Entre Obama e Hillary, a crise
geracional do Partido Democrata
Esta é uma semana de psicanálise, aqui nos Estados Unidos, para o Partido Democrata. Na tevê, uma jovem militante pró-Hillary Clinton, Debra Bartoshevich, está fazendo campanha para John McCain. ‘Sou democrata’, ela diz, ‘apoiava Hillary, agora votarei em John McCain.’ Aí, completa: ‘Você também pode fazer isso.’
Ela era delegada eleita nas primárias – tinha voto na convenção desta semana. Foi cassada. É feminista. Quando lhe perguntaram como poderia votar em alguém que pretende colocar na Suprema Corte juízes que derrubem a legalidade do aborto, Debra respondeu que não acreditava que McCain viesse a fazer isso.
Mas esta é a plataforma de McCain. Como era a de George W. Bush antes dele. E como juízes o suficiente mudarão nos próximos anos, McCain é capaz de conseguir. Certamente tentará.
A decisão de Debra Bartoshevich é irracional – e tanto líderes democratas quanto republicanos sabem disso. Há um bocado de irracionalidade no processo político norte-americano – e só a psicanálise explica. Barack Obama tem de lutar contra a idéia de que ele é elitista, enquanto McCain não seria.
McCain é neto e filho de almirante. Estava ele próprio para ser elevado a almirante quando partiu para a carreira política. Virou senador. É um herói de guerra – que não restem dúvidas. Obama é neto de avós da classe média baixa dos EUA por um lado e de humildes fazendeiros quenianos, do outro. Seu pai o abandonou, a mãe o criou com um salário de professora. Filho de mãe sozinha que se virou como deu. Pelo brilho conquistou as bolsas que lhe financiaram uma educação em universidade de ponta.
Não é que seja um defeito pertencer à elite. É só que, dada a história pessoal de cada candidato, é irreal que alguém considere Obama elitista e McCain, não.
Mas muito de política tem a ver com a percepção, as ilusões, as expectativas – psicanálise.
Ontem, quando Michelle Obama falou à convenção, ela tinha duas missões. A primeira, contando sua história, a de reforçar a idéia de que a família vem da classe média e que nada, em suas vidas, veio fácil. A segunda era seduzir as mulheres frustradas pela derrota de Hillary.
Os aplausos que recebeu foram mornos.
As feridas entre Bill e Hillary Clinton e Barack Obama estão abertas. Em parte, é amargura pela derrota. Em parte, é o lidar com a idade. O Bill Clinton que chegou à Casa Branca em 1992 era o primeiro da geração Baby Boom na presidência. Aquele foi um marco. Dwight Eisenhower, John Kennedy, Lyndon Johnson, Richard Nixon, Gerald Ford, Jimmy Carter, Ronald Reagan e George H. W. Bush – todos tiveram idade suficiente para lutar na Segunda Guerra. Com as exceções de Johnson e Reagan, todos os presidentes pós-Segunda Guerra lutaram no conflito. Clinton foi um sopro repentino de juventude, uma brusca mudança de geração no comando. Um símbolo de fim da Guerra Fria. E ele era informal, visto vez por outra de bermuda, camiseta e boné, um sedutor.
Só que isso é história. Clinton, o atual Bush e McCain são da geração que tinha idade o suficiente para lutar no Vietnã. (McCain saiu de lá herói; Clinton se recusou a lutar; Bush escapou com o pistolão do pai. Obama era uma criança.) Os Clinton já cruzaram a faixa dos 60 anos.
É a população norte-americana que decidirá se é hora de mudar a guarda ou não. Se Clinton – o ex-presidente – tem motivos psicanalíticos para sua amargura, também é verdade que Obama não fez de nada para facilitar o processo de aproximação. Se falam formalmente, com gentileza e frieza. Não passa disso. Obama não se esforçou para ajudar com as dívidas da campanha de Hillary, não faz elogios públicos. O amor e carinho que Obama demonstra para com Ted Kennedy, o patriarca dos democratas no Senado, está longe da relação que mantém com Clinton.
Há uma disputa geracional dentro do partido e entre a população. Os líderes da velha guarda, Kennedy e Carter, se entregam apaixonados à mudança. Os líderes que estão sendo substituídos agora não gostam. Mais que compreensível. E essa briga é refletida no comportamento dos eleitores.
Esta é a história dessa semana. Lá fora, no eleitorado geral, há um problema de classe e outro de raça. Mas internamente, no Partido Democrata, o que pesa mais é geração. A geração do Baby Boom que fez a política revolucionária dos anos 60 se ressente da alternância. A cada dia, na convenção, essa mistura de ressentimento pela passagem do tempo e intransigência juvenil, uma briga de família em que as coisas jamais são ditas, vai sendo sublinhada. Os avós abraçam os netos enquanto pais e filhos se desentendem.
Não há nada de racional no processo. Não houvera a briga, Obama tinha a eleição garantida. Mas a briga está lá. E, na televisão, seu maior reflexo: Debra Bartoshevich, abraçada a um ideal feminista de outrora, jura que McCain nada fará para combater o aborto legal. Não importa quantas vezes McCain diga o contrário. Ele sabe. Hillary e Bill sabem. Obama também sabe.
Quantas Debras não existirão por aí? Essa é a questão.
Prezados leitores: de Palo Alto, na Califórnia, o Weblog está de volta.
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