O retorno do último exilado
Yacy Nunes, especial para o JB, Jornal do Brasil
RIO - Traumatizado até hoje com a ditadura militar iniciada em 1964, embora tenha sido anistiado em outubro de 2008 pelo Ministério da Justiça, o marinheiro Antônio Geraldo da Costa, que tem o apelido de Neguinho desde que fugiu do país, em 1969, voltará finalmente ao Brasil amanhã. Nascido em 1933, no sertão da Paraiba, o último refugiado brasileiro, que decidiu perder o medo e retornar ao país, vai morar no Rio de Janeiro.
Após 40 anos de exílio, primeiro no Chile e, depois do golpe contra Salvador Allende, em Estocolmo, na Suécia – onde trabalhou como auxiliar de enfermagem, até se aposentar, no ano passado – será recepcionado no Aeroporto Tom Jobim às 15h30m de amanhã por um pequeno grupo de ex-militantes, denominados “Os amigos de 68”. Solidários, eles não querem que o companheiro tenha aborrecimentos com a alfândega ou com a burocracia.
A história de Neguinho é, há uma semana, o tema central da troca de e-mails entre alguns dos personagens da luta armada que sobreviveram ao tempo. Em entrevista exclusiva, Júlio César Barros, que trabalha hoje no gabinete do prefeito do Rio, Eduardo Paes, Dalva Bonet, professora de inglês e literatura e ex-colaboradora dos dois governos de Leonel Brizola, além de Guilhem Rodrigues da Silva, juiz eleito pela comunidade da cidade de Lund, na Suécia, onde mora até hoje, revelam detalhes da vinda definitiva do ex-soldado da Marinha.
Os anos 60
– Neguinho veio para o Rio muito jovem. Era arrimo de família. Mandava quase todo o soldo que recebia na Marinha para os pais, no Nordeste – recorda-se Dalva Bonet, ex-normalista e jornalista, presa e torturada em 1968 e, depois, exilada no Chile, Panamá e Londres, antes de retornar ao Brasil em 1983. – Ele entrou para a Associação de Marinheiros. Neguinho estudou e aprendeu muita coisa na Marinha. Foi preso no golpe militar. Estava em Recife quando aconteceu a derrubada de João Goulart, em 1964. Foi preso no navio. Depois, ele conseguiu fugir da penitenciária Lemos de Brito, conforme soube pelos relatos dos companheiros Pedro Viegas e Julinho. Foragido no Brasil, acabou indo para o Chile, mas teve que sair de lá quando houve o golpe de Pinochet. Em 1973, após a derrubada de Allende, conseguiu documentos falsos e foi de navio de Valparaiso à Itália. De lá, tomou um trem, junto com o companheiro Élio e a mulher dele, uma chilena, e foi para Copenhagen, na Dinamarca. La, foi resgatado pelo companheiro Guilhem.
Júlio César Senra Barros, ex-militante do MAR, Movimento de Ação Revolucionária, surgido na Penitenciária Lemos de Brito – onde os presos da Marinha cumpriam pena –, conheceu Neguinho após o AI-5 de dezembro de 1968:
– O MAR surgiu em 1968. Na penitenciária, Antônio Duarte, José Duarte, Marco Antônio Lima, Avelino Capitania, Pedro França Viegas, José Adeildo Ramos eram alguns dos presos que cumpriam pena pela tomada do sindicato dos metalúrgicos em 1964. Eu prestava assistência como estagiário de Direito. Acabei me engajando na organização – conta Barros. – O objetivo inicial do MAR era o de planejar a fuga desses presos da penitenciária e a criação de um foco de resistência revolucionária, de guerrilha, na Serra do Mar, interrompendo o eixo Rio-São Paulo. O Neguinho também tinha ficado preso lá na Lemos de Brito, mas conseguiu fugir antes.
O “tigre” revolucionário
De acordo com Barros, Neguinho era o responsável pelo contato com as outras organizações revolucionárias em São Paulo.
– A enorme facilidade de articulação do Neguinho facilitou muito o nosso trabalho. Fui escalado para fazer o contato com São Paulo. Encontrei o Neguinho lá. Ele era conhecido como Tigre – lembra o ex-militante. – Ele tinha uma grande rede de pessoas. O contato era feito em um cursinho de pré-vestibular. Na avenida São João. A pessoa contactada levava a gente até um bar. Você esperava o Neguinho, sem identificar de onde ele vinha. Ágil, com os olhos sempre atentos ao seu redor, com um pensamento rápido para solucionar problemas, ele bolou um jeito de comunicarmos sem riscos. Preservou a minha identidade e conseguiu preservar os segredos da organização. Não o vejo desde 1969, quando houve a queda do aparelho. Do Neguinho, tenho hoje a imagem de uma mente brilhante e de uma consistente ideologia revolucionária socialista.
