quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Abre Caminho - Mariene de Castro

Ainda porque é dia do samba. Apresentamos a grande Mariene de Castro, uma voz linda e um rosto idem, essa filha de Oxum e de Salvador é o exemplo da vivacidade do Samba. Principalmente o Samba de Roda com seus toques em ijexás e afochés.

Mariene se declara apaixonada pela tradição popular. Em seu site: " O que faz de sua arte é pela história do seu povo, pelo respeito pelos negros que sofreram, pelos índios que foram exterminados dessa terra chamada Brasil. Enfim, pelo respeito àqueles que nos legaram a música, o swing de cantar e de sambar. Pela a herança do povo brasileiro que precisa ser preservada
Um pouco de Mariene
Mariene Bezerra de Castro, chamada carinhosamente por sua família de Ninha ou Mari. Apresentou-se para mim em uma foto em uma matéria de internet: Inegavelmente linda, com suas marcantes florzinhas no cabelo, os braços pintados de dourado e repletos de pulseiras largas também douradas. O dourado intenso tem explicação: é típico das filhas de Oxum. E Mariene é uma filha devota da Mãe dos rios, riachos, cachoeiras, fontes. É sabido que as Filhas de Oxum tem prazer em se enfeitar, principalmente com cores amarelas e douradas. É capaz de centralizar as atenções. Na arte da sedução, não pode haver ninguém superior a Oxum. Estas moças de OXUM como Mariene são um perigo para os filhos de Xangô (como este que escreve estas linhas). Oke Aro Oke Kabecile meu pai. Oxum é a desrazão do arazoado Xangô.
No seu site, Mariene afirma “O samba vem da minha infância”. Segundo ela o primeiro disco que ganhou foi de Luiz Gonzaga e logo em seguida um disco de Beth de Carvalho. PRONTO. Como mostra seu disco de estréia essas influências bem como sua infância em Andaraí na Chapada Diamantina seria definitiva na sua música e na sua arte. Mariene afirma, em seu site que ouvia bastante o disco de Beth e que sambava dentro de casa, se vestia de baiana. Além disso segundo ela o samba de roda, era de costume na sua casa "preparar o caruru de São Cosme e Damião. Essas músicas que eu canto hoje estão no registro da memória da minha infância. Eu me lembro do gosto e do cheiro do caruru”.
Seu disco de estréia imperdível se chama: Abre Caminho. Como, é sabido dos iniciados do Candomblé somente Exu abre os Caminhos. Então que Exu continue abrindo o caminho para mais essa voz de Oxum e para essa excelente cantora. Que em alguns momentos lembra Clara Nunes e em outros a grande Bethânia quando esta canta os maravilhosos sambas de rodas.
O disco abre com a música que dá título ao CD: Abre Caminho. Uma belo samba de exaltação ritmado com toques para Oxum. A múscia é uma declaração de amor ao Samba e a Oxum. Não custa lembrar que Samba é Semba, e Semba é o dono do corpo, uma das formas de Exu. A letra de Mariene diz tudo: Diga a mãe que eu cheguei...Cheguei. tô chegada. Esperei, bem esperado. Nessa minha caminhada. Sou água de cachoeira. Ninguém pode me amarrar. Piso firme na corrente,que caminha para o mar. Em água de se perdereu não me deixo levareu andei. Andei lá, andei lá, andei lá,eu já sei. O caminho andei lá. Eu nasci e me criei no colo das iabás. Andei por cima da pedras. Pisei no fogo sem me queimar. Andei onde mãe Clementina andou, E o samba mandou me chamar. Eu faço o que o samba manda. Eu ando onde o samba andar. Com a força da minha fé,Eu ando em qualquer lugar. Na beira do mar. Andei lá no Gantois andei. No samba de Edithandei lá no tororó. Andei no cortejo do Bonfim andei, andei, andei lá Na festa do Divino. Cantei pro menino, me Abençoar Ainda vou caminhar.
Na sequência Ilha de Maré também de autoria de Mariene, excelente letrista, em um ritmo mais próximo de um samba de gafieira com direito a naipe de metais. Diz trecho da música "Ah! Eu vim de ilha de Maré. Minha senhora. Pra fazer samba. Na lavagem do Bonfim. Saltei na rampa do mercado e segui na direção. Cortejo armado na Igreja Conceição."
Na terceira música, uma bela homenagem a outra baiana a grande Gal Costa, Mariene recria Raiz, que novamente soa como metalinguistica ao talento da moça: "Tá na beira do mar Nas folhas de sultão Nos metais de Ogun Iê Vento, raio e trovão Tá na voz mais bonita Que tem graça nas mãos Orumilá bem disse Será a voz da canção." Na quarta música Poema para uma Tribo novamente Mariene comunica ao mundo que só podemos ser universais na medida que somos raízes. Ela é universal porque essencialmente é de Andaraí.
