sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Sobre Dalva e Herivelto Martins


Algumas palavras sobre à micro-série Dalva e Herivelto produzida e veiculada pela Rede Globo. Como é sabido no Brasil a memória social não é muito privilegiada e, neste caso a TV ocupa um espaço de formação dos mais importantes, ainda que não raras vezes este espaço seja muito mal utilizado. Tudo isso para dizer que como não poderia deixar de ser estamos diante do debate entre liberdade artística e verdade fatual. Debate inevitável, quando se trata de uma obra com base em biografia, ou como gostam de dizer os cineastas norte-americanos, baseados em fatos reais. Deste modo, como gosta de dizer lá no Peramblogando meu amigo Daniel, vamos esclarecer algumas liberdades poéticas de Maria Adelaide Amaral e sua equipe. Para tanto nos basearemos no respeitado e importante Dicionário Cravo Albin da Música Brasileira (que é uma obra de reconhecimento acadêmico).

Desnecessário dizer que como toda grande obra da Venus Platinada no que se refere aos quesitos técnicos como maquiagem, figurino, reconstrução de época a série foi show. No que se refere à atuação em si dos atores, penso que qualquer coisa que diga, não ajudará muito, pois esta não é a minha praia. Particularmente não gosto de Adriana Esteves e ela acabou por me surpreender. Apesar de em geral, ter achado que mais uma vez ela confunde atuação com caras, bocas e trejeitos e não estar a altura de tamanha persona que era Dalva, em vários momentos ela conseguiu dar a dignidade necessária a personagem e seu grande drama de Sr uma mulher que “amou demais’ como diz a própria personagem no leito de morte. Mas para mim o grande destaque acabou sendo o chamado elenco de apoio, este sim brilhou sendo que por incrível que se pareça em uma série focada em dois personagens principais os melhores momentos foram protagonizados pelo elenco de apoio, com destaque para Fafi Siqueira (tai alguém que realmente poderia representar Derci Gonçalves) ou pelos atores (não sei os nomes que viveram Nilo Chagas (este contido como caberia ao seu personagem) e Grande Otelo sendo este praticamente uma consciência crítica da época. Ou então a personagem Margo vivida pela ótima atriz Leona Cavalli, entre outros. Quanto a Fábio Assunção fez o dever de casa. Passemos então análise do roteiro em si. Comecemos pela própria Dalva de Oliveira, segundo Cravo Albin e sua equipe:

“Filha mais velha de Mário de Oliveira e Alice do Espírito Santo. Além dela, os pais tiveram mais três meninas, Nair, Margarida e Lila e um menino que nasceu com problemas de saúde e morreu ainda criança. Seu pai, que era conhecido na cidade pelo apelido de Mário Carioca, era marceneiro e músico nas horas vagas, tocava clarinete e costumava realizar serenatas com seus amigos músicos, chegando a organizar um conjunto para tocar em festas. A pequena Vicentina gostava de acompanhá-lo nessas serenatas. Viviam de forma bastante modesta e quando ela tinha apenas oito anos, sofreram um duro golpe familiar: Mário faleceu, deixando a esposa com quatro filhos para criar. Dona Alice resolveu, então, tentar a vida na capital paulista, onde arrumou emprego de governanta. Conseguiu vaga para as três filhas em um internato de irmãs de caridade, o Internato Tamandaré, onde Vicentina chegou a ter aulas de piano, órgão e canto. A menina ficou lá por três anos, até ser obrigada a sair, devido uma séria infecção nos olhos. Nessa ocasião, a mãe perdeu o emprego, pois os patrões não aceitaram a presença da menina. Dona Alice conseguiu emprego de copeira em um hotel e Vicentina passou a ajudá-la. Trabalhou então como arrumadeira, como babá e ajudante de cozinha em restaurantes. Depois, conseguiu um emprego de faxineira em uma escola de dança onde havia um piano.”

Assim sendo, Dalva de Oliveira como a série deixou entrever várias vezes teve uma origem bem pobre e simples. Ocorre também que Dalva era filha de uma migrante portuguesa pobre e de um pardo também pobre. Dalva é fruto desta mistura dizem os textos da época se tratar de uma bela mulher que combinava uma cor morena com olhos verdes. Penso que a série acabou por embranquecer demais a realidade. Algo que se tornou mais gritante na escolha do elenco para sua família. Isso porque Peri Ribeiro (cantor e dos bons) filho da cantora e de Herivelto não se trata de alguém fenotipicamente branco.

