quarta-feira, 25 de novembro de 2009

A questão Quilombola: legislação e orçamento

Na semana passada estivemos, na bela e aprazível cidade do Serro-MG para participarmos do IV Encontro da Fed. Quilombola de Minas Gerais N'golo e também do I Congresso Nacional de Direitos Quilombolas eventos que aconteceram simultâneamente na Pontifícia Universidade Católica daquela cidade. Foi um evento ao mesmo tempo belo e tenso como não poderia deixar de ser uma reunião com esta temática. Mas ficou mais uma vez, a certeza de que os Quilombolas continuam fortes na luta por seus Direitos. Inclusive passamos o dia 20 de novembro neste evento.
No entanto, ao retornar a Belo Horizonte encontrei uma série de e-mails preocupantes a respeito da questão quilombola. De modo resumido dois e-mails me chamaram mais a atenção. O primeiro é um levantamento dos projetos que tramitam no Congresso Nacional tendo como temática a questão territorial quilombola: são seis projetos mais relevantes, cinco têm como efeito dificultar a titulação dos territórios quilombolas, reduzindo acesso aos direitos territoriais. Desnecessário afirmar que para a efetivação de um país mais justo, solidário, republicano e cidadão o acesso ao território para comunidades quilombolas é indispensável que esses cinco projetos de lei não virem lei. Desnecessário também lembrarmos que titulação territorial quilombola é obrigação constitucional em consonância não somente com o art. 68 do ADCT que se refere diretamente a territorialidade quilombola, mas também em consonância com os arts. 215 e 216 do capítulo da Cultura, e os arts. 1° e 5° que fala em dignidade humana entre outros.
Conheça os principais projetos de lei em tramitação:
1) Projeto de Lei 6264/2005 Estatuto da Igualdade Racial ( o unico favorável aos quilombolas)
Autor: Senador Paulo Paim (PT-RS)
Efeitos para a titulação dos territórios: A aprovação do texto na Câmara dos Deputados, tal como veio do Senado, poderia ajudar a consolidar um marco legal mais eficaz sobre a questão territorial quilombola.
2) Projeto de Lei 3654/2008
Autor: Valdir Colatto (PMDB-SC)
Efeitos para a titulação dos territórios: Se aprovado, este projeto irá retirar o direito de auto-identificação da comunidade. Também não prevê a desapropriação para titulação do território e o quilombola só teria direito à área que estivesse efetivamente ocupando e não a área necessária para a sobrevivência da comunidade.
3) Projeto de Decreto Legislativo 326/2007
Autor: Valdir Colatto (PMDB-SC)
Efeitos para a titulação dos territórios: O Ministério da Cultura seria o responsável pela titulação dos territórios quilombolas, sendo que este órgão não dispõe de estrutura, capacidade técnica e experiência de trabalho em questões territoriais.
4) Projeto de Decreto Legislativo 44/2007
Autor: Valdir Colatto (PMDB-SC) e outros
Efeitos para a titulação dos territórios: Caso fosse aprovada a proposta, não haveria mais nenhum marco normativo capaz de orientar o Estado a fazer os processos de titulação dos territórios. Muitos trabalhos que já estão em andamento perderiam a validade e teriam que ser refeitos. A titulação ficaria muito difícil, pois não se saberia quem deveria fazer e nem mesmo qual as regras do processo.
5) Projeto de Emenda à Constituição 161/2007
Autor: Celso Maldaner – PMDB/SC
Efeitos para a titulação dos territórios: O projeto, se aprovado, irá tirar do Poder Executivo a competência para realizar a titulação dos territórios quilombolas.
6) Projeto de Emenda à Constituição 190/2000
Autor: Senado Federal – Lúcio Alcântara (PSDB-CE)
Efeitos para a titulação dos territórios: O projeto prevê uma pequena alteração no texto original. Mas essa alteração, na prática, impede a aplicação do decreto 4887/03, pois obriga o Congresso Nacional a ditar as regras sobre o processo de titulação das comunidades quilombolas invalidando o Decreto 4887/03.
