domingo, 15 de março de 2009

Mulheres e sexualidade, preconceitos e tabus II

Aproveitando o embalo, a sexualidade feminina ainda segue os ditames do preconceito machista. E a velha ideia de que o corpo feminino não pertence a mulher que o ostenta. Senão vejamos, tal ideia se inicia com nosso mito fundador. Eva é parte de Adão é fruto da costela deste. Mais do que isso, seu corpo pelo mito bíblico traz em si a lascividade, a permissividade e o convite ao pecado. É o demônio a espreitar o homem. É por essas e outras razões, que muitos homens acham que podem passar a mão ou agarrar sem consentimento uma mulher que eles consideram atraentes. É por isso que ainda se registra com certa força, em nosso judiciário, a ideia de que em determinadas situações a vitima do estupro é que é culpada por manter determinados comportamentos, jeito e maneiras de se portar e vestir. E isso não é brincadeira, aliás analiso caso deste tipo, com meus alunos em uma disciplina que ministro em um curso de Direito (uma disciplina aliás que serve exatamente para combater os ismos pré-concebidos).
Digo tudo isso pois andamos a volta com o velho debate sobre o aborto e como sempre as menos ouvidas são as mulheres. Veja o caso da menina estuprada em Pernambuco: caso típico da mentalidade cristã romana, a mulher em si não tem valor algum. Seu papel é somente o de reprodutora, sua função primordial é a maternidade. Daí ela não merecer usufruir de prazer (sexo só para reprodução, ainda que a Igreja não condene o prazer sexual masculino). Daí não é de se estranhar que sua vida possa ser posta em risco. Afinal, a preocupação com a vida da mulher tratar-se-ia de extremo individualismo. Neste caso, a morte no parto deveria ser encarado com apenas mais um desígnio do Pai. Pai obviamente, já que na tradição ocidental judaico-cristã e mesmo no Islão nada de se pensar em deidades femininas. Mulheres não poderiam jamais ocupar esse espaço pois que não são criadoras apenas reprodutoras.
Deixo aqui registrado minha opinião sou a favor da descriminalização do aborto. Aliás já repararam a estratégia dos conservadores, tomar a parte pelo todo. Assim sendo, você deve ser a favor da vida ou então ser acusado de ir contra a mesma. Ora, ser a favor da descriminalização de um ato não significa praticar o mesmo ou fazer proselitismo do mesmo. Outra coisa que me intriga neste caso todo, é a máxima dogmática utilizada pela Igreja: a Vida é inviolável.
Bom primeiro deixemos claro algo: dogmas não se discutem. Ou você crer ou você não crer. É algo indiscutível e, portanto, não o faremos aqui. O que queremos levantar aqui é a coerência da Igreja Romana a respeito da inviolabilidade humana. Por exemplo, as leis canônicas reconhecem a legitimidade da “guerra justa” e da revolução popular em caso de tirania prolongada e inamovível por outros meios (Populorum Progresio). É o princípio tomista do mal menor. Em muitos países, a Igreja aprova a pena de morte para criminosos.
A este respeito, dois padres brasileiros (ontem a noite o Monsenhor Fisichella em uma atitude surpreendente para quem ocupa o cargo que ele ocupa na Santa Sé em Roma publicou no Observatore Romano, o Diário Oficial do Vaticano uma crítica contundente a atitude do bispo brasileiro e defendeu os médicos, a menina e a família dela) manifestaram com rara sensibilidade. Frei Betto disse corretamente "o debate sobre se o ser embrionário merece ou não reconhecimento de sua dignidade não deve induzir ao moralismo intolerante, que ignora o drama de mulheres que optam pelo aborto por razões que não são de mero egoísmo ou conveniência social."(...)"É a defesa do sagrado dom da vida que levanta a pergunta se é lícito manter o aborto à margem da lei, pondo em risco também a vida de inúmeras mulheres que, na falta de recursos, tentam provocá-lo com chás, venenos, agulhas ou a ajuda de curiosas, em precárias condições higiênicas e terapêuticas. Uma legislação em favor da vida faria este problema humano emergir das sombras para ser adequadamente tratado à luz do Direito, da moral e da responsabilidade social do poder público." (...)Se os moralistas fossem sinceramente contra o aborto, lutariam para que não se tornasse necessário e todos pudessem nascer em condições sociais seguras. Ora, o mais cômodo é exigir que se mantenha a penalização do aborto. Mas como fica a penalização do latifúndio improdutivo e das causas que levam à morte, por ano, cerca de 26 entre cada 1.000 crianças brasileiras que ainda não completaram doze meses de vida?"
Outra manifestação foi o Padre Alfredo Gonçalves que também na direção do pensamento social cristão defende a excomunhão, mas nesse caso a excomunhão do: latifúndio, "paraísos fiscais", da exploração do homem pelo próprio homem como sistema de produção, entre outros. Na verdade, ele defende a excomunhão de dezenas de fatos, em outras palavras, a excomunhão da injustiça essa sim incompatível com o dogma maior do catolicismo.

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