luís Gastão, que hoje seria o imperador, é um dos principais quadros no Brasil da TFP (Tradição, Família e Propriedade), gueto ultraconservador da Igreja Católica. Eudes não tem dúvida do que faria se fosse um monarca com poderes executivos: “Privatizaria, demitiria servidores e fortaleceria as Forças Armadas e as polícias.” Sua irmã, a arquiteta Maria Antônia, 28 anos, pós-graduada em gestão empresarial, também cortaria gastos, mas as prioridades seriam educação e saúde. As diferenças são menores entre os caçulas dos primos: os irmãos Ana Thereza, 12, e Antônio Alberto, 10. “Eu acabaria com a mania de poluir”, diz a menina. “E eu, com a ‘desmatação’ da Amazônia”, decreta o pequeno príncipe.

ESPORTE Pedro Alberto adora golfe

Os antepassados que mais admiram são a trisavó, por ter abolido a escravidão, e seu pai, Pedro II. “Foi o maior estadista e fez do Brasil um grande império com liberdade”, diz Rafael, 21 anos, estudante de engenharia de produção. Ele acaba de voltar das férias na casa dos parentes na Alemanha, onde quebrou a perna direita esquiando na neve. Rafael, Amélia Maria e a irmã Maria Gabriela, 18, moram no Jardim Botânico com a avó Maria Elizabeth Wittelsbach, 94 anos, neta do último rei da Baviera e principal ponto de convergência da família. Outro irmão, Pedro Luís, 25, está na Europa. É um núcleo com altíssima concentração de sangue azul: o pai, Antônio João, se casou com Christine de Ligne, uma princesa da Bélgica. O casal mora em Petrópolis.

Para Maria Thereza, 24, filha de dom Francisco, gêmea de Maria Eleonora e irmã de Maria Elizabeth, 25, a família é mais tradicional do que a média porque a avó Maria Elizabeth, da Baviera, sempre foi muito firme. “Assumimos essa rigidez moral e ninguém usa roupas espalhafatosas.” Maria Thereza é psicóloga e, para atender os clientes, aluga um consultório por hora. Entre os costumes aristocráticos, um dos que a família aposentou há muito tempo, segundo ela, é o de a mulher ser educada para cuidar dos filhos enquanto o homem trabalha. “Mesmo se pudéssemos, ninguém seria madame, mas a realidade é que não estamos podendo”, diz, produzindo risadas.

OBRA Maria Cristina escreveu um livro

Em sua maioria, os trinetos da princesa Isabel estudaram em boas escolas e seguem profissões liberais. Há muitos arquitetos e advogados. “Nosso maior patrimônio é o fato de nossos antepassados não terem enriquecido. Dom Pedro II morreu modestamente em um hotel de Paris e recusou uma pensão da República, dizendo que não poderia ser pago se não servia mais à Nação”, ressalta dom João Henrique, bisneto de Isabel e filho de Fátima Tousson, princesa do Egito. Recém-separado de Stella, ele tem 53 anos e é pai de João Philippe, 21, que trabalha no mercado de commodities, e de Maria Cristina, 18. A caçula luta para superar as restrições da síndrome de Down e lançou, na Festa Literária de Paraty, o livro Cartas de amor, dedicado aos cantores Alexandre Pires e Daniel. Maria Cristina calcula que entrará na faculdade aos 26 anos. “Serei arquiteta e escritora”, planeja.

A princesa Isabel e o Conde d’Eu tiveram três filhos e, após o exílio, a família se dividiu entre os descendentes de Pedro de Alcântara (ramo de Petrópolis) e os de Luís Maria Filipe (Vassouras). João Henrique é do ramo de Petrópolis, assim como a modelo Paola Maria, 24, sua afilhada, cuja profissão de modelo deixa os tios moralistas de orelha em pé. Não é à toa que toma cuidados que parecem excessivos às colegas, como não posar nua ou desfilar com lingerie. “Com um sobrenome forte desses, não dá para fazer qualquer coisa”, afirma. Mas assinar Orleans e Bragança, segundo ela, “é mais alegria do que fardo”. Paola diz que o Brasil precisa de líderes como dom Pedro II. Ela estuda design de produtos em São Paulo e aluga um apartamento no bairro de Higienópolis. A mãe, Cristina Maria, tem duas lojas de antigüidade em Petrópolis e, assim como a filha, trabalha duro. “O relevante não é o título de princesa, mas a consciência do que nosso nome representa, por nossos antepassados. Nos valoramos com o trabalho e, quanto melhores formos, mais o Brasil crescerá”, diz a mãe da modelo, ressaltando outro pilar do discurso da família: o patriotismo.

