quarta-feira, 9 de abril de 2008

O dia em que Perdemos a Razão

Abaixo um e-mail que enviei para a lista de alunos do mestrado em antropologia, do qual fui discente. Quero repartir com Vcs.

Colegas
queria fazer também alguns adendos ao que foi dito pelo Douglas, no entanto de fato essa minha viagem de campo não me permite. Envio abaixo um texto que de forma clara e correta expressa um bocado do meu sentimento. Aliás bem parecida no conteúdo não na forma (já que a minha é meio atabalhoada) com uma conversa que tive ontem com a Clarisse.Realmente sugiro a leitura do texto, ela é esclarecedora.

Mas para não dizer que não comentei de nada, quero chamar a atenção para alguns pontos:
- o movimento ora organizado tem suas fortalezas exatamente em suas fraquezas, ou seja não se trata do velho movimento estudantil que fica repetindo frases de chavão, ainda que esse tenha aderido ao atual movimento (o que é bom) . Isso é sua fortaleza pois trata-se de um movimento preocupado com as aflições de nossa Universidade e não necessariamente com as repercussões eleitorais, por exemplo. Nisso ele seria genuíno. Mas sua fraqueza advém exatamente dessa organicidade mínima enquanto movimento, daí em certos momentos a ausência de um discurso mais coerente. Isso ficou claro no "banho" que o movimento levou dos administradores da Universidade( por que sim, é isso que els são. Docentes jamais, verdadeiros docentes não permitiriam o descalabro do ocorrido) na audiência e mesmo na nota da reitoria.
- É impressionante e o texto abaixo, toca nesse tema de forma mais didática a ausência de um sentimento de grandeza a respeito da UFMG e do que é a vida acadêmica, a frase mais ouvida dos administradores é de que pasmem, eles não tem nada com isso. O Reitor foi claro, não houve erro daí não haver necessidade de uma retratação ou desculpas a comunidade acadêmica. E mais como não foi a Reitoria a responsável pela entrada da polícia, isso a redime de qualquer culpa. Esqueçamos então, um pouco desse nosso discurso de vida acadêmica e pensemos de forma meramente burocrática tal como eles fazem, em nada diminui o erro e a responsabilidade da reitoria, o fato de eles não tem chamado a polícia. Talvez em um certo ângulo só piora a situação. Talvez até do ponto de vista político (não concordo com isso), fosse aceitável que a reitoria convocasse a polícia; muito pior é essa versão agora que a polícia agiu a revelia. Nesse caso, então em qualquer lugar sério só restaria aos Reitores um gesto de nobreza, a Carta de Renúncia. Quem sabe diante desse gesto eles fossem até reconduzidos.
- ficou claro nas falas a insensibilidade com o drama, aqui não político, ideológico, teleológico, pedagógico do evento e sim a sensibilidade para com o drama humano dos que passaram por tal situação, isso ficou claro no depoimento do aluno que foi preso ( e que agora, pasmem!!!! responde por 4 processos) pelo simples fato de que queria sair da unidade onde ele estuda.
- por último, sei que muitas vezes tendemos a criar toda uma Mitologia em torno de certos lugares, que de certa forma são por nós sacralizados. Esse é o caso da Universidade, existe todo um mito que visa sacralizar e toda essa nossa reação é por que esse lugar sagrado foi profanado. Mas o que impressiona nesse evento todo, para mim é que a maior profanação vem dessa turma medíocre de burocratas que estão nos cargos diretivos da Universidade. Veja bem essa questão só foi mais uma gota. Talvez seja ai que resida o problema. Quando foi que perdemos a razão? Quando foi que passamos a permitir que alunos sejam processados por motivos políticos e continuamos calados? Quando foi que passamos a admitir como me foi dito por um burocrata da administração de que o prédio da reitoria é um prédio a parte do restante da universidade? Quando foi que perdemos a razão? E digo a Vocês foi quando na segunda-feira, um espião estava nos filmando e fotografando, isso não é brincadeira não. Aconteceu o Douglas que estava lá viu. Para mim com todo respeito ao trauma humano do colega preso e por favor ouça o depoimento dele para ver o quanto a coisa foi pior do que imaginávamos ( a tortura psicológica, sim levaram ele até um local ermo e disseram que iam matá-lo e desová-lo naquele local), com todo respeito ao trauma da colega que deu entrada no Pronto-socorro, mas isso não é nada ou melhor isso só é conseqüência do dia em que permitimos que a reitoria montasse dôssies de alunos. Me desculpe mas realmente estou abalado com o fato de que (fato este que não foi desmentido pela reitoria) existe na UFMG pessoas responsáveis por filmar e montar dôssies sobre os indesejados. Realmente a coisa é pior do que eu imaginava. Realmente teve um dia em que perdemos a razão e passamos a viver esses dias tão estranhos.
- para finalizar, agora mais do que antes desejo que todo esse movimento consiga no mínimo expor essas feridas, pois do contrário começamos a assistir o fim dessa Universidade e a vitória dessa gente medíocre que não entende a grandiosidade da nossa universidade, tanto não entendem que se recusam a debater (não é aplicar, somente debater) as questões das ações afirmativas: seja de indígenas, negros e homossexuais ( nesse caso a situação foi muito bem exposto por várias das lideranças do movimento Gay universitário na audiência). Ah Perdemos a Razão no dia em que grande parte dos discentes e praticamente todos os Docentes acharam normal ou como disse o Barbi, que um simples vestir de preto seria suficiente contra tudo isso relatado acima.

