sábado, 13 de março de 2010

Natureza Selvagem

"perturbador, envolvente e impressionante quanto belo". - Joe Morgenstern, The Wall Street Journal.

"encantador e desnorteador" Carlos Eduardo, eu mesmo. Pois é assim que me sinto após assistir o filme Natureza Selvagem. Há muito um filme não me desnorteava tanto, o que inclusive torna bastante dificil escrever sobre. Mas vamos lá.

Começemos chamando a atrenção para trilha sonora, ela mesma uma personagem do filme, e obviamente ela também desnorteadora. Tocante e inesquecível. Um belissimo trabalho de Eddie Verder do Pearl Jam. Que com sua voz cortante e angustiada guia bem o tom do filme.

A direção e o roteiro são outras belas obras, Sean Penn revela-se cada vez mais um grande cineman, seja como ator, produtor, roteirista ou diretor. No caso deste filme seu roteiro e sua direção são primorosos. Trata-se de um verdadeiro filme de estrada pois Penn e seu diretor de fotografia Eric Gautier (também muito bom) optaram por filmar em locações naturais e assim tal qual o personagem principal somos convidados a viajar pelos EUA, desde o Alasca até Dakota, do México a California, de West Virginia ao deserto e assim sucessivamente.

Ainda nesta parte mais técnica o que falar do protagonista Emille Hirsch? Segundo Vilaça "Emile Hirsch oferece uma performance magnífica em seu minimalismo: sem investir em grandes explosões emocionais, ele ilustra a natureza contraditória e amargurada de Christopher McCandless através do olhar e da expressão de encantamento diante do mundo “real” que tanto admira e de sua clara atração pela solidão. Além disso, sua transformação física ao longo da narrativa é chocante, rivalizando com aquelas experimentadas por Christian Bale em O Operário e Tom Hanks em Náufrago". Mas de se notar também é a segura direção de Penn sobre o luxuoso elenco de apoio, com destaque para Kristen Stewart, Hal Holbrook, Vince Vaughn.

Passemos ao roteiro propriamente dito. Trata-se de um filme baseado em um livro que por sua vez conta a história veridica de um jovem viajante. Em 1990, com 22 anos e recém-licenciado, Christopher McCandless ao terminar a faculdade, doa todo o seu dinheiro a uma instituição de caridade, cerca de 24mil dolares, muda de identidade e parte em busca de uma experiência genuína que transcendesse o materialismo do quotidiano. Abandona, assim, a próspera casa paterna sem que ninguém saiba e mete-se à estrada. Viaja por uma boa parte da América (chegando mesmo ao México) à boleia, a pé, de carona, ou até de canoa, arranjando empregos temporários sempre que o dinheiro faltasse pois, Chris opta por abandonar o carro e queimar  o restante do dinheiro que possuia no início de sua jornada. Jornada esta que tem como finalidade a maravilhosa e selvagem natureza do Alasca. Mas enquanto o Alasca não chega Chris viaja por várias partes dos EUA e ainda que desconfiado das relações humanas e influenciado pelas suas leituras, que incluíam Tolstoi e Thoreau, o que lhe acontece durante este percurso transforma a percepção do jovem de forma que já ao fim do filme perceberemos que a relação humana é o que resta para nossa espécie. 
Sean Penn vai intercalando a viagem de McCandless com breves flashbacks do seu passado, narrados em voz off pela irmã de Chris. Assim descubrimos que Chistopher quer fugir de sua  família materialista, hipócrita, cheia de mentiras e mesmo violenta. É exatamente durante a viagem que a camera de Penn, a fotografia de Gautier e a trilha sonora de Eddie Verder dão o tom da persona de Chris. Penn  capta melancolicamente, com vagar e gosto, a paisagem americana (aqui ressalte-se que por detrás das belas imagens da natureza selvagem temos na verdade uma narrativa da natureza humana com seus tipos e modos), e quase nos hipnotiza pelas imagens e som. Penn tem ainda a mestria de não entrar muito pelo lado místico ou de heroismo do rapaz timido, mostrando-nos apenas o lado de Chris extremamente simpático, uma pessoa que faz amigos com facilidade, com uma simpatia espontânea, mas que mesmo assim não se permite doar a este outro, o que incomoda Chris é o demasiado humano de nossa humanidade.  

