quinta-feira, 3 de abril de 2008

George W. Bush e a suspensão momentânea da democracia

Para variar, do ótimo blog do Pedro Dória.

George W. Bush e a suspensão
momentânea da democracia

Em fevereiro, o governo norte-americano levou à Justiça acusações formais contra Khalid Sheikh Mohammed e mais cinco homens presos na Base de Guantánamo. Todos fazem parte da cúpula da al-Qaeda e estão diretamente relacionados com o planejamento e a execução dos ataques de Onze de Setembro, alega Washington. Um tribunal irá decidir.

Enquanto isso, o Reino Unido já julgou e sentenciou quatro homens ligados a um ataque frustrado ao metrô de Londres em julho de 2005. Outros três homens que, no mesmo mês, concretizaram outro ataque ao metrô estarão agora em março perante um juiz. Demorou apenas porque foram presos no fim do ano passado. Dos 28 indiciados como participantes dos ataques aos trens espanhóis em março de 2004, 21 foram já condenados. A Indonésia já julgou e condenou os quatro homens presos pelos ataques a Bali, em outubro de 2002.

Até a Justiça da Indonésia parece mais eficiente do que a norte-americana – neste caso.

A questão é importante porque uma Justiça eficiente e rápida é um dos pilares básicos da democracia. A partir do momento em que alguém é preso, uma acusação formal deve ser produzida pelo Estado e um julgamento posto em marcha. É verdade que os Estado precisa de tempo para uma investigação que possa levantar provas. Mas é justamente aí que entra a eficiência da Justiça: a capacidade de investigar rápido e levar provas ao tribunal. Quando alguém é preso indefinidamente e o Estado leva todo o tempo que deseja para angariar provas, a democracia fracassou.

Na última edição da New York Review of Books, o veterano repórter e advogado Raymond Bonner lembra que não são ongs ou grupos de direitos civis que cobram esta eficiência em relação aos homens presos em Guantánamo. São os próprios advogados militares. Pelo menos um deles, o coronel Lawrence Morris, sugeriu ao governo Bush produzir julgamentos públicos no estilo Nuremberg para toda a alta-chefia da al-Qaeda. Revelaria ao mundo a extensão exata da conspiração para produzir ataques mortais.

Mas deixar claro o que a al-Qaeda fez e faz e o que nada tem a ver com ela não está, nem jamais esteve, entre as prioridades do governo Bush.

A primeira tentativa de julgar os acusados pelo Onze de Setembro foi a criação de comissões militares instituídas pelo Pentágono que ouviriam cada caso e o julgariam. Os juízes encarregados poderiam considerar como provas o que bem entendessem e descartar o que não quisessem. (Boato valeria se o juiz quisesse.) Nenhum condenado teria autorização de recorrer a uma corte superior. O governo britânico se recusou a colaborar – era patente que não havia Justiça formal ali. As comissões chegaram a iniciar seu trabalho. Foram interrompidas pela Suprema Corte dos EUA. Inconstitucional. Evidentemente.

Há duas novidades na praça. A primeira é que, pelo menos para os seis homens da cúpula da al-Qaeda presos, enfim haverá um julgamento. A segundo é que uma nova pessoa estará ocupando o Salão Oval na Ala Oeste da Casa Branca em janeiro de 2009. Aí, saberemos mais sobre como agiu, e com que métodos, o atual governo entre o ataque às Torres Gêmeas e hoje. Khalid Sheikh Mohammed, por exemplo, foi preso no Paquistão em março de 2003, transferido para algum lugar misterioso e, em setembro de 2006, levado a Guantánamo. Onde esteve durante todo esse período? Por quem foi interrogado? Com que métodos?

Bonner entrevistou Mamdouh Habib, um egípcio de cidadania australiana preso no Paquestão, em outubro de 2001. Ele contou que, no Paquistão, foi interrodado por ‘uma mulher de trinta e tantos que falava inglês com sotaque dos EUA’. Foi torturado com choques elétricos. Transferido para o Egito, apanhou de seus captores. Após uma temporada em Guantánamo, foi liberado sem que jamais alguém lhe tenha feito alguma acusação formal. Esteve preso por quatro anos.

Guantánamo é uma tragédia. Representa o momento em que o governo do país que inventou a democracia contemporânea decidiu que, em alguns casos, democracia não se aplica. Lei atrapalha. Justiça burocratiza. Ele suspendeu o Estado de direito.

George W. Bush está para sair. Durante seu governo, fez muitos discursos sobre a idéia de espalhar a democracia pelo mundo. Vai demorar muitos anos até que tenhamos total dimensão do mal que ele fez à idéia de democracia.

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