Sobre seu casamento vamos pouco falar visto se tratar do centro da trama e neste ponto buscou-se ser mais fiel. No entanto é necessário novamente chamar a atenção para algumas liberdades poéticas, ao que se sabe Dalva nunca teve relacionamento com um mexicano ou caribenho e sim um relacionamento que acabou sendo seu segundo casamento com o empresário argentino Tito Clement com que ela viveria por volta de 13 anos, entre 1950 e 1963. Depois de separar de Tito já mais próxima ao fim da vida como retratado na série teve um caso com um rapaz bastante jovem. Mas aqui ressalto e acho mérito de Maria Adelaide Amaral (diga se de passagem romancista das melhores além de uma excelente roteirista) mostrar como naquela época a mulher ainda apresentava uma fragilidade, que, diga-se de passagem (fazendo sociologia rasa e vulgar), era sociológica, no sentido de que a mulher era aquela que devia subserviência total ao marido. E no caso de Dalva tão relação torna-se emblemática pois ao mesmo tempo que busca recusar tal relação, Dalva necessitava quase que ontologicamente, digamos assim de um homem que lhe mostrasse o seu devido lugar de mulher (lugar este pré-determinado socialmente).

Do ponto de vista de sua carreira aqui temos um paradoxo, pois apesar da série apresentar vários números musicais, de novo, diga-se de passagem, de enorme bom gosto e acuidade técnica (isso serve para mostrar que podemos realizar por aqui grandes musicais), considero que esta parte a série ficou devendo ao enorme talento (reconhecer o talento de alguém não significa necessariamente ser um grande fã do estilo) de Dalva. Penso que a série ao focar a relação matrimonial-profissional acabou por denegar a carreira de Dalva no pós casamento. Assim para quem assistiu a série, - e toda essa crítica se refere ao incomodo que senti com tal atitude, - ficou parecendo que após o fim do seu casamento a carreira de Dalva fora uma grande decadência. Algo bastante doloroso, com a antiga Estrela Dalva, cantando em churrascarias e circos. Ora aqui temos dois problemas: o primeiro diz respeito a própria dinâmica das brigas entre Dalva e seu ex-esposo, o grande compositor Herivelto Martins. Herivelto nunca escondeu (como bem demonstrou a série) que sem ele Dalva definharia. E da forma que a série caminhou poder-se-ia concordar com ele pois ambos teriam definhado após a separação. Portanto a ausência da carreira da cantora após o casamento, como que confirma esta teoria do marido ressentido. E o segundo é um problema de ordem fatual.

Ao que consta a carreira de Dalva após a separação foi bastante prodigiosa. Lembremos que ela se separa de Herivelto entre 1947 e 1949 vindo a falecer somente em 1972. Voltemos a Cravo Albin para percebemos o quão vitoriosa foi a carreira da estrela após o fim de seu casamento (portanto reproduzirei somente o texto referente a esta época, deixando de lado seus sucessos da época que vivia com Herivelto) que entre outras coisas chegou ser eleita em um ano a Rainha do Rádio, além de grandes sucessos e ter se tornado uma cantora internacional. Pois somente de relance a micro série falou do fato de Dalva ter cantado nos festejos de coroação da Rainha Elizabeth II, mas foi mais do que isso Dalva gravou um disco na Inglaterra que é considerado por muitos como um prenuncio da invasão da MPB pelo mundo, o que ocorreria na geração seguinte a bossanovista. Dalva além disso também teve uma bela carreira na região platina. Tendo morado inclusive durante cerca de 6 anos na Argentina, na verdade morava meio ano lá e meio ano aqui, o que lhe tornou uma referência quando se fala de boleros e tangos.
Segundo Cravo Albin (reproduzo abaixo) ao contrário do que fez crer a série Dalva continuou gravando e muito, tendo gravado aliás grandes sucessos, por exemplo, Lencinho Branco ou o disco Praça Onze sucesso do ano de 1965. Efetivamente a artista não era mais a mesma, mas poderá o estilo de música, de cantar e mesmod e se viver de sua época a velha Bossa tinha se ido, mas longe de ser um fracasso Dalva continuava a gravar a seu modo e ser referenciada pela Nova Bossa, aliás, Tom Jobim iniciou sua carreira de musico tocando e arranjando para Dalva que também o gravou como gravou o jovem Chico Buarque. Por fim praticamente um ano antes de morrer voltou às multidões ao gravar de defender a belíssima Bandeira Branca.