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Outro e-mail diz respeito a aplicação, ou melhor, a não aplicação das verbas destinadas as políticas públicas quilombolas, o famoso e inócuo Programa Brasil Quilombola. Segundo esta notícia: "O governo federal pretendia investir mais de R$ 2 bilhões, entre 2008 e 2011, em ações que viabilizassem o acesso à terra, melhoria da saúde, cultura, educação e infraestrutura nas comunidades remanescentes de escravos – os quilombos. As intenções, entretanto, esbarram em obstáculos para o repasse de verbas. O Brasil Quilombola, por exemplo, principal programa voltado a estas comunidades, gastou menos de R$ 13 milhões dos R$ 56,6 milhões previstos no orçamento deste ano. Desde sua implementação, em 2005, o programa já desembolsou R$ 57,6 milhões. Neste mesmo período, no entanto, deixou de aplicar R$ 178,7 milhões"
Ainda segundo a matéria elaborada pelo site Contas Abertas "Desde sua criação, no entanto, o programa (Brasil Quilombola) sofre com a baixa execução. Logo no primeiro ano de sua implementação, 2005, o programa contou com R$ 28,6 milhões previstos, dos quais somente 25% foram efetivamente aplicados. Em 2006, o orçamento aprovado teve um incremento de mais de R$ 23 milhões em relação ao ano anterior, totalizando R$ 52,3 milhões. Apesar disso, menos da metade foi executado – 31%. No ano seguinte o orçamento previsto caiu para R$ 45,4 milhões, dos quais apenas R$ 13,3 milhões foram efetivamente gastos. Foi no ano passado, no entanto, que as comunidades foram menos favorecidas com os recursos do Brasil Quilombola. De um orçamento de R$ 53,4 milhões, somente R$ 8,5 foram desembolsados, batendo o menor índice de execução do programa (16%)."
A baixa execução ainda segundo a matéria atinge aos mais diversos órgãos da adiministração direta e indireta, seja nos ministérios responsáveis por políticas públicas universais, que no entanto, recebem verbas específicas para a questão quilombola como Educação, Saúde, Cidades, etc. No entanto, por incrível que pareça os piores executores são os ministérios que trabalham diretamente com a questão: a SEPPIR (dados mostrados acima) e o MDA. Segundo o site Contas Aberta: "cerca de 76% do previsto no orçamento do programa Brasil Quilombola fica sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Agrário, que, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), coordena o reconhecimento, demarcação e titulação das áreas remanescentes de quilombos. De R$ 42,7 milhões, foram pagos R$ 6,4 milhões, ou 15%. Com este recurso, o Incra também indeniza os donos de pouco mais de 3% das áreas a que têm direito as comunidade quilombolas. Até o fechamento da matéria, o órgão não esclareceu os motivos para a baixa execução do Brasil Quilombola."
Ou seja, nem mesmo esta baixa verba (em se tratando de desapropriação de terras) é utilizado pelo INCRA, o que em nossa opinião prova que o governo federal esta na prática abandonou a política de titulação territorial quilombola em claro ataque a Constituição Federal Brasileira.
Para finalizar, voltemos a matéria do site Contas Abertas: "Em média, Orçamento Quilombola desembolsa apenas 26%. Faltando pouco mais de um mês para o fim do ano, os quilombolas ainda aguardam R$ 76 milhões previstos no chamado “orçamento quilombola”, um extrato do orçamento da União contendo as ações que afetam diretamente as comunidades remanescentes de quilombos. Estruturado sobre quatro grandes programas - Brasil Quilombola, Cultura Afro-Brasileira, Comunidades Tradicionais e Promoção de Políticas Afirmativas para a Igualdade Racial – o quarteto já desembolsou quase R$ 193 milhões desde 2004. Apesar disso, no mesmo período deixou de aplicar um montante de R$ 405,6 milhões. (...) Ricardo Verdum, assessor de políticas indígena e socioambiental do Inesc, avalia que no programa Brasil Quilombola não se conseguiu gastar, em média, mais do que 26% do orçado entre 2005 e 2008. Para Verdum, as políticas públicas para acs comunidades quilombolas dependem muito do desempenho de terceiros – ONGs, associações locais, secretarias estaduais e municipais. “Quando não há o compromisso político e falta interesse, só procedimento burocrático movendo as pessoas, tudo fica muito mais difícil. Considerando os desafios, é pouco o orçamento e lamentável o gasto efetivamente realizado”, avalia.

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