A viagem em busca de autenticidade e auto-reconhecimento de Chris expõe não somente o protagonista embora não o admita - simplesmente fugindo de seu passado – e seu propósito não declarado (aliás, inconsciente) é encontrar alguma forma de preencher o vazio interior deixado pela relação conturbada com os pais. Mas existe toda uma pleiade com quem ele mantém relações e assim é possível perceber que existem muito mais "estranhos' aqui no sentido antropológico de alteridade do que imaginamos e assim antropologicamente o filme de Penn se torna grandioso pois coloca em dúvida a idéia das certezas absolutas.  Assim podemos nos perguntar seria Chris um rebelde dos anos 1990 ou mais um filho americano perdido, uma pessoa que tudo arriscava ou uma trágica figura que lutava com o precário balanço entre homem e Natureza e contra o materialismo da sociedade? Talvez a resposta seja mesmo a óbvia ambos. Eis ai outro grande mérito do grande Penn: humanizar nossa humanidade. Assim o héroi e também anti-héroi. é meigo e caridoso, mas também é cruel e egoista. Aliás se pensarmos bem (e a narração em off) tem essa função a reação do jovem é ela própria cruel e egoista. Dito de forma direta por mais defeituosoas que fossem as relações familiares e elas eram. A opção pela fuga é tão ou mais cruel do que os erros cometidos pelos parentes – e deixá-los sem notícias suas idem. Tanto o é que um de seus novos amigos de viagem e mesmo o nosso héroi em certo momento de sua viagem interna descobrem que o perdão é uma dádiva.

O héroi rancoroso que não consegue enxergar virtudes em sua vida acaba deste modo por querer inventar sua próppria humanidade, que nesse caso seria mais próxima da natureza. Eis de novo mais uma antropologizada do filme, pois é sábido que um dos maiores debates desde sempre na antropologia se dá exatamente no par dicotômico natureza-cultura. Chris ao criar sua própria cultura de certo modo inventa também sua natureza, aquela que nega um principio universal de nossa espécie a vida em sociedade. Assim vemos o nosso héroi por várias vezes recusando a humanidade dos que cruzam seu caminho, ao agir assim ele nega não a humanidade do outro mas sim a sua própria humanidade. Afinal a sociedade e formada pelo males como diz o próprio personagem.  Enfim poderia ainda escrever laudas e laudas tamanho a pertubação do filme. Mas termino chamando a atenção novamente para um momento de verdadeira obra prima: o plano final do filme. E humano demasiado humano descobrimos que mesmo na negação de nossa humanidade nos tornamos mais humanos. é ou não peretubador. principalmente quando se estar a ministrar disciplinas que refletem sobre esta questão. Grande Penn que nos conduz a um filme que incita a fugir mas também a ficar, que pode ser um elógio ao nilismo mas também ao seu oposto. Enfim não existe saída fácil e todos os caminhos tem seus prós e contras.

Notável mesmo foi este filme de 2007 ter sido deixado de lado pelo Oscar. Talvez explique inclusive o espirito deste prêmio e essa lenga-lenga de filme comercial e filme não comercial. Tudo balela no Oscar todos são comerciais incluindo os ditos independentes. Os independentes mesmo como este filmaço de Penn ficam de fora. Pois eu digo merecia o prêmio de direção, de fotografia, de roteiro adaptado, de ator principal, de atriz coadjuvante para a excelente Kristen Stewart, o de trilha sonora. Se o Oscar ignorou o filme outros prêmios não e ele se consagrou entre outros no: Sindicato dos Atores, no Globo de Ouro, na associação de criticos de cinema de Chicago, na associação de produtores, na Mostra de São Paulo, de Palm Springs entre vários outros ou mesmo nas listas dos melhores de 2007, feito que pelo menos 15 grandes críticos norte-americano o colocou na lista dos 10 mais e na maioria das vezes entre os 05 mais.

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