DEFESA DO RESPEITO AOS DIREITOS CIVIS NA UFMG

Prezado@s,

É cada vez mais difícil lecionar que o nosso direito
constitucional garante a livre manifestação do pensamento,
na forma do art. 5o, IV e, sobretudo, a liberdade de
expressão artística, "independentemente de censura ou
licença", no termos do art. 5o, IX, ambos da Constituição,
quando, dentro de
uma instituição concebida para o exercício
da crítica e da problematização, censura-se violentamente a
exibição de um filme distribuído no país por ninguém menos
dos que os notoriamente conservadores editores da revista Veja.

Aprendi um dia, na graduação que cursei na própria UFMG, que
a exigência de autorização/licença como pré-condição à
manifestação artística, científica e de comunicação se
configura, em nosso país, como repreensível vilipêndio aos
direitos humanos. Na mesma escola, contudo, em profunda
contradição performativa institucional, assume-se, sem
pudor, que é requisitada segurança para que se faça cumprir
a determinação de não exibição de uma obra audiovisual, em
face da ausência de licença para tal.

Discute-se o periférico (quem chamou os militares ou não),
quando o essencial, ou seja, o ato de lesão frontal e
inadmissível contra direitos fundamentais de estudantes já
ocorreu, à medida em que fora, um
dia antes da atividade
cultural violentamente interrompida, autorizado o emprego de
força como expediente para se impedir uma apresentação
audiovisual.

É igualmente ingrato constatar que o direito administrativo
se fundamenta em conceitos como competência funcional e
hierarquia, quando a alta administração de uma instituição
de ensino superior pretende convencer a todos de que os atos
de violência praticados em local sob sua gestão ocorreram ao
seu alvedrio. Onde estão os gestores que, se é verdade que
não determinaram a agressão aos acadêmicos, a permitiram
mediante conduta omissiva? Episódios ocorrentes em um
Campus universitário não podem, jamais, constituírem-se como
resultantes de determinações advindas de seguranças privados
ou de militares.

Fico igualmente confuso ao me lembrar de que os atos
administrativos, tais como a celebração de convênios,
possuem na motivação e na finalidade
elementos
imprescindíveis. Ora, qual a motivação e proporcionalidade
teleológica de um convênio com a Polícia Militar,
concomitante à presença de seguranças particulares, dentro
do espaço acadêmico? Em que se fundamenta tal
duplicidade/sobreposição? Por que não há, em duplicidade,
contratação de docentes, abertura de vagas em cursos,
repasse de verbas para a assistência estudantil,
pró-reitoria de assistência, fomento à pesquisa, ou
programas de extensão?

Já não sei o que dizer quando, inquirido sobre as
conquistas normativas da Carta de 1988, escuto que, sob o
aspecto fático, nunca, sequer sob o sombrio tempo do AI-5, a
UFMG fora objeto de invasão orientada à repressão contra a
exibição de um vídeo. Ao menos em nossa escola, lírios e
republicanismo, de fato, não nascem das leis ou de
investigações científicas.

Não devemos subestimar o ocorrido. O autoritarismo se
instalou na UFMG. Processos disciplinares para
punição de
alunos, censura violenta a debates culturais, proibição de
encontros estudantis em que discentes se alojam no Campus,
reuniões de órgãos decisórios hermeticamente isoladas do
pensamento e das razões públicas da comunidade acadêmica,
sob paredes cercadas por militares. É difícil crer que a
UFMG é a instituição onde, outrora, me ensinaram que o
artigo 206, inciso VI, da Constituição Cidadã, prescreve a
"gestão democrática do ensino público", como cimento
deontológico da educação neste país.

Também na UFMG, em 1999, quando ainda cursava os primeiros
períodos do curso de Direito, tive a oportunidade de
entrevistar, para o jornal do Centro Acadêmico Afonso Pena,
o escritor Frei Betto. Inquirido sobre a crise da academia,
o teólogo foi sucinto e preciso em sua resposta. Disse-nos
que a diferença, em instituições de ensino, sempre será obra
do movimento estudantil. Lembro-me, precisamente, da
seguinte frase: "sem
um movimento estudantil forte,
independente e combativo, a academia será sempre
conservadora e autoritária". Felizmente, a ocupação ocorrida
ontem demonstra que ainda podemos depositar esperanças na
democracia, na liberdade e no cumprimento de direitos
constitucionais em nossa escola.


Atenciosamente,

Franck Mata Machado

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