Estagiária de arquitetura, Maria da Glória, 25 anos, filha do príncipe economista Fernando com a dona-de-casa Maria da Graça, mora com os pais no bairro da Urca, no Rio. Diz que gosta de não ser chamada de princesa pelo namorado, mas não esconde o orgulho dos antepassados. “A República foi uma decisão do povo e não tenho opinião formada se foi boa ou ruim, mas acho que poderíamos ter feito algo melhor”, afirma. Para ela, não é o regime de governo que define a democracia ou a qualidade de vida. Há nações ricas e democráticas com reis ou com presidentes, enquanto muitos povos sofrem sob monarquias ou repúblicas ditatoriais. E o Brasil? “Do jeito que está, vai mal”, resume a princesa.

Com as comemorações dos 200 anos e o assédio da imprensa, os jovens Orleans e Bragança correm aos livros para aprender ou relembrar a história dos antepassados. O advogado Gabriel José, 27 anos, um dos mais dedicados, fala com desenvoltura sobre o processo movido pelos Orleans e Bragança para recuperar a casa dada de presente de casamento pelo Conde d’Eu a Isabel. É o belo Palácio Guanabara, sede do governo fluminense. “O confisco foi um esbulho”, diz Gabriel. Para ele, o sobrenome ilustre não é garantia de sucesso profissional. “Se ajuda, eu não sei, mas até agora não senti diferença”, brinca. Perguntado se as regras religiosas, como a proibição do sexo antes do casamento, só valem para as moças da família, Gabriel, que tem namorada, diz que não. “Costumamos seguir todos os preceitos da Igreja Católica. Acho que isso responde”, resume.

DIVISÃO Dois ramos de descendentes da princesa Isabel pleiteiam o “trono”

O cisma dos Orleans e Bragança
Se a monarquia fosse restaurada no Brasil, o trono seria disputado por dois ramos dos Orleans e Bragança, o de Petrópolis e o de Vassouras, ambas cidades do Rio de Janeiro. A história é a seguinte: a princesa Isabel e o Conde d’Eu, francês, tiveram três filhos. O mais velho, Pedro de Alcântara, renunciou ao trono – decorativo, pois o Brasil já era República – para se casar com uma nobre, porém não princesa. Seus descendentes (ramo de Petrópolis) dizem que a renúncia não vale porque ele não poderia desistir de algo que não existia, o trono. O direito passaria ao mais velho de seus cinco filhos, dom Pedro Gastão, que morreu há dois meses. O título hoje seria do mais velho dos seis filhos de Pedro Gastão, Pedro Carlos. Ele mora no Palácio Grão-Pará, em Petrópolis, onde ficavam os serviçais da casa de veraneio de dom Pedro II, hoje o Museu Imperial.

Já o ramo de Vassouras sustenta que, se Pedro de Alcântara renunciou, está renunciado e pronto. Como o segundo irmão, Luís Maria Filipe, morreu antes da mãe, o imperador passaria a ser seu primogênito, Pedro Henrique, que depois do exílio na Europa passou pelo Paraná e se fixou em Vassouras. Ele e a princesa Maria Elizabeth, da Baviera, hoje com 94 anos, tiveram 12 filhos. O mais velho, que seria hoje o imperador, é Luís Gastão, que mora em São Paulo e não tem filhos.


Fonte: http://www.terra.com.br/istoe/

2 comentários:

causamonarquia disse...

A tal renúncia de 1908 nunca teve valor jurídico. Considerando a constituição monárqucia de 1824, por favor, me digam, em que artigo diz que o Príncipe Imperial tem de se casar??? Tratá-se do casamento da Princesa Imperial - como herdeira do trono - mas não do Príncipe Imperial.

Logo, a renúncia não tem, nunca teve valor. SAI e R. D. Pedro Carlos de Orleãns e Bragança é o atual Chefe da Família Imperial do Brasil.

Liv disse...

Ver os herdeiros dos déspotas sanguessugas do passado (e suas mentes paradas no tempo) chorando por ter de trabalhar para manter o próprio luxo nos dias de hj seria cômico se não fosse ridículo.