"Uma das grandes estrelas dos anos 1940, 1950 e 1960, sendo considerada uma das mais importantes cantoras do Brasil. Dona de uma poderosa voz, cuja extensão ia do contralto ao soprano, marcou época como intérprete. (...)o samba "Tudo acabado", de J. Piedade e Osvaldo Martins não estourasse, ele se demitiria. O samba, de fato, foi um grande sucesso na voz dela, inaugurando uma duradoura batalha musical com Herivelto Martins, com os dois usando a música para se acusarem mutuamente pelo fracasso do casamento. Nessa polêmica musical destacaram-se, ainda o bolero "Que será", de Marino Pinto e Mário Rossi e o samba "Errei sim", de Ataulfo Alves, ambas gravadas em 1950 e que se constituiram em grandes sucessos. Ainda nesse ano, fez sucesso com o samba-canção "Ave Maria", de Vicente Paiva e Jaime Redondo, com acompanhamento de Osvaldo Borba e sua orquestra. Ainda na década de 1950 atuou nos filmes "Maria da praia", de Paulo Wanderley; "Milagre de amor" e "Tudo azul", ambos de Moacir Fenelon.
Em 1951, novamente com acompanhamento da orquestra de Osvaldo Borba, gravou os sambas "Rio de Janeiro", de Ary Barroso e "Calúnia", de Marino Pinto e Paulo Soledade. Nesse ano, fez sucesso com a marcha "Zum-zum", de Paulo Soledade e Fernando Lobo e com o samba "Palhaço", de Osvaldo Martins, Washington e Nelson Cavaquinho, que aparece no selo do disco apenas como Nelson. Nessa época, fez várias excursões ao exterior, apresentando-se no Uruguai, Argentina, Chile e na Inglaterra. Em Londres, cantou na festa de coroação da Rainha Elizabeth II, no Hotel Savoy, acompanhada pelo maestro Robert Inglis. No ano seguinte, esse repertório foi gravado em Londres, nos estúdios da Parlophone, com o maestro Inglis e sua orquestra. O nome de Inglis foi aportuguesado para Inglês, a fim de facilitar sua comercialização no Brasil. No elepê, eles recriaram clássicos brasileiros como: "Tico-tico no fubá", "Aquarela do Brasil", "Bem-te-vi atrevido" e "Na Baixa do Sapateiro", além de vários outros sucessos.Em 1952, fez sucesso com a marcha "Estrela do mar", de Marino Pinto e Paulo Soledade e gravou também o samba "Vai na paz de Deus", de Ataulfo Alves e Antônio Domingues e a marcha-rancho "Mulher", e Marino Pinto e Paulo Soledade. Ainda nesse ano, lançou novos sucessos, "Kalu", um baião de Humberto Teixeira e "Fim de comédia", samba de Ataulfo Alves e foi eleita Rainha do Rádio, além de excursionar pela Argentina, apresentando-se na Rádio El Mundo, de Buenos Aires. Foi nessa ocasião que conheceu o empresário Tito Clemente, seu futuro marido. Em 1955, gravou sem muito sucesso os sambas-canção "Eterna saudade", de Genival Melo e Luiz Dantas e "Não pode ser", de Marino Pinto e Mário Rossi; o tango "Fumando espero", de Villadomat e Garson, com versão de Eugênio Paes; a valsa "Quinze primaveras", de Solovera e Ghiaroni; a marcha "Carnaval, carnaval", de Kléscius Caldas e Armando Cavalcânti e o samba "Foi bom", de Marino Pinto e Haroldo Lobo.
No ano seguinte, lançou os sambas-canção "Teu castigo", dos ainda iniciantes Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça e "Neste mesmo lugar", da já então consagrada dupla Kléscius Caldas e Armando Cavalcanti. Nesse mesmo ano, gravou os tangos "Lencinho querido", de Filiberto, Peña Losa e Maugéri Neto e "Confesion", de Discepolo e Amadori, com versão de Lourival Faissal, reforçando sua imagem de cantora de músicas românticas, especialmente o tango, gênero em que se saiu excepcionalmente bem. Em 1957, gravou com acompanhamento de Léo Perachi e sua orquestra o bolero "Nada", de Marino Pinto e David Raw e o samba-canção "Prece de amor", de René Bittencourt. Nesse ano, fez sucesso com o samba-canção "Há um deus", de Lupicínio Rodrigues com orquestração e piano de Antônio Carlos Jobim e acompanhamento de sua orquestra. Gravou na mesma época o samba "Eu errei, confesso", de Klécius Caldas e Armando Cavalcânti que de certa forma retomava as querelas de sua separação de Herivelto Martins. Do então marido Tito Clement gravou o samba-canção "Intriga", parceria com o sambista Sinval Silva e a toada "Sonho de pobre".