Na música 05 Cantiga de Cangaceiro um lindissimo xote e uma letra idem, com direito ainda a Mariene declamar um cordel. É puro xamego, aquele tipo de música feita para sair dançando "É Lampi, É Lampi, É Lampi, É Lamparina É Lampião Meu nome é Virgulino". Eis ai a influência do primeiro disco ouvido pela moça e uma bela homenagem a Luiz Gonzaga ao exaltar Lampião: "Homem nenhum nasceu para ser pisadoÉ Lampi, É Lampi, É Lampi, É Lamparina É Lampião Meu nome é Virgulino, apelido, Lampião Passarinho avisou relampiou é lampi Passarinho avisou relampiou é lampiPassarinho avisou relampiou é lampiBendito louvado seja Menino Deus na estradaTrês vez salve o Cálix bento e a hóstia consagradaTambém salve a casa santaOnde Deus fez a moradaEo rosário de Maria Minha mãe ImaculadaPassarinho avisou relampiou, é lampiPassarinho avisou relampiou, é lampiSe o chão não mata a sedeA Sede não mata o chãoFere, corta, rasga e furaMas matar não mata nãoBicho de morte, é volanteQue mata sem precisãoCom a mão que balança o santo embala a rede do cãoPassarinho avisou relampiou, é lampiPassarinho avisou relampiou, é lampiMeu coração é o raso da CatarinaPé de saudade na duraDor que não quebra inclinamas na paixão meu coração é CajuínaPassarinho avisou relampiou, é lampiPassarinho avisou relampiou, é lampiMaria Bonita alumia o trançado do chineloCom bala de riflePapo Amarelo é o dito que corre no marteloA viola temperada, enfeitada de fit a e póNão toca mais em angico, foi tocar em mossoróFicou meu borná de balaQue eu chamo de curió."
Sua voz grave denota a personalidade forte herdada de Oxum. Disse a moça: “Hoje, eu sei que eu sou de Oxum, sei da minha relação com a Andaraí rodeada de rio, mas naquela época, não sabia. Só sentia que eu gostava muito dali onde eu tomava banho desde pequeninha”, Mariene foi criada nas águas do Rio Paraguassú.
Mas a maior supresa do disco chega com a música 07 Planeta Agua, novamente em homenagem ao seu firmamento - as aguas- Mariene recriou, isso mesmo, reinventou a música de Guilherme Arantes. A maior surpresa do disco, pois com os novos arranjos, inclusive com pequenas modificações na letra, em nada lembra a música de Arantes - assumo que só depois da metade da música fui sacar que era a velha Planeta Agua de Arantes. Mariene conseguiu transformar a a música de Arantes em uma belo Samba, com uma dignidade que a versão original não possui.
Mas a surpresa não para por ai pois a música 08 é uma Embolada de Coco. Eta menina nordestina arretada. Não ficou de fora nenhuma de suas influências de menina que cresceu entre Salvador e o interior da Bahia. Senão bastasse ser uma cantora formidável (com domínio pleno sobre a voz e o canto e por isso com segurança para cantar vários ritmos) com um sotaque gostoso Mariene definitivamente é uma grande letrista: "Garaximbola Peixe do MarEmbola, embolaQuero ver desembolarEmbola tu, embola euEmbola aqui, embola láEmbolador, no coco de embolarEmbolador dá soco no ganzáEmbolador tá louco pra embolarPega no garaximbolaVamos ao garaximbolarOlha bala emboladeiro, que o baleiro embalaEmbolador de balaEmbala bem bala de coco como quem no coco embolaChama o embalador de bala, emboladeiro pra embolarEmboladeiro, eEmboladeiro, aEmbala a bola na ladeira pra bola embolarEmbola o bolo da boleira que o baleiro dáBole no bolo de coco, molha um pouco o paladarEmbala a bola na ladeira pra bola embolarEmbola o bolo da boleira que o baleiroBole no bolo de coco, molha um pouco paladarEmbala a bola, embola o bolo, bala é pra desembalarO que embola é coco nesse coco de embolar, Embola a rede embolaO peixeEmbola o rio, embola o marEmbolador, de peixe euvou falar emboladorRemexe esse ganzáEmbolador me deixa começarPega no garamximbola e vamos garaximbolarCocoroca, candiru, pacu, caranguejolaSurubim, carapicu, cará, siri-patolaPirambú, xaréu, garoupa, carapau, garaximbolaPescador conhece o peixeEmbolador sabe embolarLeva o balaio ali, traz o balaio cáTem carapeba, pirará, tem curimatáCurvina, congo, xerelete, tem carapiáTem piaba, atum, linguado, tem pintado, aruanáTucunaré, cação, tainha, tambaqui, tamboatáTem peixe com cocoNesse coco de embolar."