Yacy Nunes, especial para o JB, Jornal do Brasil
RIO - Traumatizado até hoje com a ditadura militar iniciada em 1964, embora tenha sido anistiado em outubro de 2008 pelo Ministério da Justiça, o marinheiro Antônio Geraldo da Costa, que tem o apelido de Neguinho desde que fugiu do país, em 1969, voltará finalmente ao Brasil amanhã. Nascido em 1933, no sertão da Paraiba, o último refugiado brasileiro, que decidiu perder o medo e retornar ao país, vai morar no Rio de Janeiro.
Após 40 anos de exílio, primeiro no Chile e, depois do golpe contra Salvador Allende, em Estocolmo, na Suécia – onde trabalhou como auxiliar de enfermagem, até se aposentar, no ano passado – será recepcionado no Aeroporto Tom Jobim às 15h30m de amanhã por um pequeno grupo de ex-militantes, denominados “Os amigos de 68”. Solidários, eles não querem que o companheiro tenha aborrecimentos com a alfândega ou com a burocracia.
A história de Neguinho é, há uma semana, o tema central da troca de e-mails entre alguns dos personagens da luta armada que sobreviveram ao tempo. Em entrevista exclusiva, Júlio César Barros, que trabalha hoje no gabinete do prefeito do Rio, Eduardo Paes, Dalva Bonet, professora de inglês e literatura e ex-colaboradora dos dois governos de Leonel Brizola, além de Guilhem Rodrigues da Silva, juiz eleito pela comunidade da cidade de Lund, na Suécia, onde mora até hoje, revelam detalhes da vinda definitiva do ex-soldado da Marinha.
Os anos 60
– Neguinho veio para o Rio muito jovem. Era arrimo de família. Mandava quase todo o soldo que recebia na Marinha para os pais, no Nordeste – recorda-se Dalva Bonet, ex-normalista e jornalista, presa e torturada em 1968 e, depois, exilada no Chile, Panamá e Londres, antes de retornar ao Brasil em 1983. – Ele entrou para a Associação de Marinheiros. Neguinho estudou e aprendeu muita coisa na Marinha. Foi preso no golpe militar. Estava em Recife quando aconteceu a derrubada de João Goulart, em 1964. Foi preso no navio. Depois, ele conseguiu fugir da penitenciária Lemos de Brito, conforme soube pelos relatos dos companheiros Pedro Viegas e Julinho. Foragido no Brasil, acabou indo para o Chile, mas teve que sair de lá quando houve o golpe de Pinochet. Em 1973, após a derrubada de Allende, conseguiu documentos falsos e foi de navio de Valparaiso à Itália. De lá, tomou um trem, junto com o companheiro Élio e a mulher dele, uma chilena, e foi para Copenhagen, na Dinamarca. La, foi resgatado pelo companheiro Guilhem.
Júlio César Senra Barros, ex-militante do MAR, Movimento de Ação Revolucionária, surgido na Penitenciária Lemos de Brito – onde os presos da Marinha cumpriam pena –, conheceu Neguinho após o AI-5 de dezembro de 1968:
– O MAR surgiu em 1968. Na penitenciária, Antônio Duarte, José Duarte, Marco Antônio Lima, Avelino Capitania, Pedro França Viegas, José Adeildo Ramos eram alguns dos presos que cumpriam pena pela tomada do sindicato dos metalúrgicos em 1964. Eu prestava assistência como estagiário de Direito. Acabei me engajando na organização – conta Barros. – O objetivo inicial do MAR era o de planejar a fuga desses presos da penitenciária e a criação de um foco de resistência revolucionária, de guerrilha, na Serra do Mar, interrompendo o eixo Rio-São Paulo. O Neguinho também tinha ficado preso lá na Lemos de Brito, mas conseguiu fugir antes.
O “tigre” revolucionário
De acordo com Barros, Neguinho era o responsável pelo contato com as outras organizações revolucionárias em São Paulo.
– A enorme facilidade de articulação do Neguinho facilitou muito o nosso trabalho. Fui escalado para fazer o contato com São Paulo. Encontrei o Neguinho lá. Ele era conhecido como Tigre – lembra o ex-militante. – Ele tinha uma grande rede de pessoas. O contato era feito em um cursinho de pré-vestibular. Na avenida São João. A pessoa contactada levava a gente até um bar. Você esperava o Neguinho, sem identificar de onde ele vinha. Ágil, com os olhos sempre atentos ao seu redor, com um pensamento rápido para solucionar problemas, ele bolou um jeito de comunicarmos sem riscos. Preservou a minha identidade e conseguiu preservar os segredos da organização. Não o vejo desde 1969, quando houve a queda do aparelho. Do Neguinho, tenho hoje a imagem de uma mente brilhante e de uma consistente ideologia revolucionária socialista.
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