Em 1958, gravou do filho Pery Ribeiro o samba-canção "Não devo insistir", parceria com Dora Lopes. Nesse ano, lançou o LP "Dalva de Oliveira", no qual interpretou músicas de dos mais diferenciados compositores, incluindo "Copacabana beach", de Klécius Caldas e Armando Cavalcânti; "Não tem mais fim", de Hervê Cordovil e Renné Cordovil; "Folha caída", de Humberto Teixeira; "Intriga", de Sinval Silva e Tito Clement e "Testamento", de Dias da Cruz e Cyro Monteiro. No ano seguinte, gravou dois discos destinados às festividades do Dia das mães, as valsas "Minha mãe, minha estrela", de Rubem Gomes e Luiz Dantas e em dueto com Anísio Silva, "Amor de mãe", de Raul Sampaio e "Minha mãe", de Lindolfo Gaya sobre poema de Casemiro de Abreu. Gravou no mesmo ano a canção "Velhos tempos", do iniciante compositor Carlinhos Lyra, parceria com Marino Pinto. Lançou também o LP "Dalva de Oliveira canta boleros", com canções como "Lembra", de Tito Clement; "Sábias palavras", de Mário Rossi e Marino Pinto; "Vida da minha vida", de Antônio Almeida e "Finalmente", de Marino Pinto e Jota Pereira.
Em seguida, gravou as músicas "Quando ele passa", Oswaldo Teixeira, "Enquanto eu souber", de Esdras Silva e Ribamar; "Dorme", de Ricardo Galeno e Pernambuco e "Meu Rio", de Tito Clement, entre outras, incluídas no LP "Em tudo você", lançado pela Odeon em 1960. No ano seguinte, lançou outro LP apenas com tangos, entre os quais, "El dia em que me quieras", de Ghiaroni, Le Pera e Carlos Gardel e "Fumando espero", de Eugênio Paes, Garzô e Villadomat. Lançou também outro LP, com apenas seu nome como título, e que incluiu seus grandes sucessos "Ave Maria no morro", de Herivelto Martins, "Segredo", de Marino Pinto e Herivelto Martins, "Estrela do mar", de Marino Pinto e Paulo Soledade e "Que será", de Mário Rossi e Marino Pinto.
Em 1962, gravou os boleros "Nem Deus, nem ninguém", de Roberto Faissal e "Sabor a mim", de Alvaro Carrillo e versão de Nazareno de Brito. Também nesse ano, gravou no pequeno selo Orion os sambas-canção "Arco-íris", de Marino Pinto e Paulo Soledade e "Amor próprio", de Marino Pinto e Carlos Washington. Gravou também o LP "O encantamento do bolero" do qual fazem parte "Minha oração", uma versão de Cauby de Brito; "Nem Deus nem ninguém", de Roberto Faissal; "Tu me acstumaste", de F. Domingues e "E a vida continua", de Jair Amorim e Evaldo Gouveia. Em meados dos anos 1950, fixou residência em Buenos Aires, só retornando em 1963, mas onde gravaria, com sucesso, alguns tangos, logo editados no Brasil, entre os quais "Lencinho Branco", que foi muitíssimo executado, sendo um campeão de venda de discos. A cantora vinha sempre ao Rio de Janeiro, para temporadas artísticas em rádios e teatros. No ano de seu regresso ao Brasil, lançou o LP "Tangos volume II", e que trazia tangos como "Estou enamorada", de José Marquez e Oscar Zito, com versão de Romeu Nunes e "Vida minha", com versão de Cauby Peixoto.

Em 1965, lançou o LP "Rancho da Praça Onze", cuja música título, de Chico Anysio e João Roberto Kelly foi um dos destaques do ano. No mesmo disco estavam "Hino ao amor", versão da música de Edith Piaf; "Junto de mim", de Alberto Ribeiro e José Maria de Abreu, "Fracasso", de Fernando César e Nazareno de Brito e "Ser carioca", de Fernando César. Dois nos depois lançou o LP "A cantora do Brasil"que marcou seu retorno ao disco após o afastamento provocado pelo acidente. Nesse disco, gravou a marcha "Máscara negra", de Pereira Matos e Zé Kéti, um dos maiores sucessos de sua carreira e que foi uma das mais executadas no carnaval daquele ano, tendo conquistado o 1º lugar no concurso de músicas para o carnaval criado naquele ano pelo MIS do Rio. (...)Lançou em 1970 aquele que acabaria sendo seu último LP e cuja música título, de autoria de Laércio Alves e Max Nunes, constituiu-se em enorme sucesso, "Bandeira branca", um marco em sua carreira.”

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