E assim segue o disco com Nonô, e sua triste letra a respeito da tragédia das chuvas. Na decima música: Prece de Pescador, de novo a Bahia profunda e tão bem representada por Mariene em nova letra da moça: "Que luz é essa que vem lá do mar?É a Senhora das Candeias Mãe dos Orixás (...) Inaê por cima do mar prateoupor cima do mar mariô por cima do mar incandiou (...) Ê nijé nilé lodô Yemanjá ô Acota pê lê dêIyá orô miô. Com direito a backvocals em falsete tão comum nas sessões de Umbanda. Como não lembrar da minha querida Guananbi no Sertão Baiano...
O disco segue com Flor de Muçambe, onde a voz de Mariene explora todo os tons desta moda de viola. E nos lembra, aliás tal característica aparece em várias músicas, que viola também é instrumento essencialmente negro como mostra os belos violeiros do nosso interior e que de viola também se faz o samba. Ainda que no caso desta música se sobressaia mesmo uma viola cabocla.
Em Quebradeira de Coco, a presença de Mariene é um acontecimento agora sim !!!! Será Bethania do Brasileirinho ou então uma entidade com voz imponente e respeitosa de uma senhora. Acontece que Mariene é tão moça. "A dor é um coco ruim de quebrar Menino assustado no meio do mundo Busquei refúgio em teus braços (...) quem quiser ver a tristeza do jeito que Deus criou (...) e a voz de falsete no fundo: "São Jeronimo e Santa Barbara (...) tocando zabumba e dando viva ao senhor (...)" Quebradeira de coco Ê babaçue yá A dor é um coco ruim de quebrar". E de fundo a voz de falsete como dos pedintes do sertão miseravel: "Coitadinho de quem pede por grande necessidade. " A letra é de Roque Ferreira, aliás autor de quase todas as músicas que não são da Mariene.
Em Cantigas de São Cosme e São Damião a decima-quarta música do disco Mariene novamente retorna a sua memória de criança. Aliás o disco todo é uma grande homenagem a suas origens “Essas músicas que eu canto hoje estão no registro da memória da minha infância. Eu me lembro do gosto e do cheiro do caruru”. Portanto a letra de Mariene lembra, a beleza da Umbanda e seu sincretismo: "Ê Cosme, ê Cosme. Damião mandou chamar Que viesse nas carreiras Para brincar com Iemanjá Cosme e Damião Vem comer seu caruru Cosme e Damião Vem que tem caruru pra tu. Cosme e Damião cade Dou. Dou foi passear no Cavalo de Ogum. Vadeia dois-dois Vadeia no mar A casa é sua dois dois Eu quero ver vadiar. Vamos levantar o cruzeiro de Jesus Pro céu, pro céu Pro céu da Santa Cruz".
Segundo Mariene, ela foi escolhida pela religião. “Eu fui conhecendo pessoas do Candomblé ainda na minha infância. Eu tinha até uma amiga da escola, que a mãe dizia que eu era de Oxum”. Para ela em sua crença o que ela gosta é da sabedoria, de cultuar a natureza, de respeitar ao tempo e às pessoas mais velhas. “Coisas do Candomblé”. Para ela, que depois da infância não teve o costume durante sua vida de freqüentar muitos terreiros, quando chegou no Gantois há mais de dez anos, houve uma relação muito forte com a casa, sempre recebeu um reconforto grande.
A decima quinta música e o samba denominado Samba de Terreiro. Que serve de preludio para a última música do disco. Uma gira: O ponto dos Caboclos, mais uma da Umbanda. "Eu já vou me embora Para a minha aldeia Eu já vou me embora, camarada, Para a juremeira Lá são sete estrelas, São sete os caminhos Todos levam a deus, camarada, Eu nunca estou sozinho Ô zazi ê Ô zazi a Ô zazi ê Maiangolê maiangolá(Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo) ... Um abraço dado, de bom coração É o mesmo que uma bênção, Uma bênção, Uma bênção." Com essa música Mariene fecha seu disco indo embora, lembremos que a música que inicia o disco é Abre Caminho.
Mariene Abriu com certeza mais um belo caminho da música brasileira.
Falta o devido reconhecimento:
Sua passagem pela França em uma série de 21 shows foram bastante exitosa. Segundo Mariene aonde ia, na França, havia rios por perto. “Não tinha um show que eu fizesse que não houvesse água por perto, que não tivesse rio por trás do palco, rio por perto do palco, aí eu me sentia em casa”. Para Mariene, isso é decorrente da espiritualidade, de sua relação de fé para com Oxum. Segundo o seu site "Ao voltar para o Brasil com uma pasta de matérias e elogios, procurou à imprensa baiana para mostrar a repercussão positiva que causou na mídia francesa. Entretanto, não houve interesse pelo seu trabalho e pelo reconhecimento que obteve internacionalmente. Apenas um ano depois, uma jornalista se interessou pela sua música e publicou uma reportagem com o título “Baiana lança carreira na França”. Desta viagem para a França até hoje, Mariene continuou sua labuta de conquista de platéia, de entregar release pessoalmente em jornal e até de panfletar na rua."

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